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Civismo e cidadania num regime de exceção: as políticas de formação do cidadão na ditadura civil-militar (1964 - 1985)[1]
Revista Tempo e Argumento, vol. 5, núm. 10, pp. 182-206, 2013
Universidade do Estado de Santa Catarina

Dossiê



Recepção: 03 Agosto 2013

Aprovação: 29 Outubro 2013

DOI: https://doi.org/10.5965/2175180305102013182

Resumo: Este artigo é dedicado à ação dos intelectuais reunidos no Conselho Federal de Cultura no Ministério da Educação e Cultura durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Busca investigar a construção de políticas culturais e educacionais destinadas à formação do cidadão considerado ideal. Os intelectuais do MEC estavam empenhados na defesa do civismo, corrente de pensamento que atravessou os setores estatais responsáveis pelo direcionamento de políticas culturais e educacionais na ditadura civil-militar. Serão analisados os Cadernos de Estudos Brasileiros, produção resultante do “Curso de Atualização de Estudo dos Problemas Brasileiros”, e duas obras com expressiva participação de intelectuais atuantes no MEC: o Atlas Cultural do Brasil, publicado pela Fundação Nacional do Material Escolar, Fename, em 1972, e O cidadão e o civismo: educação moral e cívica, suas finalidades, organizada pelo CONSELHO FEDERAL DE CULTURA por Adonias Aguiar Filho, e publicada pela Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) em 1982.Tais publicações expressam a compreensão dos intelectuais que atuavam no Estado sobre os elementos formadores do civismo e sobre o papel do cidadão num regime de exceção.

Palavras-chave: Intelectuais, Civismo, Ensino.

Abstract: This article is dedicated to the action of intellectuals in the Conselho Federal de Cultural at the Ministério da Educação e Cultura during the civil-military dictatorship (1964-1985). Seeks to investigate the construction of cultural and educational policies aimed at training the citizen considered ideal. The intellectuals of the MEC were engaged in the defense of civility, stream of thought that has crossed the state sectors responsible for directing cultural and educational policies in civil-military dictatorship. We will analyze “Cadernos de Estudos Brasileiros”, the resulting production of "Curso de Atualização de Estudo dos Problemas Brasileiros " and two works with significant participation of intellectuals working in the MEC: “Atlas Cultural do Brasil”, published by the Fundação Nacional do Material Escolar, FENAME, in 1972, and, “O cidadão e o civismo: educação moral e cívica, suas finalidades”, organized by Adonias Aguiar Filho and published by the Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) in 1982. These publications express understanding of intellectuals working in the state on the formative elements of civics and the role of citizens in a exception.

Keywords: Intellectuals, Civism, Instruction.

As recentes pesquisas sobre o período de 1964 a 1985 têm destacado a presença dos grupos civis, institucionalizados ou não, na construção do Estado ditatorial brasileiro. Tais investigações contrastam com as memórias construídas logo após início do processo de abertura, segundo as quais o regime instalado após o golpe de 1964 era exclusivamente militar, rompendo com explicações de simples dicotomias. Assim, essa historiografia tem investigado a participação dos civis no golpe, na montagem e na consolidação do Estado ditatorial brasileiro (1964-1985), a partir de relações de ambivalências, silêncios e consensos, tão importantes quanto a repressão e o terror na manutenção do regime.

O objetivo deste artigo é investigar a participação dos intelectuais na construção do discurso cívico. O civismo foi o ideário por excelência de legitimação do Estado derivado do golpe de 1964. Serão analisados os Cadernos de Estudos Brasileiros, produção resultante do “Curso de Atualização de Estudo dos Problemas Brasileiros”, destinado à formação de professores, e duas obras com expressiva participação de intelectuais atuantes no MEC: o Atlas Cultural do Brasil, publicado pela Fundação Nacional do Material Escolar, Fename, em 1972, e O cidadão e o civismo: educação moral e cívica, suas finalidades, organizada por Adonias Aguiar Filho, publicada pela Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) em 1982.

