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Religi@o 2.0: interações processuais e sistêmicas no blog do bispo Edir Macedo
Religion 2.0: procedural and systemic interactions on the blog of bishop Edir Macedo
Religión 2.0: interacciones de procedimiento y sistemas en el blog del obispo Edir Macedo
Signos do Consumo, vol. 11, núm. 1, pp. 34-46, 2019
Universidade de São Paulo

Artigos


Recepção: 13 Agosto 2018

Aprovação: 20 Dezembro 2018

DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v11i1p34-46

Resumo: Busca-se analisar os processos de interação entre igreja e fiéis a partir do blog do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Por meio das possibilidades interacionais da chamada web 2.0, permite-se aos fiéis internautas coparticiparem dessa plataforma digital, oferecendo a eles a oportunidade de manifestarem suas religiosidades em caráter multimídia. A partir da teoria geral dos sistemas e das contribuições de Niklas Luhmann, examina-se o funcionamento das interações de abertura e fechamento operacional que se dão no blog. Entre os resultados, compreendemos a existência de novas formas de relações entre religião e fiéis.

Palavras-chave: Midiatização da religião, Interação, Sistema.

Abstract: Examines the processes of interaction between church and religious believers from the blog of Bishop Edir Macedo, leader of the Universal Church of the Kingdom of God (UCKG). Through the interactional possibilities of the so-called web 2.0, it allows religious internet users to participate this digital platform, offering them the opportunity to express their religiosity in multimedia character. From the general systems theory and the contributions of Niklas Luhmann, the functioning of the interactions of opening and closing operating that occur in the blog are analyzed. Among the results, we understand the existence of new forms of relations between religion and believers.

Keywords: Mediatization of Religion, Interaction, System.

Resumen: Se busca analizar los procesos de interacción entre iglesia y fieles a partir del blog del obispo Edir Macedo, líder de la Iglesia Universal del Reino de Dios (IURD). Por medio de las posibilidades interactivas de la llamada web 2.0, se permite a los fieles internautas coparticipar de esa plataforma digital, ofreciéndoles la oportunidad de manifestar sus religiosidades en carácter multimedia. A partir de la teoría general de los sistemas y de las contribuciones de Niklas Luhmann, se examina el funcionamiento de las interacciones de apertura y cierre operativo que se dan en el blog. Entre los resultados, comprendemos la existencia de nuevas formas de relaciones entre religión y fieles.

Palabras clave: Midiatización de la religión, Interacción, Sistema.

INTRODUÇÃO

As relações entre mídia e religião estão inseridas em um cenário complexo e contemporâneo em que processos simbólicos engendrados, via aparatos tecnológicos, sinalizam uma atividade específica desenvolvida pelo campo religioso a partir de estratégias singulares de captura ou manutenção dos fiéis. No contexto das interações comunicacionais possibilitadas pelo desenvolvimento de redes digitais, percebemos uma apropriação da internet transformada em meio no âmbito das práticas religiosas.

A midiatização da religião na internet revela que o ambiente interativo virtual move as práticas dos fiéis às práticas midiáticas. Todas essas ferramentas e recursos proporcionados pelas novas tecnologias são apropriados pelo campo religioso, fazendo emergir um outro conceito de religião, aqui apreendido como religião 2.0. Ao se apropriar dessas ferramentas, a igreja promove a divulgação de suas marcas, de seus dispositivos midiáticos e estabelece contato com seu público. Tais práticas revelam os modos como a religião vai tomando seu lugar nesse mundo online, sendo uma das preocupações no cenário atual das relações entre mídia e religião.

A partir desse cenário, procuramos analisar as interações entre igreja e fiéis a partir do blog do bispo Edir Macedo[1], líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Esta escolha foi feita por ser um ambiente complexo e por ter uma fala própria, materializada na figura máxima da igreja. Desenvolvemos a análise a partir da teoria geral dos sistemas, com as contribuições e reflexões de Luhmann (2006), descrevendo as áreas do blog e os procedimentos percorridos pelo fiel internauta na participação e interação com o ambiente virtual.

A TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS

Para Luhmann (1998), a teoria da sociedade é concebida como um instrumento de redução da complexidade social a partir dela mesma, imensamente complexa, a fim de dar conta das relações e possibilidades que caracterizam a sociedade contemporânea. O autor encontra na teoria dos sistemas um meio adequado para descrever a sociedade. Segundo ele, a ruptura com relação à antiga noção de sistema consistia no fato de que o esquema tradicional do todo e suas partes havia sido substituído pela diferença entre sistema e ambiente. A antiga diferenciação do todo e suas partes pôde ser incorporada sem perdas e reformulada como teoria da diferenciação do sistema, ao mesmo tempo em que se podia mostrar que a forma da diferenciação interna variava com as relações externas do sistema.

