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Cursos jurídicos e disputas políticas em Juiz de Fora na República Velha
Pedro Henrique Oliveira Cuco; Vanessa Ferreira Lopes
Pedro Henrique Oliveira Cuco; Vanessa Ferreira Lopes
Cursos jurídicos e disputas políticas em Juiz de Fora na República Velha
Law schools and political disputes in Juiz de Fora in the First Brazilian Republic
Cursos jurídicos y disputas políticas en Juiz de Fora en la República Velha brasileira
Facultés de Droit et conflits politiques à Juiz de Fora à l’époque de la República Velha
巴西旧共和国时期(1889-1930) 茹伊斯德福拉市的法律课程和政治纷争
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 11, núm. 2, pp. 259-282, 2019
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: Este artigo tem por objetivo contextualizar, de forma exploratória, o ensino jurídico em Juiz de Fora (MG) na década de 1910. Busca-se responder quais as possíveis causas que levaram ao fim dos dois cursos de Direito nessa cidade, em 1915. Acredita-se que a Reforma Carlos Maximiliano, questões internas e disputas religiosas, educacionais e de poder teriam sido, em conjunto, as principais causas desse fato. A partir de revisão da literatura e do acesso a parte de documentos da época, optou-se pelo método indiciário, tentando reconstruir o cenário em que viviam a Escola de Direito do Granbery e a Faculdade de Direito de Juiz de Fora.

Palavras-chave:Faculdade de Direito de Juiz de ForaFaculdade de Direito de Juiz de Fora,Escola de Direito do GranberyEscola de Direito do Granbery,Reforma Carlos MaximilianoReforma Carlos Maximiliano,ensino jurídicoensino jurídico.

Abstract: The following article aims to contextualize the teaching of law in Juiz de Fora (Minas Gerais, Brazil) in the 1910s. It seeks to identify why the two law courses available in the city were terminated in 1915, identifying the Carlos Maximiliano Reform, issues internal to the teaching institutions, and disputes concerning religion, education, and power as the main causes. Based on a review of the literature and access to part of the documents from the time, the evidence-based method has been selected in order to reconstruct the context in which Granbery Law School and Juiz de Fora Law School were situated.

Keywords: Juiz de Fora Law School, Granbery Law School, Carlos Maximiliano Reform, teaching of law.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo contextualizar la enseñanza jurídica en Juiz de Fora (Minas Gerais) en la década de 1910. Se busca determinar cuáles fueron las posibles causas que llevaron al final de los dos cursos de Derecho en esa ciudad, en 1915. Investigamos si el peso de la Reforma Carlos Maximiliano, diversas cuestiones internas a las instituciones educativas y las disputas religiosas, educativas y de poder fueron, en su conjunto, las principales causas de este hecho. A partir de la revisión de la literatura y del acceso a parte de los documentos de la época, se optó por el método indiciario, en un intento de reconstruir el escenario en el que vivían la Escuela de Derecho del Granbery y la Facultad de Derecho de Juiz de Fora.

Palabras clave: Facultad de Derecho de Juiz de Fora, Escuela de Derecho de Granbery, Reforma Carlos Maximiliano, enseñanza jurídica.

Résumé: Cet article a pour objectif de contextualiser l’enseignement juridique dispensé à Juiz de Fora (État de Minas Gerais) dans les années 1910. On cherchera à identifier les causes possibles de l’extinction des deux cursus de droit de la ville en 1915. Nous nous interrogerons sur le poids conjoint de la réforme Carlos Maximiliano, des questions internes aux institutions d’enseignement et des conflits religieux, pédagogiques et de pouvoir. Sur la base d’une revue de la littérature y afférente et de l’accès à une partie des documents de l’époque concernée, nous avons choisi la méthode indiciaire pour tenter de reconstruire le contexte entourant l’École de droit de Granbery et la Faculté de droit de Juiz de Fora.

Mots clés: Faculté de droit de Juiz de Fora , École de droit de Granbery , réforme Carlos Maximiliano , enseignement juridique.

摘要: 本文旨在研究1910年代,巴西旧共和时期(1889-1930),米纳斯州茹伊斯德福拉市(Juiz de Fora—MG) 的法律教育所面临的问题。作者试图分析导致1915年该城市两家法学院关门倒闭,从而结束它们的法律课程的具体因素。我们发现,1915年的卡尔洛斯·马克西米连安诺 (Carlos Maximiliano) 的教育改革 (确立小学中学与大学递进体制,大学入学考试制,读大学之前必须取得中学毕业证书,等等)﹑两所法学院的内部管理问题﹑高等教育本身的机制问题﹑宗教,教育和权力之间的纷争,是导致该城市两所法学院倒闭的主要原因。通过文献分析和官方文件的查阅,我们试图重建格兰伯里法学院 (Escola de Direito do Granbery),茹伊斯·德福拉法学院(Faculdade de Direito de Juiz de Fora) 所面临的历史困境与抉择。

關鍵詞: 茹伊斯·德福拉法学院, 格兰伯里法学院, 卡尔洛斯·马克西米连安诺教育改革, 法律教学.

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Artigos

Cursos jurídicos e disputas políticas em Juiz de Fora na República Velha

Law schools and political disputes in Juiz de Fora in the First Brazilian Republic

Cursos jurídicos y disputas políticas en Juiz de Fora en la República Velha brasileira

Facultés de Droit et conflits politiques à Juiz de Fora à l’époque de la República Velha

巴西旧共和国时期(1889-1930) 茹伊斯德福拉市的法律课程和政治纷争

Pedro Henrique Oliveira Cuco*
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
Vanessa Ferreira Lopes**
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 11, núm. 2, pp. 259-282, 2019
Universidade Federal Fluminense

Recepção: 18 Setembro 2018

Aprovação: 24 Março 2019

Introdução

A Reforma Carlos Maximiliano, promulgada pelo decreto 11.530, de 18 de março de 1915 (BRASIL, 1915b) significou uma mudança de rumo na política educacional do Estado brasileiro. Esse decreto revogou a Lei Orgânica do Ensino - a Reforma Rivadávia Corrêa, de 1911. No que tange ao ensino superior nos cursos jurídicos, a reforma enrijeceu as regras de abertura e funcionamento destes. Enquanto a Reforma Rivadávia Corrêa pregava a desoficialização do ensino e teve, por efeito, a expansão dos estabelecimentos de ensino no Brasil, a de Carlos Maximiliano tratou de instituir o contrário, com objetivos claros de restringir os cursos superiores no Brasil, especialmente os de Direito, Engenharia e Medicina.

Nessa época, grupos religiosos de Juiz de Fora (MG) já tinham em mente projetos de criação de universidades, a partir dos cursos superiores até então existentes na cidade. Em 1915, os estabelecimentos de ensino superior, laicos ou religiosos, ofereciam cursos de Direito, Farmácia, Odontologia, Comércio Superior e Engenharia. Atribui-se à rigidez da Reforma Carlos Maximiliano (CANDIÁ, 2007; UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 1985; YAZBECK, 1999) o fechamento da Faculdade de Direito de Juiz de Fora, que passou a exigir que as cidades possuíssem 100.000 habitantes para sediarem um curso de Direito, Engenharia ou Medicina.

Entretanto, pela mesma razão dever-se-ia ter fechado a Escola de Engenharia de Juiz de Fora, o que não ocorreu. Formaram-se engenheiros e o instituto teve seu reconhecimento pelo governo federal em 1918, o que nos leva ao nosso problema de pesquisa. Quais foram as razões para o fim dos cursos de Direito em Juiz de Fora, na Escola de Direito do Granbery e na Faculdade de Direito de Juiz de Fora?