A partir de 2000, com a publicação do livro Ditadura militar, esquerdas e sociedade, de Daniel Aarão Reis, as pesquisas tomaram um novo impulso e incorporaram às suas análises as complexas relações estabelecidas entre civis e militares naqueles tortuosos anos. Nesta perspectiva, a ditadura não seria exclusivamente militar, fruto da truculência e do autoritarismo gestados na caserna e impostos a toda a sociedade a partir de 1964. Ao contrário, diversos setores da sociedade civil aplaudiram o golpe que derrubou o presidente João Goulart; promoveram manifestações entusiásticas em favor da intervenção militar e ingressaram nas fileiras estatais para propor projetos de desenvolvimento para a nação. É neste sentido que o artigo incorpora a perspectiva de que se trata de um regime civil-militar. A ditadura, composta e legitimada também pela participação de civis, se guiou por projetos gestados por estes antes mesmo do golpe de 1964. Durante o processo de redemocratização, iniciado em 1974, elaborou-se uma memória de resistência que apresenta os civis como defensores incontestes da democracia, mas se silenciaram as relações de apoio, participação e legitimidade de vários setores da sociedade durante os 21 anos do regime.

A tese de doutorado de Lúcia Grinberg, publicada em 2009, Partido Político ou Bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (Arena), 1965-1979, trouxe uma importante contribuição para os estudos dedicados à participação dos civis no regime. Ao investigar os integrantes da Arena, a autora desmistifica a tese corrente no meio acadêmico de que esse partido representava os interesses da extinta UDN. De fato, era formada por políticos oriundos tanto da UDN quanto do PSD, mas que transitavam pelos cargos do executivo desde o primeiro Governo Vargas (1930-1945). Segundo Grinberg (2009, p. 27), a principal característica da Arena era a de ser um “partido ligado ao Estado”. Essa permanência dos atores políticos presentes na cena pública desde os anos 1930 reforça a percepção de que o regime fundado após o golpe de 1964, apesar das especificidades do período, contou com a intensa participação dos civis há muito engajados na orientação do Estado brasileiro.

Outra obra que merece destaque é Direitas em movimento: a campanha da mulher pela democracia e ditadura no Brasil, de Janaína Cordeiro, fruto de sua dissertação de mestrado, publicada também em 2009. A historiadora dedica-se ao estudo da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), criada em 1962, cujo produto mais notável foi a Marcha da Vitória, no Rio de Janeiro, dois dias após o golpe. A marcha realizada pela Camde foi equivalente às marchas que mobilizavam milhares de pessoas na capital paulista e outras cidades do País. Após o golpe, a Camde, para Cordeiro (2009, p.15), assim como outras organizações cívicas surgidas em oposição ao governo João Goulart, manteve-se atuante e saiu em defesa da intervenção militar, necessária diante daquilo que se considerava uma crescente ameaça comunista: a intensa mobilização social pelas reformas de base que eclodiram nos anos de 1960. Ao estudar a campanha, Janaína Cordeiro lançou luz sobre o apoio civil ao golpe de 1964 e ao regime, revisitando uma memória construída exclusivamente sobre a resistência civil ao regime.

Por fim, a coleção A construção Social dos Regimes Autoritários, publicada em 2010, em três volumes, organizada pelas historiadoras Denise Rollemberg e Samantha Quadrat Vaz, dedica o segundo volume à análise dos governos ditatoriais contemporâneos no Brasil e na América Latina. As organizadoras, ao incorporar os conceitos de “zona cinzenta” e “pensar-duplo”, elaborados por Pierre Laborie, selecionaram pesquisas dedicadas à ação de personagens que se situavam nesses espaços nebulosos de apoio aos regimes ditatoriais. Para Rollemberg e Quadrat (2010, p. 14), tal ação foi marcada também por estratégias de silêncio, consentimento e legitimidade. Essas relações só foram possíveis graças ao espaço intermediário existente na rígida polarização que subdivide a sociedade entre os que apoiavam e/ou condenavam o regime. A esse espaço social, Pierre Laborie (2010, p. 31) chamou de “zona cinzenta”. Trata-se de uma relação altamente instável. Os atores que transitam nesta “zona” estão marcados por ações ambivalentes, características do pensar-duplo, ou seja, constroem situações simultâneas de proximidade e distanciamento de acordo com as circunstâncias históricas do momento.