A teoria da diferença entre sistema e ambiente oferece melhores possibilidades para análise e, sobretudo, uma compreensão mais exata da uniformidade, assim como uma melhor compreensão das possibilidades de uso dos vários aspectos de diferenciação dos subsistemas. Ao aceitar essa proposição referente à diferença, desvela-se que o programa de pesquisa da teoria dos sistemas não trata de objetos especiais, mas sim de um corte que é produzido através de uma cadeia temporal de operações e que pressupõe o mundo como unidade do diferente. Essas inovações importantes da teoria dos sistemas referem-se a essa diferença entre sistema e ambiente e esse processo tenderá para a formulação de uma teoria de sistemas autorreferentes, operacionalmente fechados.

Partimos dessa perspectiva, com a ideia de que o fechamento operacional de um dado sistema cognitivo é condição para qualquer forma de conhecimento. Só podemos conhecer o ambiente porque não podemos manter com ele nenhum contato operacional. A condição de ausência de contato seria compensada por uma complexidade própria e internamente construída.

Para tornar isso possível, os sistemas têm que produzir e usar a descrição de si mesmos; pelo menos, devem ser capazes de utilizar, dentro do sistema, a diferença entre sistema e ambiente como orientação e princípio do processamento da informação. (LUHMANN, 1998, p. 33)

A autorreferência significou, portanto, a propriedade que têm os sistemas de descreverem a si mesmos (auto-observação) em contraposição a um entorno (observação externa); este último, designado pelas próprias operações do sistema (observação de segunda ordem). Os sistemas autorreferentes seriam operacionalmente independentes do meio, de forma que todo o conhecimento produzido em seu interior seria uma construção autônoma que seguiria uma lógica cognitiva particular.

Em meio a isso, é desenvolvida a tese da autopoiese, que pode ser considerada o resultado evolutivo mais bem acabado da teoria geral dos sistemas. Luhmann (2006) recorre aos neurobiólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, que sugeriram designar sistemas vivos como sistemas “autopoiéticos”, ou seja, sistemas sob os quais a obra produzida internamente designa o próprio sistema produzido.

A autopoiese, ou “autocriação”, é um padrão de rede no qual a função de cada componente consiste em participar da produção ou transformação dos outros componentes da rede. Dessa maneira, a rede, continuamente, cria a si mesma. (CAPRA, 1996, p. 136)

Sendo assim, o que definiria vida em cada sistema vivo individual seria a autonomia e constância de uma determinada organização das relações entre os elementos constitutivos desse mesmo sistema. Essa organização seria autorreferencial, no sentido de que sua ordem interna seria gerada a partir da interação dos seus próprios elementos, e autorreprodutiva, no sentido de que tais elementos seriam produzidos a partir dessa mesma rede de interação circular e recursiva.

O fechamento operacional e a autopoiese dos sistemas funcionam simultaneamente com a abertura cognitiva dos sistemas que se apropriam − a partir de formatos criados internamente − de irritações existentes no ambiente transformadas em informações internas com o desenvolvimento paralelo dos diversos sistemas presentes na sociedade e com uma relação muito especial entre os sistemas existentes: o acoplamento estrutural. Essa simultaneidade, sob a forma de acoplamento estrutural, constitui-se no ponto mais delicado, refinado e complexo da teoria.

SISTEMA E AMBIENTE

Para Luhmann, um sistema é resultado de uma diferenciação entre aquilo que designa o sistema e aquilo que é designado como seu ambiente. Segundo o autor, o ambiente é uma condição prévia da identidade do sistema, já que esta é possível unicamente graças a essa diferença (LUHMANN, 2006), que propicia a constituição de uma entidade autônoma em que condições específicas são regidas.

Um sistema seria algo como um conjunto de elementos conectados que operam juntos. Luhmann sugere algo diferente para definir um sistema. Para ele, é preciso esquecer a visão clássica e imaginar um sistema através de uma diferença, neste caso, entre sistema e ambiente. Um objeto se distingue não por suas características próprias, que podem ser iguais a de outro objeto, mas por sua diferença em relação a outro objeto. Um sistema se delimita através da diferença entre sistema/ambiente. Segundo Luhmann (2006, p. 43), “sistema e ambiente, enquanto constituem os dois lados de uma forma, encontram-se, sem dúvida, separados, mas não podem existir sem estarem referidos um ao outro”. Isso significa que tudo que existe é ou sistema ou ambiente, e todo sistema possui um ambiente. Dentro de ambos é possível encontrar outros sistemas e, consequentemente, outros ambientes. Um sistema também pode ser ambiente de outro sistema. Os sistemas consolidados têm capacidade para estabelecer relações internas e diferenciá-las das relações com o ambiente. E é esse o princípio do fechamento operacional, característica fundamental da organização dos sistemas.

