Resumo: O artigo busca, por meio de um desdobramento teórico aplicado aos estudos de recepção, contribuir no sentido de compreender o atual contexto da comunicação atrelada ao consumo, às práticas sociais e ao cenário digital. Para tanto, foi utilizado o conceito de usuário-mídia, desenvolvido por Terra em 2011. Frente ao entendimento do usuário-mídia como um ente produtor de sentidos, que não funciona fora da interação, o desdobramento do modelo defendido por Terra se tornou possível e em acordo com os referencias estudados por autores da recepção. A metodologia buscou provar o critério de pertinência entre as instâncias propostas. Além de fundamentar a figura do usuário-mídia como um ente ativo da recepção, o trabalho apresenta conclusões que sinalizam para um distanciamento significativo entre as marcas e seus públicos, que clamam por um maior reconhecimento e diálogo quando o que está em jogo são suas reais necessidades, sua linguagem, cultura e seus desejos.
Palavras-chave:mídias sociaismídias sociais,recepçãorecepção,consumoconsumo,subjetividadesubjetividade,linguagemlinguagem.
Abstract: The article seeks, through a theoretical advance applied on the reception studies, to contribute towards understanding the consumption contexts linked to the communication, social practices and the digital communication. To understand the digital media and the uses, we applied the usuário-mídia theorical model, developed by Terra (2011). Terra argues about the usuário-mídia how a meanings producer that does not work without the interaction. The theorical model developed by Terra is consistent with the reception studies. The methodology of this paper sought to prove the criterion of relevance between the proposals. In addition, to prove the usuáriomídia as an active point of the reception, the paper proves that there is a communication's gap between the brands and their audiences that request recognition. The conclusion appoints that the dialogue must to include their real needs, language, the culture and your desires above all.
Keywords: social media, reception studies, consumption, subjectivity, language.
Resumen: El artículo busca, a través de una mirada teórica aplicada a los estudios de recepción, contribuir para la comprensión del contexto actual de consumo vinculados a la comunicación, las prácticas sociales y el panorama digital. Por lo tanto, se utilizó el concepto de usuário-mídia, desarrollado por Terra (2001). En el concepto de usuáriomídia como productor de significados, que no funciona fuera de la interacción, el desarrollo del modelo defendido por Terra se hizo posible y de acuerdo con los referenciales de autores que han estudiado el tema de la recepción. La metodología buscó demostrar el criterio de relevancia entre las instancias propuestas. Además de apoyar la figura del usuário-mídia como un ente activo de la recepción, el artículo presenta las conclusiones que apuntan a una brecha significativa entre las marcas y sus audiencias, que aboga por un mayor reconocimiento y diálogo cuando lo que está en juego son sus verdaderas necesidades, su lenguaje, su cultura y sus deseos.
Palabras clave: medios digitales, estudios de la recepción, consumo, subjetividad, lenguaje.
Artigos
USUÁRIO-MÍDIA E PRÁTICAS DE CONSUMO NO CONTEXTO DA RECEPÇÃO EM COMUNICAÇÃO DIGITAL
The Usuário-Mídia theoretical model and consumption practices applied on the reception studies and digital communication
Usuário-Mídia y las prácticas de consumo en el contexto de la recepción y comunicación digital
Recepção: 05 Maio 2014
Aprovação: 30 Junho 2014
Fruto de um trabalho de doutorado desenvolvido na ECA/USP, o conceito de usuário-mídia (TERRA, 2011) oferece subsídios para o bom entendimento do atual contexto, no qual se desenham os fenômenos acerca da comunicação. O modelo teórico proposto se mostra profícuo a futuros desdobramentos envolvendo uma das vertentes mais importantes em ciências da comunicação: os Estudos de Recepção, em especial a recepção e a reprodução de mensagens em um ambiente onde a comunicação digital se tornou uma realidade muito presente e inegável: a internet.