Este artigo se alinha a essas pesquisas, dedicadas à compreensão dos lugares de construção de consenso e legitimidade da ditadura. Pretende contribuir com os estudos dedicados à participação de civis ao longo do regime, portanto, para além do apoio público ao episódio do golpe de 1964. Para isso, busca compreender a ação dos intelectuais no Ministério da Educação e Cultura durante a ditadura civil-militar (1964-1985), particularmente na construção de políticas culturais e educacionais que pudessem contribuir para formar o cidadão considerado ideal.

A percepção teórica da ambivalência na relação estabelecida entre civis e militares pode ser duplamente exemplificada no caso dos intelectuais que atuaram no MEC e foram responsáveis pela difusão do civismo através da publicação de obras e da realização de cursos de formação, seja por lançar luz sobre as tensões provocadas por ações do executivo, especialmente no caso da censura, seja apoiando o regime, posição possível justamente pela permanência de posicionamentos críticos, ainda que moderados, sobre as intervenções consideradas excessivamente arbitrárias. As “resistências” a algumas ações de outros setores do Estado buscavam gerar mecanismos de conciliação e reorganização do regime, sem, contudo, contestar a sua legitimidade.

A construção e o uso do civismo na ditadura civil-militar

A construção do ideário cívico não foi exclusividade dos intelectuais, militares ou grupos políticos integrados ao Estado durante o período da ditadura civil-militar. Desde a 1ª República (1889-1930), propõe De Luca (1999, p. 42), movimentos organizados, como a Liga da Defesa Nacional, fundada por Olavo Bilac, em 1915, já expressavam a presença desse ideário no pensamento político e social brasileiro, ainda que aparecesse de forma intermitente. Aliás, Olavo Bilac tornou-se uma personagem-símbolo do civismo nos anos de chumbo, sendo reverenciado como exemplo de cidadão consciente de seus deveres perante sua comunidade. A historiadora Angela de Castro Gomes (2009, p. 3) destaca a construção de uma “cultura cívico-patriótica” pelos republicanos desde o final do século XIX, processo associado à formulação de uma “história pátria” considerada fundamental na formação dos cidadãos após a proclamação da República. Para Gomes, a necessidade dos republicanos de elaborar um novo discurso político, capaz de forjar os elementos simbólicos da nação, os levará a buscar na história e na geografia nacionais os artefatos necessários à consolidação de um ideário cívico para gerar o “sentimento patriótico” em todos os brasileiros.

Acreditamos que os discursos construídos em torno do civismo ao longo da ditadura civil-militar apresentam especificidades próprias, com usos muitas vezes distintos dos períodos anteriores ao golpe. Esta declaração inicial não restringe a promoção do ideal cívico ao setor cultural do MEC; ao contrário, observamos que a noção de civismo presente nos discursos aqui analisados está apoiada também na ação de outros setores governamentais.

O civismo, ideário-chave durante a ditadura civil-militar, foi incorporado aos discursos e às ações políticas dos intelectuais atuantes no MEC através da associação do civismo, ideário político por excelência, à noção de cultura. Como propõe Maia (2012, p. 35), o papel da cultura seria realçar os elementos que compõem a nação, realçando uma visão otimista sobre a sociedade brasileira. A defesa de um tipo de cultura, a nacional, foi considerada fundamental para a formação de cidadãos conscientes tanto de seu papel de devoção à pátria quanto da necessidade de solidariedade social. Assim, enquanto nas escolas as disciplinas história, geografia e literatura nacionais eram fundamentais à encenação da trajetória histórica de formação da nação, no setor cultural, o papel caberia aos monumentos, às comemorações públicas de efemérides, aos conjuntos arquitetônicos, às manifestações folclóricas, etc.

A incorporação da visão otimista pelo Estado brasileiro tem origem no primeiro governo Vargas (1930-1945), através da sua associação às correntes nacionalistas conservadoras. Contudo, na ditadura civil-militar, o otimismo trazia consigo a perspectiva de um futuro próspero, gestado por um passado nacional cuidadosamente reinventado.

Pode-se dizer que, durante o Estado Novo, a assim chamada “identidade brasileira” seria amplamente redefinida – pelo menos do ponto de vista governamental. Muitos dos elementos que posteriormente, durante a ditadura militar pós-64, seriam utilizados pela propaganda política foram estabelecidos nessa época: a valorização do trabalho, uma certa ideia de nação – baseada nos princípios de coesão e cooperação. Pode-se dizer, então, que essas são matizes ideológicas do Estado Novo e que seriam retrabalhadas na ditadura militar (FICO, 1997, p. 34).

