Apresentação
É com prazer que apresentamos esta edição da Signos, que traz em seu dossiê textos produzidos na interface Gêneros, Sexualidades, Publicidade e Consumo. São pesquisas de autores/as que contribuem com reflexões sobre os desafios da comunicação nessa relação, alguns produzidos antes e outros finalizados em plena pandemia.
Para os estudos que discutem publicidade, gêneros, sexualidades, corpos – esses no plural –, interseccionalidades, Grounded Theory e consumo, os desafios estão nas práticas de pesquisa que se atrevem a identificar e problematizar nos objetos e corpus as desigualdades inerentes às construções cotidianas que fogem da norma.
Nesta edição trazemos um conjunto de discussões que perpassam os desafios em específico na publicidade e nas práticas de consumo, que avançam a entender objetos de pesquisa tão diversos e nem sempre devidamente contemplados pelo campo da comunicação.
Nestas duas primeiras décadas do século XXI, a noção da complexidade de fenômenos que abarcam as práticas publicitárias – desde uma perspectiva de contribuição teórica, de suas representações e impactos sociais, até as formas de consumos simbólicos e de ostentação de produtos – vem desafiando uma nova geração de pesquisadores/as com diferentes propostas de pesquisa. Não por acaso, estamos diante de uma publicação que traz abordagens diversas para contemplarmos a quantas anda o fazer publicitário brasileiro, seus avanços em caráter de contribuição social e seus limites, num conjunto de forças que envolvem sociedade civil e Estado em um sistema capitalista.
A contribuição do texto Interseccionalidade como ferramenta teórico-metodológica: apontamentos para a pesquisa de recepção e consumo midiático, de Nilda Jacks e Guilherme Libardi, permite-nos perceber como a perspectiva social e histórica se mostra preponderante para qualquer leitura ambiental do que se pesquisa no âmbito da comunicação. A seguir, Francisco Leite aborda, no texto Construindo uma grounded theory sobre famílias brasileiras e consumos de anúncios com casais LGBT, uma perspectiva da grounded theory que também contribui para analisar como as construções sociais entram em disputa, demandando negociação pela pluralidade de representações na publicidade, a partir dos sujeitos que carecem dessa visibilidade. Tal crítica avança no texto seguinte, Estudos de gênero em interface com signos e mídia: aproximações muito tímidas, de autoria de Cláudia Lago, Elisa Canjani e Isabella Bergo, ao fazer um levantamento da tímida produção que articula os estudos de gênero diante de uma complexidade desafiada pela interdisciplinaridade enquanto potência de investigação.
Desse primeiro bloco, que traz contribuições para se pensar a produção teórica e paradigmática sobre o campo da comunicação, partimos para um segundo momento, em que identificamos e analisamos fenômenos contemporâneos. Ao enfocar o filme Black is King, o texto Lugares de fala e interseccionalidade: a circulação midiática de Black is King na imprensa,de Pablo Moreno Fernandes e Dalila Maria Musa Belmiro, ratifica elementos abordados no primeiro bloco, ao problematizar questões de gênero e de raça que, interligados, se mostram profícuos para uma leitura crítica. Em sequência, em uma perspectiva que reivindica a pluralidade das representações publicitárias ao abordar o público LGBTQIA+, o texto Uma interação entre marcas: da censura do comercial do Banco do Brasil na TV aberta à representação da diversidade na postagem do Burger King no Facebook, de André Iribure, permite evidenciar as disputas de poder na publicidade, a partir de sua produção repercutida em redes sociais. Investigando como esta temática LGBTQIA+ avançou em produção nestes últimos anos, o artigo intitulado “Mulher como garoto-propaganda do Dia dos Pais”: outvertisinge as retóricasLGBTfóbicas na publicidade e no comentariado homotransfóbico brasileiro, de Leo Mozdzenski, contribui para essa discussão, avançando para leitura crítica a partir do conceito proposto de outvertising. Ainda contribuindo sobre esse olhar da complexidade e borramento das fronteiras de gênero e sexualidade, o artigo que fecha o eixo temático da publicação, Quando os corpos e a diversidade vão às compras: consumo, estereótipos e práticas de mercado, de Manuela do Corral Vieira e Marcio Monteiro Dias, aborda as formas de circulação e de consumo LGBTQIA+ em pontos de venda.
Portanto, o dossiê traz uma rica leitura para contribuir com quem tem interesse e pesquisa sobre os desafios da comunicação persuasiva e as práticas de consumo da publicidade, no contexto da pluralidade de identidades que se constroem cotidianamente, reforçando que diferentes abordagens vêm sendo reivindicadas e adquirem visibilidade. Essa visibilidade pode se dar por força das demandas políticas de novos sujeitos ou pelo poder do consumo, quando este vislumbra esses novos sujeitos como potenciais consumidores, engajados ao repercutirem favoravelmente, ou não, suas marcas e produtos.
Acreditamos que os textos nos ajudam a compreender de que forma a diversidade tem tornado o campo da produção da comunicação publicitária e do consumo, crescentemente desafiado por sujeitos que tensionam um olhar estanque e hegemônico, produzindo novos e diversos sentidos, ao se construírem cotidianamente e se manifestarem em suas redes sociais de relacionamento.
Além dos textos que compõem o dossiê, a edição traz dois textos que fazem incursões conceituais importantes. No primeiro, O consumo e o não consumo: flashes de uma discussão, João Anzanello Carrascoza interroga-se sobre a epistemologia do consumo e do não consumo de bens materiais e simbólicos, partindo de elementos da teoria literária. Já em Estruturas narrativas de booktrailers de literatura fantástica: uma classificação,Cláudio Roberto de Araújo Bezerra propõe uma tipologia das narrativas dos booktrailers de literatura fantástica, partindo do mapeamento desses produtos no YouTube das maiores editoras, também transitando em interfaces, dessa feita entre literatura, cinema e publicidade.
A edição é arrematada com três resenhas, duas sobre livros de um único autor, Byung-Chul Han: Agonia do Eros e o narcisismo contemporâneo, produzida por Julia Spohr Reinhardt, e O imperativo da felicidade como bem supremo para Byung-Chul Han: onde entretenimento e paixão se tocam, produzida por Leonardo Pachelle. Além disso, também temos A ironia do apocalipse,resenha de Thales Reis Alecrim sobre o game Fallout New Vegas. A edição está repleta de textos instigantes. Esperamos que leitores/as gostem tanto de lê-la quanto nós gostamos de trabalhar em sua organização.
Boa leitura!
Claudia Lago e André Iribure