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O sistema prisional moçambicano: Entre a previsão normativa e a realidade prática
El sistema penitenciario mozambiqueño: entre la disposición legislativa y la realidad práctica
The Mozambican penitentiary system: legislation and reality
Le système pénitentiaire mozambicain : des dispositions légales à la réalité pratique
莫桑比克监狱系统:在规范预测和实际现实之间
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 2, pp. 296-308, 2020
Universidade Federal Fluminense

Artigos



Recepção: 02 Maio 2020

Aprovação: 20 Maio 2020

DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-202012207

Resumo: O objetivo deste trabalho acadêmico é o de identificar a situação atual do sistema prisional moçambicano, apresentar os seus principais dilemas e posteriormente exibir soluções tendo em vista a superlotação, a reincidência de crimes e ressocialização dos detentos. Outrossim, também constitui objetivo deste artigo, fazer um paralelo entre a realidade prática e o que a Lei nº 35/2014 de 31 de dezembro (Código Penal Moçambicano) estabelece a finalidade da pena. Observamos os dados do Serviço Nacional Penitenciário de Moçambique (SERNAP) e do Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação Sobre o VIH e SIDA em Moçambique, aborda ainda o abismo entre o que a lei dispõe e a realidade prática, dado que os estabelecimentos prisionais violam sobremaneira as disposições supracitadas.

Palavras-chave: Sistema prisional, ressocialização, superlotação, reincidência.

Resumen: El objetivo de este trabajo es identificar la situación actual del sistema penitenciario de Mozambique, presentar sus principales dilemas y mostrar soluciones para la sobrepoblación, la reincidencia de delitos y la resocialización de los presos. Constituye también objetivo de este artículo establecer un paralelismo entre la realidad práctica y lo que la Ley nº 35/2014, de 31 de diciembre (Código Penal de Mozambique) estipula sobre la finalidad de la pena. Analizamos los datos del Servicio Nacional Penitenciario de Mozambique (SERNAP) y del Estudio Nacional de Prevalencia, Riesgos Comportamentales e Información sobre el VIH y el SIDA en Mozambique. Abordamos así mismo el abismo entre lo que la ley prevé y la realidad práctica, dado que las instituciones penitenciarias incumplen sobremanera las disposiciones citadas anteriormente.

Palabras clave: Sistema penitenciário, resocialización, sobrepoblación carcelaria, reincidência, Mozambique.

Abstract: The aim of this work is to examine the current state of Mozambique’s penitentiary system, describing the main challenges it faces and suggesting solutions to overcrowding, recidivism, and the prisoners’ re-socialization process. The article also aims to draw a parallel between the practical reality and what Law no. 35/2014 of December 31 (Mozambican Penal Code) establishes as the purpose of punishment. We discuss data from the Mozambican National Penitentiary Service (SERNAP) and from the National Enquiry into Incidence, Behavioral Risks, and Information on HIV and AIDS in Mozambique. We also consider the discrepancy between that which is laid out by the law and the practical reality, given how severely the country’s prisons violate the aforementioned provisions.

Keywords: Penitentiary system, re-socialization, prison overcrowding, recidivism, Mozambique.

Résumé: Le but de cet article est d’analyser la situation actuelle du système pénitentiaire mozambicain, de présenter ses principaux dilemmes et de proposer des solutions prenant en considération la surpopulation, la récidive et la resocialisation des détenus. Il s’agit également ici de tracer un parallèle entre la réalité pratique et ce qu’établit la Loi nº 35/2014 du 31 décembre (Code pénal mozambicain) quant à la finalité de la peine. Nous avons ainsi analysé les données du Service national pénitentiaire du Mozambique (SERNAP) et de l’Enquête nationale de prévalence, risques comportementaux et information sur le HIV et le SIDA au Mozambique. Nous aborderons en outre le fossé existant entre les dispositions légales et la réalité pratique, étant entendu que les établissements pénitentiaires enfreignent en permanence lesdites dispositions.

Mots clés: Système pénitentiaire, resocialisation, surpopulation carcérale, récidive, Mozambique.

