Artigo
Received: 20 April 2020
Accepted: 15 May 2020
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/50341
Resumo: O artigo busca explorar o impacto jurídico da pandemia do COVID-19 em nosso sistema constitucional. Partindo da diferenciação entre estado de exceção e estado de emergência constitucional, a questão do enfrentamento da pandemia deve ter uma resposta dentro dos quadros estabelecidos pela Constituição de 1988. Além do mais, as respostas dos poderes públicos trouxeram à tona qual o federalismo que pretendemos proteger e concretizar a partir da repartição das competências. A resposta é um federalismo assimétrico e descentralizado para o enfrentamento das dificuldades sanitárias do coronavírus. Por último, a pandemia possibilitou um repensar crítico no próprio direito à saúde e como a tradição jurídica hegemônica o encara em uma perspectiva colonial.
Palavras-chaves: COVID-19, Federalismo, Jurisdição constitucional, Direito à saúde, Interseccionalidade.
Abstract: The article seeks to explore the legal impact of the COVID-19 pandemic on our constitutional system. Starting from the differentiation between a state of exception and a state of constitutional emergency, the issue of facing the pandemic must have an answer within the framework established by the 1988 Constitution. Furthermore, the responses of public authorities have brought to light what federalism we intend to protect and materialize from the division of competences. The answer is an asymmetric and decentralized federalism to face the sanitary difficulties of the coronavirus. Finally, the pandemic enabled a critical rethink in the right to health and how the hegemonic theory of law tradition views it in a colonial perspective.
Keywords: COVID-19, Federalism, Judicial review, Right to health, Intersectionality.
Introdução
A pandemia do COVID-19 tem trazido à tona importantes reflexões e debates acerca do correto exercício do poder político, da função econômica e do Estado e, sobretudo, do funcionamento das instituições, além do próprio âmago da disciplina científica. No limite, a produção do conhecimento sempre soube lidar com momentos de crises e rupturas decorrentes de abalos sistêmicos no próprio saber.
Não é que o coronavírus seja um novo cisne negro na humanidade, até mesmo pelo fato de que especialistas já alertavam para a ocorrência de uma pandemia de origem gripal.1 A questão principal é que em momentos que tais, as práticas, conhecimentos e sabedorias de um determinado “mundo” dominante e hegemônico podem ser repensadas e refletidas em direção a um novo-velho “mundo”.
Embora não possamos prever qual “mundo” nos aguardará após o fim da pandemia, a maneira como lidamos com as crises determinará em grande medida o futuro que pretendemos. Isto é, a própria forma com que enxergamos o problema no presente determinará as ações, práticas e conhecimentos vindouros. Seja por um viés otimista ou pessimista, o mundo não será o mesmo. E a reflexão em meio à própria dinâmica pandêmica é também um exercício histórico que possibilita pensar o passado-presente-futuro.
O âmbito jurídico-político não é diferente em relação aos aspectos filosóficos, sociológicos e econômicos. Aqui, portanto, pretendemos oferecer algumas reflexões iniciais sobre a relação entre pandemia e o exercício do poder jurídico-político em nosso sistema constitucional nos momentos de emergência. Mais do que buscar respostas, oferecemos um cabedal de questões que se entrelaçam e podem ser pensadas para um mundo jurídico-constitucional pós-pandemia.
Assim, portanto, nosso percurso intelectual se dará em fornecer as diretrizes das emergências constitucionais e qual o modelo seguido pelas instituições nacionais, assim como estabelecer uma crítica ao modo com que o modelo decisório da Constituição foi estabelecido e praticado pelos órgãos políticos. A decisão acerca de uma emergência constitucional é um lócus que pressupõe uma linha tênue entre democracia e autoritarismo, entre ampliação e restrição das liberdades políticas. Por mais que situações emergenciais dependam de uma resposta jurídica que subentende uma razão de Estado, a plena vigência do direito constitucional e, por conseguinte, de uma jurisdição constitucional democrática, podem ser remédios terapêuticos eficazes contra os motivos que a ensejaram. Por isso, a nossa análise entrelaçará os mecanismos políticos e jurídicos de controle do estado emergencial, assim como uma análise das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com especial destaque para a ADI 6363 na qual a jurisdição constitucional defenestrou o texto constitucional com argumentos pragmáticos.
Em segundo plano, buscaremos compreender como a emergência constitucional do direito à saúde suscitou um conflito federativo, cujas respostas para o seu enfrentamento dependem também da compreensão adequada do federalismo em nosso sistema constitucional, assim como da própria organização constitucional da federação. Chamado a solucionar as controvérsias federativas da COVID-19, o Supremo Tribunal Federal ficará responsável por consolidar um modelo de federação simétrica e centrífuga e, portanto, democrática ou, de outro modo, restabelecer uma tradição constitucional-autoritária de uma federação centrípeta e assimétrica.
Por último, o itinerário percorrido irá nos permitir ver quais as consequências no interior do sistema de saúde adotado por nossa Constituição e, ainda, como se agita um falso dilema entre saúde e liberdade, assim como entre saúde e economia, o que nos levará, inclusive, a abordar um enfoque interseccional do direito à saúde e sua devida relação com os demais direitos fundamentais em um suposto contraste e questões sociais, políticas, epistêmicas que rondam a atuação em defesa do sistema de saúde.
O método explorado no presente artigo é uma perspectiva crítico-reflexiva que congrega o pensamento jurídico-social de diversas matizes, movimentos e epistemologias críticas e de coloniais para se pensar o problema aqui ensaiado e, ainda, ofertar uma possível resposta que parte da premissa de uma complexidade, interdisciplinaridade e contextualidade dos problemas enfrentados pela pandemia.
Aqui, portanto, a narrativa histórico-jurídica permitirá desvelar o conteúdo dos problemas enquanto uma epistemologia da hermenêutica-crítica ensaiará as possíveis respostas.
1. Estado de emergência e jurisdição constitucional na pandemia do COVID-19
Há muito que os Estados nacionais não se encontravam em um dilema tal que acabasse por levantar questionamentos nas suas próprias estruturas econômicas, sociais, políticas e jurídicas. A pandemia causada por uma nova cepa do vírus corona, denominada COVID-19, e sua respectiva síndrome respiratória aguda grave (SARS-Cov-2), declaradas pela OMS no dia 11 de março de 2020, possibilita pensar nas suas relações e configurações jurídico-políticas e o exercício da liberdade.