Outro importante trabalho a ser considerado neste artigo é o texto de Antônio Fausto Neto, publicado no ano de 2010 na revista ALCEU, intitulado As Bordas da Circulação (2010: 55-69). No artigo, Fausto argumenta sobre a importância de se pensar uma instância nebulosa que permeia os caminhos tortuosos da produção de sentidos em comunicação e que ele entende como “terceiro polo”, intervalo ou circulação propriamente dita.
De acordo com Fausto (2010: 55-57), o intervalo mencionado foi, a muito tempo, ignorado pelos clássicos estudos de comunicação como é o caso das abordagens funcionalista e comportamental, que entendem o processo de comunicação como uma mão única, ou seja, um fluxo originado no emissor em direção a um receptor passivo, obedecendo comandos codificados pelos produtores das mensagens. Nada (ou pouco) se falava sobre o intervalo entre os polos da emissão e da recepção.
O que acontece neste intervalo? Quais são as implicações oriundas das trocas simbólicas efetuadas pelos receptores em nível social? Em que medida o cotidiano funcionaria como suporte para as reelaborações oriundas do contato dos receptores com as diferentes mensagens produzidas por diferentes mídias?
Estas são questões recentes dentro da comunicação. Elas ganharam corpo e foram aprofundadas com o advento das novas abordagens teóricas, como é o caso da abordagem sociocultural que considera a cultura como um fator determinante para o entendimento das trocas simbólicas promovidas pela comunicação, bem como a produção de sentidos presentes nas mensagens.
A presença da circulação das mensagens entre o emissor, o receptor e entre os próprios receptores, conforme apresenta Fausto, possibilitaria então uma nova forma de entender a configuração do processo de comunicação. Observar a zona antes insondável é o principal objetivo de seus estudos. E é neste contexto de recepção onde se forma o usuário-mídia, tema desta reflexão.
Antes de dar prosseguimento ao conceito de usuário-mídia é necessário ainda avançar um pouco mais com a discussão acerca dos estudos de recepção, sua relação com a abordagem sociocultural e com alguns estudos desenvolvidos na América Latina, em especial os trabalhos produzidos pelos pesquisadores Jesus Martín-Barbero (2006), Néstor García Canclini (2001) e Antônio Fausto Neto (2010).
Após feito o percurso em questão, será possível contextualizar, de forma mais profícua, o conceito de usuário-mídia e sua contribuição para o entendimento das nuances que englobam a comunicação em âmbito digital e sua relação com as práticas de consumo de produtos e sentidos envolvendo as estratégias de marcas. É importante ressaltar que se trata aqui de uma comunicação amparada pelos dispositivos e aplicativos que facilitam a participação dos sujeitos receptores no fluxo das mensagens. Sendo assim, são promovidas reelaborações constantes de mensagens que não cessam jamais.
Fausto (2010: 56) continua a discussão sobre a evolução do lugar da recepção no referido artigo:
Convém lembrar que noções sobre a recepção (apesar das diferentes nomenclaturas conceituais utilizadas ao longo das ultimas quatro décadas) surgem com a emergência das tecnologias e sua consequente conversão em meios de comunicação que repercutem sobre a organização social e seus processos de interação. (GRIFO NOSSO)
É sabido que o aparecimento das tecnologias de comunicação, em especial as chamadas novas tecnologias da comunicação (como é o caso dos dispositivos e aplicativos que se nutrem da internet), promoveu novos fenômenos que não mais podem ser totalmente explicados pelas teorias tradicionais. E a principal questão em meio a esses fenômenos parece ser a complexidade na qual os sentidos são produzidos.
Ao pensar em complexidade na comunicação do século XXI, é preciso necessariamente considerar alto número de vias (meios) nos quais as mensagens circulam. Há de se considerar também o alto número de mensagens e a infinidade de ligações entre os meios, entre as mensagens e principalmente as ligações desse conjunto com a subjetividade e com o contexto do sujeito receptor, que também é consumidor. Ademais, é preciso pensar o receptor como consumidor não somente de produtos tangíveis, mas um consumidor-produtor de mensagens, de sentidos.