摘要: 本论文分析了莫桑比克监狱系统的现状,指出其所面临的主要困境并提出解决方案,以期缓解牢房人满为患,再次犯罪,和在押人员的重新社会化等问题。本文也将监狱实际情况与《莫桑比克新刑法》(2014年12月31日颁布的第35号法律)中的相关规定进行对照,试图在现实和理想之间取得平衡。我们研究了莫桑比克国家监狱服务局(SERNAP)提供的数据以及莫桑比克关于艾滋病毒/艾滋病的患病率,行为风险等信息的全国调查, 发现莫桑比克监狱机构很少执行或者根本不执行新刑法的有关规定,因此,在严峻的现实与法律规定的理想目标之间存在一个巨大的差距。

關鍵詞: 监狱制度, 重新社会化, 监狱人满为患, 再犯罪, 莫桑比克.

Introdução

Trata, o presente artigo, da realidade atual do sistema prisional moçambicano: entre a previsão normativa e a realidade prática. A lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro (Código Penal Moçambicano) dispõe no seu art. 58 que a aplicação de qualquer medida ou pena criminal visa garantir a proteção dos bens jurídicos, a reparação dos danos causados com a infração praticada, a reinserção do agente na sociedade e prevenir a reincidência (MOÇAMBIQUE, 2014, art. 58). Na mesma linha de pensamento, dispõe o artigo 63 que na execução das penas privativas de liberdade ter-se-á em vista, sem prejuízo da sua natureza repressiva, a regeneração dos condenados e a sua readaptação social (MOÇAMBIQUE, 2014, art. 63).

No entanto, ao contrário do que estabelece a lei, os estabelecimentos prisionais moçambicano apresentam diversos dilemas, dentre eles destacam-se: a superlotação, falta de infraestrutura adequada para abrigar os detentos, prazos de prisão preventiva largamente expirados, a má nutrição, a má higiene e cuidados médicos, a inclusão de prisioneiros menores em instalações para adultos, a partilha de celas entre prisioneiros condenados e prisioneiros não julgados, alimentação inadequada. Tais dilemas dificultam a regeneração, a reinserção, a adaptação social dos condenados e promove a reincidência de crimes.

Isto posto, constitui objetivo deste trabalho, identificar a situação atual do sistema prisional moçambicano, apresentar os seus principais dilemas e posteriormente apresentar soluções tendo em vista a redução da superlotação, reincidência de crimes e aumentar a ressocialização. Outrossim, também constitui objetivo deste artigo, fazer um paralelo entre a realidade prática e o que a Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro (Código Penal Moçambicano) estabelece sobre a finalidade da pena.

Seria essencial e necessária a construção de novas unidades prisionais, com objetivo de desafogar esse sistema superlotado e solucionar vários outros problemas como a falta de assistência médica, higiene e alimentação, diminuindo consequentemente a transmissão de doenças, muitas vezes incuráveis.

Outrossim, seria necessária e essencial aumentar o efetivo de juízes, policiais e agentes penitenciários e aplicar penas alternativas à pena de prisão para pequenos e médios crimes.

Breve história do sistema prisional moçambicano

Até o século XVIII não se falava da pena restritiva de liberdade, o direito penal era marcado por penas desumanas e cruéis, tais como: a pena de morte, a tortura, o suplício, mutilações, trabalhos públicos, o confisco, o desterro, a exposição a censura pública, etc. A prisão era usada como custódia ou espécie de um depósito onde os condenados ou acusados aguardavam a execução da pena propriamente dita. O encarceramento era um meio, não fim.

Durante o século XVIII as penas corporais foram banidas e a pena de prisão passou a figurar no rol de punições de direito penal. A pena de prisão passou a exercer um papel de punição de fato, não uma custódia.

Volvido um tempo, surgem as teorias sobre as penas, dentre elas destacam-se: as teorias absolutas, relativas e mistas. A seguir uma breve abordagem sobre cada uma delas, começando pelas teorias absolutas.

Teorias absolutas

As teorias absolutas também conhecidas como teoria retributiva tem como caraterística principal a concepção da pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado.

Segundo (BITENCOURT, 2015, p. 134) “a pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena”, e o fundamento da sanção estatal está no questionamento livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto.