Aquele mundo que acreditávamos sólido e pujante se desfez em meio a um elemento natural microscópico. Ironicamente, ao contrário das películas hollywoodianas apocalípticas, os dilemas provocados pelo momento pandêmico não nos mostram um lado utópico da coragem e determinação da humanidade, mas desvelam ações de um lado sombriamente real que entrelaça desigualdade política, social, econômica aliada à forma como enxergamos e lidamos com o mundo que nos circunda. Em seu sentido mais amplo, a pandemia coloca em xeque a modernidade, considerando uma reação da natureza enquanto totalidade da vida em virtude de seus múltiplos ataques realizados durante mais de 5 (cinco) séculos “modernos”2 – temos, de um lado, o legado de uma Modernidade que achou que poderia submeter coisas e pessoas à sua vontade (racional!) aliado paradoxalmente, de outro, a uma nova onda anticientificista que nega os efeitos colaterais da superexploração dos recursos naturais e luta contra os esforços e evidências da ciência para minimizar os danos.
No âmbito jurídico, o enfrentamento da pandemia suscitou determinadas respostas dos Estados nacionais consistentes em medidas de emergência constitucionalmente previstas.3 Neste ponto, é importante distinguir estado de emergência constitucional e estado de exceção. No primeiro, as respostas para as crises e dilemas são fornecidas pela própria ordem jurídica-constitucional e, portanto, o enfrentamento pressupõe a plena vigência da Constituição em toda sua plenitude. Embora a denominação, os pressupostos e a própria disciplina possam variar entre as constituições dos países ocidentais, a lógica continua a mesma: a possibilidade de uma disciplina jurídico-política para lidar com eventos que conduzem a uma instabilidade social, econômica, política e jurídica de tal forma a garantir a integridade do projeto constitucional.
Acerca das premissas constitucionais do estado de emergência, Canotilho estabelece:
[...] a) em primeiro lugar, a defesa do Estado e da segurança pública só é compatível com o Estado Constitucional se e na medida em que ela esteja prevista na Constituição e não remetida para o domínio extraconstitucional; (b) a suspensão da Constituição é uma contraditio in adjectu, porque ela significa na prática um regime sem Constituição (mesmo limitado a parte do território); (c) a defesa do Estado não exige a suspensão da Constituição, mas sim a de algumas garantias individuais; (d) a constitucionalização do regime de exceção não pressupõe uma normatização constitucional pormenorizada desse regime, podendo a Constituição remeter para a lei os casos de situação excepcional e as formas e medidas a adoptar em tais circunstâncias. Constitucionalização do estado de exceção e remissão para a lei de sua regulamentação são as pedras basilares da compreensão jurídico-constitucionais do direito de necessidade. O problema está em que a disciplina constitucional é, por vezes, demasiado aberta, permitindo uma complementação legislativa sensivelmente subversiva dos próprios princípios constitucionais.4
Em virtude mesmo da própria necessidade de regramento constitucional ou legal dos estados de emergência é que os problemas das necessidades urgentes e perigos iminentes para o Estado precisam ser não só um problema político, mas estar no centro das reflexões de teoria da constituição e de filosofia do direito até mesmo pela inter-relação entre as normas jurídicas e necessidades sociais.
As situações e acontecimentos inesperados são da própria pré-condição do estabelecimento de uma emergência constitucional. Disto decorre que não é possível uma normatização dessas hipóteses, devendo-se manter aberta a disciplina constitucional, como, por exemplo, nos conceitos de “grave e iminente instabilidade institucional” do Estado de Defesa (art. 136 da CF/88) ou “comoção grave de repercussão nacional” prevista para o Estado de Sítio (art. 137, inc. I da CF/88). Contudo, a impossibilidade de se antever as condições factuais para a deflagração do estado de emergência constitucional não implica que outros fatores não possam ser regulados.
Ernst-Wolfgang Böckenförde lista, por exemplo, que o regramento constitucional da emergência deve estabelecer: a) as pré-condições e a ocorrência do estado de emergência, isto é, a regulação deve prever que apenas as situações extremas e não apenas problemas difíceis de serem resolvidos se torna um estado de emergência constitucional; b) o exercício dos poderes emergenciais cuja própria Constituição estabelecerá um dos órgãos que receberá o mandato; c) os objetivos e as restrições aos poderes emergenciais, cujo foco será sempre o restabelecimento da normalidade de tal modo a impedir a ocorrência de um “novo” normal.5
Além do mais, a estrutura do estado de emergência constitucional pressupõe, então, uma distinção juridificada entre estado normalizado e estado de emergência da qual, desta última, decorrem a possibilidade de tomada de medidas, legislativas ou administrativas, que nada mais são do que uma reação das normas jurídicas dentro de um Estado de Direito para a volta ao estado normalizado. Todavia, a regulação constitucional também deve prever uma separação entre a autoridade que declara o estado de emergência da autoridade que se investe no poder para tomar as medidas adequadas, possibilitando a responsabilização e o controle dessas medidas durante e após a deflagração da necessidade emergencial.6 Isto é, deve-se distinguir entre a autoridade que declara a emergência constitucional e aquela que executa a emergência constitucional. Exemplificando, no âmbito do Estado de Sítio e Defesa Nacional cabe ao Congresso Nacional à declaração da emergência e ao Poder Executivo a tomada de medidas concretas para debelar a situação fática.
Há, portanto, um caráter eminentemente conservador na operação das emergências constitucionais que implica em uma mais-valia da própria normatividade constitucional. Os poderes emergenciais são outorgados à autoridade para que ela lide com questões temporárias e restaure as condições ordinárias de funcionamento constitucional. É exatamente por isso que, como fala John Ferejohn e Pasquale Pasqualino:
Emergency powers in modern constitutions are to be employed to deal with temporary situations and are aimed at restoring the conditions to a state in which the ordinary constitutional system of rights and procedures can resume operation. Typically, the holder of emergency powers is not permitted to make law but is restricted to issuing temporary decrees. And of course, the constitution itself is not to be changed in such periods.7
O núcleo essencial do estado de emergência dentro de um Estado Constitucional de Direito é a preservação e o adequado funcionamento da separação de poderes, do exercício dos freios e contrapesos e um design institucional tal que se permita o controle democrático e o resguardo da estrutura de direitos fundamentais como forma de conservar a ordem constitucional.
