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A construção do ideário contemporâneo da liberdade
Marcos Antunes Kopstein; Diego Carlos Zanella
Marcos Antunes Kopstein; Diego Carlos Zanella
A construção do ideário contemporâneo da liberdade
La construcción de la idea contemporánea de libertad
The shaping of the contemporary idea of freedom
La construction de l’idéal contemporain de liberté
当代自由观念的构建
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 11, núm. 3, pp. 468-487, 2019
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: A liberdade é um dos anseios ensejados pelos seres humanos, e seu conceito foi sendo construído no decorrer da história, tanto política quanto socialmente. A ideia contemporânea de liberdade individual baseada em regramentos legais e direitos básicos a todas as pessoas se desenvolveu através de uma série de pensamentos filosóficos e de movimentos políticos, econômicos e culturais que ensejaram tal concepção da liberdade embasada na autodeterminação dos indivíduos. Sendo assim, investigam-se as ideias influenciadoras dessa construção através dos pensamentos de quatro filósofos da modernidade: Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Para mais, por intermédio e influência dos referidos pensadores, dois grandes movimentos surgem e brindam as bases definidoras do hodierno entendimento do que é a liberdade. Tais movimentos, o liberalismo e o romantismo, também são explorados neste ensaio. Assim, intui-se predispor como se deu a idealização do que se entende por liberdade na sociedade ocidental nesta contemporaneidade que busca acima de tudo assegurar as garantias individuais a todas as pessoas e a respeitabilidade aos direitos humanos básicos.

Palavras-chave:liberdadeliberdade,ideárioideário,contemporaneidadecontemporaneidade.

Resumen: La libertad es uno de los anhelos de los seres humanos y su concepto se ha ido construyendo a lo largo del devenir de la historia, tanto política como socialmente. La idea contemporánea de libertad individual basada en normas legales y derechos básicos de todas las personas se desarrolló a través de una serie de pensamientos filosóficos y de movimientos políticos, económicos y culturales que dieron lugar a dicha concepción de la libertad, basada en la autodeterminación de los individuos. Por consiguiente, se investigan las ideas que influyen en esa construcción a través de los pensamientos de cuatro filósofos de la Edad Moderna: Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Así mismo, mediante y por influencia de los mencionados pensadores, surgen dos grandes movimientos que brindan las bases definidoras de lo que hoy en día se entiende por libertad. Dichos movimientos, el Liberalismo y el Romanticismo, también se exploran en este ensayo, con el propósito de analizar el desarrollo de la idea de lo que se entiende por libertad en la sociedad occidental en esta Edad Contemporánea que busca ante todo asegurar las garantías individuales de todas las personas y el respeto de los derechos humanos básicos.

Palabras clave: libertad, ideas políticas, Edad Contemporánea.

Abstract: Human beings yearn for freedom, and the concept has been shaped over the course of history, both politically and socially. The contemporary idea of freedom based on legal regulations and basic rights for all people has been developed by means of a series of philosophical thoughts and of political, economic, and cultural movements to have shaped this concept according to an individual’s right to self-determination. The ideas influencing this construction are thus researched by means of the thoughts of four modern philosophers: Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jacques Rousseau, and Immanuel Kant. Furthermore, by means of and through the influence of these thinkers, two large movements have emerged to form the bases of the contemporary understanding of what freedom constitutes. Such movements – liberalism and romanticism – are also explored in this essay in order to examine the process to have shaped the idea of freedom in contemporary Western society, with its primary aim to ensure the individual rights of all peoples and to respect basic human rights.

Keywords: Freedom, political ideas, contemporary society.

Résumé: La liberté est l’une des aspirations des êtres humains, et son concept s’est construit politiquement et socialement au cours de l’histoire. L’idée contemporaine de liberté basée sur la réglementation juridique et les droits fondamentaux de toutes les personnes s’est développée à travers une série de pensées philosophiques et de mouvements politiques, économiques e culturels qui ont donné naissance à une conception de la liberté fondée sur l’autodétermination des individus. Nous avons ainsi passé en revue les idées qui ont influencé cette construction en nous basant sur la pensée de quatre philosophes modernes : Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jacques Rousseau et Emmanuel Kant. Par l’intermédiaire et sous l’influence de ces penseurs, deux grands mouvements ont surgi pour jeter les bases de l’interprétation moderne de ce qu’est la liberté. Ceux-ci, à savoir le libéralisme et le romantisme, seront aussi pris en compte dans cet essai. Il s’agit de découvrir comment s’est matérialisée l’idéalisation de ce que l’on entend par liberté dans la société occidentale de notre époque, qui cherche par-dessus tout à garantir les libertés individuelles et le respect des droits humains fondamentaux.

Mots clés: liberté , idées politiques , contemporanéité.

摘要: 自由是人类追求的理想之一,自由概念的构建经历了很长的历史时期,是在特定的政治和社会环境中构建的。基于法律规则和个人的权利的当代个人主义自由观念是通过一系列思想和政治,经济和文化运动发展起来的,这些运动基本原则是个人的自我决定权。作者分析了四位现代哲学家的思想以及他们对自由观念的构建:托马斯•霍布斯,约翰•洛克,让•雅克•卢梭和伊曼纽尔•康德。受这些思想家的影响,西方出现了两个伟大的运动,一是自由主义,二是浪漫主义。这两种运动为人们理解自由的观念提供了基础。作者认为,当今世界中人们倾向于把西方社会自由理想化,并认为现代国家应该首先寻求保障其所有公民的个人自由,尊重每个人的基本人权。

關鍵詞: 自由, 政治思想, 当代性.