Admitimos como hipótese que diversos fatores cominados levaram ao fim desses cursos, a saber as principais, a própria Reforma Carlos Maximiliano, questões internas de corpo docente, finanças e infraestrutura, questões religiosas e disputas de poder. Importante destacar o caráter exploratório dessa pesquisa, com intuito de reunir o que já foi discutido a respeito de tema e introduzir novos elementos até então desconsiderados.

Adotamos o método indiciário desenvolvido por Carlo Ginzburg, que busca a partir dos indícios, sinais e fragmentos desvelar o todo. A partir das provas coletadas desnudar as ideologias que se mostram como sintoma. Nosso trabalho centrou-se principalmente na revisão bibliográfica, nos documentos oficiais e nos jornais mais importantes da época.

Breve contextualização de Juiz de Fora e do ensino superior

No contexto estadual dos primeiros anos da República, percebe-se uma oposição em torno do projeto político de desenvolvimento para Minas Gerais. Enquanto as elites da Zona da Mata Mineira eram ligadas à produção de café e às ideias republicanas, as da região central eram ligadas à atividade mineradora e à tradição monarquista (VISCARDI, 1995 apud CANDIÁ, 2007). Os políticos da região Sul ora aliavam-se aos da Zona da Mata, ora aos do centro, que lhes garantia forte participação na representação política. Essas elites não devem ser entendidas como blocos monolíticos, não atuando de forma homogênea (VISCARDI, 1995 apud CANDIÁ, 2007). Essas disputas, a título de exemplo, marcaram os debates a respeito da transferência da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte, questões sobre tributação e municipalização.

Essas características fazem com que Juiz de Fora fosse a escolhida para fundação de uma escola metodista. Destacam-se os seguintes motivos: Juiz de Fora era um centro republicano e maçom, uma cidade em processo de urbanização crescente, com presença das camadas média, média superior e superior, com necessidade de formação e com presença elevada de estrangeiros (20%) (MESQUIDA, 1994, p. 152).

Yazbeck (1999, p. 35) afirma que Juiz de Fora diferia do

[...] perfil católico tradicional, típico dos centros urbanos localizados na antiga região da mineração. O comportamento religioso de Juiz de Fora sempre esteve marcado por um certo distanciamento das práticas rígidas do catolicismo, tão arraigado na cultura mineira. No dizer de Pedro Nava, ‘ser de muito Deus e pouco padre, muito céu e pouca igreja, muita prece e pouca missa’ (1973:36).

Nesse sentido, o ensino superior em Juiz de Fora é fortemente marcado pelas instituições religiosas que o abrigaram no começo do século XX e por uma posterior ruptura com estas em direção ao ensino laico. De um lado, o Instituto Metodista Granbery, ligado aos protestantes metodistas e, de outro lado, a Academia de Comércio, ligado ao catolicismo (YAZBECK, 1999, p. 21).

O Instituto Granbery inicia suas atividades em Juiz de Fora no ano de 1889, oferecendo os cursos elementar e ginasial, além do teológico (YAZBECK, 1999, p. 35). Em 22 de agosto de 1904, são criados os cursos de Odontologia e Farmácia nesse instituto, equiparadas aos das escolas públicas pelo decreto 1.371, de 28 de agosto de 1904 (YAZBECK, 1999, p. 36).

Os cursos superiores de Farmácia e Odontologia e de Direito, fundado em 1911, seriam o embrião para a formação de uma “Universidade Metodista” (MESQUIDA, 1994, p. 152). Em 1907, o instituto pretendia oferecer os cursos de Direito, Medicina, Veterinária e Agricultura, sendo os dois últimos demandados pela Câmara de Juiz de Fora (YAZBECK, 1999, p. 37). A ideia de se constituir uma Universidade Metodista no Brasil aparece pela primeira vez em 1894, sendo que no começo do século XX, uma grande reunião dos metodistas define Juiz de Fora como sede desse projeto de universidade (BOAVENTURA, 1995).

Segundo a visão do missionário, na medida em que as idéias ganhavam corpo e a Universidade se tornava uma possibilidade real, a Igreja Católica reagia e procurava neutralizar a iniciativa por todos os modos a seu alcance.

‘O Bispo de Mariana trouxe para aqui 6 ou 7 padres do Verbo Divino para estabelecer um Colégio e nos combater e já começaram o mesmo trabalho nefasto aqui, que fazem em toda parte do mundo’.

As resistências, entretanto, surgiram não só por parte da Igreja mas de grande parte da comunidade em função da concepção de Universidade-Igreja, que os missionários insistiam em defender em um país católico e cujos intelectuais à época se encontravam fortemente influenciadas pelo que se pensava na França, bem diferente da postura missionária dos norte-americanos (BOAVENTURA, 1995, “2 . Os primeiros passos...”, par. 11).

A reforma da educação de 1911, instituída pela Lei Orgânica do Ensino de Rivadávia Corrêa, possibilitou a ampliação dos cursos oferecidos pelo Granbery, com a implantação do curso de Direito (YAZBECK, 1999, p. 38). Os professores fundadores foram Eduardo de Menezes, Feliciano Penna, Constantino Paletta, Sílvio Romero, Luis Eugênio Horta Barbosa, José Luis do Couto e Silva, Benjamin Colucci, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, tendo sido a aula inaugural proferida por Sílvio Romero (YAZBECK, 1999, p. 39).

Mesmo com a criação dos cursos superiores, o Granbery passava por dificuldades financeiras, que levaram à uma crise na instituição (BOAVENTURA, 1995). De acordo com as atas da época, Boaventura (1995) e Yazbeck (1999, p. 39) afirmam que as causas fundamentais dessa crise seriam insuficiência de recursos financeiros, política governamental para o ensino superior, pressão da Igreja Católica, indiferença e intransigência da Junta de Missões dos Estados Unidos, debilidade do mercado de alunos, disputa de poder no âmbito interno da instituição, política expansionista muito além das possibilidades reais, concepção de universidade pouco aceita, corporativismo do professorado.

Em 1913, agrava-se a crise que levaria a ruptura das Escolas de Farmácia e Odontologia e de Direito do Instituto O Granbery. A razão girava entorno de autonomia didática, de democracia interna, salários e infraestrutura do curso (BOAVENTURA, 1995; YAZBECK, 1999) na Escola de Farmácia e Odontologia, que pouco tempo depois contamina a Escola de Direito. A falta de habilidade política do então diretor do Instituto Granbery é também apontado como fator decisivo dessa ruptura (BOAVENTURA, 1995).

Em 14 de dezembro de 1913, um grupo de professores dissidentes do curso de Direito se reúnem para fundar uma Faculdade de Direito laica, nos moldes da Faculdade Livre de Direito de Belo Horizonte (YAZBECK, 1999, p. 75). Juiz de Fora passa a ter dois cursos de Direito a partir de 1914, um da Faculdade de Direito de Juiz de Fora, sem ligação com as instituições confessionais e a Escola de Direito do Granbery, ligada aos metodistas. Apesar da ruptura, vários professores continuaram lecionando nas duas instituições.