Kant e Hegel foram os percursores dessa teoria, mas não são os únicos defensores. Carrara também fora defensor desta teoria. Este em seu conhecido programa de direito crimininal, escreveu que “a finalidade primária da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade” (CARRARA, 1971, p. 615).

Ainda no mesmo diapasão, Carrara (1971, p. 615) entendia que:

[…] o delito agrava a sociedade ao violar suas leis e ofende a todos os cidadãos ao diminuir neles o sentimento de segurança, de forma a evitar novas ofensas por parte do delinquente, a pena deve ser aplicada para poder reparar este dano com o restabelecimento da ordem, que se vê alterada pela desordem do delito.

Não se pretende com esta teoria dignificar a conduta do preso em garantir a sua reintegração ou ressocialização, reeducação, recuperação, correção ou instrução e muito menos reparar o dano causado pelo delito, mas sim, castigar, punir, repreender, intimidar, humilhar e privar da liberdade devido à falta de atenção no cumprimento dos preceitos legais e o desrespeito para com a sociedade ao apresentar uma conduta desviante.

Pela retribuição penal, a luz do preceituado no artigo 110 do Código Penal moçambicano (CPM), a aplicação da pena, entre os limites fixados na lei para cada uma, depende da culpabilidade do agente, tendo em atenção, a gravidade do fato criminoso, os seus resultados, a intensidade do dolo ou grão da culpa, ou motivos do crime e a personalidade do agente.

Silva (2002, p. 35) em seus escritos sobre a execução penal afirma que “esta teoria tem como propósito recompensar o mal pelo mal, isto é, o mal causado, causando um mal ao criminoso”.

Da teoria retributiva, o caráter punitivo em aplicar o castigo no condenado tem como fim último aplicar a justiça no respeito as diferenças e acima de tudo na legalidade. Se cometeu o crime é penalizado, infração recompensa-se com a punição. Logo, pode-se aferir que o Estado está usando do seu poder máximo para fazer perceber ao condenado que sua detenção ou prisão é consequência de seu próprio ato.

Teorias Relativas

Também conhecida como teorias preventivas. Segundo esta teoria a pena se justifica não para retribuir o fato delitivo cometido, mas, sim, para previnir sua prática. De acordo com a teoria absoluta, o castigo se atribui ao autor do delito somente porque delinquiu, já na teoria relativa a pena se impõe para que não volte a delinquir. Ou seja, a pena deixa de ser concebida como um fim em sim mesma, sua justificação deixa de estar baseada no fato passado, e passa a ser concebida como meio para o alcance de fins futuros e a estar justificada pela sua necessidade: a prevenção de delitos (BINTENCOURT, 2015, p. 142). Ainda na mesma linha de pensamento, Sousa (2009, p. 18) ensina que as “teorias prevencionistas tem como base da sua fundamentação a proteção da sociedade, visando evitar novas práticas ilícitas”. Assim enquanto a teoria retributiva visaria o passado, a teoria preventiva visa o futuro, no sentido em que procura pela pena aplicada dissuadir o malfeitor de repetir o crime ou mesmo de ter imitadores.

A formulação mais antiga dessa teoria costuma ser atribuída a Sêneca, “que, se utilizando de Protágoras de Platão, afirmou: nenhuma pessoa responsável é castigada pelo pecado cometido, mas sim para que não volte a pecar” (HASSEMER, 1984, p. 347).

Teoria mista ou unificadora da pena

Tais teorias tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta recolher os aspetos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Silva (2002, p. 35) afirma que as duas teorias em combinação darão origem a uma terceira chamada mista ou eclética. Nota-se que a prevenção e retributividade são figuras afins que de algum modo concorrem para o mesmo fim, o de prevenir e o de punir o delinquente pelo mal cometido, não obstante a sua complementaridade.

Ainda no decurso da unificação penal, Prado (2007, p. 235) diz que “a retribuição jurídica torna-se num instrumento de prevenção, e a prevenção encontra na retribuição uma barreira que impede sua denegação”.

Conforme o postulado antecedente, constata-se que o fim da pena seria a formação socioprofissional do delinquente, pois, nota-se que este uma vez cometido o crime foi punido, tendo recompensado a sua conduta. Pode-se de algum modo, evitar a eminência de novos crimes usando mecanismos de controlo, quiçá, possa permitir com que o condenado regresse à convivência familiar. Afigura-se, portanto, que por sua natureza a pena é retributiva mas sua finalidade para além de preventiva é também correcional, educacional e ressocializadora.