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Artigos

A construção do ideário contemporâneo da liberdade

La construcción de la idea contemporánea de libertad

The shaping of the contemporary idea of freedom

La construction de l’idéal contemporain de liberté

当代自由观念的构建

Marcos Antunes Kopstein*
Universidade Franciscana/UFN, Brasil
Diego Carlos Zanella**
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUC-RS, Brasil
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 11, núm. 3, pp. 468-487, 2019
Universidade Federal Fluminense

Recepção: 22 Abril 2019

Aprovação: 14 Agosto 2019

Introdução

Tem-se a ideia de que a liberdade é um dos direitos mais importantes e mais inerentemente ligados à dignidade de todas as pessoas, apesar disso, nota-se que o conceito e a compreensão do ideário da liberdade transmutaram-se no decorrer da história, adquirindo várias significações e interpretações.

Sendo assim, torna-se relevante predispor como a ideia de liberdade em sua construção contemporânea, coligada a ideais democráticos e que perpassam pela obediência aos preceitos legais de pregação a respeitabilidade de direitos humanos e das individualidades de cada pessoa, surgiu através de todo um apanhado político-filosófico, através de uma linha histórica que foi desenvolvendo-se até a atual significação do que é a liberdade e sua enorme relevância para qualquer sociedade democrática.

Dessa forma, intui-se analisar como a liberdade apregoada hodiernamente foi sendo construída através da transposição da compreensão greco-romana de liberdade política para uma liberdade centrada nas individualidades humanas, na autonomia de vontade do indivíduo, de seus anseios e desejos personalíssimos.

Essa reestruturação paradigmática decorreu de mudança de perspectivas sob o prisma de novos modelos filosóficos advindos do desenvolvimento de novos pensamentos a respeito da liberdade humana, dos direitos inerentes à vida e à dignidade de toda e qualquer pessoa. Assim, enfoca-se primeiramente na construção do ideário da liberdade através da análise do entendimento de quatro pensadores que moldaram a atual compreensão do que é e o que significa a referida liberdade: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Immanuel Kant (1724-1804). Logo, desenvolvem-se dois conceitos inerentes à liberdade, sendo eles balizados em um sentido negativo e noutro em um sentido positivo. A liberdade num âmbito negativo, não intervencionista, e a liberdade positiva, que denota essa preocupação pela autodeterminação humana, serão fundamentadas e investigadas para assim adentrar-se em novas definições e sentidos sobre o aprimoramento do ideário da liberdade.

Para mais, através da enorme influência que as concepções doutrinárias trouxeram para elucidação e readequação da liberdade como o direito autônomo de cada indivíduo, despontam dois movimentos que foram fundamentais para a atual percepção contemporânea ocidental da liberdade: o liberalismo e o romantismo, os quais serão investigados quanto ao seu âmago e importância doutrinária e filosófica. Ainda, faz-se um parâmetro abordando aspectos chave a respeito da democracia e da cidadania para desenvolvimento, manutenção e ampliação das noções de liberdade na atual contemporaneidade.

Da ideia de liberdade

Sabe-se que a liberdade coletiva imperava nos modelos civilizatórios da antiguidade e que a individualidade não detinha importância nessas sociedades pautadas, sobretudo, pelo dever para com a pátria, especificamente sob a égide da influência greco-romana que pavimentou todo o entendimento político-filosófico ocidental posterior (COLANGES, 2006).

Nota-se que na antiguidade, o entendimento de liberdade não detinha características que pregavam respeito às individualidades humanas, pois “o objetivo dos antigos era a partilha do poder social [...]. Era isso o que eles chamavam de liberdade” (CONSTANT, 2015, p. 86).

Apesar disso, as concepções de liberdade começaram a modelar-se dentro dos modelos filosóficos gregos e políticos romanos, mesclando-se com a temática da cidadania e da própria noção de Estado. A liberdade adquiriu caráter mais individualizado já no período da modernidade adentrando na contemporaneidade, com o desenvolvimento de vários pensamentos e teorias acerca da caracterização da liberdade e seu papel na sociedade. Sendo assim, frisa-se que hodiernamente, a liberdade individual, pessoal, difere da liberdade política dos antigos (COSTANT, 2015).

O conceito de liberdade pode enquadrar-se num aspecto amplo, no sentido onde a pessoa não se sujeita “à coerção pela vontade arbitrária de outrem” (HAYEK, 1983, p. 27), adquirindo uma readequação como liberdade, acima de tudo, civil, individual e pessoal.

Como ideal, ansiado e desejado, inerente ao ser humano, a liberdade, tanto social1 quanto politicamente, é, nas palavras de Berlin (2009, p. 149) “o desejo de indivíduos ou grupos de não sofrer interferências de outros indivíduos ou grupos”, assim, essa não interferência caracteriza, de forma geral, o ideal ou o desejo humano por liberdade.

Nesse aspecto, num primeiro plano de análise, a liberdade detém uma concepção negativa, pois se caracteriza pela não interferência de outros em face da liberdade pessoal, dessa maneira, depreende-se que a própria liberdade individual depende da intervenção ou não intervenção de terceiros, podendo serem estes: pessoas, instituições ou até mesmo eventos da natureza (BERLIN, 2009).

Num segundo momento, a liberdade passa a ter uma significação figurada. Berlin (2009) qualifica a liberdade em um sentido secundário marcadamente metafórico, diferindo do sentido primário dela definido como negativo ou não intervencionista. Nesse sentido metafórico, ser livre trata-se de satisfazer ou realizar os desejos individuais, através da compreensão do mundo e de maneira a realizar os objetivos que angariam a liberdade.

Apesar disso, a própria liberdade individual/social, possui compreensões e significações diversificadas. Várias correntes filosóficas e pensadores examinaram o que seria a liberdade e como ela seria realizável, assim, abordam-se sinteticamente algumas compreensões do ideal de liberdade para elucidação mais significativa do estudo.

Umas das correntes mais célebres da filosofia greco-romana, o estoicismo, tratou grandemente da temática da liberdade no sentido de que ela se torna plena e verdadeira quando o indivíduo compreende o seu lugar no universo/cosmos e adapta-se a um propósito pré-definido pela natureza, logo a liberdade “torna-se idêntica a certo tipo de submissão ‘racional’”2(BERLIN, 2009, p. 152).

