apresentação
O segundo volume da décima terceira edição da Signos do Consumo reúne textos de autores de diferentes regiões do país e do mundo que problematizam questões contemporâneas e relevantes para o campo da Comunicação e Consumo, dialogando com as semióticas de diferentes origens, com a psicanálise e com a antropologia, principalmente com os estudos sobre etnia, raça e gênero. Uma vez mais, oferece discussões fundamentadas em reflexões teóricas consistentes, articulações metodológicas robustas e conclusões inovadoras sobre a sociedade atual, atravessada pelo digital, com fortes impactos na construção das identidades e subjetividades. Certamente, contamos nesta edição com textos inspiradores pelas temáticas, abordagens e articulações teóricas interdisciplinares.
Neste contexto, temos o privilégio de abrir esta edição com o atual e necessário texto “Semiótica do espelho digital”, de Massimo Leone, professor titular de semiótica da Universidade de Turim e diretor geral do Centro di Studi Religiosi da Fondazione Bruno Kessler. A partir do entendimento dos espelhos digitais como telas que a priori já dissimulam sua função reflexiva - diferentemente dos espelhos analógicos - com possibilidade de intensificar essas distorções por meio dos recursos tecnológicos amplamente disponíveis como os filtros e demais edições, o autor promove uma densa reflexão sobre as produções a partir destas telas-espelhos e suas consequências no âmbito da produção e recepção das imagens. Problematiza a questão da ética das imagens digitais e seus impactos na percepção e cognição humanas. Ao final, convoca a semiótica, como teoria da linguagem, a problematizar a propaganda realista dos novos dispositivos de representação e exibição, enfatizando a potência reprodutiva do visual falso de hoje com as ambiguidades e distorções intencionais ou não, mas que promovem desconfiança e descrença. Massimo Leone reforça a necessidade de uma nova ecologia que contemple o falso e seu potencial de enganosidade, dando origem a uma semioética do visual falso inevitável.
Na sequência, as autoras Laura Cintra e Sandra Souza, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), apresentam e discutem “O uso publicitário do GIF animado marcário”. As autoras enfatizam as capacidades técnicas e contribuições do formato GIF para a comunicação publicitária, tendo como base empírica a rede social Twitter. Apoiadas na semiótica de Morris, Laura Cintra e Sandra Souza propõem um método de análise que contempla as dimensões sintática, semântica e pragmática, com aplicação nas expressividades de três marcas, tecendo considerações sobre as diferentes possibilidades de uso e consumo dos GIF e suas rentabilidades expressivas na ecologia publicitária das marcas.
O texto “Da segunda mão à segunda chance: luxo e sustentabilidade em brechós de Paris e São Paulo”, de Cecília Elisabeth Barbosa Soares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), compara dois contextos culturais de grandes metrópoles no sentido de compreender os diferentes propósitos de brechós como negócio explorando os fundamentos da sustentabilidade, da economia e da moda. Por meio de entrevistas em profundidade com empresárias dirigentes de brechós nas duas cidades, compreende que a estrutura dessa possibilidade de circulação de mercadorias de “segunda mão” transcende questões econômicas de acesso, integrando dimensões relacionadas à sustentabilidade em sentido amplo e estilo de vida contemporâneo, com o estabelecimento de novos valores sociais e identitários.
Isabel Jungk, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explora as relações entre semiótica, consumo e psicanálise no texto “Signos do consumo e a insatisfação do sujeito”. Com destaque para as potencialidades do encontro teórico destas regionalidades científicas, reforçando a robustez desta combinação no sentido de proporcionar um olhar atento sobre as produções da sociedade capitalista e sua influência na subjetividade, lugar das contradições, da insatisfação e dos sintomas culturais. No artigo, são apresentados os conceitos de signo e seus modos de associação, de inconsciente e sua flexibilidade significante, mostrando, assim, como a compreensão dos processos de significação sob essa perspectiva interdisciplinar evidencia uma visão abrangente e potente entre o discurso publicitário, com suas estratégias permeadas de indiciamentos ao consumo, e a condição de sujeito do desejo, dividido entre consciente e inconsciente, entre um modo de ter e ser de desejar.