SISTEMA AUTORREFERENTE, AUTOPOIÉTICO E OPERACIONALMENTE FECHADO

A principal característica dos sistemas é o fechamento operacional por meio da autopoiese (autopoiesis). Dentre os diversos tipos de sistemas que a teoria luhmanniana reconhece, a análise está interessada especificamente nos sistemas que têm como elemento de funcionamento os processos comunicativos. Os sistemas sociais, por meio da autopoiese, geram e reproduzem internamente seus próprios elementos de funcionamento, sem que haja interferência de elementos externos. Eles são, portanto, sistemas autorreferenciais, pois todos os processos comunicativos internos dizem respeito a elementos internos definidos a partir de orientação interna. “Em relação às operações próprias de um sistema, não há nenhum contato com o ambiente, por isso os sistemas situados no ambiente não podem intervir nos processos autopoiéticos de um sistema operacionalmente fechado” (LUHMANN, 2006, p. 66).

De acordo com Capra (1996), em sua análise dos sistemas vivos, todos os componentes de uma rede autopoiética são produzidos por outros componentes na rede, fazendo com que o sistema seja organizacionalmente fechado. Tal fechamento implica que um sistema é auto-organizador no sentido de que sua ordem e seu comportamento não são impostos pelo ambiente, mas estabelecidos pelo próprio sistema. Assim, os sistemas vivos são autônomos, o que significa que não são isolados; pelo contrário, interagem com o ambiente por meio de um intercâmbio contínuo de energia e de matéria. Segundo Capra (1996, p. 140), “essa interação não determina sua organização – eles são auto-organizadores. Então, a autopoiese é vista como o padrão subjacente ao fenômeno da auto-organização, ou autonomia, que é tão característico de todos os sistemas vivos”.

[monitoria]Os sistemas constituídos de modo autorreferencial devem ser capazes de diferenciar entre o que é próprio do sistema (suas operações) e o que é atribuído ao ambiente. A possibilidade de reproduzir as operações do sistema do modo autopoiético é um pressuposto da autorreferência, de forma que qualquer distinção que se use para referenciar algo deve ser construída no próprio sistema. O fechamento operacional garante ao sistema a capacidade de produzir sentidos internamente com a possibilidade de criação de novos elementos. Ao mesmo tempo, essa produção de sentido provém de informações presentes no ambiente, pois mantém o sistema em operação com elementos próprios, ao mesmo tempo em que leva em consideração ruídos externos para elaborar os processos comunicativos internos. “Por ‘fechamento’ não se entende isolamento termodinâmico, mas somente o fechamento operacional, isto é, as operações próprias se tornam possíveis recursivamente por conta dos resultados das operações próprias” (LUHMANN, 2006, p. 68).

AUTORREFERÊNCIA, HETERORREFERÊNCIA E ACOPLAMENTO ESTRUTURAL

Ao eleger a comunicação como operador central de todos os sistemas sociais, Luhmann (2005) defende que os meios de comunicação de massa são também sistemas autopoiéticos, operacionalmente fechados e que se diferenciaram como um sistema autônomo (sistema funcional). É isso que quer dizer “diferenciação autofortificada”, pois, a partir da própria diferenciação, eles puderam se converter em um sistema com suas próprias operações e que se produz e reproduz a partir delas. E quanto mais operações produz, quanto mais específico se torna, tanto mais “forte” fica. Em termos sociais, isso quer dizer que o sistema dos meios de comunicação de massa produz e reproduz comunicações especializadas que podem ser diferenciadas de outras comunicações da sociedade em geral e de outros subsistemas. “Isso não quer dizer, contudo, que os conceitos de fechamento operacional, autonomia e construção não excluem, de forma alguma, influências vindas de fora” (LUHMANN, 2005, p. 25-26), pois existe uma constante “troca” através do acoplamento estrutural dos diversos subsistemas. E é a partir da observação do seu funcionamento que a descrição das operações de um sistema é possível.

Os meios de comunicação de massa realizam operações de observação que são construções da realidade. Também o “receptor”, ao observar essa observação, constrói uma realidade (segunda realidade) que ele acredita ser, de fato, mostrada pelos meios massivos, e não uma construção. Um meio de comunicação de massa, sendo um sistema observador, tem que ser capaz de distinguir entre si mesmo e aquilo que ele observa − autorreferência e heterorreferência. Só assim o sistema pode se diferenciar do restante da sociedade.