Ainda, além do estoicismo, outras correntes filosóficas gregas (aristotélica, platônica, epicuristas e as que as sucederam), coadunaram com a tipificação da liberdade como uma submissão racional e de adaptação ao cosmos, as quais gerariam compreensão acerca do universo e assim, acarretariam na liberdade. Interessante ainda a exposição de que o conhecimento sobre o universo é uma virtude que gera felicidade, logo, ela está coligada à noção de liberdade. Claramente, vê-se que nas correntes filosóficas gregas, o ideal de liberdade é interdependente quanto à virtude e por consequência, quanto à felicidade gerada pela compreensão do cosmos e da racionalidade (BERLIN, 2009).

Essas concepções perduraram por toda a antiguidade, adentrando na Idade Média, excetuando-se que o cosmos é substituído pela figura divina, pelo ser onipotente e superior no qual o indivíduo se submete racionalmente em busca da liberdade (BERLIN, 2009). Ademais, essas noções de liberdade passaram a confrontar-se com novos entendimentos, sobretudo, após o Renascimento e o advento de novos ideais acerca da liberdade, perpetrados por pensadores políticos, focando-se em Thomas Hobbes e John Locke.

Explana-se primeiramente acerca de Thomas Hobbes, cientista político inglês que caracterizou em seu Magnum Opus, a obra o Leviatã,3 o que ele conceituava como liberdade. Dessa maneira, a liberdade seria a vontade do indivíduo de poder movimentar-se livremente, fisicamente, sem impedimentos alheios. Para Hobbes, (1983, p. 139, cap. XXI) a liberdade “[...] significa, em sentido próprio, a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos dos movimentos)”.

Segundo Hobbes (1983), a liberdade adentra no aspecto do ir e vir sem coerção, mas essa liberdade tem limites básicos. Para isso existe o Estado, as normas sociais e o direito de terceiros. Nesse aspecto, a liberdade do indivíduo é restringida no momento em que pode vir a prejudicar a liberdade de outros. Desse modo, verifica-se a ocorrência do pacto contratualista, no qual o homem recusa o estado de natureza e da liberdade plena e absoluta, para uma liberdade restritiva controlada pelo Estado, garantidor e protetor, sobretudo, de direitos básicos de seus súditos. O Estado se torna uma força protetiva e coercitiva que ao mesmo tempo em que salvaguarda a liberdade individual, impede que essa extrapole a liberdade de terceiros.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, tem-se o ideário de John Locke, filósofo e pensador político inglês precursor do liberalismo. Para Locke, todas as pessoas têm direitos inerentes à vida, à liberdade e à propriedade. Nesse sentido:

Sendo os homens, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ninguém pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar consentimento. A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, contato e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela (LOCKE, 1991, p. 253).

Consoante se verifica desse entendimento, para Locke a liberdade é inerente ao direito de propriedade. Ainda, os indivíduos detêm liberdade absoluta em seu estado natural e renunciam essa liberdade total para uma mais limitada em prol da convivência em sociedade. Essa liberdade limitada, apesar do caráter restritivo, intui acima de tudo proteger os direitos naturais das pessoas (vida, liberdade e propriedade) através do convívio em sociedade e pelas normas sociais, frágeis em estado de natureza (LOCKE, 1991).

O sentido da significação do que é propriamente liberdade vai se modificando e se ampliando, principalmente com o advento do Século das Luzes4 dominado pelas ideias progressistas advindas do Iluminismo e de seus pensadores, nos quais seus maiores expoentes se encontravam na França, a citar dentre eles Voltaire e Rousseau. Dessa vez, o enfoque se dá, acima de tudo, na figura exclusiva do homem e em suas individualidades.

Cabe relatar que antes do próprio advento do Iluminismo, desenvolveu-se uma abstração político-filosófica em prol de direitos e garantias naturais e inerentes a todos os indivíduos, assim tais prerrogativas independiam de concessões legais estatais ou da sociedade (GRESPAN, 2008).

Desse entendimento, visualiza-se que tal ideário influenciou o surgimento do próprio Iluminismo posteriormente e ainda hoje inspira significativamente todas as sociedades democráticas do mundo ocidental, pois prega a obediência estatal quanto a preceitos básicos como direitos civis, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de credo, laicidade do Estado e respeito à propriedade privada (GRESPAN, 2008).

Voltando o enfoque para o Iluminismo, vê-se que tal movimento filosófico tinha como propósito a busca incessante pela razão, na tentativa de compreender e desenvolver as concepções formadoras da racionalidade humana (CASSIRER, 1992).

A racionalidade, a busca pela igualdade entre os homens, o atrelamento ao império das leis estruturadas e um governo organizado em prol de sua população foram os grandes trunfos idealizados pelos pensadores iluministas que convergem até a atual contemporaneidade.

Além disso, outros e importantes fatores acompanharam esses movimentos, coadunando para recaracterização de paradigmas quanto aos direitos do homem e da própria definição de liberdade, podendo-se citar a Reforma Protestante5 e a nascente empresa privada decorrente da Revolução Industrial como grandes eventos interligados à nova interpretação da liberdade e dos direitos correlatos a ela (BERLIN, 2009).

Foca-se agora, nas concepções de liberdade desenvolvidas por um dos maiores pensadores iluministas, o filósofo francês Jean Jacques Rousseau. Nesse aspecto, o ideário acalentado por Rousseau referente a mudanças de paradigmas quanto à moralidade e à própria noção de liberdade foi extremamente notório e instigador para as posteriores compreensões acerca da racionalidade e de direitos individuais.

Rousseau sempre teve por concepção o entendimento no qual a liberdade além de um direito básico, também seria um dever para todos e que “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres” (ROUSSEAU, 1998, p 15). Explica-se, pois o filósofo foi um dos expoentes do pensamento jusnaturalista,6 estipulando assim que a concessão de liberdade, apesar do homem nascer liberto, desenvolve-se através da vida em sociedade, desde que, esta seja organizada de modo que todos sejam iguais e livres.