Com o tridimensionalismo das teorias penais, afigura-se importante notar que a pena é vista como um castigo, com o fim último de fazer a justiça usando da lei em consequência do mal causado pelo delinquente, prevenindo deste modo que ele volte a repetir ou incitar atos de vandalismos ou conduta ilícita. Mirabete (1990, p. 244) em seu Manual de Direito Penal aprofunda “a retribuição, sem a prevenção é vingança; a prevenção sem a retribuição é desonra. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral”.

Teoria adotada pelo Código Penal Moçambicano

Moçambique adotou as teorias mista ou unificadora da pena, conforme pode-se perceber do artigo 58 do Código Penal moçambicano (CPM): “A aplicação de qualquer medida ou pena criminal visa garantir a proteção dos bens jurídicos, a reparação dos danos causados com a infração praticada, a reinserção do agente na sociedade e prevenir a reincidência”. Ainda no mesmo diapasão, o artigo 63 do mesmo dispositivo estabelece: “Na execução das penas privativas de liberdade ter-se-á em vista, sem prejuízo da sua natureza repressiva, a regeneração dos condenados e a sua readaptação social”.

São proibidas as penas e medidas criminais privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo, de duração ilimitada ou indefinida (art. 59 CPM). Ao vedar penas de caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida, limitando ao montante de 24 anos de prisão maior, deixa claro que a pena deve possibilitar o retorno e a reintegração do condenado ao convívio social, assegurando a passagem gradual de um regime para outro visto ser inconstitucional a pena de morte.

Portanto, a finalidade ressocializadora consubstancia-se na retratação do delinquente ao devolvê-lo a sociedade, adquirindo assim novos valores no contato ético-efetivo com os familiares e amigos, e acima de tudo o evitar das futuras delinquências. Nesta ordem de ideia, Mirabete (2004 apud Lima, 2006, p. 92) leciona que “o trabalho, sendo um direito social público reeduca o delinquente, prepara-o para a sua reincorporação à sociedade, proporciona-lhe meios para reabilitar-se diante de si mesmo e da sociedade, disciplina sua vontade, favorece sua família”. O Código Penal moçambicano ensina que uma das formas de promover a regeneração e a readaptação social dos delinquentes é permitir-lhes a aprendizagem ou aperfeiçoamento de um ofício.

A prisão por si pode trazer consequências nefastas ao condenado se este não for tratado

Condignamente, dispõe a Constituição da República de Moçambique no seu art. 40, nº 1, “Todo cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos” (MOÇAMBIQUE, 2004, art. 40). Pelo seu ius imperis o Estado tem a prerrogativa de criar condições mínimas de encarceramento do delinquente, numa análise simplista, não para vedar-lhe das liberdades mas sim recompensar pelo crime cometido e preparar-lhe para uma nova vida.

O que a lei nº 35/2014 de 31 de dezembro aborda sobre a finalidade da pena?

O Código Penal Moçambicano (CPM), lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro, aborda no seu artigo 58 que a aplicação de qualquer medida ou pena criminal visa garantir a proteção dos bens jurídicos, a reparação dos danos causados com a infração praticada, a reinserção do agente na sociedade e prevenir a reincidência. Ainda na mesma linha de pensamento, o art. 63 da mesma lei dispõe, na execução das penas privativas de liberdade ter-se-á em vista, sem prejuízo da sua natureza repressiva, a regeneração dos condenados e a sua readaptação social.

Tais disposições demonstram que a pena privativa de liberdade tem como finalidade o castigo do delinquente, com o fim último de fazer a justiça usando da lei em consequência do mal causado pelo recluso, prevenindo deste modo que ele volte a repetir ou incitar atos de vandalismos ou conduta ilícita. Assim como visa produzir no delinquente a regeneração e sua readaptação social. Ou seja, a pena de prisão tem como finalidade suprema a ressocialização, reinserção social, reabilitação, educação ou ainda habilitar o delinquente de meios para a vida social digna de respeito e salvaguarda do bom nome.