“O sistema pressupõe-se a si mesmo como irritação autoproduzida, sem ser atingível por meio de suas próprias operações, e então se ocupa com a transformação de irritação em informação que ele produz para a sociedade (e para si mesmo na sociedade). “(LUHMANNN, 2005, p. 30).

É nesse sentido que a realidade de um sistema é correlata às próprias operações, sempre uma construção própria.

Dado acontecimento (com origem em outra ciência), ao ser midiatizado, não é produto do sistema dos meios massivos, é heterorreferência. No entanto, através de diferentes temas, o sistema dos meios de comunicação de massa é capaz de produzir comunicações especializadas. “Os temas são necessidades das quais a comunicação não pode se desviar […] Eles organizam a memória da comunicação” (LUHMANN, 2005, p. 30). Dessa forma, os temas servem ao acoplamento estrutural dos meios de comunicação a outras áreas da sociedade. Por meio deles, cada um dos subsistemas da sociedade pode ser acoplado estruturalmente aos meios de comunicação de massa (e vice-versa). E, através do acoplamento estrutural, um sistema “empresta” de um outro sistema, que é visto como parte do ambiente daquele primeiro, as estruturas necessárias para realizar as suas próprias operações. Essas estruturas externas são usadas como condutores dos processos comunicativos e, para isso, o sistema que toma emprestado as estruturas não precisa conhecer a forma de organização interna do sistema que lhe empresta a estrutura.

Dentro da perspectiva do nosso estudo, os processos de interação e vínculos estabelecidos entre a IURD e os fiéis são definidos pela estrutura do dispositivo midiático instituído pela igreja, que atua por meio de um fechamento operacional produzindo e organizando sua própria estrutura. É sobre esses aspectos que, a seguir, apresentaremos a análise do objeto de pesquisa.

INTERAÇÕES DE ABERTURA E FECHAMENTO OPERACIONAL NO BLOG DE EDIR MACEDO

A internet permitiu que a IURD explorasse as ferramentas interativas possibilitando ao fiel um contato maior com a Igreja durante as 24 horas do dia, de qualquer ponto do país ou do mundo. “Se, antes, essa aproximação já era essencial e bastante explorada nos templos, nos programas de rádio ou televisão, a internet otimiza o contato com o público” (ROCHA, 2006, p, 121). O midiático é o grande investimento da IURD, resultado das evoluções tecnológicas que se complexificam a cada instante, exigindo que o campo religioso acompanhe as tendências e opere através de processos de midiatização, afetando as relações com seu público.

Por meio de um conjunto de tecnologias, a igreja veicula seus conteúdos em distintos canais, com diferentes sentidos que são produzidos a partir da especificidade de cada mídia usada para difundir a mensagem religiosa. A seguir, desenhamos a “arca” da igreja e os comandos que partem a partir da centralidade do Portal Arca Universal (www.arcauniversal.org).


Figura 1.
Arca do Portal Arca Universal.
Elaborado pelo autor.

A ilustração anterior mostra que o Portal Arca Universal está rodeado por diversas operações midiáticas articulando fluxos, afetações e conexões que se dão a partir da internet com os demais dispositivos midiáticos e, entre eles mesmos, constituindo-se como o articulador e dinamizador dos processos. Cada item da “arca” é acoplado estruturalmente pela Arca Universal, que toma “emprestado” a estrutura de outros sistemas para conduzir seus processos comunicativos. Cada item tem sua própria autonomia e organização interna, conforme mostraremos a seguir, a partir do blog do Bispo Edir Macedo. Disponível através do endereço https://blogs.universal.org/bispomacedo/, o blog foi criado em agosto de 2008, sendo mais um meio para propagar a fé e, ao mesmo tempo, expandir o império comunicacional da IURD e ampliar os laços com os fiéis a partir do mundo virtual.


Figura 2.
Cabeçalho do blog de Edir Macedo.

Em relação à página inicial (conforme figura 2), o blog apresenta um cabeçalho com uma imagem de Macedo em um enquadramento fotográfico de plano próximo, do peito até a cabeça, e com uma expressão que parece sorrir e mirar diretamente no olho do fiel. É interessante notar que não há a presença da logomarca da IURD, no entanto, isso é marcado pelas cores da página, uma composição visual com tons de azul (cabeçalho) que remontam à identidade da igreja. A inserção de trechos bíblicos e o nome de Edir Macedo dão coerência à presença da IURD no dispositivo midiático. O menu na parte superior da imagem preside as operações que o internauta fará ao percorrer o sistema comunicacional-religioso: início, biografia, imagens, palavra amiga, vídeos, livros e opções de idiomas em inglês, espanhol, russo, italiano e francês. São esses os comandos que direcionam o fiel à prática de uma experiência religiosa virtual. Ou seja, o blog oferece (na página inicial) algumas opções, as quais estimulam o internauta a interagir com o sistema.