Ademais, seguindo a linha de pensamento de outros pensadores, como John Locke, Rousseau também acreditava na readequação na qual o homem abdicaria de sua liberdade suprema decorrente da vida livre, para viver em sociedade com seus regramentos e estrutura hierarquizada, intuindo adquirir outras benesses, decorrentes do chamado pacto social, que consoante Berlin (2009, p. 169) é um

Contrato Social pelo qual os homens [...] renunciam de modo formal a uma parte da liberdade ilimitada do estado da natureza, em que qualquer um pode fazer o que quiser e só é restringido por limitações físicas ou psicológicas, em prol de novos benefícios específicos a serem obtidos da vida em sociedade e das instituições [...].

Através dessa organização em sociedade, decorrente do referido pacto, “o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar; o que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui” (ROUSSEAU, 1998, p. 26). Outrossim, verifica-se que o desenvolvimento da liberdade civil7 decorre do interesse coletivo, não apenas de interesses individuais. Logo, o pacto social tem o condão de realçar o caráter igualitário dos indivíduos, fortalecendo, desse modo, a liberdade individual.

Nesse ínterim, para Rousseau (1998) o Estado tem como primordial função assegurar os direitos decorrentes do pacto, tanto da liberdade de participação política quanto de direitos civis, acarretando proteção basilar à liberdade individual. Para mais, a liberdade está necessária e intrinsecamente atrelada à igualdade entre as pessoas, gerada, maiormente pela vontade geral. Portanto, o contrato social firmado pelos homens engrandece e nutre a manutenção/ampliação da liberdade ou pode apenas ser mais uma forma de aprisionar o indivíduo, caso inexista a igualdade.

Sendo assim, o filósofo teve por ideário a noção de que o bem comum para todos os membros da sociedade prevalece em face da vontade geral, e somente ela “pode dirigir as forças do Estado em conformidade com o objetivo de sua instituição, que é o bem comum” (ROUSSEAU, 1998, p. 33).

Antevê-se que esse aspecto da busca pelo bem comum decorrente do ato de soberania da vontade geral (inclusive, quanto ao caráter do respeito às leis), perpassará na igualdade entre as pessoas, assim, atrelada à liberdade individual, civil e social. Dessa maneira, visualiza-se o grande diferencial teórico proposto por Rousseau que marcou um divisor de águas no entendimento do que é a liberdade.

Outro grande pensador a ser abordado no estudo é Immanuel Kant, filósofo alemão que bebeu da fonte de Rousseau, se tornando influenciador de toda a era moderna acerca da epistemologia. Ainda, tratou grandemente da temática da liberdade e suas vertentes, do ponto de vista da moral e do dever.

Para Kant, a liberdade adentra em aspectos relacionados à moralidade e da própria racionalidade humana, dessa forma, a moralidade decorre de uma vontade embasada na livre escolha do indivíduo e todos detêm essa expectativa de arbítrio (BERLIN, 2009).

Adentra-se, particularmente, no que Kant definiu como imperativo categórico,8 estipulando que cada indivíduo, em sua especificidade, através de sua própria razão opta, espontaneamente, a obedecer ou não aos seus anseios. Kant amplia a compreensão que Rousseau estipulou como vontade geral, aprofundado essa definição ao realocar não apenas o livre desejo, mas também o que o senso de dever predispõe no sujeito para caracterizar a racionalidade pela busca da liberdade (BERLIN, 2009).

Ainda, o filósofo alemão procurou explicitar a natureza racional humana como dual,9 dividida pela influência do material, palpável e também da confluência da interiorização humana, pelo metafísico decorrente da razão, sendo assim, essas duas esferas são determinantes para caracterização da racionalidade e do ato moral da livre vontade.

Kant propriamente estipula que as paixões e os desejos íntimos não podem por si só configurar a caracterização da conceituação da liberdade, pois o dever está acima dos anseios e ainda, a racionalidade é a chave basilar para enquadrar e formar a liberdade plena do indivíduo. Logo, consoante a lei moral de Kant, de caráter absoluto, o referido senso de dever decorre da real indispensabilidade de respeito a tal imperativo legalista (BERLIN, 2009).

Quanto ao Estado e sua confluência para a busca pelo senso de moralidade, as ideias kantianas, particularmente em sua Doutrina de Direito, abarcam a questão da respeitabilidade máxima a uma constituição civil, embasada em princípios norteadores de liberdade sob a égide de um governo republicano/democrático (HABERMAS, 1984).

Segundo Habermas (1984, p. 127), “todas as obrigações jurídicas que assegurem a liberdade civil no plano interno e a paz mundial no plano externo apontam para essa mesma ideia de ordem plenamente justa”. Nesse aspecto, entende-se que Kant ao configurar questões atinentes à moralidade e ao dever, também estipula que o Estado pregue, através de seu ordenamento legal, respeito máximo à liberdade dos indivíduos.

Feitas as considerações acerca das concepções filosóficas da caracterização da liberdade, tem-se por ideia geral que a liberdade em sentido amplo, significa a ausência de impedimentos para sua fruição. Apesar disso, duas correntes surgiram para definir a liberdade em um sentido negativo e no sentido positivo.

A liberdade negativa ou política, encabeçada principalmente por Hobbes e Locke, consoante anterior raciocínio, é a liberdade num âmbito no qual um ser humano pode agir sem impedimento por parte de outros, já a liberdade positiva, focada nos ideais, sobretudo de Rousseau e Kant, estipula que o ser humano é o senhor de si mesmo, de seus desejos e anseios (BERLIN, 2009).

Os movimentos contemporâneos da liberdade

Como visto, a noção de liberdade reconfigurou-se em várias significações e compreensões no transcorrer da humanidade. Os principais teóricos que definiram as bases formadoras do conceito, Hobbes, Locke, Rousseau e Kant influenciaram significativamente os movimentos que delineiam as recentes correntes que tratam e idealizam o que é a liberdade e quais seus objetivos dentro de um Estado Democrático de Direito na contemporaneidade.