Em decorrência das próprias normas e com o objetivo de preservação da Constituição, a atuação da jurisdição constitucional é imperiosa mesmo (ou justamente?) nos estados de emergência. Aqui, portanto, a atividade judicial não envolverá a gestão da emergência e a própria aprovação da declaração da emergência constitucional, tarefas constitucionalmente atribuídas aos Poderes Executivos e Legislativo, respectivamente. Entretanto, o exercício da jurisdição constitucional tanto poderá envolver os abusos dos poderes emergenciais, inclusive no que toca ao desvio de finalidade nos motivos que a deflagraram, quanto à proteção dos direitos fundamentais em decorrência da própria gestão8 e, por último, o resguardo do devido processo legislativo-constitucional como forma de legitimidade e condição democrático-institucional da democracia e do exercício dos direitos fundamentais.9
Também há que se falar, ainda, da possibilidade de autorização da própria Constituição para regulamentação da emergência constitucional por meio da legislação infraconstitucional, mantendo-se as estruturas de declaração por meio do poder legislativo e controle das medidas tomadas no período de emergência.
Embora tido como sinônimo das emergências constitucionais, o estado de exceção é substancialmente diferente, encontrando suas balizas teórico-conceituais no pensamento de Carl Schmitt. Na obra Die Diktatur de 1921, Carl Schmitt busca a origem do significado jurídico-estatal de ditadura na República romana em que, a pedido do Senado, um magistrado com poderes extraordinários fosse nomeado pelo cônsul com o objetivo de eliminar as ameaças em tempos de perigo. Sua atuação consistia, então, em eliminar os perigos para a República construindo um imperium forte. Não estava ligado às leis e tinha um poder ilimitado sobre a vida e a morte.10 Na República romana, portanto, estariam presentes duas espécies distintas de magistrados: os ordinários que são limitados pela lei e os extraordinários cujos limites são definidos pela própria delegação. Somente este último pode ser considerado ditador. Essa ditadura para o debelamento de uma crise e de perigo para o estado é chamada por Schmitt de “comissária”.
A partir da revolução francesa, Schmitt vai observar o surgimento de uma nova ditadura, diferente daquela da República romana, que não se funda em um pouvoir constitué, por delegação, mas pelo pouvoir constituant denominada de “ditadura soberana”. A substancial distinção é a de que na ditadura soberana não se suspende uma Constituição valendo-se do direito fundamentado nela mesmo, senão que cria uma situação que faça possível uma Constituição, a Constituição verdadeira.11
A partir dessa relação, o estado de exceção em Schmitt toma forma com a teorização sobre o art. 48 da Constituição de Weimar que, em uma estranha disposição, dispunha sobre ditadura comissária, mas permitia implicitamente a ditadura soberana ao Presidente do Reich, já que ali estaria a previsão de manter a homogeneidade do Estado.12 A conceituação do estado de exceção tomará sua forma mais acabada em Teologia Política de 1922 com a lógica que o liga à soberania.13
O estado de exceção consiste em local de absoluta anomia jurídica que expõe uma violência fundadora do direito, violência pura ou divina, capaz de tecer o fio da história para oprimir, humanamente considerada como revolucionária.14
Nem é preciso lembrar como o art. 48 da Constituição de Weimar foi utilizado em 1933 para fundar o Führerprinzip a partir do incêndio do Reichstag e concentrar todo o poder nas mãos para perseguir os “inimigos”.15
Em nosso ordenamento constitucional as emergências constitucionais estão disciplinadas nos arts. 136 a 141 da Constituição Federal como uma ordem de gradação em decorrência do Estado de Defesa e de Sítio, conforme a instabilidade seja territorialmente determinada e advinda de grandes proporções da natureza, assim como a ineficácia do estado de defesa e a agressão estrangeira podem ensejar medidas mais drásticas. Efetivamente, o estado de emergência é autorizado/declarado pelo Congresso Nacional que, inclusive, designará comissão para o acompanhamento, o que ressalta o caráter democrático da emergência constitucional.16
Além do mais, há um rol taxativo de garantias que poderão sofrer impacto com a adoção das medidas necessárias ao debelamento da instabilidade social e política (arts. 136, §1º e 139 da CF/88). Obviamente, o impacto em tais garantias individuais não significa que haverá limitação tal que acabará por restringir o núcleo essencial desses direitos fundamentais que permanecem tendo vigência e eficácia, cabendo ao poder judiciário controlar a constitucionalidade, in concreto, das medidas adotadas.
Tão logo declarada, a pandemia em razão do COVID-19 foram necessárias ações céleres dos poderes públicos e, com isso, a discussão acerca da utilização dos mecanismos de emergência constitucional. Como encarar jurídica e democraticamente um desafio de tal monta na saúde pública?
Com efeito, a pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde em razão do coronavírus deve ser categorizada juridicamente de acordo com cada ordenamento jurídico. 17 À ausência de melhor definição jurídica em nosso ordenamento, a pandemia foi tratada juridicamente como uma situação de emergência. A Lei 12.340/2010 prevê as respostas para as situações de desastre e de emergência, reconhecendo que tais respostas decorrerão de estado de emergência ou calamidade provocada por desastres (art. 3º, §1º).
O Decreto 7.257/10 conceitua desastre como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocado pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais” (art. 2º, inc. II), além de diferenciar entre situação de emergência e estado de calamidade pública, conforme o comprometimento seja parcial ou substancial da capacidade de resposta do poder público (arts. 2º, incs. III e IV).