Com isso, o sistema impõe suas regras e protocolos de funcionamento aos fiéis internautas, preparando-os para desempenhar sentidos. Nesse caso, o blog – que é um dispositivo – é pensado como uma matriz em que “não comanda apenas a ordem dos enunciados, mas a própria postura do leitor” (MOUILLAUD, 1997, p. 32). Assim, o blog orienta e co-determina os vínculos que os fiéis estabelecem com essa oferta discursiva. Vínculos estes que podem ser compreendidos como “contratos de leitura”, definido por Fausto Neto (2007, p. 4) como “regras, estratégias e ‘políticas’ de sentidos que organizam os modos de vinculação entre as ofertas e a recepção dos discursos midiáticos”.

As seções estão divididas em “início”, que direciona a página oficial de Edir Macedo; em “biografia”, na qual a trajetória do bispo é descrita de forma cronológica e são identificados sua idade, local de nascimento e primeiros empregos até o momento de fundação da IURD. Há também diversas fotografias com sua família (com a esposa Ester Bezerra, com a qual está casado há 36 anos, e com os filhos Cristiane, Viviane e Moises). Há passagens que descrevem sua formação acadêmica, livros publicados e números de exemplares vendidos.

Em “imagens” o fiel encontra duas opções: imagens para compartilhar (com trechos bíblicos e frases motivacionais) e a galeria de fotos do próprio Edir em encontros com outros pastores em diversos lugares do mundo, assim como de sua família. Há fotos que mostram suas pregações nos templos da IURD, momentos de lazer com a família, em viagens, passeios e praticando seu hobby favorito: a fotografia. No item “palavra amiga”, mais um elemento multimidiático, o podcast faz do blog um espaço complexo de midiatização do religioso. Através dele é possível ouvir a mensagem do Bispo em áudio[2]. É uma espécie de programa de rádio, com trilhas sonoras, efeitos sonoros, testemunhos e dramatização encenada por locutores. Já em “vídeos”, o internauta é direcionado para todas as postagens do blog que contêm arquivos de vídeos, todos hospedados no YouTube, site no qual o bispo mantém um canal oficial através do endereço http://www.youtube.com/user/obispomacedo. Por fim, no item “livros” encontram-se as obras de Edir; são 34 livros disponíveis para a venda, sendo possível visualizar as sinopses de cada um.

Nessas seções há um fechamento operacional por parte do sistema comunicacional-religioso, pois o fiel internauta não tem a possibilidade de interagir. Em “biografia”, sua participação fica restrita apenas a ler a biografia de Edir Macedo e sua trajetória de vida; em “imagens”, apenas vê as fotos; em “livros”, o fiel é levado ao shopping virtual da IURD; já em “palavra Amiga”, a interação é restrita apenas a ouvir a mensagem. Com essas restrições o sistema não é afetado, pois conserva sua diferença em relação ao ambiente externo. Mesmo assim, reconhece a existência do ambiente, operando a partir de construções próprias que guiam os caminhos a serem percorridos pelo fiel no ambiente externo, o que que não desestabiliza o sistema (LUHMANN, 2006).

Ao analisar as distintas situações de interação mediada por computador, Primo (2000) as classifica em mútuas e reativas. Os casos listados acima podemos classificar como reativos por ser um sistema fechado. “Por apresentar relações lineares e unilaterais, o reagente tem pouca ou nenhuma condição de alterar o agente. Além disso, tal sistema não percebe o contexto e, portanto, não reage a ele” (PRIMO, 2000, p. 7). Neste tipo de interação não é permitido a um membro da relação (fiel) qualquer tipo de manifestação diversa daquela que foi transmitida pela fonte emissora, restando-lhe apenas responder a estímulos previamente determinados.