Diferentemente do anterior entendimento da liberdade, dividido num âmbito negativo e positivo, político versus individual, antevê-se que os movimentos posteriores se enquadram em ambientes efervescentes democraticamente, embasados nos princípios máximos de igualdade e dignidade a todos os indivíduos, focando-se inclusive na respeitabilidade máxima a regramentos norteadores da liberdade civil e nos direitos humanos.

Dessa maneira, torna-se importante explicitar alguns aspectos formadores e que dão norte a governos democráticos, ainda se salienta o atinente ao conceito de cidadania inerentemente coligado à Democracia. Outrossim, as liberdades civis e as garantias individuais estão profundamente arraigadas com a ideia de democratismo, logo indispensável uma análise mais apurada sobre esse sistema político de governo.

Aspectos da Democracia e sua relação com a estrutura estatal e com a cidadania

Viu-se anteriormente toda a construção histórica de movimentos e ideias que geraram a criação e desenvolvimento da Democracia até os modelos atuais de governos democráticos. Sempre intrinsecamente conectada à liberdade e a direitos inerentes a todas as pessoas, essa forma de governo moldou-se aos mais variados anseios populares, expandindo direitos individuais e/ou delimitando abusos.

Os atuais modelos de Democracia, sobretudo no mundo ocidental, embasam-se nas características de representatividade política,10 sufrágio universal,11 tripartição dos poderes12 e obediência ao princípio máximo da respeitabilidade à dignidade da pessoa humana. Sendo assim, essa estrutura governamental possui o condão de salvaguardar a livre participação política de seus membros, dos cidadãos que fazem parte de um ambiente estatal mantenedor dos direitos humanos e das garantias fundamentais (SILVA, 2005).

Faz-se um parêntese aqui para assim exprimir que a Democracia pode ser enquadrada quanto à forma direta ou representativa, contrastantes entre si pela questão da participação popular quanto às decisões políticas. A direta embasa-se na atuação pública de todos os cidadãos, enquanto a forma representativa não compele a obrigação ativa da população (SILVA, 2005).

A segunda forma de Democracia, a representativa, é firmemente criticada por Hannah Arendt (2007), pois para ela a liberdade política e a igualdade entre os indivíduos são vitais para manutenção da Democracia e sem a atuação ativa por parte da maioria da população, esta se torna apenas massa de manobra, podendo carrear para um sistema antidemocrático e até mesmo tirânico ou totalitário. Apesar disso, verifica-se que as maiores Democracias mundiais se baseiam no sistema representativo de governo.

Consequentemente, torna-se claro que o contexto germinador da Democracia decorreu conjuntamente com a formação dos Estados Modernos, influenciados pelas ideias contratualistas liberais e do iluminismo, pautando-se pela base principiológica de respeito à legalidade e aos direitos fundamentais estabelecidos pelos documentos decorrentes das revoluções norte-americana e francesa (WOLKMER, 2002).

Outro aspecto vital dentro da construção da ideia de Democracia e sua relevância para o fomento da liberdade é a questão abordada por Hannah Arendt (2007) quanto à importância da existência, no seio do Estado Democrático de Direito, de igualdade política coligada à autonomia de vontade dos indivíduos, pois assim se acarreta tolerância e respeito às diferenças, intuindo inclusão social em todas as esferas da coletividade.

Tal tema, configurado como pluralismo político por Hannah Arendt (2007), é basilar nas estruturas governamentais democráticas ocidentais, tendo como princípio chave a diversificação de pensamentos, discussões e visões dentro da sociedade. Nesse aspecto, verifica-se que esse pluralismo arendtiano denota numa concepção de que a inexistência de igualdade, de liberdade e de diversidade de opiniões, sejam elas políticas ou de outras esferas, podem resultar na quebra do ideal democrático, criando-se terreno fértil para movimentos totalitários.13

O pluralismo político denota uma multifacetada característica inerente à Democracia que é a possibilidade de vários agrupamentos políticos, livre associação, ideias e possibilidades. A divergência de pensamentos é salutar e fundamental para manutenção e fomento da Democracia e por consequência da liberdade e suas vertentes.

Nesse diapasão, torna-se evidente que “é na Democracia que a liberdade encontra campo de expansão”, ainda, “quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista” (SILVA, 2005, p. 234). Verifica-se desse jeito, como o modelo de governo e a estrutura estatal influenciam positiva ou negativamente no concernente à garantia de direitos básicos e da liberdade tanto individual quanto política no seio de uma sociedade contemporânea.

Dentro disso, convém pontuar elucidação acerca da cidadania, seu conceito, além dos direitos e deveres inerentes a todos os cidadãos dentro do Estado Democrático de Direito. Ao se analisar o que predispõe a Constituição Federal de 1988, que rege todo o ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a ideia basilar de que é cidadão, todo o indivíduo que detém direitos políticos, ou seja, toda a pessoa que tem direito a votar e ser votada dentro da estrutura política do Estado brasileiro (BRASIL, 1988).

Outrossim, o conceito constitucional mostra-se muito simplista, pois cidadania não é somente votar e ser votado. Apesar de, nas palavras de José Afonso da Silva (2005, p. 345), realmente se adequar a um “status ligado ao regime político”, a cidadania além de ser um direito inerente dentro do Estado Democrático de Direito, também enseja obrigações, pois ela também demanda que os indivíduos detentores participem das decisões governamentais dentro do Estado no qual estão integrados, devendo para tanto, fazer representar-se politicamente e de serem ouvidos por seus governantes.