A corrente otimista “reinventada” na ditadura civil-militar garantiu o substrato ideológico ao civismo, sustentando-o através da produção simbólica elaborada pelos diversos agentes e agências atuantes na ditadura.

As ideias-força de tradição, brasilidade, mestiçagem, país continental, pluralidade cultural, associadas à leitura desenvolvimentista de um futuro glorioso, capitalista e ocidental produzida pelo discurso otimista, foram incorporadas ao discurso cívico. Considero que o civismo é a exacerbação desse otimismo, possibilitando uma sistematização conceitual até então difusa. O civismo, ao incorporar o otimismo, organizou o aparato discursivo e ideológico nacionalista-conservador em torno do projeto autoritário dos governos militares. O civismo, neste caso, sobrepõe-se à cidadania moderna por desconsiderar a legitimidade dos interesses políticos conflitantes existentes na sociedade; por limitar a capacidade de organização política coletiva; por aviltar a liberdade de expressão e os direitos individuais em nome de supostos valores nacionais superiores. A defesa desses valores superiores absolutos, por princípio imutáveis e responsáveis pela existência da sociedade, legitimava ações coercitivas que limitavam a liberdade individual, esta última sacrificada em nome de um bem considerado maior que os cidadãos: a Nação. Aliás, a função social do cidadão estava bem definida: ele era o agente responsável pela proteção desses valores; ao romper com esse dever, perdia também seus direitos políticos e sociais, ou seja, deixava de ser cidadão; tornava-se um subversivo.

A relação entre o cidadão e a sociedade civil, estabelecida através do processo de conscientização cívica, pressupunha a participação ativa desse patriota na condução dos destinos da nação, atribuindo-lhe como dever máximo a defesa dos valores superiores diante das ameaças provocadas pelas mudanças sociais. As inevitáveis transformações vivenciadas pelas sociedades modernas traziam em seu bojo riscos para a unidade nacional e o funcionamento ordeiro da sociedade brasileira – ambos os fatores fundamentados na tradição nacional. Para resguardar a nação dos possíveis sobressaltos provocados pelas mudanças sociais que poderiam produzir abalos nas estruturas formadoras da sociedade, devido ao seu alto grau de imprevisibilidade, caberia aos cidadãos identificar os perigos de novas ideias protegendo os valores superiores absolutos – valores cívicos e éticos. Ao preservá-los de todas as transformações conjunturais, as estruturas sociais permaneceriam inabaladas e as mudanças sociais trariam consigo somente os possíveis benefícios do processo de modernização, sem ameaçar a sociedade. Dessa forma, o cidadão era o agente social responsável por excelência pela preservação da nação.

O papel do ensino, em todos os níveis, na construção de uma consciência cívica associada ao valor da tradição, apareceu nos documentos oficiais da Comissão Nacional de Moral e Civismo, do Conselho Federal de Educação (CFE), do Conselho Federal de Cultura e, claro, nos discursos dos ministros da Educação e Cultura. Como propõe Gomes (2009, p. 1), desde a 1ª República, elaborou-se uma “pedagogia da nacionalidade”, necessária à “consolidação de uma cultura política republicana”. Na ditadura civil-militar, a tarefa caberia às disciplinas “Educação Moral e Cívica”, no ensino básico, e ao “Estudo dos Problemas Brasileiros”, no ensino superior.

Em 1969, foi promulgado o Decreto-Lei n. 869, de 12 de setembro de 1969, dispondo sobre a obrigatoriedade do sistema de ensino de ofertar a disciplina “Educação Moral e Cívica”. O mesmo decreto, artigos n. 5 e n. 6, criou a Comissão Nacional de Moral e Civismo, CNMC, no ensino básico, e “Estudo dos Problemas Brasileiros”, no nível superior. O artigo n. 2 do referido decreto destacava que às disciplinas cabia:

O aprimoramento do caráter, com o apoio moral, na dedicação à comunidade e à família, buscando-se o fortalecimento desta como o núcleo natural e fundamental da sociedade, a preparação para o casamento e a preservação do vínculo que a constitui (BRASIL; 1969, p.1).