A seção “blog” está logo abaixo e nela encontramos as principais características marcadas por uma variedade de posts[3] organizados em ordem cronológica e atualizados diariamente. As atualizações ocorrem quase que diariamente, dando mais sentido à coerência do funcionamento de um blog, que é a atualização periódica. Há produção de textos verbais e não-verbais, como fotos, vídeos e áudios. À esquerda, nas duas primeiras colunas do blog, estão as postagens feitas por Edir Macedo, em ordem cronológica. Ao final de cada postagem há diferentes dispositivos midiáticos que podem ser acionados pelo internauta fazendo circular as mensagens, o que faz do blog um dispositivo complexo de midiatização. Há uma operação de convocação à distribuição por parte da matriz religiosa. A eles são ofertados os dispositivos Facebook[4], Twitter[5] e Google+[6]. Ainda há a opção de imprimir, comentar a postagem e o item “e-mail” para enviar o conteúdo. Isso denota os modos como a igreja dinamiza seu ambiente discursivo em processos de convergência. Ao perceber que seus fiéis internautas participam de outras estruturas interativas, busca, desta forma, não perder a fidelização deles. Pelo contrário, os instrui a levar a mensagem adiante por outras mídias.

Ao final de cada postagem, encontra-se o espaço onde efetivamente se dá o processo de interação entre os fiéis internautas e Edir Macedo, por meio da modalidade de comentários. Para concretizar o diálogo e a circulação se tornar visível, o dispositivo regula as condições de participação, seja por lembrar aos internautas que somente comentários relevantes serão publicados, seja pelo espaço pré-determinado de 500 caracteres. Além disso, impõe a obrigatoriedade de nome e e-mail, conferindo privacidade e sigilo ao fiel. Certamente a estrutura opera por meio de seleções e, sendo Edir Macedo um homem com muitas obrigações, a filtragem ocorre por conta da instituição religiosa, pois sozinho não daria conta da demanda de participações, uma vez que todas as postagens são abertas, assim como ocorre na maioria dos blogs pessoais. Ou seja, é possível que o internauta comente uma postagem feita há um ano, por exemplo.

Temos na seção do blog uma abertura do sistema comunicacional-religioso, pois o fiel pode se inserir no sistema comentando e deixando suas marcas discursivas. Tal abertura ocorre de forma seletiva: depois de observar o ambiente e suas demandas, bem como a si mesmo e sua capacidade estrutural para redução da complexidade, o sistema seleciona aqueles ruídos (perturbações ou irritações) que serão recebidos e considerados como informação passível de gerar novas estruturas capazes de reduzir a complexidade externa (LUHMANN, 2006). A seletividade é visível através do trecho: “Somente comentários relevantes ao assunto serão autorizados”.

Na visão de Primo (2000), o sistema aberto define a interação mútua, pois forma um todo global.

“Não é composto por partes independentes; seus elementos são interdependentes. Onde um é afetado, o sistema total se modifica. O contexto oferece importante influência ao sistema, por existirem constantes trocas entre eles”. (PRIMO, 2000, p. 7).

Por conseguinte, os sistemas interativos mútuos estão voltados para a evolução e desenvolvimento. Se no sistema operacionalmente fechado a interação se resumia ao par estímulo-resposta baseado em relações pré-determinadas, na mútua esse processo se dá através da negociação. Dessa forma, pode-se dizer que nunca qualquer resultado de processos de negociação pode ser previsto, pois a relação é constantemente construída pelos interagentes. Segundo Primo (2000, p. 9), por ser um sistema aberto e por pressupor processos interpretativos (entre outros fatores), “não se pode jamais pré-determinar que uma certa ação gerará determinado efeito. Logo a interação mútua é um processo emergente, isto é, ela vai sendo definida durante o processo”. Portanto, as correlações existem, mas não determinam necessariamente relações de causalidade.

Ainda no menu à direita, o item “conecte-se” oferece diversas possiblidades de contato em redes sociais. Ao percorrermos seu endereço no Twitter[7], Facebook[8] e Instagram[9], podemos verificar que grande parte do conteúdo remete aos assuntos postados no blog ou em outras mídias da IURD, convidando seus seguidores a acessarem sua página pessoal. Isso demonstra a característica de retroalimentação através da qual um veículo oferece suporte a outro, reforçando o caráter de ambiente midiatizado.

No item “pastor online”, o internauta é direcionado a um site para conversar com um pastor online. Na página surge a seguinte indagação: “Por que você está sofrendo? Converse agora com um pastor, você não precisa continuar assim!”. Após clicar em “iniciar conversa online”, uma nova janela é aberta. O fiel insere seu nome e e-mail e inicia o chat com o pastor. Com isso, há por parte da igreja uma estratégia discursiva de retorno dos fiéis para que o vínculo seja mantido permanentemente.