As observações supramencionadas demonstram a real importância que a Democracia e a cidadania detêm para ocorrência, manutenção e ampliação das mais variadas gamas da liberdade. Sem estes instrumentos, inviabiliza-se criticamente a liberdade dos indivíduos. À vista disso, a preservação do espaço público,14 a manutenção de instituições democráticas, o respeito à lei e aos direitos humanos são primordiais para asseverar à liberdade, ou melhor, o exercício dela (ARENDT, 2007).

Após exposição da importância do aparato estatal democrático, dos regramentos legais embasados na respeitabilidade aos direitos individuais e na cidadania e ativismo político no seio da sociedade, torna-se oportuno predispor acerca das duas maiores correntes contemporâneas que definem o que é e qual o sentido da liberdade, se tal concepção enquadra-se numa escolha singular ou se a liberdade se assemelha quanto à ideologia de autonomia do indivíduo.

Essas correntes que conceituam a liberdade são denominadas quanto ao seu sentido: liberal ou no sentido romântico. Esmiúça-se assim, as características chave dessas duas correntes, o liberalismo e o romantismo, para assim estabelecer o hodierno conceito de liberdade e sua concepção dentro de uma sociedade globalizada, pautada pelas novas tecnologias de informação e comunicação, multiforme onde a liberdade e suas vertentes, principalmente a liberdade de expressão, tornam-se essenciais para manutenção de uma vida digna.

O liberalismo

O movimento liberal decorreu historicamente de mudanças na estrutura da sociedade ocidental, fomentadas, sobretudo pelas revoluções liberais burguesas15 na Europa do Século XIX. Um dos precursores desses ideais liberais foi, conforme anterior explanação, John Locke, mas muitos outros pensadores influíram no pensamento liberal, como Adam Smith,16 John Stuart Mill,17 dentre outros que até os tempos atuais são estudados e seus ideais seguidos.

A base do liberalismo busca a proteção, por parte das instituições estatais e dos regramentos jurídicos, das garantias individuais a todas as pessoas, além destas poderem deter direitos quanto à propriedade, à livre manifestação, ao direito de ir e vir, à liberdade de culto religioso e política. Tanto que quanto a aspectos hodiernos, o liberalismo ainda age significativamente em várias vertentes do pensamento político e econômico, tanto doutrinário quanto empírico, ao se analisar as diversas democracias liberais ocidentais, cujo maior exemplo, são os Estados Unidos da América (BOBBIO, 2000).

Nessa perspectiva, os objetivos que englobam os ideais básicos do liberalismo adentram no sentido de que o livre arbítrio e a vontade singular do indivíduo, sua escolha íntima, são as “pedras angulares” da compreensão do movimento liberal acerca da liberdade (BERLIN, 2009).

Seguindo a ideia do democratismo que rege grande parte do Ocidente, pode-se dispor que a própria construção atual da Democracia “[...] não só não é incompatível com o liberalismo como pode dele ser considerada, sob muitos aspectos e ao menos até um certo ponto, um natural prosseguimento” (BOBBIO, 2000, p. 37). Dessa compreensão, verifica-se que o liberalismo influenciou e ainda influencia as concepções acerca dos rumos políticos das nações ocidentais, ademais, o ideário acerca do Estado Liberal e da igualdade entre as pessoas desse movimento é vital para a atual significação do próprio conceito da liberdade compreendido no pensamento contemporâneo.

Tanto que o liberalismo se molda perfeitamente há várias características inerentes ao capitalismo e ao livre mercado,18 mas não somente a tais variantes, pois a igualdade política e de oportunidades, além do respeito às individualidades, também são apropriadas pelos liberais, e conforme precedentes explanações, esses referenciais formam a base da percepção liberal sobre como o mundo deve ser regido.

No decorrer do Século XX, os ideais liberais transmutaram-se ao abranger aspectos referentes à equidade social e jurídica de uma forma legalista e permeada por um sistema no qual todos deteriam os mais básicos direitos à liberdade, principalmente na figura do filósofo político norte-americano John Rawls (1921-2002) que formulou sua teoria de justiça sobre grande influência do liberalismo.

Ademais, Rawls (2000, p. 24) amplia as concepções liberais, adentrando no sentido de um liberalismo político, o qual:

Pressupõe que [...] uma pluralidade de doutrinas abrangentes e razoáveis, e, ainda assim, incompatíveis, seja o resultado normal do exercício da razão humana dentro da estrutura das instituições livres de um regime democrático constitucional.

Nesse aspecto, pode-se intuir que a base principiológica por trás do ideário de Rawls (2000), decorre de uma busca sistemática pela liberdade, através de suas concepções liberais interpostas com sua teoria de justiça, objetivando equilibrar a liberdade, de aspecto amplo, com a igualdade, que visa principalmente o combate à disparidade dentro no tecido social.

Frisa-se a importância da ideia de justiça proposta pelo filósofo norte-americano, visto que a mescla de seus entendimentos acerca do liberalismo, ampliando-o19 e suas definições sobre liberdade e igualdade tencionando a busca pela justiça social, dão uma significante guinada para as novas teorias e compreensões sobre a liberdade e até mesmo sobre os rumos dos movimentos liberais.

Atualmente, a corrente liberal detém enorme amparo dentre as camadas filosóficas que pregam o respeito às liberdades e garantias inerentes a todos. Através das perspectivas históricas, adentrando num viés que engloba questões preponderantes em qualquer sociedade, do caráter econômico ao político e social, o liberalismo sempre esteve conectado aos regramentos e concepções que apregoavam e ainda apregoam a respeitabilidade máxima, tanto de um caráter estatal quanto personalíssimo, da liberdade entre as pessoas, da liberdade de expressão, da liberdade de movimento de ir e vir sem impedimentos por terceiros, da livre associação e acima de tudo do livre arbítrio, da escolha singular do indivíduo de guiar os rumos de sua vida.

O movimento romântico

O romantismo foi um movimento cultural e filosófico centrado em várias vertentes do saber humano, abarcando as artes, a literatura, a música e ainda influiu de forma significativa nos ideais políticos que remodelaram as compreensões morais sobre o mundo, anteriormente pautadas pelas teorias iluministas e racionalistas (GUINSBURG, 2008). Nesse aspecto, o romantismo ficou marcado pela valorização individual20 em prol da valorização do coletivo, redefinindo a sociedade consideravelmente.