A Academia de Comércio surge por iniciativa de Francisco Batista de Oliveira, católico fervoroso e republicano convicto (YAZBECK, 1999, p. 42), que visava instalar em Juiz de Fora o primeiro curso de Comércio Superior, nos moldes das escolas europeias da época. A inauguração da Academia de Comércio contou com apoio da elite juiz-forana da época, além de apoio financeiro do governo de Minas Gerais, à época gerido por Affonso Penna, “grande admirador da iniciativa” (YAZBECK, 1999, p. 44).

Mesmo com apoio dos governos, a Academia de Comércio entra em crise por diversos fatores, que leva se cogitar a transferência do controle para ordem dos Jesuítas, depois para o Sagrado Coração de Maria (salesianos) e finalmente para a Congregação do Verbo Divino. Padre Arnaldo Janssen, fundador da ordem, envia padres alemães para a Academia de Altos Estudos Comerciais na Áustria para que pudessem lecionar na Academia do Comércio.

Yazbeck (1999) e Novaes Netto (1997) afirmam que, com base em documentos da própria Academia de Comércio, a decisão dos verbitas se deu no intuito de frear a expansão metodista na cidade, sob o impulso da tentativa de romanização do clero católico, comandado pelo Arcebispo de Mariana, Dom Silvério. Em 1909, os verbitas, por iniciativa de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (BASTOS, 1982, p. 151), fundam o Instituto Politécnico, dedicado aos ramos de eletricidade ou eletrotécnica, arquitetura e agrimensura, além de um curso básico de “Artes e Ofícios” (YAZBECK, 1999, p. 60).

Em 1912, é fundada uma nova escola de Odontologia e Farmácia, cujo diretor era Hermenegildo Villaça. Em sua inauguração, o presidente de Minas Gerais, Bueno Brandão, ignorou os demais cursos superiores em sua mensagem, fato comentado pelos jornais da época e atribuído a mero descuido (BASTOS, 1982, p. 158). Junto com o Instituto Politécnico, este seria “mais um passo dado nesse sentido pelos virtuosos filhos do Senhor, e poderemos ter no Brasil católico a primeira Universidade católica” (LOUREIRO, 1912 apud BASTOS, 1982, p. 160).

Em 1914, uma crise relacionada a questões de disciplina religiosa imposta pelos verbitas leva parte do corpo docente do Instituto Politécnico a se desligarem da Academia de Comércio. Esses professores fundam a Escola de Engenharia de Juiz de Fora e o Instituto Politécnico é fechado (YAZBECK, 1999, p. 54).

Metodologia

Conforme propõe o método indiciário de Carlo Ginzburg (1989), procuramos a partir dos sinais, símbolos e fragmentos deixados tanto nos acervos documentais, como na bibliografia que consultamos sobre a história dos cursos jurídicos na cidade, encontrar o sentido da totalidade daquele acontecimento, ou seja, o fechamento da Faculdade de Direito de Juiz de Fora e da Escola de Direito do Granbery.

Segundo o autor, uma das características do método indiciário “é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar uma realidade complexa não experimentável diretamente” (GINZBURG, 1989, p. 152). Esse aspecto nos parece adequado, na medida que se busca reconstruir desses institutos, entre 1912 e 1916 a partir dos documentos, relatórios, conexões políticas e ideológicas dos atores referidos.

Esse artigo concebe os processos históricos-sociais como dinâmicos, e como percebemos no decorrer da pesquisa, alguns dos indícios nos possibilitaram múltiplas interpretações e concepções sobre as disputas jurídico-ideológicas à época. Assim, não buscamos desde o início um caminho linear a ser percorrido e chancelado pela metodologia mais adequada, mas antes, conforme nos deparamos com diversas pistas e sinais delineamos possíveis interpretações, a partir das provas colhidas.

A pesquisa exploratória tem por objetivo fornecer informações contextualizadas que podem desencadear pesquisas mais aprofundadas (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2012). Nesse sentido, a revisão bibliográfica constituiu importante etapa nesta pesquisa. Ela indicou bases documentais que sustentaram esses trabalhos. Por diversas razões, não foi possível ter acesso direto a base documental desses trabalhos, sendo necessário acessá-lo indiretamente pelo trabalho de outros pesquisadores. Vários documentos importantes não foram encontrados e são apenas indicados em outros documentos ou trabalhos.

Essa limitação metodológica foi, em pequena parte, superada pela extensa base de periódicos da Biblioteca Nacional. Com ela, tentou-se reconstruir o ambiente da época do fim dos cursos jurídicos em Juiz de Fora, a partir de jornais como O Pharol (com sede em Juiz de Fora-MG), Jornal do Commercio, O Phaiz (com sede no Rio de Janeiro-RJ), O Momento (com sede em Pelotas-RS). Conseguimos, através do acervo histórico do STF, a decisão na qual este julgou incompetente uma demanda da Faculdade de Direito de Juiz de Fora contra a União.

A Reforma (educacional) Rivadávia Corrêa

Instituído pelo Decreto nº 8.659, de 5 de Abril de 1911 (BRASIL, 1911), a Reforma Rivadávia Corrêa1 retirou do Estado as obrigações de garantir a educação. Nessa linha, somente o ensino livre poderia resolver o “trágico” quadro da educação brasileira, que não formava profissionais com qualidade.

A reforma tinha como norte a chamada desoficialização do ensino. [...] Estas escolas passariam a ser autônomas frente ao governo central justamente no que diz respeito ao seu sustento financeiro e à sua organização disciplinar, pedagógica e administrativa. O ingresso nos cursos superiores seria agora feito por meio da aprovação em um exame de admissão. Por outro lado, a lei extinguia completamente a fiscalização federal dos estabelecimentos de ensino estaduais e particulares e seus currículos passariam a ser organizados, de acordo com suas próprias conveniências, pelos respectivos corpos docentes, sem ser necessário seguir o modelo das escolas oficiais. A lei criou ainda um Conselho Superior de Ensino, que seria responsável pela gestão do processo de autonomia das instituições federais, e admitiu o exercício da livre-docência nas escolas superiores (GRIJÓ, 2009, p. 319).

Da mesma forma, passa a ser expedido um certificado em vez de diploma, que apenas atestaria a conclusão de um curso, sem ter valor oficial ou ser profissionalizante (CURY, 2009, p. 730). Conforme o próprio ministro Rivadávia Correa:

Durante a propaganda que precedeu à reforma do ensino, a caça ao diploma foi sempre apontada como um dos elementos de descrédito. O ensino fundamental e o ensino técnico foram abastardados, porque miravam exclusivamente a aquisição do pergaminho de bacharel e de doutor. A doutorice constituiu o lado ridículo das instituições brasileiras [...]. Ora, o feitio especial da doutorice é desatender às realidades, tudo conceber a priori e querer organizar e reger o mundo pelas regras dos compêndios [...]. Os resultados foram a avalanche de matrículas nos cursos superiores e as imensas levas anuais de doutores e bacharéis. Tais diplomas, pela presente organização, são substituídos por modestos e democráticos certificados, atestando a assistência e o aproveitamento nos respectivos cursos. (CORREA, 1911, apud CURY, 2009, p. 730)

Apesar das intenções manifestadas, Grijó (2009) e Cury (2009) afirmam que essa reforma acentua a crise educacional brasileira, o que levaria a sua revogação posterior, durante o governo de Venceslau Braz e do ministro Carlos Maximiliano.