O Congresso Nacional e o Governo Federal optaram por combater a emergência pandêmica com a decretação do estado de calamidade pública feita por meio do Decreto Legislativo 6/2020. Com ela, o Poder Legislativo outorgou ampla margem econômico-financeira para que o Poder Executivo pudesse enfrentar o coronavírus e o impacto econômico-social dentro e além do sistema de saúde. Além da decretação do estado de calamidade pública, antes mesmo da pandemia e seguindo a orientação dos órgãos internacionais de saúde, o Congresso Nacional aprovou a Lei 13.979/2020 como ato normativo central para o enfrentamento da emergência sanitária. Dentre os diversos mecanismos para o enfrentamento, a lei prevê isolamento, quarentena, realização compulsória de exames, testes, vacinação e tratamentos específicos, estudo epidemiológico, restrição temporária de rodovias, portos e aeroportos para a saída e entrada de pessoas no país e a locomoção interna.
A edição da Lei 13.979/2020 como ato normativo central para o enfrentamento da pandemia foi promulgado de uma maneira casuística sem o necessário debate parlamentar-democrático. O Poder Executivo condicionou a aprovação da mencionada lei ao resgate de brasileiros na cidade de Wuhan, epicentro do coronavírus na China, sob a alegação de que não haveria amparo legislativo para a determinação da quarentena dos mesmos após a chegada ao território nacional.
Portanto, é necessário destacar a importância de uma democracia sanitária em que os processos de tomada de decisão em relação a medidas de saúde tenham a efetiva participação dos interessados e com supedâneo científico:
As tensões entre interesses legítimos, mas eventualmente diversos ou até antagônicos, põem em relevo a importância de uma “democracia sanitária” que compreenda a positivação de direitos de participação popular em processos decisórios relacionados à saúde; a organização do Estado para a prática de processos decisórios participativos; além da ampliação dos espaços e processos de argumentação, possibilitando que todas as partes interessadas consigam apresentar seus argumentos e influenciar no processo decisório. Daí decorre que, em Estados democráticos, medidas restritivas de direitos e liberdades fundamentais devam ser reguladas de forma detalhada, a fim de garantir que sejam devidamente motivadas, razoáveis e proporcionais, além de potencialmente eficientes; no campo da saúde, em particular, é imperativo que sejam baseadas em evidências científicas.18
Ao mesmo tempo, o Governo Federal insistia em negar/deslegitimar medidas de confinamento social, como falaremos mais à frente. De qualquer forma, mesmo com a negativa da necessidade do lockdown, o mesmo Governo Federal passou a legislar em substituição ao Congresso Nacional, editando várias Medidas Provisórias que tiveram como objeto uma série de medidas de exceção que lhe permitiram, por exemplo, fazer compras sem licitação (MP. n. 926/2020), impedir o acesso aos gastos via lei de transparência (MP. n. 928/2020) e, inclusive, a erosão de normas constitucionais protetivas dos direitos dos trabalhadores (MP. n. 92719 e MP. n. 936/2020).
Tais medidas provisórias têm sido contestadas no Supremo Tribunal Federal. A MP. n. 928/20, na parte que restringia o acesso à informação, foi suspensa pelo STF na decisão monocrática proferida na ADI. n. 6.351 pelo Ministro Alexandre de Moraes,20ainda pendente de confirmação pelo Plenário.
O STF, através do Ministro Roberto Barroso, mandou suspender a campanha “O Brasil não pode parar”, feita por órgão de imprensa da Presidência da República (ADPF. n. 669)21.
É importante percebemos que os estados de emergência são, não raras vezes, situações perfeitas para o oportunismo político de líderes autoritários com o objetivo de diminuir o exercício democrático e implantar seu projeto político pessoal.22
Para chancelar juridicamente o oportunismo político, o governo federal tenta se valer da jurisdição constitucional. Em primeiro lugar, ajuíza a ADPF. n. 663 com o intuito de que as Medidas Provisórias que estejam submetidas à deliberação e aprovação do Congresso Nacional não tenham o prazo de validade determinado na Constituição e possam ter validade indefinidamente até que o Congresso Nacional retome à normalidade. O Relator, Ministro Alexandre de Moraes, indeferiu pedido da Presidência da República (ADPF. n. 663) e do Partido Progressista (ADPF. n. 661) que se insurgiam contra normas da Câmara e do Senado para permitir a continuidade do processo legislativo por via remota durante a pandemia. No caso do Presidente, como dito, ainda se pedia cautelar para que as Medidas Provisórias feitas no período tivessem suspenso o prazo de validade (de até 60 dias – art. 63, §3º – CR/88); é dizer, pretendia-se manter sine die a validade de atuação legislativa excepcional do Poder Executivo, algo similar ao que o 1º Ministro da Hungria fez e é amplamente criticado pela comunidade internacional (como supracitado). As Casas do Congresso Nacional se defenderam nas Ações mostrando que criaram procedimentos para garantir, na medida do possível, o funcionamento normal do Parlamento, inclusive com um procedimento para a tramitação das Medidas Provisórias. O Relator, por sua vez, reconstrói o significado da Separação de Poderes e do exercício de funções típicas e atípicas dos mesmos, lembrando ainda que a inspiração das Medidas Provisórias vem do regime parlamentarista italiano no qual o Primeiro Ministro pode sofrer moção de censura caso os “decreti-legge in casi straordinari di necessità e d’urgenza” sejam rechaçados pelo Parlamento – já o Presidente, no nosso caso, não possui responsabilidade política pela não aprovação de tais atos, o que reforça ainda mais seu caráter provisório e dependente de aprovação do Congresso para que mantenha a validade, razão pela qual não faz sentido a pretensão presidencial23.
Igualmente, o governo federal ajuizou a ADI. n. 6.357 para que o STF conferisse interpretação conforme aos arts. 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal de tal modo a afastar a aplicação dos referidos artigos que exigem a adequação e a complementação orçamentária. O Ministro Alexandre de Moraes afastou a aplicação dos artigos, atingindo no âmago a própria possibilidade de controle legislativo do orçamento e restringindo direitos que nem mesmo seria constitucionalmente permitido acaso houvesse declaração de estado de sítio e de defesa.24
Ainda, o Conselho Federal da OAB se insurgiu – através da ADPF. n. 672 – contra ações/omissões do Governo Federal face à ameaça deste em invalidar/inviabilizar as medidas face a pandemia tomadas pelos Governos Estaduais e Municipais conforme será tratado abaixo.