A fim de melhor entender a noção de complexidade em comunicação (complexidade envolvendo a produção de sentidos) é necessário compreender também a cultura. O conceito de cultura é muito amplo e discutido por inúmeros autores na Sociologia, na Filosofa e também na Economia.
Para que se possa estabelecer um melhor direcionamento para a discussão, será aqui estudada uma problematização do conceito de cultura de maneira interdisciplinar aos domínios da comunicação, no sentido de entender as relações entre a cultura e as perspectivas de mediação das massas. Para tanto, será utilizado o trabalho do pensador espanhol, radicado na Colômbia, Jesús Martin-Barbero, em especial sua obra intitulada Dos Meios às Mediações: Comunicação, Cultura e Hegemonia (2006).
A leitura da obra de Barbero ajuda a compreender as intrínsecas ligações entre cultura e comunicação a partir das mediações estabelecidas entre diferentes instâncias da cultura. Na medida em que o autor aponta o receptor como um ente não passivo frente aos discursos midiáticos, o tema recepção surge como um elo comum entre as noções de cultura e comunicação. O receptor, quando em contato com os meios (mediação), “negocia” os sentidos com esses meios. Essa negociação se dá quando, ao observar o que se vê na televisão e no rádio, por exemplo, e o que ele pratica em seu contexto, o receptor aproveita partes dos discursos oriundos dos meios. Ele de fato digere o que importa baseado em suas práticas cotidianas. Mais adiante, será mostrado o quanto a internet possibilitou a intensificação deste tipo particular envolvendo o uso e o consumo das mídias.
É neste sentido, baseados nos exemplos acima citados, que as noções de comunicação, cultura e recepção convergem entre si com base em uma matriz teórica chamada Estudos Culturais, em especial, no caso desta reflexão, os estudos culturais latino-americanos, representado por Barbero e outros autores como Néstor García Canclini.
Mas a recepção, de acordo com os estudiosos do tema, vai além, estendendo a comunicação para as práticas de consumo e demais práticas sociais. Vê-se então que a complexidade dos fenômenos de comunicação aumenta de acordo com a evolução das formas que possibilitam as trocas de mensagens, como é o caso das novas tecnologias como a internet e celular.
É fato que a comunicação, por meio da produção de sentidos via discursos do jornalismo e da publicidade, ambos amparados em valores presentes na cultura, possui um poder surpreendente de construir uma aura imaginária em torno de determinados produtos feitos de plástico ou metal, conforme mostra o anúncio embaixo (Fig. 1)[1], no qual o texto da peça diz: Feitas de plástico injetável. Injetável de segundas intenções. Além desta função, a comunicação produz também outros tipos de sentidos, como é o caso da identidade de marca.

A identidade de marca, a exemplo das marcas McDonalds, Apple ou Nike, pode ser construída pelo fluxo de discursos presentes em diversos momentos de comunicação. A indústria do espetáculo, por meio de seus filmes e shows, cria “produtos” que não são percebidos pela maioria como produtos, porque a ideia que se tem de produto é a mercadoria tangível.
O consumo se dá também, em certa medida, no nível das representações e identificações. Isleide Fontenelle, em seu livro intitulado O Nome da Marca: McDonald's, Fetichismo e Cultura Descartável (2002), mostra que a identidade se tornou um produto extremamente vendável.
Os autores citados anteriormente, Néstor Garcia Canclini e Jesús MartinBarbero podem ser agora convocados a contribuir nas ilustrações das hipóteses aqui enunciadas. Uma das preocupações de Canclini em seus estudos diz respeito ao entendimento das relações entre consumo e cidadania, proposta trabalhada pelo autor em um de seus textos intitulado Consumers and Citizens: Globalization and Multicultural Conflicts (2001)[2].
Uma das obras mais importantes para os estudos de recepção na América Latina, o livro, amparado por uma perspectiva sustentada em aspectos referentes às práticas culturais e também a globalização, discute as aproximações entre consumo e cidadania. Em um de seus capítulos, intitulado Multicultural Policies and Integration via the Market[3] (2001: 123-136), o autor empreende uma discussão sobre a realidade econômica e política (época em que a obra foi publicada) da América Latina e a relação destes fatores com o consumo e com a cultura. Em um outro momento (2001:16-17), Canclini fala sobre a relação existente entre identidade, consumo e cidadania.