A Reforma (educacional) Carlos Maximiliano

Nessa etapa, teremos como base o próprio decreto 11.530/1915 (BRASIL, 1915b), a exposição de motivos e o relatório apresentado ao presidente da república. Quanto ao primeiro, cabe esclarecer foi encontrado no sítio eletrônico do Senado. Quanto à exposição de motivos, foi necessário acessar dois jornais digitalizados da época, a saber, o Jornal do Commercio e O Phaiz, ambos do dia 20 de março de 1915 (EXPOSIÇÃO..., 1915, p. 2; A REFORMA..., 1915, p. 3) pois não encontramos uma publicação oficial e há trechos ilegíveis, sendo necessário “juntar” as partes legíveis, de modo a se ter o documento integral. O terceiro documento também se encontra digitalizado pela Biblioteca Nacional, em bom estado de conservação.

A lei 2.924, de 5 de janeiro de 1915 (BRASIL, 1915a), em seu artigo 3º, autorizou o Governo a rever a Reforma Rivadávia Corrêa:

Art. 3º. Fica o Governo autorizado:

a) a rever o decreto n. 8.659, de 4 de abril de 1911 (147), para o fim de corrigir as falhas e senões que a experiencia mostrou existirem na actual organização do ensino, providenciando no sentido de um melhor lançamento e distribuição de taxas e emolumentos escolares, assegurada com a personalidade juridica a autonomia didactica, administrativa e disciplinar dos estabelecimentos de instrucção mantidos pela União, podendo estabelecer as normas que lhe parecerem mais convenientes aos interesses do mesmo ensino em toda a Republica.

[...]

§ 4º. O Governo reformará tambem a organização e attribuições do Conselho Superior de Ensino, dispondo sobre a melhor maneira de se obter o quantitativo para o pagamento dos vencimentos do pessoal respectivo e armando-os dos meios efficazes de fiscalizar minuciosamente nos institutos de ensino o emprego das subvenções que o Governo lhes dá.

[...]

§ 7º. A reforma autorizada poderá entrar desde logo em vigor, mas o Governo submetterá o acto que expedir, decretando-a, á approvação do Congresso, em maio de 1915.

Em 18 de março de 1915, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores e sucessor de Rivadávia Corrêa, Carlos Maximiliano deixa público novas diretrizes para educação no Brasil. Em grande medida, essa reforma significou uma mudança radical de pensamento sobre o papel do Estado e de particulares no ensino. Em linhas gerais,

[...] a reforma de 1915 reintroduzia a fiscalização da União das faculdades livres e punha limites à existência daquelas possíveis de requererem equiparação aos cursos mantidos pelas escolas federais, novamente tomadas como modelos de organização administrativa, pedagógica e curricular. Manteve-se o exame de admissão, com o nome modificado para vestibular, e a livre-docência. Conservava o Conselho Superior de Ensino, agora como o órgão máximo de fiscalização dos estabelecimentos e para o qual as escolas equiparadas deveriam recolher uma "taxa de fiscalização". Uma vez reconhecidos como equiparados, os institutos não federais poderiam postular a validade de seus diplomas "junto ao Supremo Tribunal Federal, à Diretoria de Saúde Pública ou ao Ministério da Viação", órgãos estatais que "controlavam ou onde se exerciam atividades 'próprias' de advogados, médicos (dentistas, farmacêuticos e obstetras) e engenheiros". Não poderia haver cursos equiparados em cidades com menos de 100 mil habitantes, a menos que fosse capital de um estado com mais de um milhão de habitantes, bem como somente poderia haver até duas escolas de medicina, direito ou engenharia por estado em tais condições. Nos lugares onde houvesse uma escola oficial, somente uma outra particular poderia pleitear reconhecimento federal (GRIJÓ, 2009, p. 321).

Importante ressaltar que Carlos Maximiliano afirma que a sua reforma é a primeira que escuta os lentes antes da sua feitura, mas não informa quem foi consultado. As pistas para essa informação podem estar nos membros Conselho Superior de Ensino e no próprio círculo político de Maximiliano.

A reforma Carlos Maximiliano, pois, interrompia a tendência anterior de desoficialização do ensino no Brasil e vinha no sentido de mais uma vez privilegiar, ao menos como parâmetro, o ensino oficial, bem como concentrar na União a ação reguladora nesta área. (GRIJÓ, 2009, p. 320)

Restrições ao ensino superior

Traçadas essas linhas gerais, cabe-nos focar nas implicações ao ensino superior e ao jurídico em particular. Começaremos pela leitura dos artigos 25 e 26 do decreto 11.530 (BRASIL, 1915b), que teriam fatalmente atingido os cursos jurídicos em Juiz de Fora:

Art. 25. Não será equiparada ás officiaes academia que funccione em cidade de menos de cem mil habitantes, salvo si esta for capital de Estado de mais de um milhão de habitantes e o instituto fôr fortemente subvencionado pelo governo regional.

Art. 26. Não podem ser equiparadas ás officiaes mais de duas academias de Direito, Engenharia ou Medicina em cada Estado, nem no Districto Federal; e, onde haja uma official, só uma particular póde ser a ella equiparada.

Dificilmente Carlos Maximiliano ignorava o contexto demográfico e populacional brasileiro no momento da redação dos artigos 25 e 26, por mais que o censo mais atual à época estivesse defasado em 15 anos. Além disso, foi claro o intuito de restringir e diminuir a quantidade de estabelecimentos de ensino e de afastá-los de centros menos populosos, conforme se depreende de sua exposição de motivos:

Nos centros menos populosos, se acaso uma faculdade existe, não é possível a selecção do pessoal docente; todos os medicos ou todos os advogados do lugar se tornam professores.

Não há campo vasto para observação, hospitais concorridos, variedades de doenças, recursos para montar laboratórios, completos, enfim tudo que é indispensável para se tornar profícuo o estudo da medicina.

O Terceiro Congresso Internacional do Ensino Superior, além de reconhecer que, em vez de procurar homens de saber universais, se buscassem, para professores os que se especializassem nas matérias da secção em que devem ensinar, opinou pela suppressão de varias escolas superiores, conservando as que funcionavam nas grandes cidades. Assim seria possível se remunerar melhor os docentes, attrahindo aos concursos maior numero de sabios distinctos.

No Estados Unidos cessou a quasi vesania de fundar universidades em toda parte:o ultimo relatorio do Commisioner of Education nota, e accentúa como prova de progresso na instrucção, que entre 1914 e 1913 desappareceram 79 academias de medicina.

Quanto mais restrito o numero de institutos mais facil a seleção do pessoal docente.

Por isso, existam, quando muito, duas academias de Direito, Engenharia ou Medicina em cada Estado, e se não tolere ensino superior em cidade de menos de cem mil habitantes, salvo se o Estado fôr bastante populoso e rico para attrahir, com estipendio abundante, os mestres de valor (EXPOSIÇÃO..., 1915, p. 2; A REFORMA..., 1915, p. 3, grifo nosso).

É possível observar uma diferença entre o que Carlos Maximiliano expõe como motivação e os artigos 25 e 26 do Decreto 11.530/1915, havendo muito mais rigidez neste que naquele. O artigo 25 do decreto 11.530, de 18 de março de 1915 é extremamente restritivo se averiguarmos suas implicações com os dados censitários oficiais.