Percebe-se que é necessário, mesmo em tempos de crises e emergências, o funcionamento de uma jurisdição constitucional que realize um forte escrutínio no controle de constitucionalidade do design institucional dos poderes e proteja de forma efetiva os direitos fundamentais e sociais como forma de proteção da própria liberdade política.25 É necessário que a jurisdição constitucional se atente contra eventual abuso sobre a situação de emergência constitucional para a produção de normas autoritárias como um grave perigo para qualquer democracia,26vis-à-vis a lição de Weimar ou o que hoje ocorre na Hungria.
Infelizmente nem todas as decisões tomadas pelo STF na crise da pandemia respeitaram a Constituição. No caso da MP. n. 936/2020, que permite que empresas possam fazer negociações individuais de redução de salários/jornadas de trabalho – portanto, sem passar pela negociação coletiva junto aos sindicatos –, o STF, ao deliberar sobre a liminar “ad referendum” do Relator na ADI. n. 6363 – viola flagrantemente a Constituição ao julgar válida tal medida (podem ser citados os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, 8º, III e VI, 1º, III e IV da CR/88). Vale anotar que a liminar monocrática dada pelo Ministro Ricardo Lewandowski já tinha sérios problemas: o Relator começa seu voto reconhecendo que há “ainda num exame perfunctório da inicial”, razão ao autor da ação quanto à inconstitucionalidade das previsões da Medida Provisória que permitem a negociação individual, uma vez que os (citados) dispositivos constitucionais mostram que:
Os constituintes, ao elaborá-los, pretenderam proteger os trabalhadores – levando em conta a presunção jurídica de sua hipossuficiência – contra alterações substantivas dos respectivos contratos laborais, sem a assistência dos sindicatos que os representam. (...) [O] afastamento dos sindicatos de negociações, entre empregadores e empregados, com o potencial de causar sensíveis prejuízos a estes últimos, contraria a própria lógica subjacente ao Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral.27
Para corroborar a “suspeita de inconstitucionalidade”, o Min. cita textos da ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) contra a MP, além de documentos da OIT sobre a necessidade do “diálogo tripartite envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global”.28 Assim, a previsão da norma provisória de que os sindicatos serão apenas “comunicados” dos acordos viola a Constituição, continua o Ministro.
No entanto, visando preservar a Constituição e a Medida Provisória, o Relator “cria” – afirmando que não está fazendo uma decisão manipulativa-aditiva e sim uma “interpretação conforme a Constituição”29 – um procedimento diferente do que consta na norma, de sorte que o acordo pode ser, de fato, feito entre empresa e empregado mas que o sindicato deve ser avisado do mesmo no prazo previsto no art. 617 da CLT, podendo este, então, se manifestar contra ou, em seu silêncio, fica valendo o acordado. Quando a questão foi decidida pelo Plenário o Relator foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. No entanto, foi aberta divergência pelo Ministro Alexandre de Moraes e acompanhada pelos demais (ausente o Ministro. Celso de Mello). Segundo o Ministro não está previsto na MP que a validade do acordo fique sob a “condição resolutiva” de participação dos sindicatos, mas somente sua comunicação, inclusive porque, uma vez feito o acordo, o Poder Público irá complementar (parte) da perda salarial, o que poderia gerar a situação do trabalhador receber o valor e depois o acordo não ser referendado pelo sindicato.
A maioria, aparentemente, entende que a Constituição pode ceder em de face situações excepcionais. Em determinado ponto o Ministro Alexandre de Moraes diz que “[às] vezes é importante ceder para sobreviver”. Já o Ministro Barroso, que acompanhou a maioria, se vale da retórica de que, como a MP teria sido feita com a contribuição de profissionais (experts) de várias áreas do conhecimento, o STF deve ter “uma posição de deferência para com as decisões que foram tomadas por pessoas que têm expertise nos assuntos” Daí a constitucionalidade da norma passa a depender de uma questão pragmática sobre a (suposta) incapacidade dos sindicatos de darem conta do volume de negociações coletivas que seriam necessárias. Também votando com a maioria, o Ministro Fux disse que os acordos individuais têm a vantagem de “otimizar os relacionamentos” entre empresas e empregados. Com questões pragmáticas similares os demais Ministros que formaram a maioria.30
O que se percebe aqui, como em outras oportunidades, é que o STF (ou sua maioria) não compreende o papel da jurisdição constitucional, como dissemos, como lócus em que direitos fundamentais devem ser colocados, justamente, como trunfos (como uma questão de princípio) contra argumentos metajurídicos (econômicos, de expertises, pragmáticos, etc.), tais como “crise na economia” ou mesmo a própria situação excepcional da pandemia31.
2. Federalismo, pandemia e direitos fundamentais
A partir do quadro normativo geral de enfrentamento à pandemia, Estados e Municípios editaram atos normativos próprios para o enfrentamento da pandemia visando à execução dessas medidas de enfrentamento ao COVID-19, seguindo a orientação da Organização Mundial da Saúde e suas respectivas Secretarias de Saúde e Comitês específicos para o combate ao coronavírus. Para citar alguns exemplos, o Decreto 64.88, de 22 de março de 2020, do Estado de São Paulo instituiu a quarentena e a restrição de atividades que não fossem enquadradas como essenciais em todo o território; o Decreto 10.282 do Estado de Minas Gerais, de 20 de março de 2020, define as atividades essenciais; o Decreto 35.677, de 21 de março de 2020, do Estado do Maranhão; etc.
O Governo Federal, com sua incapacidade de enfrentar de forma adequada as demandas econômicas e sociais em decorrência da única e efetiva medida terapêutica, até então, eficaz contra o coronavírus, o isolamento social, passou a contrariar as recomendações regionais e locais dos entes federativos, instaurando um conflito federativo em meio à crise pandêmica.
Dessa forma, alguns encararam que as medidas dos Estados e Municípios estariam restringindo direitos fundamentais, algo que deveria ser reservado à União ou ao governo central e, mesmo assim, desde que houvesse uma declaração formal de estado de sítio ou estado de defesa. O conflito federativo, portanto, não se esgota na compreensão estática das normas constitucionais sobre estado de emergência, vai além determinando uma compreensão adequada do federalismo e federação.