Generational conflicts over what is necessary and desirable are another way to establish identities and construct what distinguishes us. We are leaving behind the era in which identities were defined by ahistorical essences. Today, instead, shaped by consumption, identities depend on what one owns or is capable of attaining. The constant transformations in technologies of production, in the design of objects, in the most extensive and intensive communication among societies — and the concomitant expansion of desires and expectations — have a destabilizing effect on identities traditionally bound to repertoires of goods particular to an ethnic or national community. That political version of being satisfied with what one has, which was the nationalism of the 1960s and 1970s, is now seen as the last attempt of elites who promote economic development, or of the middle classes and some popular movements, to contain within uncertain national borders the global explosion of identities and the consumer commodities that differentiate them.[4]
O trecho acima, conforme apontado, ajuda a entender a relação entre consumo, identidade, cidadania, cultura, comunicação e consumo. O autor mostra que as referencias para a construção das identidades não mais se dão somente, e em maior grau, pela via da transmissão de valores calcados em tradições históricas. Na primeira metade do século XXI, as identidades e, consequentemente, as noções de cidadania, de dignidade, passam por significados ligados ao consumo.
A fim de complementar o pensamento de Canclini, é possível citar o trabalho de um outro grande pensador chamado Zygmunt Bauman, em especial sua obra intitulada Vida para Consumo: a Transformação das Pessoas em Mercadoria. Em um de seus capítulos cujo título é Cultura Consumista (2008:107-148), Bauman argumenta sobre a importância dos signos do consumo nas diferentes formas de relações estabelecidas entre as pessoas e as “coisas”.
Novamente é preciso lembrar que o termo “coisa” não se aplica somente ao tangível, à mercadoria feita de plástico ou metal. Os produtos vendidos pelas marcas assumem uma essência simbólica, na qual o que mais importa é o sentido em potencial. E o sentido de cidadania colou-se a estes objetos do mundo do consumo. Os signos do consumo possuem a capacidade de, mediante articulações dadas via comunicação, garantirem a manutenção de uma matriz simbólica que serve de suporte para a cultura de consumo. Ser cidadão significa poder ter acesso aos signos do consumo. Ser cidadão significa não estar à margem da “bolha” de consumo. Ser cidadão é poder frequentar os espaços de gozo criados pelo sistema capitalista, a exemplo das badaladas festas e dos bons shoppings centers. Mas, na sociedade das redes on-line, além de poder frequentar os espaços de gozo é preciso também provar, nas redes sociais, sua presença dentro destes espaços.
É necessário publicar uma selfie, para que todos reconheçam o indivíduo como um cidadão. Ser cidadão significa ser reconhecido e, cada vez mais, o reconhecimento passa pela esfera das relações de consumo na qualidade de práticas sociais de consumo.
Com base nos exemplos acima citados é possível retomar novamente o modelo teórico proposto por Terra (2011), no que se refere ao conceito de usuáriomídia, pois a natureza de um usuário que se torna mídia parece se dar necessariamente nas relações (relações mediadas pela comunicação) promovidas por estes usuários com os demais usuários, com as organizações, com as marcas do universo de consumo. E mais, com os próprios algoritmos desenvolvido pelos engenheiros de corporações como Google, Facebook e Linkedin.
Ser um usuário-mídia é ser uma instância produtora de sentidos. Sentidos que devem ser pensados no âmbito do consumo e das práticas culturais estendidas à comunicação digital. Terra (2011: 86) argumenta:
Entendemos que o usuário-mídia é um heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha, dissemina conteúdos próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas audiências em blogs, microblogs, fóruns de discussão on-line, comunidades em sites de relacionamento, chats, entre outros. Acreditamos que existam níveis de usuário-mídia: os que apenas consomem conteúdo e replicam; os que apenas participam com comentários em iniciativas on-line de terceiros; e os que de fato produzem conteúdo ativamente.