Saber o número de habitantes de cada cidade no Brasil no ano da promulgação do decreto constitui uma grande limitação metodológica nesse trabalho, pois não encontramos nenhum dado a população das cidades brasileiras em 1915. Utilizaremos os censos demográficos oficiais, realizados pelo Governo Brasileiro, em 1900 e 1920. Esses dados, por mais que possam ser problematizados e questionados metodologicamente, servirão de parâmetro para inferências que faremos a seguir, uma vez que não desejamos saber precisamente quantos habitantes cada cidade brasileira possuía em 1915, mas quantos habitantes o Estado brasileiro, especialmente o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, acreditava que havia em cada cidade nesse ano.

No censo de 1900, contamos 28 cidades com mais de 50.000 habitantes no Brasil. Acima de 100.000 habitantes, apenas São Salvador (BA), Rio de Janeiro (antigo DF), Recife (PE) e São Paulo (SP). Juiz de Fora (MG), Belém (PA) e Campos (RJ) eram as únicas a ultrapassar 90.000. No censo de 1920, apenas 13 cidades brasileiras figuravam com mais de 100.000 habitantes, a saber, São Salvador (BA), Rio de Janeiro (antigo DF), Juiz de Fóra (MG), Caratinga (MG), Teophilo Ottoni (MG), Belém (PA), Recife (PE), Campos (RJ), Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Rio Preto (SP), Santos (SP) e São Paulo (SP) (BRASIL, 1928).

com mais de 90 mil habitantes existem sómente 3 [cidades] e com mais de 80, 70, 60, 50 e 40 mil habitantes, tão sómente 10, 10, 23, 38, e 69, respectivamente. A maior parte dos municípios figura nos grupos populacionistas de menos de 10 ou nos de 10 a 40 mil habitantes, elevando-se a 340 no primeiro desses grupos, a 459 no segundo, a 236 no terceiro e a 103 no quarto (BRASIL, 1926).

Entre 1900 e 1920, percebe-se um aumento no número de municípios brasileiros, fator que poderia influenciar em oscilações bruscas em razão dos desmembramentos de novos municípios. Essas oscilações bruscas, tanto positivas como negativas, poderiam também se justificar por fluxos migratórios em razão de ciclos econômicos regionalizados ascendentes ou decadentes. Desconsideramos essas explicações em nosso estudo. É possível sugerir que em 1915, um número menor ou igual a 13 cidades brasileiras teria mais de 100.000 habitantes e, portanto, estariam aptas a sediarem cursos oficiais ou equiparados por esse critério.

Embora não haja dados oficiais sobre a população dos estados em 1915, é possível observar o crescimento vertiginoso da população dos estados brasileiros e supor uma tendência de crescimento contínua sem grandes oscilações negativas. A menos que algum estado tenha alcançado 1.000.000 de habitantes e logo em seguida diminuído sua população, podemos inferir que, até 1920, somente as capitais dos estados da Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do antigo Distrito Federal, poderiam ter os cursos mencionados no dispositivo em tela em função de sua população. Se esses estados possuíssem mais de 1.000.000 em 1915, apenas a capital do Ceará seria acrescentada às possíveis receptoras dos cursos de Direito, Engenharia ou Medicina.

O artigo 26 do mesmo decreto ainda restringia a dois cursos por estado, o que significa dizer que um número ainda mais restrito de cidades seria aptas a sediarem esses cursos. Das 13 cidades com mais de 100.000 habitantes no Brasil, 4 eram em São Paulo e 3 em Minas Gerais. Infere-se, portanto, que, em 1920, apenas 11 cidades seriam aptas, sendo 10 cidades por terem mais de 100.000 habitantes além de Fortaleza, por ser capital de estado com mais de 1.000.000 de habitantes, desconsiderada a questão da subvenção. Se em 1920 o quadro era este, em 1915, é provável que um número menor de cidades seria legalmente habilitadas a sediarem um curso oficial ou equiparado de Direito, Engenharia ou Medicina.

O Ministro Carlos Maximiliano, em relatório apresentado, conclui que o decreto conseguiu seu objetivo de restringir o número de faculdades de Direito, pelo menos na Capital Federal.

A Lei Organica do Ensino, promulgada em 1911, propondo-se a negar valor aos titulos academicos, produziu a mais famosa epidemia de bacharelismo de que ha memoria no Brasil.

Em paiz pauperrimo de ensino profissional, com uma população em que o numero de analphabetos ainda não é inferior a 80%, fundaram-se academias em quasi todas as capitaes dos Estados.

Abriram-se nada menos de seis faculdades de Direito na cidade do Rio de Janeiro.

Ora é sabido que uma pequena cidade não fornece o numero de doentes, nem de cadaveres, para o ensino integral da medicina; em um fôro pobre se não encontram vinte e seis juristas notaveis para professores de Direito; sem grandes despesas, que um pequeno Estado não suporta, é impossível custear o funccionamento de uma escola polytechnica.

Não mais reconhece o Governo a existencia legal de academia em cidade pequena, capital de pequeno Estado. Em grande metropole apenas duas faculdades de Direito, Medicina ou Engenharia existirão com o cunho oficial.

[...]

Uma das seis academias de Direito, do Rio de Janeiro, incorporou-se á de Nitheroy; duas ficaram de pé, pleiteando equiparação ás officiaes; tres não resistiram dous mezes, incluida entre ellas a que vendia diplomas, publica e victoriosamente, a 60$000 (grifo nosso).

[...]

Fraudes perpetradas em academias livres de direito puzeram em relevo a necessidade da intervenção official, que teve logar immediata e resolutamente, com applausos geraes (EXPOSIÇÃO..., 1915, p. 2; A REFORMA..., 1915, p. 3).

Os requisitos que a lei exigia para oficialização estavam contidos no artigo 14, sendo que um dos requisitos já comprometia todos os cursos criados durante a Reforma Rivadávia Correa (1911): a exigência de funcionamento regular há mais de cinco anos. Isso quer dizer que nenhuma escola criada de 1910 em diante poderia requerer equiparação com as oficiais em 1915.

Art. 14. O inspector inquirirá, por todos os meios ao seu alcance, inclusive o exame de toda a escripta do instituto:

a) se este funcciona regularmente ha mais de cinco annos;

[...]

d) se as materias constantes dos programmas são suficientes para os cursos de Engenharia, Direito, Medicina ou Pharmacia;

(BRASIL, 1915b)

Os impactos da Reforma Carlos Maximiliano em Juiz de Fora

A despeito de as atas da Faculdade de Direito de Juiz de Fora e da Escola de Direito do Granbery mencionarem a população da cidade como fator fundamental para seu fechamento, a Escola de Engenharia de Juiz de Fora parece não ter sido afetada da mesma maneira.

As evidências apontam que provavelmente o município de Juiz de Fora já contava com aproximadamente 100.000 habitantes em 1915. Outro dado que corrobora essa informação é o recenseamento realizado pela Câmara Municipal de Juiz de Fora em 1907, que apontava 85.450 habitantes (ESTEVES, 2008). Esteves afirma que Juiz de Fora teria em 1915, ano da publicação do Album de Juiz de Fora, cerca de 120.000 habitantes. Nesta publicação, são cotejados o recenseamento do Governo Federal de Juiz de Fora de 1890 e de 1907, ignorando-se o de 1900.



População de Juiz de Fora

*Recenseamentos oficiais realizados pela União em 1890, 1900 e 1920.

**Recenseamento oficial realizado pela Câmara Municipal em 1907.

***Estimativa do Album de Juiz de Fora (ESTEVES, 2008)

Em primeiro lugar, é necessário apontar que o Decreto 11.530/1915 não impunha o fechamento imediato de academias, mas “apenas” impossibilitava a equiparação às escolas oficiais. Em segundo, é necessário se analisar as reações que os diversos grupos da cidade tiveram quando da ciência do decreto.