Para enfrentar os dilemas decorrentes da pandemia do COVID-19 é preciso partir da premissa de que o federalismo não se esgota na técnica da repartição de competências. Ou, como alguns denotam, federalismo é diferente de federação. Enquanto na primeira hipótese se trata de uma categoria normativa que têm referência a uma ideia de um governo múltiplo congregando elementos de governo comum e regional, a federação é uma categoria descritiva que se apresenta como uma espécie do gênero sistema político federal em que há governos com dois ou mais sistemas políticos.32 Além disso, o federalismo significa muito mais do que uma categoria normativa, sendo um conceito de valor que expressa uma heterogeneidade, reciprocidade e mútua confiança.33 Uma teoria constitucionalmente adequada do federalismo é bem expressa nos dizeres de José Alfredo de Oliveira Baracho:
constitui uma receita para assegurar a diversidade na unidade, tendo em vista a variedade das necessidades locais, sendo que não se abandona certo controle do poder central; contribui para descongestionar a administração central; possibilita à administração melhor conhecimento dos problemas administrativos de ordem local; a descentralização territorial é sobretudo fruto de fator político, [...] relacionando a organização constitucional com a administrativa.34
Em caso de conflitos entre os diversos governos dentro de um Estado que adota o modelo federativo, estes devem ser resolvidos à luz de uma teoria constitucionalmente adequada do federalismo que leva em conta uma hermenêutica constitucional desses valores do federalismo com a organização federativa à luz das repartições das competências. Dentro desta arquitetura de construção jurídico-política complexa, a estruturação do Estado Federal assegura a coexistência de diversas ordens jurídicas caracterizando-se como uma pluralidade de centros decisórios cuja engenharia constitucional deve prover segurança suficiente para religar-se a um único ordenamento jurídico.35
Influenciado por essa concepção normativa de federação de Kelsen, Raul Machado Horta adverte que:
Assegurar a coexistência entre esses múltiplos ordenamentos, o da Federação, que é central, e o dos Estados-membros, que são parciais, é a função da Constituição Federal, ao mesmo tempo, como [...] a Constituição da Federação ou União e a Constituição dos Estados-membros.36
Por isso, a repartição de competências não esgota a questão de como vai se comportar o federalismo nas situações concretas. A própria Constituição Federal possibilita outras decisões que marcará o trajeto do federalismo brasileiro em sua atuação concreta.37 A Constituição de 1988 foi influenciada de maneira decisiva pela repartição de competências adotada na Lei Fundamental de Bonn de 1949, superando o modelo de repartição de competências dos poderes enumerados e reservados do federalismo clássico, para a adoção de uma federação cooperativa.38
A disciplina da organização das competências na Constituição Federal de 1988 obedeceu a um propósito de descentralização das competências legislativas outorgadas à União por meio da competência concorrente (art. 24 da CF/88) na qual incumbiria à União o estabelecimento de normas gerais (§1º do art. 24) com a competência suplementar ou exclusiva (§§2º e 3º do art. 24) dos Estados, além do alargamento da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios face à formulação de um cooperativismo federalista como forma de alcançar o federalismo de equilíbrio.
De qualquer sorte, a concretização na práxis constitucional do federalismo tem uma estreita relação com o regime político e com os direitos e garantias individuais. A técnica de repartição das competências, inclusive com a criação constitucional de um ente político não previsto originariamente na federação clássica, visa a possibilitar que os entes mais próximos do cidadão possam atuar de forma a evitar a lesão aos direitos fundamentais ou garantir a integridade de direitos ligados ao desenvolvimento social.
A relação entre as diversas formas de federação tem uma relação entre o regime político e democrático. Assim, por exemplo, a federação de tipo descentralizada e centralizada ou simétrica e assimétrica sustenta-se na dinâmica jurídico-política do desdobramento prático das normas constitucionais.
Quanto aos direitos fundamentais, uma federação será mais ou menos simétrica ou assimétrica se a proteção dos direitos é conferida a órgãos mais próximos dos indivíduos. Assim, a própria possibilidade de uma política de desenvolvimento a ser executada pelas regiões, a teor dos arts. 43 e 25, §3º da CF/88, constituída por ato da União ou do Estado-membro, assim como o planejamento urbano municipal, nos termos do art. 182 da CF/88, indicam peculiaridades regionais e locais que informam a necessidade do federalismo brasileiro se adequar às reivindicações de grupos sociais que reclamam uma atenção voltada para o atendimento de seus direitos sociais.39 Neste sentido, a Constituição Federal aponta para uma concretização de federalismo assimétrico.
De outro lado, a centralização ou não dependerá do próprio caráter do regime político. Um poder político autocrático tende a tomar decisões e exercer o poder de tal modo a instituir um federalismo centralizador, transformando a federação em mera fachada.40 De outro modo, um regime político democrático tenderá a dividir os poderes com os entes territoriais de tal modo a fornecer uma coordenação política.
Assim, as disputas federativas no caso das medidas contra o coronavírus devem estar de acordo com o quadro geral traçado pela Constituição Federal em torno de um federalismo cooperativo e de equilíbrio, possibilitando a concretização através de decisões que respondam e tentem debelar, democraticamente, a emergência suscitada pelo COVID-19. A Lei 13.979/2020 estabeleceu as normas gerais a respeito do combate ao COVID-19 e, assim, esgotou a competência legislativa da União (art. 24, inc. VII da CF/88), ao traçar as normas gerais de enfrentamento da pandemia. Lado outro, caberá aos Estados-membros e aos Municípios (art. 30, II) legislarem supletivamente em relação aos interesses regionais/locais. Embora possam ampliar o quadro de ações possíveis, o Estado-membro/Município não poderá restringir legislativamente as medidas de combate ao coronavírus.