A proposta concebida no treco citado pode, de forma muito proveitosa, ser contextualizada e desdobrada dentro da vertente dos Estudos de Recepção pois, conforme entendem seus expoentes como Jesús Martin-Barbero (2006) e Nilda Jacks (2008), o processo de recepção é visto como algo que não se dá de forma simples, como um fluxo entre a produção e a recepção. Há de se considerar a subjetividade e as possibilidades oferecidas pelos diversos tipos de linguagens que suportam as ações e desejos do público receptor. Há de se considerar também os usos que os receptores fazem das mensagens.
O aparecimento da internet e da tecnologia mobile possibilitou ao receptor tornar-se um ente produtor de conteúdo em escala significativa. Diferentemente de outros momentos, nos quais o receptor podia participar de forma menos presente, como é o caso do feedback dado por meio de cartas e telefonemas às estações de rádios e TVs, o receptor agora tem a possibilidade de viabilizar-se como uma espécie de “mídia”, porque ferramentas como Twitter e You-Tube oferecem as condições tecnológicas para tal feito. E o receptor sempre o fará conforme seus referenciais de espaço e tempo. O receptor o fará conforme a linguagem do seu grupo, conforme sua cultura.
A fim de ilustrar tais argumentos, é possível citar alguns exemplos como a representação de um grupo socialmente classificado como consumidor AAA na telenovela O Rebu, veiculada pela emissora TV Globo em Julho de 2014. No primeiro capítulo, as cenas de uma grande festa de luxo, promovida em uma mansão de altíssimo padrão, mostram os convidados postando alucinadamente, nas redes sociais, fotos e comentários dos acontecimentos ocorridos dentro e fora da mansão.
As imagens mostram claramente usuários, em meio a um grande espetáculo, expressando sua subjetividade, o que inclui êxtase vivenciado em meio a um lugar onde os signos do consumo, do luxo e da ostentação são elevados à condição de veneração. O convidado precisa do reconhecimento, que passa pela associação de seu ser com os significados das marcas de luxo presentes na festa. O que se vê no exemplo é uma prática social possível ao usuário mediante o uso das novas tecnologias.
Embora o exemplo citado seja muito pertinente, é importante notar que o acesso a essas tecnologias não mais se restringem às classes privilegiadas.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br[5]) (Fig.2), órgão ligado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o uso da tecnologia mobile para acesso à internet cresce mais em relação ao acesso residencial:
O uso da Internet no celular destacou-se em 2013: 31% dos brasileiros com 10 anos ou mais acessaram a rede pelo aparelho, o que representa 52,5 milhões de pessoas em números absolutos. Esse percentual mais que dobrou nos últimos dois anos: em 2011 era de 15% dos usuários e 20%, em 2012.[6]
No gráfico é possível notar que praticamente 30% dos entrevistados pertencem à classe C e que o crescimento dos consumidores de internet no celular dobrou em dois anos. Frente a esses dados é possível entender a importância da Internet e da tecnologia mobile para a expressividade da subjetividade, da linguagem, dos desejos e dos sentidos ligados às práticas culturais de determinados grupos.
Fenômenos como os “rolezinhos”, promovidos (em sua maior parte por adolescentes da periferia) em shoppings centers de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, corroboram as hipóteses aqui levantadas. Os “rolezinhos” funcionam como uma manifestação da cultura e da subjetividade dos receptores frente às possibilidades oferecidas pelos aparatos técnicos e pelos aplicativos. Ademais, é importante lembrar das relações destes fenômenos com o universo do consumo, pois é nos “templos do consumo”, termo usado por Bauman (2000), que a prática dos rolezinhos se realiza.
O crescente interesse corporativo pelas formas de comunicação baseadas na internet é um reflexo do crescimento de uma nova forma de comunicação socializada: a comunicação pessoal de massa. É comunicação de massa porque atinge potencialmente uma audiência global por meio de redes de compartilhamento e conexão de internet. É autogeradora de conteúdo, autodirecionada em emissão e autosseletiva em recepção para muitos que se comunicam com muitos.