Em “newsletter[10]“ o fiel insere seu e-mail e clica no link enviar. O internauta é direcionado a uma nova janela com uma caixa de solicitação de e-mail. Basta inserir o código, abrir seu e-mail e acessar o link de confirmação e, a partir daí, o fiel já está cadastrado e passa a receber as atualizações. Esse serviço é uma opção indispensável para o crescimento no número de visitas ao blog, uma vez que os assinantes da newsletter recebem as atualizações do blog via e-mail. Ou seja, a manutenção de laços com os fiéis é possível sem que eles acessem diretamente o blog, pois são avisados, de forma personalizada, sobre as atualizações do conteúdo. Aqui, novamente o sistema opera com base no estímulo-resposta havendo um fechamento operacional.

No item “meus livros”, encontramos a vitrine no blog para a loja virtual. Essa seção também aparece como “anúncio” ou “publicações”, onde um produto é colocado em destaque, como DVDs e livros. Ao clicar nesse item, uma janela é aberta e o internauta é direcionado para o Arca Center, a loja virtual da IURD hospedada no Portal Arca Universal. Outro item do menu do blog de Macedo direciona o fiel para o site do Templo de Salomão[11]. No site há a possibilidade do pagamento do dízimo diretamente nas contas da igreja e são explicitadas as dúvidas sobre o significado da oferta e informações sobre o trabalho missionário da instituição.

Com isso, percebemos que o sistema opera via acoplamento estrutural em uma relação de interpenetração, resultando no desenvolvimento mútuo dos sistemas. Segundo Luhmann (2006), a interpenetração não indica apenas uma intersecção de elementos, mas sim uma contribuição mútua para que haja uma constituição seletiva desses elementos, que levam à intersecção. Como essa relação é de acoplamento estrutural, cada um dos sistemas (podemos situar a loja virtual Arca Center, o site Templo de Salomão e também as redes sociais) permanece como ambiente do blog, representando um suporte de estrutura e um conjunto de perturbações e irritações. Essas perturbações se constituem em ruído para um e para outro que, por sua vez, vão estabelecer elementos a serem trabalhados internamente por meio da autorreferência – e mantendo o fechamento operacional – com relação à referência externa. Também há uma interpenetração em operações de abertura do sistema, quando o blog disponibiliza ao fiel a opção de interação por meio de sua inserção no sistema via comentários. Ou seja, um é ambiente do outro, um penetra no outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, a experiência religiosa se dá por meio de práticas e processos de midiatização. A igreja se apropria de instrumentos do campo midiático afirmando sua legitimação e garantindo, assim, distinção perante outras instituições e afirmação de suas ideologias. Neste sentido, torna-se importante uma atenção maior sobre as diversas maneiras que o formato das mensagens midiáticas se estabelece entre o emissor, o conteúdo e o receptor; afetando, assim, as práticas religiosas, pois, no caso da IURD, os meios de comunicação são utilizados como instrumentos/solução para atingir a sociedade e ampliar seu número de fiéis.

Acreditamos que as características dos meios são importantes na construção da narrativa, pois a mídia ajusta e molda representações religiosas para as modalidades de um veículo específico. Ao mesmo tempo, o campo religioso molda suas lógicas, redefine estratégias em função dos avanços tecnológicos. Cada meio fornece representações muito diferentes das questões religiosas e, na verdade, envolve suposições completamente distintas sobre o que define a religião. Ou seja, rádio, televisão, cinema e internet constituem-se como meios singulares de contato com o público, gerando sentidos e simbólicas distintas. No caso da internet, verificamos que novas práticas constituem o fazer religião da atualidade, tais como navegar, clicar, “twittar”, acessar etc., que fazem parte de uma religiosidade personalizada e que emerge da mídia, pois é possível receber conteúdo no e-mail, no celular e compartilhar a mensagem via redes sociais.

Podemos apreender a existência de um novo vínculo na relação entre produção (igreja/meios) e recepção (fiel/internauta). Aqueles detentores da autonomia discursiva e dos modos de construção de suas realidades operam, a partir de sentidos que são postos na circulação, oferecendo ao polo da recepção serviços pelos quais pedem reconhecimento, deslocando-os de uma posição até então “amorfa” e “atomizada”, para uma posição cogestora/coprodutora. É, portanto, na circulação em dispositivos, que os sentidos se fazem e, através dela, que podemos observar os modos como são produzidos e reconhecidos.