De outro lado, a questão acerca da proteção dos direitos fundamentais no caso do COVID-19 restará, pela importância constitucional atribuída às questões sanitárias, na competência comum de todos os entes federados. A execução da política de assistência à saúde, individual ou comunitária, depende da atuação cooperada e comum da União, Estados-membros, Distrito Federal e Município (art. 23, inc. II da CF/88). Certamente, a proteção ao direito à saúde demandará dos entes medidas administrativas e normativas para atender aos interesses respectivos, nacionais, regionais e locais. O enfrentamento da pandemia, portanto, envolve todos os entes de acordo com as competências acima traçadas.41
Não obstante, uma vez mais se aproveitando do momento, o governo federal, face a sua incapacidade para lidar com as questões econômicas e sociais, pretendeu restringir as competências dos Estados-membros e Municípios no combate ao coronavírus. Houve diversos discursos oficiais em que o Presidente da República realizou críticas públicas às determinações regionais e locais da quarentena e o distanciamento social.
Assim, diante do perigo da centralização federativa, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou uma ADPF de caráter preventivo.
Foi exatamente por este retrato constitucional que o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática liminar na ADPF. n. 672 do Ministro Alexandre de Moraes, garantiu a validade das medidas restritivas levadas a efeito pelos entes regionais e locais nos moldes do enfrentamento da pandemia, tais como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas.42
Na fundamentação de sua decisão, o Ministro bem elucida o caráter de preceito fundamental das cláusulas da separação de poderes e do federalismo como aptos a limitar o exercício do poder discricionário:
A fiel observância à Separação de Poderes e ao Federalismo – cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal e limitadoras de eventual exercício arbitrário de poder – é essencial na interpretação da Lei 13.979/20 (Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019), do Decreto Legislativo 6/20 (Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020) e dos Decretos presidenciais 10.282 e 10.292, ambos de 2020 (Regulamentam a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais), sob pena de ameaça a diversos preceitos fundamentais do nosso texto constitucional.
Nesse contexto, é juridicamente possível a utilização do presente mecanismo de Jurisdição Constitucional, pois, caberá, preventivamente, arguição de descumprimento de preceito fundamental perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL com o objetivo de se evitar condutas do poder público que estejam ou possam colocar em risco os preceitos fundamentais da República, entre eles, a proteção à saúde e o respeito ao federalismo e suas regras de distribuição de competências, consagrados como cláusula pétrea da Constituição Federal.43
Atendendo, portanto, à técnica de separação de poderes e admitindo o controle de constitucionalidade de ações e omissões do Presidente da República, o Ministro “[...] em respeito ao Federalismo e suas regras constitucionais de distribuição de competência consagradas constitucionalmente” defere o pedido de liminar “para que seja determinado o respeito às determinações dos governadores e prefeitos quanto ao funcionamento das atividades econômicas e as regras de aglomeração” que se mantêm válidas, inclusive se sobrevier ato federal em sentido contrário.
3. Covid-19 e a saúde em uma perspectiva interseccional: o desafio da ampliação conceitual do direito à saúde para o enfrentamento do coronavírus
O Poder Executivo Federal, escondido sob as vestes da incompetência para a formulação de uma política pública de saúde, lançou um dilema que, como veremos, é falso e enganoso entre uma suposta escolha entre a garantia dos empregos e da economia ou da saúde no sentido de abandono da única política atualmente eficaz contra o covid-19 que é isolamento social. Em primeiro lugar, a falsidade já ocorre na própria premissa. Como os dados econômicos já indicavam o que país já enfrentava, no começo do ano, uma alta taxa de desemprego e de indivíduos fora do mercado de trabalho que contava com mais da metade da população em situação de desemprego ou informalidade.44 Além do mais, no ano de 2019, a economia já se encontrava em um franco processo de desaceleração sem nenhum crescimento.45
A falsidade não é só da premissa, mas também na conclusão do suposto dilema e na própria visão constitucional dos direitos fundamentais. Como esse vírus demonstrou de maneira insofismável, a saúde do ser humano depende de sua própria visão sobre o mundo.46 Não se trata apenas de evitar a propagação de doenças ou de receber tratamento terapêutico adequado. O direito à saúde depende da relação do homem com a natureza e com o próximo, o outro, o diferente em uma relação interdependente e intercomplementar com os demais direitos fundamentais. Não basta apenas evitar disfuncionalidades ou restaurar o funcionamento biológico do próprio corpo.
Uma saúde “moderna”, com a visão egoísta e restrita ao próprio corpo do sistema moderno/colonial/patriarcal/heterossexual, não é capaz de enfrentar os dilemas provocados pela pandemia. Mais do que nunca, o direito à saúde depende de uma ampliação da própria visão epistêmica do direito, da sociedade e do Estado para enxergar os problemas da desigualdade política, social e jurídica e enfrentar o recorte interseccional.47
A dogmática jurídico-constitucional sempre enxergou o direito à saúde como uma prestação dada pelo Estado ao indivíduo. Estruturado a partir de uma dimensão subjetiva e colocado sob a égide de um direito social, apenas outorgariam um conteúdo mínimo a ser desenvolvido pela legislação, além de um núcleo essencial que não poderia ser vulnerado.48 Essa definição jurídica serviu a um propósito técnico-pragmático de conferir justiciabilidade aos direitos sociais e poderem ter ainda que um conteúdo mínimo exigível do poder público.49
Contudo, se houve uma conquista no plano prático-jurídico, a dimensão epistêmica ficou empobrecida, já que o conteúdo não abarcaria a ideologia-cultural que emanaria de uma postura técnica.50 Ademais, o âmbito conceitual restringe a possibilidade de que o Estado possa fornecer não só prestações individuais, mas políticas públicas que exijam disposições multifacetárias como forma de emancipação daqueles que não comungam do mesmo dispositivo de poder.
Vale trazer o que a OMS estabeleceu/reafirmou em 2011 quanto às determinantes sociais de saúde:
[A] maior parte da carga de doenças (...) acontece por conta das condições em que as pessoas nascem, vivem, crescem, trabalham e envelhecem. esse conjunto de condições é chamado “determinantes sociais da saúde”, um termo que resume os determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais da saúde. Os determinantes mais importantes são aqueles que estratificam a sociedade – os determinantes estruturais –, tal como a distribuição de renda, a discriminação (por exemplo, baseada em gênero, classe, etnia, deficiência ou orientação sexual) e a existência de estruturas políticas ou de governança que reforcem ao invés de reduzir as iniquidades relativas ao poderio econômico. Esses mecanismos estruturais que influenciam a posição social ocupada pelos indivíduos são a causa mais profunda das iniquidades em saúde. As discrepâncias atribuíveis a esses mecanismos moldam a saúde dos indivíduos através de determinantes intermediários, como as condições de moradia e psicossociais, fatores comportamentais e biológicos, além do próprio sistema de saúde51.