O jornal O Pharol de 23 de março de 1915 faz uma longa defesa da Faculdade de Direito no artigo “Nova Reforma do Ensino”. Nesse artigo, são levantadas incongruências do novo decreto e as consequências malévolas que cairiam sobre cursos idôneos.

A Reforma Carlos Maximiliano atingia os cursos de Direito e Engenharia em pelo menos três pontos: não tinha cinco anos de funcionamento regular, não fazia concurso de provas para seleção dos professores, não realizava vestibular. Praticamente todo ensino superior em Juiz de Fora teria de se adaptar ao decreto.

As disputas religiosas

O campo educacional foi palco de grandes embates entre metodistas e católicos durante a República Velha. Neste trabalho, focaremos nas disputas religiosas educacionais, com ênfase no ensino superior. Conforme reportamos, Juiz de Fora não se enquadrava no perfil das tradicionais cidades católicas mineiras da região central. No final do século XIX e no início de XX, Juiz de Fora apresentava um quadro de diversidade religiosa, especialmente influenciadas pela questão da migração e do desenvolvimento econômico. Apesar da maioria católica, Juiz de Fora despertava a preocupação das autoridades eclesiásticas (YAZBECK, 1999, p. 56). Em 1873, Dom Viçoso, arcebispo de Mariana e forte propagador do ultramontanismo católico, escreveu uma carta pastoral especialmente dirigida à cidade, por conta da insubmissão do povo e de condutas anticlericais (CHRISTO, 1994). O conservadorismo católico acusa Juiz de Fora de ser “a nova Nínive”, aponta o afastamento de “jovens”, “operários” e “ricos” de estarem afastados da Igreja (CHRISTO, 1994).

A chegada dos metodistas acirra os ânimos na cidade. Segundo Cordeiro (2008), polêmicas doutrinárias passaram a ser reportadas na imprensa local, opondo o clero diocesano, “encarregado de iniciar a romanização do catolicismo na cidade” e os pastores metodistas. Diversos episódios são registrados na cidade sobre a tensão entre metodistas e católicos (CORDEIRO, 2003, 2008; PEREIRA, 2002). Percebe-se que, após a chegada dos metodista e a fundação do Granbery, diversas ordens religiosas migram para Juiz de Fora. Nessa época são fundados também boa parte dos colégios católicos da cidade, em grande medida para se fazer frente ao projeto educacional metodista, sem falar da questão das escolas paroquiais. Os redentoristas holandeses (Congregação do Santíssimo Redentor) chegam em 1894; os verbitas alemães (Congregação do Verbo Divino) em 1899 e, em 1901, assumem a Academia de Comércio; as polonesas e alemãs Irmãs de Santa Catarina, em 1898, e fundam o Colégio Santa Catarina, em 1909; as Irmãs Servas do Espírito Santo (congregação fundada por Arnaldo Janssen, que também fundou o Verbo Divino) chegam em 1902 e, no mesmo ano, fundam o Colégio Stella Matutina; e as Irmãs do Bom Pastor, em 1902.

Em suma, em todos os lugares em que a Igreja Metodista Episcopal do Sul criou estabelecimentos de ensino, houve atritos com a Igreja Católica (CORDEIRO, 2008, p. 162). O Instituto Granbery foi alvo de diversas denúncias nos jornais da cidade. Uma delas envolvia a suposta equiparação do colégio ao Ginásio Nacional, que o Granbery teria divulgado, sem que fosse, de fato, reconhecido pelo governo em 1903 (NOVAES NETTO, 1997; CORDEIRO, 2008, p. 164).

A Igreja demonstra sua preocupação com um movimento que se deu em 1908 para fundação de uma Faculdade de Medicina, numa carta escrita por um padre redentorista ao arcebispo de Mariana, Dom Silvério.

Há pouco tempo um dos medicos d’esta cidade, o Dr. Aguiar, escreveu nos jornais diversos artigos sobre a fundação de uma faculdade de Medicina n’esta cidade. [...] No ultimo sabbado houve sessão da sociedade de Medicina para deliberar-se sobre esta idea e ver se convinha insistir n’ella. Se a faculdade ficasse independente, como desde principio foi a intenção, baseada sobre uma pessoa juridica independente, não havia tanta inconveniencia, antes a nova faria concurrencia á escola de odontologia e pharmacia dos Metodistas. Mas [...], os medicos em vez de persistir na idea de uma personalidade juridica independente inclinão agora a idea de fazer uma fusão com a escola de odontologia e pharmacia dos methodistas, que já tem aequiparação por acharem assim mais facil a idea, que por outra forma se tornaria muito mais difficil a executar. [...] O que fazer agora, para combater este plano e perigo? (Correspondência dos Padres Redentoristas com Dom Silvério, 1908 apud PEREIRA, 2002, p. 156)

No ensino superior, registra-se no jornal O Pharol de 19 de março de 1911 o fato de suposta ilegalidade praticada com condescendência da autoridade pública nos exames do curso de Farmácia (A INSTRUÇÃO, 1911, p. 2). Tratava-se de um aluno desconhecido que, sem ter frequentado a nenhuma aula, era admitido a prestar os exames e voltaria para fazer outros em 1911.

No mesmo sentido, em 1912, a Academia de Comércio cria um curso de Farmácia e Odontologia para fazer concorrência ao do Granbery, à época dirigido por Eduardo de Menezes. A iniciativa, porém, não logra êxito, razão pela qual a escola é fechada em 1914, após a criação da Faculdade de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora. Yazbeck (1999, p. 54) afirma que os padres, “de boa vontade, fecharam a sua, remetendo os seus lentes e alunos para o novo estabelecimento”.

O arcebispo de Mariana, comemorou a ruptura de Eduardo de Menezes com o Granbery:

O Dr. Eduardo de Menezes, até ha pouco reitor das escolas de farmácia e odontologia anexas aos Granbery confessou-se, demitiu-se de lá e agora seguiram todos os professores tanto dessas escolas como do curso de direito; de modo que estas escolas anexas ao Granbery receberam o golpe de morte. Realmente um benefício que não podemos agradecer o bastante a Deus (Boletim Eclesiástico da Diocese de Mariana, ano XIII, n. 1, janeiro de 1914 apud Cordeiro, 2008).

Apesar de não ser o escopo desta pesquisa, os conflitos entre católicos e metodistas e, posteriormente, católicos com outras religiões perdura durante toda a República Velha (CORDEIRO, 2008).

O fim da Escola de Direito do Granbery

O fim da Escola de Direito do Granbery está intimamente ligado a ruptura entre o corpo docente da Escola de Farmácia e Odontologia e o Granbery. As dificuldades já relatadas se acentuaram. Encontramos na edição de 20 de dezembro de 1913 do jornal O Pharol, uma versão dessa ruptura apresentada pelo então diretor J. L. Bruce, apontado como inábil no trato com os docentes.

Respeitamos profundamente a opinião alheia; mas não nos foi possível chegar a um acordo no seguinte ponto: a maioria dos professores da Escola acreditava que deviamos augmentar o numero de nossos alumnos, facilitando-lhes a entrada, já pela diminuição dos preparatórios, já pela acceitação de attestados de estudos e de exames feitos em outros estabelecimentos (O INCIDENTE..., 1913, p. 1).