Sendo uma das características mais marcantes dessa importante corrente que detém como máxima a liberdade humana, é a sua quebra para com as anteriores concepções racionalistas, embasadas no objetivismo e na racionalidade. O romantismo sempre teve por enfoque a própria figura humana, suas emoções e necessidades, à vista disso, a liberdade humana e a autonomia de vontade sempre figuraram em lugar central no ideário romântico (GUINSBURG, 2008).

O movimento romântico, apesar de iniciado no Século XVIII e ter seu apogeu durante o decorrer de todo o Século XIX, ainda influencia, de maneira abrangente, idealizações sobre a autonomia e liberdade dos indivíduos. Consoante se depreende de Guinsburg (2008), o sentido dado pelos românticos à liberdade caracterizou-se por uma grande perspectiva descentralizadora de regramentos, pela quebra paradoxal em face do conservadorismo em prol de uma liberalidade de costumes e de expressões, tanto no viés artístico quando de ideias.

Pode-se inclusive analisar de uma maneira mais amplificada que tal corrente romântica foi um dos pilares teórico-filosóficos para, posteriormente, a criação da noção acerca dos direitos humanos e de aparatos legalistas que visam a salvaguarda desses regramentos protecionistas basilares a toda vida humana e à individualidade (HUNT, 2009).

Afirma-se o supramencionado, ao verificar que as concepções românticas conjuntamente com as concepções liberais tiveram por caracterização a individualização da figura humana. Portanto, através da busca pelo “eu” atinente à referida autonomia, ou podendo-se inclusive designar a nomenclatura de autogoverno pessoal, ocorreu uma mudança paradigmática que ainda influi significativamente na contemporaneidade.

De outra banda, tanto na questão da autonomia de vontade quanto no livre arbítrio das pessoas, ensejou-se além do fomento, segundo Hunt (2009), de uma readequação da empatia entre os sujeitos, um novo e vital enquadramento legalista acerca dos direitos inerentes a todos os seres humanos, decorrendo assim a criação e posterior ampliação dos direitos humanos, e dentro disso, a liberdade basilar em sua mais ampla dimensão.

Epílogo

Contemplaram-se características formadoras e também reformadoras da noção da liberdade em seus aspectos tanto extrínsecos quanto intrínsecos.21 Demonstrou-se que os dois conceitos da liberdade, em sentido romântico e no sentido liberal, apesar de contemporâneos entre si e em alguns aspectos similares, noutros diferentes, e que inclusive se influenciaram mutuamente em diversas escalas da compreensão, demarcaram uma nova visão acerca da liberdade humana, tanto do ponto de vista moral quanto do ponto de vista legalista.

Analisa-se que os ideais de liberdade se mesclam há vários significados, mas seu teor central sempre permanece íntegro e permanente, enfocado na autonomia e na escolha do indivíduo humano.

Ademais, consoante estipula Hayek (1983, p. 19), “os ideais da liberdade que inspiraram a moderna civilização ocidental e cuja realização parcial tornou possíveis os feitos dessa civilização foram eficazmente reafirmados”. Depreende-se que desde a antiguidade até a idade contemporânea, a busca pela liberdade moldou gradativamente a construção da hodierna sociedade em que nos encontramos.

Nesse mote, visualiza-se o porquê da exposição dos movimentos contemporâneos da liberdade, adentrando-se em aspectos do Estado coligado à Democracia e à cidadania e as vertentes modernas da liberdade que ultrapassaram o espaço-tempo, influindo significativamente os rumos que segue a civilização ocidental conectada, interligada ao conceito de liberdade.

Considerações finais

Intuiu-se expor um apanhado histórico a respeito da construção do ideário contemporâneo da liberdade enfocado na autodeterminação individual e no livre arbítrio de cada pessoa de usufruir o direito de decidir como guiar sua própria vida, desde que respeitando a autonomia e a dignidade de terceiros.

Para mais, viu-se a importância do desenvolvimento teórico idealizado por pensadores que influenciaram grandemente a atual concepção moderna da compreensão não só da liberdade, mas da vida em sociedade, da democracia e do respeito às leis que pregam e dignificam os direitos individuais e também os direitos humanos.

A liberdade pregada pelos ideólogos ingleses Thomas Hobbes e John Locke foi fundamental para o desenvolvimento do constitucionalismo moderno.22 Ainda, tal ideologia expunha a pregação à respeitabilidade a normas que apregoavam a obediência estatal das liberdades individuais quanto ao direito de ir e vir sem impedimentos, ao direito à propriedade e ao direito ao devido processo legal. Esse ideário que predispunha o não intervencionismo na liberdade dos indivíduos23 foi pilar para os movimentos que denotariam a atual compreensão do que se entende por liberdade em sua significação mais abrangente.

Além do mais, a liberdade em um sentido positivo embasada nas concepções desenvolvidas por Jean Jacques Rousseau e Immanuel Kant deteve primordial relevância quanto à busca pela autodeterminação individual de escolha aos desejos do amago interno das pessoas. Depreende-se que essa liberdade almejada tanto por Rousseau quanto por Kant indica um referencial intrinsecamente coligado às particularidades individuais de cada pessoa, inclusive quanto às questões do cerne da moralidade, do dever, da busca pela liberdade de maneira equilibrada condizente com uma sociedade justa e devidamente igualitária entre todos os seus membros.