No entanto, existe um abismo entre o que a lei dispõe e a realidade prática. As condições dos estabelecimentos prisionais violam sobremaneira as disposições supracitadas. Devido às más condições dos estabelecimentos prisionais as pessoas entram e saem pior do que quando entraram.

Problemas correntes do sistema prisional moçambicano

Os problemas correntes do sistema prisional moçambicano são diversos, dentre eles destacam-se: a superlotação, falta de infraestrutura adequada para abrigar os detentos, prazos de prisão preventiva largamente expirados, a má nutrição, a má higiene e cuidados médicos, a inclusão de prisioneiros menores em instalações para adultos, a partilha de celas entre prisioneiros condenados e prisioneiros não julgados, alimentação inadequada.

A Procuradoria Geral da República (PGR), o Ministério da Justiça (MJ) e o Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP) reconheceram haver problemas nas áreas de prisão preventiva, superlotação e nas demais áreas acima arroladas.

Na Prisão Provincial de Nampula, 71 prisioneiros ocupavam uma cela de 9 x 3,5 metros por mais de 20 horas por dia, com acesso a apenas uma latrina/banheiro. Na Cadeia Central de Maputo, segundo confirmação do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) de Moçambique, que é o órgão do governo responsável pela prestação de assistência jurídica gratuita às pessoas sem recursos financeiros, havia pelo menos duas crianças de 15 anos de idade em detenção preventiva, alojadas num bloco de celas com prisioneiros condenados com idades até aos 22 anos. A idade legal mínima de detenção é 16 anos.

Em muitos casos, os funcionários prisionais não providenciavam nem sequer alimentos básicos para a população prisional. Duas das principais prisões na província de Maputo forneciam apenas duas refeições diárias aos presos. Era habitual os familiares levarem comida aos presos, mas nem todos tinham famílias com possibilidade de lhes fornecer alimentos.

A população recluída moçambicana tem crescido exponencialmente desde o ano de 2005 até o ano 2015 sem o devido acompanhamento do desenvolvimento infraestrutural. Em 2005 os Estabelecimentos Penitenciários (EPs) abrigavam 11.173 reclusos, 2008 com 12.925, em 2012 o número de reclusos ascende para 15.879, em 2013 para 15.127, 2014 com 14.895 e em 2015 com 15.955 reclusos o que representa um aumento em 42,7% de 2005 a 2015. Segundo o relatório do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP) no primeiro semestre de 2016 a população recluída era 17.710 (64% condenados e 36%preventivos) para uma capacidade de internamento de 8.118, sendo que 97% da população recluída é do sexo masculino e maioritariamente jovem.

De acordo com os dados do Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação Sobre o VIH e SIDA em Moçambique - INSIDA (2009), a taxa de soroprevalência para o VIH e SIDA é 11.5% e a da Tuberculose (TB) 553/100 mil habitantes.

Sem sombra de dúvida que tais problemas dificultam bastante na prossecução do fim último da pena privativa de liberdade (ressocialização, reinserção, e educação do delinquente).

Prisão Preventiva

A prisão preventiva não constitui em si mesma uma violação dos direitos humanos, desde que ocorra nos termos da lei. Dito de outra forma, o problema não é a existência deste instituto, mas o mau uso, em particular referência a duração e ao tratamento dos reclusos que aguardam o julgamento.

A prisão preventiva encontra amparo na Constituição da República de Moçambique (CRM), concretamente no art. 64, nº 1, no Código Processo Penal de Moçambique (CPPM), no artigo 309 e no Acordão nº 4/CC/2013 do Conselho Constitucional (CC).

Apesar dessas disposições legais, a questão da prisão preventiva em Moçambique têm sido um problema grave. Durante o ano de 2016 havia no país cerca de 6.000 pessoas em prisão preventiva, 2.151 das quais estavam com os prazos expirados, configurando prisão ilegal, violando, assim, os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.

A Procuradoria Geral da República (PGR) reportou que 35% dos prisioneiros em 2016 estavam em prisão preventiva. Não houve estimativas fiáveis do período médio de prisão preventiva; porém, alguns detidos eram mantidos por mais de um ano além do período máximo de detenção para investigação.