Apesar dessa ruptura, dois fatores levam a crer que as relações na cidade continuaram a ser mantidas. Uma delas é fato de vários lentes continuarem a lecionar nos dois institutos e a outra é o fato a seguir. Quando a Reforma Carlos Maximiliano entrou em vigor e ficou claro das parcas chances de o curso ser reconhecido como oficial, o Instituto Granbery optou por transferir quaisquer vantagens para a Faculdade de Direito de Juiz de Fora, a fim de que esta fosse mantida.

Desde dezembro de 1914, o instituto Granbery já vislumbrava os obstáculos a continuação do curso. Na ata de 03 de dezembro de 1914:

Todos os elementos com que contávamos na hora da sua fundação nos falharam e atualmente estamos quase sem alunos e sem qualquer recurso para pagar aos lentes. Ao mesmo tempo que a Congregação da Escola tomasse a iniciativa de fechamento. Se a Faculdade nos disser que não pode continuar a trabalhar sobre as atuais condições e nós, da nossa parte, não podemos melhorar as condições, a questão está resolvida (NOVAES NETTO, 1997, p.177).

A ata da reunião do dia 07 de abril de 1915 evidencia que o Instituto Granbery, mesmo após a ruptura e criação da Faculdade de Direito de Juiz de Fora, mantinha boa relação com esta, tanto que se preocupava que esta pudesse manter as suas atividades mesmo após a publicação da reforma de 1915:

Em relação à Escola de Direito. No caso de ser impossível o reconhecimento oficial do curso de Direito do Granbery como está organizado. Resolvido: a) Concordar com a escola de direito novamente fundada nesta cidade para ela transferir quaisquer vantagens que gozemos com o fim de ser a mesma mantida para o bem da cidade, do Estado e do País (NOVAES NETTO, 1997, p. 180).

Sobre a crise que assolou o Instituto Granbery e deteriorou a relação com os professores da Faculdade de Direito, Novaes Netto assinalou:

Como se percebe, a grande crise, que envolveu, de uma só vez, as Escolas de Farmácia e Odontologia e de Direito, teve uma só origem: a quebra da “autonomia universitária”, por parte da Diretoria do Granbery e a falta de habilidade política do grupo diretivo que, aparentemente, subestimou a força política de Menezes (NOVAES NETTO, 1997, p. 177).

O fim da Faculdade de Direito de Juiz de Fora

No começo de 1914, a faculdade registra 63 alunos matriculados ou ouvintes (YAZBECK, 1999, p. 75). Em 26 de novembro de 1914, O Pharol reportava os resultados do que seria os únicos exames realizados na Faculdade de Direito de Juiz de Fora (FACULDADE..., 1914, p. 2). 21 alunos prestam o exame no 1º ano, 2 no 2º, 1 no 3º, 1 no 4º e 44 não prestaram os exames. Em 1915, o número de alunos chega a 80, distribuídos nas cinco séries do curso (YAZBECK, 1999, p. 76).

A notícia do decreto 11.530 (BRASIL, 1915b) tem um efeito devastador sobre a Faculdade de Direito de Juiz de Fora (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA [UFJF], 1985, p. 44). Vários alunos começaram a pedir transferência para outras instituições, tendo a faculdade lhes facilitado a transferência (UFJF, 1985, p. 44). Não encontramos nenhum pedido de equiparação da Faculdade de Direito de Juiz de Fora ao Conselho Superior de Ensino.

Na tentativa de manutenção dos cursos, o diretor Antônio Augusto Teixeira elabora um relatório a ser entregue para o presidente da República, segundo ele:

Assim, elaborei rapidamente a representação que devia ser dirigida ao sr. Presidente da República, a qual lhe foi entregue em audiência especial, concedida a mim e aos meus distintos companheiros de comissão - drs. Pinto de Moura e Eduardo de Menezes Filho (UFJF, 1985, p. 44).

O Jornal do Commercio de 9 de abril de 1915 reporta o encontro do Presidente da República com “a commissão da Academia de Direito de Juiz de Fora” (HONTEM, 1915, p. 1). Tal encontro teria sido intermediado pelo então deputado e líder do governo Antônio Carlos, também professor da faculdade. Teixeira asseverava o suposto direito adquirido da Faculdade, assim como pugnava que “nenhum instituto superior poderá existir em cidade do interior, porque, no Brasil, não há uma só cidade, fora algumas capitais, que tenha população igual a 100.000 habitantes! ” (UFJF, 1985, p. 44).

Porém, como sugerimos no tópico anterior, a população de Juiz de Fora atingia o requisito legal, segundo os dados oficiais e não oficiais coletados, no que parece ser um “consenso comum” de que a cidade não teria tais cifras populacionais. Dos dados censitários que já haviam sido publicados à época, levante-se a questão de seu conhecimento por parte do corpo docente da Faculdade.

Outro aspecto que a nossa pesquisa encontrou evidências discordantes, da narrativa contida no livro, diz respeito ao suposto favorecimento que Carlos Maximiliano teria dado ao curso de Direito da cidade de Pelotas, por conta da sua origem rio-grandense.

Segundo o livro:

Fato significativo: o Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o dr. Carlos Maximiliano, era gaúcho. Recusou a Juiz de Fora o reconhecimento de sua Faculdade de Direito sob a alegação de que “a medida precisa ser geral e abranger os institutos que mercadejam o ensino, espalhados pelo Brasil inteiro”. Mas, o ilustre Ministro deu guarida à Faculdade de Direito de Pelotas, fundada na mesma época… (UFJF, 1985, p. 45)

Cotejamos a trajetória da Faculdade de Direito de Juiz de Fora com a de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Fundada em 12 de setembro de 1912, a primeira turma de bacharéis é formada em 19 de novembro de 1916. Seus ex-alunos exerceram cargos públicos no Rio Grande do Sul à época, segundo a edição de 22 de março de 1934 do jornal O Momento (FACULDADE..., 1934). A notícia de reconhecimento por parte do Governo Federal veio apenas em 1931. Pelotas registra no censo de 1900 44.881 habitantes e 82.294, no de 1920.

Não sabemos se Pelotas tentou ser equiparada, quais as relações do gaúcho Carlos Maximiliano ou qual a recepção de sua reforma em Pelotas. Fato é que, a partir de 1912, um curso de Direito funcionou ininterruptamente até os dias atuais.

Deve-se ressaltar também a trajetória destoante da Escola de Engenharia de Juiz de Fora, ainda durante a vigência da Reforma Carlos Maximiliano:

Em oito de dezembro de 1915 ocorre a primeira colação de grau.

[...]

O reconhecimento institucional da Escola de Engenharia ocorre através da aprovação da Lei Estadual nº 696, de 31 de agosto de 1917, assinada em 14 de setembro e publicada no “Minas Gerais” no dia 25 do mesmo mês. A oficialização da Escola por parte do governo federal só viria a ocorrer por uma emenda aprovada no Congresso Federal através da Lei nº. 3454, de 6 de janeiro de 1918, mesmo ano em que os diplomas são reconhecidos (UFJF, 2017, par. 10; 15).

Frustrados os esforços com a representação ao Presidente da República, os professores conseguiram um parecer favorável de Clóvis Beviláqua que foi publicado no Jornal do Commercio em 9 de julho de 1915 (O ENSINO..., 1915, p. 8). Foi protocolada uma ação judicial no foro federal do Rio de Janeiro da Faculdade contra a União Federal (UFJF, 1985). Não conseguimos o inteiro teor do processo, apenas a cópia digitalizada da decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal.