Por intermédio da confluência da ideia de liberdade estabelecida pelos referidos pensadores, os movimentos políticos, sociais e culturais suscitados neste ensaio, respectivamente o liberalismo e o romantismo, floresceram e trouxeram uma redefinição da liberdade humana, centrada no indivíduo e na igualdade. Tanto que a democracia, a noção moderna de cidadania e a ascensão dos direitos humanos são marcos históricos que contextualizam a significância que a liberdade denota na atual sociedade ocidental, a qual é pautada, dessa maneira, pelo ideário de liberdade advindo das teorias filosóficas suscitadas e dos movimentos liberal e romântico que delas sofreram enorme influência.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 Depreende-se que a liberdade social exposta por Berlin, pode caracterizar-se, ou até mesmo denominar-se, como uma liberdade individual no seio da sociedade e do Estado.
2 O autor explana que a racionalidade estoica adentra no aspecto de harmonização com a natureza e com o mundo, de aceitar um propósito maior decorrente, daí o sentido de submissão racional (BERLIN, 2009).
3 Leviatã seria um monstro marinho citado na Bíblia, nesse aspecto, Hobbes teve por intuito caracterizar o Estado, como esse monstro que com seus “tentáculos” controla a tudo e a todos através de seu poder. A obra também denominada como a “Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico civil” se tornou um marco da filosofia política, trazendo conceitos quanto à formação do Estado, da autoridade estatal e da organização societal (HOBBES, 1983).
4 O Século XVIII foi denominado assim pela extensa produção intelectual de pensadores focados no ideário da razão, baseando novas concepções acerca da liberdade, da política e da tolerância religiosa (GRESPAN, 2008).
5 Iniciada por Martinho Lutero em meados do século XVI, essa revolta contra os privilégios da Igreja Católica, marcou uma quebra no mundo cristão, gerando diversas doutrinas religiosas que ocasionaram grandes turbulências, principalmente na Europa.
6 Movimento filosófico que pregava que todos os homens possuíam direitos naturais inerentes, como o direito à vida (CASSIRER, 1992).
7 Dessa, decorrem todas as liberdades inerentes há um Estado Democrático de Direito, como a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, do direito à propriedade, da livre imprensa, do direito ao devido processo legal, de igualdade perante a lei, à livre associação, à integridade corporal, dentre outros (SILVA, 2005).
8 Definido por Berlin (2009, p. 207) como “a lei moral de Kant”.
9 Isaiah Berlin (2009, p. 208-209) aborda esse dualismo kantiano como uma natureza do eu empírico e do eu não empírico, autogovernado.
10 Quanto à definição de representatividade política, pode-se enquadrá-la numa relação interdependente formada pelos eleitores, cidadãos que elegem um indivíduo, o eleito, para representá-los politicamente dentro do aparato público. Nesse aspecto, os eleitores revestem ao eleito o poder político para tomadas de decisões que influem universalmente toda a sociedade (TAVARES, 1994).
11 Entende-se por sufrágio universal, o direito a voto, votar e ser votado, por todos os membros de uma nação, independentemente de condições quanto a sexo, finanças, nascimento e capacidades especiais. Esse direito abrangente ao voto é inerente e basilar a qualquer Democracia (SILVA, 2005).
12 Executivo, Legislativo e Judiciário.
13 Regimes antidemocráticos, unipartidários, embasados no nacionalismo exacerbado, xenofobismo, onde o coletivo está acima das garantias individuais. Geralmente são regimes controlados pela figura de um grande líder ou de um grupo que aterroriza o restante da população (ARENDT, 1999).
14 Esse espaço público na concepção de Hannah Arendt (2007) denotaria aspectos referentes à participação política ativa dos indivíduos, para assim, fortalecer condições propícias para a prática da liberdade e da cidadania.
15 Revoluções que ocorreram, sobretudo, no ano de 1830, iniciando-se na França e se alastrando para toda a Europa, citando-se países como Bélgica, Portugal, Espanha, Polônia e Alemanha. Tais movimentos revoltosos visavam principalmente uma redefinição econômica, política e social dos Estados europeus, onde a população ansiava por mais direitos. A influência liberal foi de grande significância nesse período (HOBSBAWM, 2012).
16 Escocês, foi considerado o pai do liberalismo econômico. Em sua principal obra, “A Riqueza das Nações” caracterizou a alcunha do Estado Liberal, predispondo aspectos como a interferência mínima estatal na economia.
17 Defensor ferrenho do liberalismo político, do sufrágio universal e das liberdades individuais, esse filósofo inglês foi um dos fundadores do utilitarismo, corrente filosófica que propõe a busca pela felicidade da maioria dentro de uma sociedade.
18 Daí sua marcada e significante confluência que guia os rumos das nações ocidentais.
19 Pode-se inclusive asseverar que tal ampliação redefiniu conceitos quanto ao movimento liberal, transformando-o de uma lógica de caráter político-econômico para uma lógica de caráter social.
20 Vê-se desse modo, claramente que os ideais burgueses e capitalistas deram norte para as abstrações do romantismo.
21 Frisa-se que em muitos aspectos o liberalismo e o movimento romântico recaracterizaram a busca pela individualização do ser humano, da busca pelo seu “eu”. Nesse sentido, a liberdade passou a ter um enorme viés pela busca do autogoverno por parte dos indivíduos. O sentido romântico e o liberal da liberdade trouxeram novos aspectos da concepção que ela denota, adentrando em características que ultrapassam questões políticas, fixando a liberdade, sobretudo, no caráter social e na singularidade humana.
22 Embasando a base teórica para a construção da Constituição Norte-Americana de 1776 e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
23 Sendo assim caracterizada como uma liberdade em um sentido negativo.
Autor notes
* Mestrando em Ensino de Humanidades e Linguagens, Universidade Franciscana/UFN, Santa Maria/RS. Bolsista pelo PROSUC/CAPES. Bacharel em Direito. Especialista em Direito do Trabalho. Advogado. E-mail: marcoskopstein@hotmail.com - https://orcid.org/0000-0003-0640-4113
** Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUC-RS. Professor do Curso de Filosofia e do Mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens da Universidade Franciscana/UFN, Santa Maria/RS. E-mail: diego.zanella@gmail.com - https://orcid.org/0000-0002-2180-4011
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