Superlotação ou sobrelotação

O problema de superlotação é em algum momento resultado da má aplicação da prisão preventiva. Em Moçambique os detidos são mantidos nos estabelecimentos prisionais além do período máximo de detenção, como consequência disso resulta a superlotação.

A superlotação continua sendo um problema grave em muitos estabelecimentos penitenciários. Só para ter uma ideia, a Cadeia Central de Maputo foi concebida para albergar 700 presos, abriga mais de 2000. A Cadeia Civil de Nampula (Norte de Moçambique) tem capacidade para acolher 90 reclusos, não obstante, até 2012 albergava 22 presos e 365 detidos, o que representa mais de 400 por cento da sua capacidade.

Outrossim, a Cadeia de Segurança Máxima (B.O) tem capacidade para acolher 600 reclusos, no entanto até o ano de 2012 acolhia mais de 700. Isso acontece um pouco por todo o País.

Existe, em Moçambique, 184 estabelecimentos prisionais, para 17. 710 presos. A capacidade de internamento é de 8.118, ou seja, em torno de 9592 (nove mil e quinhentos noventa e dois) detentos além da capacidade permitida. Ou seja, o número de estabelecimentos prisionais existente no país é claramente insuficiente para albergar o número de presos, que é muito maior.

Causas

As causas da superlotação em Moçambique resultam da carência de recursos em diversos setores, quais sejam, Judiciário, Policia da República de Moçambique. A escassez de policiais e juízes são os fatores determinantes do aumento da população carcerária.

Outrossim, a má aplicação do instituto da prisão preventiva é outro fator da superlotação. Para finalizar, o número reduzido de agentes penitenciários é sem sombra de dúvida outro fator determinante da superlotação. Solucionar tais problemas, é resolver o problema da superlotação em Moçambique.

Consequências

A superlotação produz diversas consequências, dentre elas se destacam: mortes, problemas de saúde, suicídios, tráfico de drogas, violências, criminalidades dentro dos presídios, combate a ressocialização, contribui para a reincidência de crimes e venda de infratores juvenis para sexo.

Solução

Afirmamos anteriormente que um dos problemas da superlotação está relacionado com a escassez de juízes, policiais, agentes penitenciários. Aumentar o efetivo sem sombra de dúvida, estar-se-á a resolver o dilema da superlotação.

Aplicar a prisão preventiva nos termos da lei é outra solução para este dilema.

Conforme acima dito, existe, em Moçambique, 184 estabelecimentos prisionais, para 17. 710 presos. A capacidade de internamento é de 8.118, ou seja, em torno de 9592 (nove mil e quinhentos noventa e dois) detentos além da capacidade permitida. Aumentar o número de estabelecimentos prisionais é outra solução para o problema de sobrelotação.

A ausência da vontade política é outra causa deste dilema, havendo vontade política resolve-se muitos problemas da superlotação.

Falando em solução do dilema da superlotação, a pena alternativa à pena de prisão é mais uma solução para a superpopulação carcerária.

Pena alternativa à pena de prisão

O Código penal de Moçambique (CPM), Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro, prevê a aplicação de penas alternativas à pena de prisão, no seu art. 89. A pena alternativa à pena de prisão são: prestação de trabalho socialmente útil, a prestação pecuniária ou em espécie, a perda de bens ou valores, a multa e a interdição temporária de direitos. Porém, na prática, esta norma não encontra acolhimento, o que é lamentável. Digo lamentável porque a pena alternativa à pena de prisão seria uma solução para o conhecido dilema de superlotação. Outrossim, as penas alternativas à prisão são menos degradantes do que a pena privativa de liberdade.

A finalidade suprema da pena consiste em recuperar o condenado, porém, devido às más condições dos estabelecimentos prisionais, este fim não tem sido alcançado. A pena de prisão não tem alcançado a sua função última, as pessoas entram na prisão e saem pior do que quando entraram. A solução para este dilema é a pena alternativa à pena de prisão, para crimes pequenos e médios, enquanto que crimes maiores, sem sombra de dúvida, devem ser aplicados a pena de prisão.