Mas, pelo que se pode extrair do recurso ao Supremo Tribunal Federal, é possível sugerir que a Faculdade se equivocou ao eleger o foro da Capital Federal para impetrar tal ação, visto que o mérito da ação proposto não foi debatido, mas tão somente a questão processual de que ela deveria ter sido proposta do foro federal de Minas Gerais.

A turma colegiada por unanimidade acompanhou o voto do relator e foi julgado improcedente o recurso.

AGRAVO DE PETIÇÃO. Em cada um dos Estados componentes da União tem ella seu domiiclio (sic) para perante sua Justiça serem apurados judicialmente todos os negocios que lhe dizem respeito, com excepção, sómente, daquelles que a Constituição Federal reservou expressamente para o conhecimento originario do Supremo Tribunal Federal.

N. 2.087. - Relatados e discutidos estes autos de aggravo de petição em que é aggravante a Faculdade de Direito de Juiz de Fóra e aggravada a União Federal, delles consta que por via de excepção de incompetência a União Federal pede que o feito seja desaforado deste Districto Federal para que, perante a justiça Federal do Estado de Minas, seja a acção intentada. E, considerando que em cada um dos Estados componentes da União tem ella seu domiiclio (sic) para perante sua Justiça serem apurados judicialmente todos os negocios que lhe dizem respeito, com excepção, sómente, daquelles que a Constituição Federal reservou expressamente para o conhecimento originario do Supremo Tribunal Federal:

Accórdam negar provimento ao aggravo, para confirmar a decisão aggravada, como a confirmam.

Custas pela aggravante.

Supremo Tribunal Federal, 9 de setembro de 1916. H. do Espirito Santo, P. - Pedro Mibbeli, relator. - Pedro Lessa. - Sebastião de Lacerda. - Viveiros de Castro. - J. L. Coelho e Campos. - André Cavalcanti.- G. Natal.- Leoni Ramos.- Canuto Saraiva.- Foi voto vencendor o do Sr. ministro Oliveira Ribeiro.

Decisão do juiz federal da 1ª Vara do Districto Federal

Vistos e examinados estes autos de acção summaria especial proposta pela Faculdade de Direito contra a União Federal, que oppoz a excepção de fls. 77, contestada a fls. 81:

Julgo, pelos fundamentos articulados na excepção e que são autorizados pela jurisprudência do Supremo Tribunal, procedente a mesma excepção para declarar incompetente na especie a Justiça desta Capital. Custas pela excepiente.

Districto Federal, 8 de agosto de 1916. - Antonio J. Pires e de C.e Albuquerque.

O acesso a tal documento suscitou diversos questionamentos a nossa pesquisa. Pois, à primeira vista seria inverossímil sugerir que uma ação proposta por professores de uma faculdade de direito, que em tese dominariam os ritos processuais e teriam trânsito nos Tribunais, acabaria sem enfrentar o mérito, pois foi declarada incompetente.

Podemos sugerir também que o Judiciário, não querendo interferir na aplicação de um Decreto do Executivo, referendado pelo Congresso, optou pelo silenciamento quanto ao tema em questão e viu na questão processual uma saída, e ainda com a chance de reafirmar o pacto federativo da recém república, e contribui o fato de que em 1916, a Faculdade não estava mais em funcionamento.

Considerações finais

Como se pode inferir da leitura de nosso trabalho, muitas questões ainda restam em aberto. A primeira delas é o desconhecimento aparente por parte da comunidade juiz-forana de seus dados demográficos. Boa parte do corpo docente dos dois cursos jurídicos tinha vida ativa no cenário político municipal, estadual e nacional. Uma explicação possível pode ser uma possível falta de publicidade desses dados. Mesmo assim, nota-se que Albino Esteves (2008), autor do Album de Juiz de Fora que seria publicado alguns meses depois da promulgação do decreto 11.530 (BRASIL, 1915b), esteve presente em diversos círculos comuns à comunidade jurídica de Juiz de Fora, tendo inclusive feito um discurso no encerramento do semestre letivo das Faculdades de Odontologia e Farmácia e de Direito de Juiz de Fora.

Resta a pergunta sobre a situação análoga da Escola de Engenharia. Enquanto os cursos de Direito entraram em pânico e buscaram reverter parte do decreto pelas vias da intervenção política e judicial, a Engenharia parece ter ficado inerte. Não encontramos nenhum indício de articulação entre dois institutos potencialmente atingidos pela reforma, embora alguns professores sejam comuns como Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

As evidências sugerem um erro de estratégia e de condução de um futuro reconhecimento por parte do governo, uma vez que sequer encontramos o requerimento de equiparação, a intervenção política foi frustrada e a ação foi ajuizada em foro incompetente. Diferente do caminho da Engenharia, que funciona ininterruptamente desde essa época.

Não pudemos avançar muito sobre o perfil do corpo docente da Faculdade de Direito, apesar da eminente presença de figuras públicas da cidade e do Brasil. Trata-se de um corpo docente extremamente eclético, que, apesar de divergências políticas e religiosas, se reuniram em torno de um projeto de faculdade.

Existem muitos indícios que setores católicos mais conservadores atacaram severamente os projetos educacionais de ensino superior. Não conseguimos, entretanto, estabelecer ligações robustas entre uma influência desse setor com lobby que culminasse no fim dos cursos jurídicos em Juiz de Fora.

A Reforma Carlos Maximiliano, por sua vez, muito provavelmente pretendeu extinguir os cursos de Direito do interior do país, pelo que depreende da interpretação do material coletado. Alguns trechos sugerem referir-se a situações dos cursos jurídicos de Juiz de Fora, embora sejam necessários mais estudos para afirmar com maior grau de precisão. Carlos Maximiliano parece estar mais próximo do ensino jurídico de São Paulo e ter relações com os cursos da então capital federal e de Belo Horizonte, sua instituição de origem.

Ao mesmo tempo, a Escola de Direito do Granbery e a Faculdade de Direito de Juiz de Fora parecem se afiliar mais ao projeto educacional da Escola de Recife do que a de São Paulo, pelo menos simbolicamente. Nota-se uma grande semelhança entre o discurso de Maximiliano com o discurso de setores da sociedade brasileira que pregam o aumento da qualidade no ensino, especialmente o jurídico, pela diminuição da oferta. Além disso, é outro ponto comum tratar o investimento em educação como desperdício de dinheiro público.

A Escola do Granbery provavelmente teve seu destino selado quando da ruptura da maior parte dos professores da instituição. O Granbery já passava por sérias dificuldades financeiras e a Reforma Carlos Maximiliano só tratou de piorá-las. No caso da Faculdade de Direito de Juiz de Fora, parece ter havido uma antecipação dos efeitos do decreto e uma forte incapacidade de definição de estratégia para obtenção da equiparação.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Rivadávia Correa foi ministro da Justiça e Negócios Interiores durante a presidência do Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914).
Autor notes
* Mestrando em Direito e Inovação pela UFJF. Graduado em Direito pela UFJF. E-mail: phocuco@gmail.com Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1975-1985
** Mestranda em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: vanessa_lopes@id.uff.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2483-6596


População de Juiz de Fora

*Recenseamentos oficiais realizados pela União em 1890, 1900 e 1920.

**Recenseamento oficial realizado pela Câmara Municipal em 1907.

***Estimativa do Album de Juiz de Fora (ESTEVES, 2008)

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