O direito à saúde é, pois, uma questão de raça, classe, gênero e sexo. Embora se possa pensar que o vírus em si mesmo não escolhe os hospedeiros com base na classe, raça, sexo e gênero, a atuação “moderna”52 e neoliberal do Estado, da sociedade e do direito escolhe aqueles que sofrerão as piores consequências da ausência de políticas públicas amplas para a proteção da saúde. No Brasil, sociedade fundada e estabelecida no racismo que perpetua uma discriminação institucional53, não é de espantar que o COVID-19 tenha os efeitos de letalidade e de gravidade em decorrência do coronavírus maiores entre os negros, conforme informa recente dado divulgado pelo Ministério da Saúde.54 Embora minoritários na infecção pelo vírus, os negros são maioria entre os mortos e hospitalizados. Algo similar ocorre hoje também nos EUA quanto a negros e latinos55, demonstrando um aspecto assustador: se em princípio as condições biológicas não são atravessadas pela dimensão ideológica, os efeitos das relações biológicas são também uma faceta de imposição de uma lógica dominante e, portanto, atravessadas por uma dimensão ideológica-cultural.
Na verdade, a atuação no combate à pandemia segue a mesma lógica “moderna” da necropolítica decorrente do sistema moderno/capitalista/ patriarcal/colonial/sexual/gênero. O falso dilema56, portanto, esconde na verdade as intenções ideológicas por trás daqueles defensores do abandono do isolamento social em defesa da economia como conservadores que atuam em defesa da desigualdade política, social e a reafirmação de uma necropolítica do neoliberalismo ou aqueles que defendem o direito universal à existência para além dos processos biológicos.57 Com Mbembe vemos que a “arte” da política tem sido, desde sempre, a de escolher entre quem vive e quem é deixado à própria sorte (ou, efetivamente, é morto) pelo Estado. No caso do coronavírus não é diferente: como já dito, ele não atinge a todos de forma isonômica – ao contrário do que pretenderam romanticamente alguns, ele não nos equalizou. Os discursos de políticos e empresários sobre quem é descartável, sobre que “assim é a vida” ou que “alguns milhares devem morrer para que se salve a economia” são justamente, a confirmação da desigualdade reafirmada na pandemia. Como respondeu o autor em entrevista:
P - Outro debate que evoca a necropolítica é a questão sobre qual deveria ser a prioridade política neste momento, salvar a economia ou salvar a população. O governo brasileiro tem acenado pela priorização do resgate da economia.
AM - Essa é a lógica do sacrifício que sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos chamar de necroliberalismo. Esse sistema sempre operou com um aparato de cálculo. A ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado. A questão é o que fazer com aqueles que decidimos não ter valor. Essa pergunta, é claro, sempre afeta as mesmas raças, as mesmas classes sociais e os mesmos gêneros58.
A resposta que o Direito precisa dar é a da proteção da vida e da saúde de todos, independentemente de cor, raça, sexualidade, renda, etc. Nem a lógica da economia nem a da política podem colonizar o sistema do direito, sob pena de perda de sua autonomia – no sentido dado por Luhmann59. Assim é que a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República (art. 1º, III – CR/88) não permite que pessoas sejam usadas como meio, ainda que para se obter fins maiores. Pessoas são fins em si mesmas e o Estado de Direito deve possuir mecanismos para que os direitos à vida e à saúde sejam usados como trunfos contra questões de política.
Disputas políticas por poder/vaidade de “quem tem a caneta” em mãos não podem dispor sobre a vida/saúde de todos. A ciência, tão desprezada no Brasil desde sempre, mas mais ainda nos últimos tempos, tem mostrado que o isolamento é, por hora, a única forma de minimizar o contágio e evitar o colapso do sistema público de saúde – aliás, por falar em SUS, além das várias lições que precisamos (re) aprender com a atual pandemia, outra é a da importância da um sistema público de saúde de qualidade como conditio sine qua non para qualquer país soberano. De outro lado, se algo de bom é possível ver da atual situação, é a afirmação de independência e centralidade do Congresso Nacional de um lado, e dos governos regionais e locais, de outro, que nos levam a pensar se, finalmente, poderemos ver superado o superpresidencialismo e uma federação centrífuga e assimétrica.
Ou levamos a sério o direito à saúde, ampliando e alargando seu conceito para abranger a dimensão ideológica, ou veremos o vírus exterminar os pobres, negros, índios, população em situação de rua, LGBTQ+ perpetuação uma dominação cultural branca, europeia, heterossexual, católica e dos mais abastados.
Conclusões
Embora atinja diretamente o mundo jurídico e político, a pandemia não é um momento em que possamos descartar conquistas civilizatórias mínimas. O enfrentamento democrático da pandemia exige da sociedade como um todo, em especial dos poderes públicos, um reforço adicional na proteção que a Constituição confere a certos direitos, a adstrição a certos limites institucionais impostos como garantia de liberdades políticas, assim como possibilita pensar de modo enfático como a tradição jurídica hegemônica ideologicamente domina e mantém a desigualdade em relação ao próximo, o outro, o diferente.
A jurisdição constitucional em tempos de emergência constitucional deve realizar um escrutínio forte em relação aos atos dos poderes públicos, evitando a normalização de perdas efetivas na proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, sociais, econômico e culturais conquistado à duras penas ao longo do tempo. Se, pois, vidas são perdidas em prol dessas conquistas civilizatórias, então é exatamente em tais momentos, que nos colocam à prova como levamos a sério a Constituição, que devemos homenagear todos aqueles que lutaram anos a fio contra uma ditadura, que foram violentados, sacrificados em prol de um futuro melhor.
Ademais, como sabemos, a pandemia irá passar, mas o que restará de nós? Restará o aprendizado, restará à solidariedade, restará o respeito à diferença, ao outro como ser que nos constitui, se afinal quisermos sair fortalecidos.
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