O conceito de Mass Self Communication (MSC), ou o mesmo que comunicação pessoal de massa, vem de Castells (2006). De acordo com esse modelo, o autor afirma que a maioria da população crê que pode agir no mundo através de sua força de vontade, utilizando os seus próprios meios, estando presente na internet e nos dispositivos móveis.
A lógica dos incentivos de participação, interação e colaboração na web 2.0 leva à formação de oligarquias participativas relativamente estáveis. Portanto, o público consumiria valores produzidos por usuários mais influentes e os que produzirem, dali por diante, poderiam seguir, ainda que inconscientemente, uma linha editorial imposta.
No entanto, o modelo de comunicação “todos-todos”, popularizado pela internet, ganhou força com o surgimento de ferramentas que permitem que qualquer internauta publique informação na rede reconfigurando o cenário midiático (FRAGOSO, 2007). O resultado pode ser uma cultura participativa em que o cidadão comum tem a chance de manejar tecnologias que antes eram privilégio das organizações capitalistas e que, segundo Jenkins (2006: 215), ainda oferecem ao usuário a possibilidade de negociar seus relacionamentos com as companhias de mídia.
Podemos estender essa concepção para os usuários-mídia, que servem como esse mercado intermediário entre as organizações, marcas, produtos e a opinião pública. A dinâmica do contrapoder, para CASTELLS (2007: 258), que são novas formas de mudança social e emergência política alternativa, pode se valer das novas redes de comunicação horizontal específicas da infraestrutura organizacional da sociedade em rede. Os detentores de poder, em sua maioria gestores de marcas, perceberam que a comunicação digital ganhou força e entenderam que precisam estar presentes nas comunicações horizontais.
O consumo, nesse ínterim, faz parte de processos socioculturais complexos que, por sua vez, fazem parte do cotidiano de consumidores/cidadãos de pequenas a grandes cidades por meio de marcas, grifes, estilos de vida, simbologias. A comunicação pressupõe inevitavelmente seu outro lado: o consumo e suas práticas (materiais e simbólicas). É preciso entender o consumo não apenas como um fenômeno simbólico, cultural e de socialização, mas também como uma forma de comunicação com a sociedade, uma linguagem coletiva. O consumo, reforçado pelos meios de comunicação, é ação presente e necessária na sociedade contemporânea. O ato de consumir torna-se, no imaginário popular, um direito adquirido. Castro (2009: 485) mais uma vez sinaliza a relação entre comunicação e consumo:
Neste contexto, parece importante ressaltar o papel central dos meios de comunicação na veiculação e consolidação das práticas de consumo, salientando a estreita aliança entre cultura midiática e culturas do consumo. Vale destacar ainda a participação das tecnologias de comunicação e informação na reorganização de modelos de negócios e padrões de consumo, bem como as possíveis novas sensorialidades advindas da nossa hibridização com a cultura digital.

Como caracterizado inicialmente, um dos objetivos deste trabalho é pensar as mídias digitais como propulsoras do consumo por meio de seus influenciadores online ou usuários-mídia. Um dos fatores que permitem a caracterização de um usuário na qualidade de “mídia” é o fato deste possibilitar uma maior confiança transmitida a outros usuários de sua rede de relacionamentos. Neste caso, há um grau maior de credibilidade, se comparado ao discurso produzido por uma instituição. Em outras palavras, os embaixadores, ou advogados da marca, podem utilizar o seu capital social para influenciar a decisão de compra dos consumidores que usam redes sociais on-line. Acredita-se existir diferentes níveis de interação e participação do usuário- mídia (Fig. 3). A maioria dos usuários apenas consome conteúdo, base da pirâmide. No entanto, a diferença para a mídia tradicional é que, ainda que não produzam, possuem ferramentas e possibilidade de fazê-lo, se quiserem. Aqui se delineia um contraponto à cultura do controle. Nesta ambiência digital, o usuário tem total condição de produzir seu próprio conteúdo ou escolher as fontes que quer para se informar, entreter ou interagir. E tais fontes não necessariamente estão a serviço dos meios de comunicação tradicionais, podendo ser blogs, microblogs ou comunidades inteiramente lideradas por outros usuários comuns. As organizações perdem, portanto, a primazia do controle da informação, passando a dividi-lo com internautas e outros entes, promovendo, desta forma, um processo de circulação da mensagem. Processo esse discutido na primeira parte deste artigo e fundamentado pelo pesquisador Antônio Fausto Neto em seu artigo As Bordas da Circulação (2010).