As estatísticas mundiais sobre o problema de reincidência criminal indicam que, a reincidência gira em torno de 60% quando se trata de pena de prisão, 25% quando se aplica penas alternativas à pena de prisão.

Na Alemanha, 83% dos criminosos são punidos com penas alternativas à pena de prisão. No Japão este índice é de 90%, na Suécia 80%, em Cuba 85% e em Portugal 50%.

As penas alternativas à prisão, ao contrário das penas de prisão, não têm por objetivo privar a liberdade do indivíduo e provocar um abalo deste de usufruir o que a sociedade oferece, visando antes alterar o status perante a comunidade onde o delinquente vive e convive, sem, no entanto, o isolar, afugentar daquela comunidade, isto é, permite que o delinquente permaneça em liberdade, com possibilidade de continuar a trabalhar, a estudar e a desenvolver a sua vida familiar.

Essas penas trazem benefícios para o delinquente, que terá a oportunidade de ser reintegrado e aceite ao convívio social daqueles que o condenaram, a sociedade. Com este novo sistema punitivo, o condenado tem sua pena gradativamente reduzida, incentivando sua boa conduta.

Considerações finais

O atual sistema prisional moçambicano enfrenta diversos dilemas, dentre eles destacam-se: a superlotação, a falta de infraestrutura adequada para abrigar os detentos, prazos de prisão preventiva largamente expirados, a má nutrição, a má higiene e cuidados médicos, a inclusão de prisioneiros menores em instalações para adultos, a partilha de celas entre prisioneiros condenados e prisioneiros não julgados, alimentação inadequada.

Devido a tais dilemas as pessoas entram e saem piores do que quando entraram. Para reverter essa situação é preciso aumentar o efetivo de juízes, policiais e agentes penitenciários.

Outrossim, seria essencial e necessária a construção de novas unidades prisionais, com objetivo de desafogar esse sistema superlotado e solucionar vários outros problemas como a falta de assistência médica, higiene e alimentação, diminuindo consequentemente a transmissão de doenças, muitas vezes incuráveis.

Aplicar a prisão preventiva nos termos da lei é outra solução para este dilema. Durante o ano de 2016 havia no país cerca de 6.000 pessoas em prisão preventiva, 2.151 das quais estavam com os prazos expirados, fato que contribuiu para o dilema de superlotação.

Outrossim, seria essencial e necessária a aplicação de pena alternativa à pena de prisão para pequenas e médias infrações. Tais penas são menos degradantes do que a pena privativa de liberdade

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2015.

CARRARA, Francesco. Programa de derecho criminal. Tradução de Ortega Torres. Bogota: Temis, 1971. v. 1.

HASSEMER, Winfried. Fundamentos de Derecho Penal. Barcelona: Bosch, 1984.

LIMA, Wilma Maria Rigoto. Evolução das Penas no Sistema Penitenciário Brasileiro. 2006. Monografia (Graduação em Direito).Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 2006.

MOÇAMBIQUE. Constituição (2004). Constituição da República de Moçambique. Maputo: Assembleia da República, nov. 2004.

MOÇAMBIQUE. Lei nº 35/2014 de 31 de Dezembro. Código Penal de Moçambique. Maputo: Boletim da República, 2014.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 1990.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

SILVA, Haroldo Caetano da. Manual de Execução Penal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002.

SOUSA, Juarez Giagobbo. Ressocialização prisional: a contradição entre o discurso e a prática institucional. 2019. Trabalho de conclusão de graduação (Graduação em Ciências Sociais).Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/19001. Acesso em: 12 fev. 2020.

Autor notes

* Universidade Zambeze (Moçambique). Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (2018-2020). Graduado em Direito pela Universidade Zambeze- Moçambique (2017), Membro da AMAC-Associação moçambicana dos Advogados Cristãos. E-mail: dominickbaciao@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-3033-8224
** Professor Associado da Universidade Federal da Bahia. Professor do Quadro Permanente do Mestrado e Doutorado em Direito (PPGD). Diretor da Faculdade de Direito da UFBA (2017-2021). Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1992), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997) e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001), com Doutorado Sanduíche - Tulane University (2000). Pós-doutoramento em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (2012). E-mail: juliorochaufba@gmail.com. http://orcid.org/0000-0002-8953-5006

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