Em “A identidade cultural da mulher negra: representações visuais em embalagens da Seda”, as autoras Maria Ogécia Drigo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso), e Graziella A. Malagó, também da Uniso, apresentam a discussão que busca compreender os significados gerados por representações visuais de mulheres e o processo de construção da identidade cultural da mulher negra no Brasil. Apoiadas em autores que contemplam reflexões identitárias e comunicacionais como Mbembe, Lipovetsky e Serroy, Semprini e Sodré e baseadas na teoria e no método semiótico de Peirce, as autoras analisam embalagens de produtos para cabelos da marca Seda, revelando suas potencialidades comunicacionais. O artigo é relevante por contribuir para a compreensão do processo de construção de identidade cultural da mulher negra no Brasil, na mediação do consumo e das marcas, em um momento marcado por tensionamentos e por intolerância às diferenças.
Roberto Schmidt e Clotilde Perez, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, problematizam questões relacionadas à linguagem televisiva, a seus conteúdos e a sua natureza de veículo, buscando compreender a construção e reconstrução de subjetividades possíveis. Assim, o texto “Os múltiplos sentidos da televisão na contemporaneidade: linguagem, conteúdo, mídia e subjetividade” busca seus fundamentos nas proposições teóricas de De Botton e Armstrong, que explicitam a dimensão terapêutica da arte; esta aproximação possibilita a expansão do papel da arte na construção da subjetividade no contexto da produção televisiva, pareando-a como caminho consequente a partir das funções da arte caracterizadas pelos autores, quais sejam, a rememoração, a esperança, o sofrimento, o reequilíbrio, a compreensão de si, o crescimento e a apreciação.
“Signos do patriarcado: representações sociais sobre mulheres no mercado de trabalho gastronômico”, de Roneide Gonzaga de Oliveira, da Faculdade Senac Pernambuco, e Maria Salett Tauk dos Santos, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), apresenta a análise das representações dos profissionais de cozinha sobre as mulheres profissionais da gastronomia. Para tanto, foi empreendido um estudo a partir do panorama histórico da cozinha como lugar de fala feminino e do percurso de profissionalização da gastronomia nos últimos anos, com o objetivo de compreender as representações sociais no mercado de trabalho. Foram empreendidas entrevistas semiestruturadas, realizadas com profissionais de estabelecimentos com cardápios assinados na cidade de Recife, em Pernambuco. Os resultados foram conciliados com as proposições de Moscovici acerca das representações sociais e sobre a ocupação feminina nas cozinhas profissionais. A conclusão central da investigação é que a cozinha profissional é um espaço majoritariamente masculino, em que as representações sociais se retroalimentam, criando, assim, novos obstáculos e dificuldades não apenas para a inserção, mas para a permanência das mulheres. Importante discussão na relação entre aspectos culturais, gênero e comunicação.
A dimensão regional e suas implicações comunicacionais e publicitárias surgem no texto “Uma publiCIDADE amazônica como signo do consumo contemporâneo”, de Luiz LZ Cezar Silva dos Santos, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA). O autor apresenta o conceito de publiCIDADE como um instrumento de análise de marca e expressões de consumo, bem como um possível caminho para pensar a cidade contemporânea em seus aspectos sígnicos. Tendo por base a cidade amazônica de Belém do Pará, Luiz Cesar busca compreender o que é uma cidade em perspectiva comunicacional e tece caminhos para compreendê-la como um espaço urbano marcado pelas relações midiáticas e de consumo.
Para encerrar esta edição da Signos do Consumo, Thales Reis Alecrim, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pós-graduado em Cultura Material e Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA-USP, apresenta a resenha “A memória em ação: breves considerações sobre os conceitos de memória e identidade na obra de Joël Candau”, a partir do livro Memória e identidade. Em linhas gerais, a obra integra as dimensões da história, da memória e da identidade pelo viés da antropologia, possibilitando novas interpretações e proposições de conceitos fundamentais nas Ciências Humanas e Sociais. Seu valor está nestas aberturas e nas potencialidades inerentes às abordagens multidisciplinares.
Esperamos que esta breve apresentação dos textos desperte o interesse pela leitura e o manejo teórico das articulações e proposições discutidas, iluminando inovadoras possibilidades de investigação, análise e interpretação dos fenômenos contemporâneos da Comunicação e Consumo.
Boa leitura!
Eneus Trindade e Clotilde Perez
Editores