Em meio a este cenário, surgem figuras como a dos curadores de conteúdo que podem ser os usuários-mídia, as instituições, a mídia e as organizações em geral. A etimologia da palavra “curar” traz como significado o “zelar por”, “cuidar de”. Já em outros sentidos, o curador pode ser considerado um vigia ou ainda pode exercer a chamada curadoria religiosa ou monástica.
Com o advento das mídias sociais e das redes sociais on-line, o termo curador vem aparecendo com frequência no campo prático. Há inúmeros sites que recomendam receitas para uma boa curadoria, dicas de ferramentas e aplicativos para alavancar sua curadoria, entre outros. No entanto, apesar da banalidade com que o assunto é tratado, o tema serve para se pensar em novos formatos de produção, distribuição e disseminação de conhecimento e conteúdos em uma cultura pautada ou baseada na rede.
A estudiosa, midiartista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAU-USP, Giselle Beiguelman (2011), propõe uma categorização – que ela prefere chamar de caminhos e não de normas – da figura do curador como filtrador, como agenciador e a plataforma como dispositivo curatorial. O curador, na qualidade de um filtrador, aborda um modelo mais conservador e individualista (“eu sou o que eu linko”), enquanto o curador como agenciador tem papel de criar algum ponto de tensão que faça com que os outros produzam a partir de um primeiro ponto, criando mecanismos favoráveis para que os conteúdos se desenvolvam. O terceiro modelo considera que “as coisas são como você linka”, isto é, a plataforma utilizada também interfere naquilo que eu dissemino à minha audiência.
A curadoria da informação é mais um desafio trazido pela sociedade da informação, pela fartura de dados e pelo excesso de conteúdo disponível na rede. SÁ (2009) refere-se à curadoria também como filtragem de informação e reconhece, assim como LATOUR (1992), que existem atores humanos e não-humanos que fazem esse trabalho, tais como os algoritmos de recomendação, processos de inteligência artificial que tentam prever as preferências do consumidor no ambiente digital para fins de recomendação de produtos. Um verdadeiro sistema de recomendação e tentativa de influência.
SÁ (Op. cit.) também aponta algumas metodologias de análise como a filtragem colaborativa que, como o próprio nome diz, conta com o coletivo para a realização do trabalho e a similaridade, que por semelhança (ou verossimilhança) aponta possibilidades ao consumidor, a exemplo dos sistemas de recomendação das lojas virtuais, especialmente no setor de livros, CDs e DVDs. A partir de sua navegação no site, experiências de compra e usabilidade, essas lojas recomendam produtos similares àqueles que o usuário comprou ou pesquisou.
A legitimidade dos conteúdos disponíveis na rede está associada à reputação e à influência de quem os dissemina. Daí a importância e a necessidade dos curadores de conteúdo que hoje parecem estar diretamente ligados aos usuários mais respeitados, com credibilidade e influência da rede, os usuários-mídia.
Assim sendo, é possível identificar uma conexão entre o usuário-mídia e o curador midiático da web. O usuário-mídia, como pode ser observado, é o internauta influente, reconhecido, ativo e formador de opinião da rede. Já o curador midiático é aquele responsável por selecionar temas, dentro de seus interesses e de sua audiência, que satisfaçam as necessidades de informação destes grupos e o (re)legitimem continuamente dentro daquela seara de conteúdo.