A falta de um curso superior capaz de formar os professores para ministrar as disciplinas “Educação Moral e Cívica” e “Estudo dos Problemas Brasileiros” levou a Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre 1971 e 1980, através do Fórum de Ciência e Cultura, a promover o “Curso de Atualização sobre Problemas Brasileiros”, destinado à capacitação de docentes de ensino superior para ministrara disciplina Estudo dos Problemas Brasileiros. Foi proposto por Pedro Calmon, então membro do Conselho Federal de Cultura, como solução provisória à inexistência desse curso em nível superior. Organizado em conferências temáticas, foi ministrado por intelectuais vinculados ao MEC, ministros de Estado e oficiais militares do alto escalão do governo federal. Intelectuais atuantes no Conselho Federal de Cultura, como Afonso Arinos de Mello Franco, Arthur Cézar Ferreira Reis, Clarival do Prado Valladares, Djacir Menezes, Gilberto Freyre, José Candido de Melo Carvalho, Manuel Diégues Júnior, Raymundo Moniz de Aragão e Pedro Calmon proferiram conferências nos cursos pelo tempo que duraram. A coordenação coube ao ex-ministro da Educação, Raymundo Moniz de Aragão. As conferências foram integralmente publicadas nos “Cadernos de Estudos Brasileiros”, editados pela UFRJ, entre 1972 e 1980. No primeiro ano, do curso foram realizadas 34 conferências temáticas e diplomados 65 professores do nível superior. O editorial do primeiro número do periódico “Cadernos de Estudos Brasileiros”, em 1972, assinado pelo reitor da UFRJ, Djacir Menezes, e reproduzido integralmente em todos os seus 20 números, destacava a importância de conscientizar as elites intelectuais brasileiras sobre os desafios nacionais:

Os responsáveis pelo programa, que poderíamos chamar de ‘atualização’ da consciência das elites estudiosas a respeito de nossos problemas, promovido por órgão superior de cultura universitária, têm a íntima convicção de que trabalham em prol da consolidação institucional do Brasil (MENEZES, 1972, p.1).

O investimento dos principais membros do CFC neste projeto caracteriza a preocupação e a participação desses intelectuais na difusão do civismo através do uso político da cultura. Sua constante presença no “Curso de Atualização dos Problemas Brasileiros”, inclusive em sua elaboração e organização, demonstra seu empenho em propagar o civismo como pilar de sustentação da nacionalidade e, principalmente, da associação entre civismo e cultura nacional.

O curso, oferecido anualmente, era organizado através de conferências. O objetivo divergia dos tradicionais cursos de formação. Não previa nenhum tipo de avaliação ou disciplina específica. A opção metodológica de sua organização - realização de conferências - tinha como intenção promover uma atualização dos futuros professores das duas referidas disciplinas, apresentando uma série de assuntos considerados fundamentais para o desenvolvimento da nação e manutenção da segurança nacional. A coleção Cadernos de Estudos Brasileiros registrou os títulos das conferências ministradas nos anos de 1971, 1972 e 1974. Cada edição oferecia 34 conferências proferidas por civis e oficiais militares. Nos dois primeiros anos, o ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho (1969-1974), proferiu a conferência de abertura. As ministradas no ano de 1973 e no período de 1975 a 1980 não foram registradas na publicação. Os 20 volumes de Cadernos de Estudos Brasileiros também não publicaram todos os textos apresentados pelos conferencistas ao longo da existência do curso, apesar de ser essa a proposta inicial. Tampouco informam o número total de alunos formados em cada edição do curso, com exceção do primeiro ano. O ano de 1978 apresenta uma situação excepcional: não se publicou nenhuma das conferências proferidas naquele ano.

Referências

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Notas

[1] Este artigo é financiado pelo Programa Jovem Cientista Nosso Estado/FAPERJ (2012-2015).
[2] A FENAME foi criada através da lei 5.327, de 2 de outubro de 1967, e extinta em 1998. Sua função era produzir e distribuir material didático a preço de custo, sem fins lucrativos, favorecendo a divulgação e o uso desses materiais entre os estudantes brasileiros.


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