Com base em Luhmann, percebemos que a teoria sistêmica é fruto de inquietações frente à inexistência de uma teoria que possa dar conta de uma sociedade, a qual se apresenta cada vez mais complexa. Para o autor, os sistemas sociais são resultados de uma diferenciação entre aquilo que designa o sistema e aquilo que é designado como o ambiente dele, e esse ambiente, por sua vez, apresenta-se como o lado mais complexo que o sistema não pode abarcar. Assim, ele atua reduzindo a complexidade através de suas observações em relação ao ambiente. Os sistemas sociais também foram designados como entidades autorreferentes e autopoiéticas, pois sua ordem interna é gerada a partir da interação dos seus próprios elementos (comunicações) produzidos por essa mesma rede de interação circular e recursiva que designa o próprio sistema.

Consideramos que as possibilidades de interação no âmbito digital colocam os fiéis internautas no mesmo patamar daqueles que produzem o discurso religioso, ou seja, atuam como coprodutores das mensagens religiosas, fazendo uso desses instrumentos “aproveitados” pela igreja para expressar suas religiosidades. Esse sentimento de coparticipação é possibilitado pela abertura do sistema religioso, portanto, condicionado aos sistemas reguladores instituídos pela instância religiosa. Ou seja, por força da midiatização, a igreja acaba impondo um outro tipo de sistema de regras àquele que não é de sua competência e sim do sistema de regras das lógicas midiáticas.

Por fim, o estudo da religião inserido na complexidade das interações mediadas por computador permitiu compreender a existência de novas formas de relações e contato entre religião e fiéis. Com as possibilidades de a web 2.0, a internet proporcionou a fusão de emissores e receptores, graças a instrumentos que contribuem para essa interação, como o compartilhamento e organização de informações, formação e desenvolvimento de redes sociais e colaborativas, valorizando a comunicação multidirecional e a inteligência coletiva.

Referências

CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.

FAUSTO NETO, A. Contratos de leitura: entre regulações e deslocamentos. Diálogos Possíveis. Universidade Federal da Bahia, Salvador, v. 6, 2007.

LUHMANN, N. La sociedade de la sociedad. Tradução Javier Torres Nafarrate. México: Herder, 1998.

LUHMANN, N. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.

LUHMANN, N. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general. Tradução Silvia Pappe e Brunhilde Erker. Anthropos: Universidad Iberoamericana, 2006.

MOUILLAUD, M; PORTO, S. D. (Orgs.). O jornal: da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997.

PRIMO, A. Interação mútua e reativa: uma proposta de estudo. Revista da Famecos, Porto Alegre, n. 12, p. 81-92, jun. 2000.

ROCHA, M. da P. As estratégias de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus. 2006. Tese (Doutorado em Comunicação) − Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

Notas

[1] Disponível em: http://bit.ly/2Bc5st8. Acesso em: 02 nov. 2018.
[2] Disponíveis no SoundCloud, uma plataforma online de publicação de áudio.
[3] Do verbo “to post”, em inglês, significa o ato de publicar uma informação. Na web, o post é um registro de informação, independente do tamanho, e pode conter não só texto, mas também imagens, áudios e vídeos.
[4] Rede social lançada em fevereiro de 2004 que permite os usuários criarem perfis contendo fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos.
[5] Microblogging que permite aos usuários escreverem pequenos textos de no máximo 140 caracteres, a partir da seguinte pergunta: “O que está acontecendo?”.
[6] Rede social que utiliza a internet para comunicação online através de uma rede interativa de fotos, blogs e perfis de usuário. Possui grande habilidade para hospedar MP3, por isso é muito popular entre os músicos.
[7] Disponível em: http://twitter.com/bispomacedo/. Edir Macedo mantém seu perfil desde o dia 21 de março de 2009, quando realizou a primeira postagem. Até o dia 02 de novembro de 2017 sua página na rede social tinha 386 mil seguidores e 10,7 mil tweets.
[8] Disponível em: http://bit.ly/2CRxY3k. Até o dia 2 de novembro de 2017 sua página na rede social tinha 2.165.685 seguidores.
[9] Disponível em: http://bit.ly/2DLCAcP. Até o dia 2 de novembro de 2017 sua página na rede social tinha 606 mil seguidores e 1.441 publicações.
[10] Termo inglês que significa “boletim informativo”, um tipo de publicação distribuído como mensagem eletrônica para usuários receberem informações via internet, após cadastramento em algum site.
[11] Templo localizado no bairro do Brás, na cidade de São Paulo. Construído com pedras trazidas de Israel, são 126 metros de comprimento e 104 metros de largura, dimensões que superam as de um campo de futebol oficial. São mais de 70 mil metros quadrados de área construída num quarteirão de 28 mil metros. A altura de 55 metros corresponde a de um prédio de 18 andares, quase duas vezes a altura do Cristo Redentor. A Igreja tem capacidade para mais de 10 mil pessoas sentadas.


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