O estudo produzido pela Deloitte “Mídias Sociais nas Empresas” (2010) resultou em um diagrama (Fig. 4) que resume o perfil do novo consumidor social, podendo também ser entendido como usuário-mídia, que conecta outros por meio dos canais e ferramentas on-line e que se expressa e afeta decisões de compra em função deles. Trata-se de um usuário que vai além da comunicação tradicional para se informar. Ele analisa opiniões de outros em sites de mídia social, acompanha rankings e conteúdos de pessoas desconhecidas e tem expectativas superiores em relação ao meio on-line. É aquele responsável por curar informações a respeito de um dado tema e acaba influenciando outros usuários dada a sua posição social dentro das redes.
Em face da análise aqui empregada, considerando o avanço das tecnologias que permitem o processo de comunicação e também o avanço na forma de se entender a comunicação nos séculos XX e XXI, uma conclusão possível se desenha em nosso horizonte: as corporações, em meio a uma cultura midiatizada, devem necessariamente entender as diferentes nuances que permeiam os universos sígnicos de seus públicos, além de compreender também a cultura, a linguagem, as práticas de consumo e, acima de tudo, os desejos de seus públicos.
Vê-se que um dos principais problemas na relação empresa x consumidor passa por uma espécie de não reconhecimento de suas reais expectativas, ou necessidades. Para transformar esse cenário, acreditamos ser necessária uma mudança completa de postura no discurso e na prática das empresas: informações meramente mercadológicas, unidirecionais e com fins apenas de convencimento de compra não têm espaço para o usuário-mídia, que aceitar o interlocutor corporativo desde que o mesmo esteja realmente disposto a dialogar.
Ademais, as empresas devem prestar atenção nos curadores de temas ou de assuntos que sejam de interesse para elas para que, assim, outros usuários tenham interesse em segui-las e se relacionar via mídias sociais de forma favorável e positiva. As organizações também têm o desafio de convencer usuários reconhecidos e formadores de opinião na rede – os curadores sociomidiáticos – para que se façam públicas aos demais usuários da rede.
Dentro deste modelo, as pessoas sempre são mais importantes que os suportes, contudo, as mídias sociais ajudam a potencializar os encontros entre usuários e auxiliam na difusão de informações a respeito de marcas, produtos, experiências e serviços.
O consumidor está constantemente participando da produção de conteúdos ou sentidos dos meios de comunicação e das corporações das quais consomem informação, entretenimento, produtos e serviços. E este ponto é uma das principais preocupações dos Estudos de Recepção, pois, conforme já demonstrado, é na negociação de sentidos promovidos pelas diferentes interações que os referenciais de identidade são produzidos e exercitados como forma de construção simbólica que sustenta a cultura e as práticas sociais.
Para estar inserido neste cenário da comunicação digital, no qual o usuáriomídia é seu principal protagonista, o comunicador tem de lançar mão de diversas estratégias, entre elas diagnosticar o estado da marca e de seus principais produtos e serviços nas redes sociais on-line; planejar e propor ações que inspirem os consumidores acerca do universo que envolve a empresa; engajar-se em fóruns que permitam a participação de usuários corporativos; estabelecer canais de comunicação sinceros, transparentes e ágeis com os públicos; alterar o paradigma do controle da informação e da marca; criar uma cultura interna de participação, colaboração e coletividade a fim de refletir tais princípios externamente e finalmente entender a dinâmica de funcionamento do atual contexto, no qual o sentido da palavra comunicação não pode ser mais pensado de maneira isolada.
Por configurar-se como um fenômeno extremamente complexo, a comunicação deve ser agora pensada em um âmbito macro. Isto significa que a comunicação deve considerar os cenários político, cultural e as constantes reelaborações de sentidos que configuram as práticas sociais, por sua vez atreladas às práticas de consumo em meio aos signos do contexto, que legitimam grupos de consumidores culturalmente formados em torno de arranjos simbólicos, como é o caso dos públicos AAA e do público das classes C e D e suas relações. Desta forma, considerando o uso das novas ferramentas, torna-se possível estabelecer uma outra via de entendimento entre consumidores e comunicadores, legitimando, de fato, a natureza do que seria um processo de recepção.


