Resumo: O artigo analisa a proteção legal dos povos indígenas no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, assim como o nível de observância desses parâmetros dentre os países da América do Sul. Ele analisa o reconhecimento judicial, constitucional e legal dos países que ratificaram a Convenção Americana, a Convenção n.169 da OIT e aceitaram a jurisdição da Corte. Objetiva-se detalhar o diálogo entre o sistema legal desses países e o SIDH, aplicando a teoria da cadeia de eficácia.
Palavras-chave: Povos IndígenasPovos Indígenas,ObservânciaObservância,Cadeia de EficáciaCadeia de Eficácia.
Abstract: The article details the indigenous legal protection within the Inter-American System of Human Rights, as well as the observance level within the South American countries. It analyses the judicial, constitutional and legal reality of the countries the that ratified the American Convention, the International Labour Organisation Convention n. 169 and accepted the Court’s jurisdiction. It aims to analyse the dialogue between those countries’ domestic law and the System, applying the efficacy chain theory.
Keywords: Indigenous People, Observance, Enforcement Chaim.
Resumen: El artículo analiza la protección jurídica de los pueblos indígenas dentro del Sistema Interamericano de Derechos Humanos, así como el nivel de observancia de estos parámetros entre los países sudamericanos. Analiza el reconocimiento judicial, constitucional y legal de los países que han ratificado la Convención Americana, el Convenio 169 de la OIT, y han aceptado la jurisdicción de la Corte. Su objetivo es detallar el diálogo entre el sistema jurídico de estos países y el SIDH, aplicando la teoría de la cadena de eficacia.
Palabras clave: Pueblos indígenas, Cumplimiento, Cadena de eficacia.
Dossiê
Direitos Indígena na América do Sul: Observância dos Parâmetros Interamericanos
Indigenous Rights in South America: Observance of the Interamerican Parameters
Derechos indígenas en américa del sur: cumplimiento de los estándares interamericanos
Recepção: 31 Janeiro 2022
Aprovação: 02 Fevereiro 2022
O presente artigo almeja analisar a observância, entre países da América do Sul, aos parâmetros jurisprudenciais desenvolvidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de direitos territoriais indígenas, consolidados no caso Xucuru v. Brasil.
A Corte vem construindo uma jurisprudência progressiva e transformadora de situações de marginalização e exclusão vivenciada por povos indígenas. O reconhecimento jurídico de direitos indígenas, contudo, não é novidade na América do Sul, já que a maior parte dos países reconhece o direito dos povos indígenas ao território, seja na Constituição ou por tratados internacionais. Ainda que não representem inovações jurídicas ao sistema doméstico, as decisões do sistema regional de direitos humanos cumprem o papel de reforçar demandas de movimentos sociais e órgãos de proteção indígena. Esse reforço jurídico torna-se importante já que se observa um contexto de acelerada pressão sobre recursos naturais e terras, provocando um crescimento exponencial nas violações ao direito à propriedade coletiva indígena e escalada na violência contra os povos indígenas (GLOBAL WITNESS, 2018; TAULI-CORPUZ, 2018).
O artigo adota a teoria da cadeia de eficácia desenvolvida por Calábria (2018). A eficácia de cortes internacionais seria dividida em cinco níveis: observância, aplicação, fortalecimento, implementação e adequação. Adota-se a primeira camada de eficácia, a observância. Trata-se de aderência espontânea por um país aos parâmetros da Corte regional, antecedendo uma decisão final ou caso contencioso que envolva o país (CALABRIA, 2018).
Para atingir o objetivo, o desenvolvimento de direitos territoriais na Corte Interamericana é apresentado (tópico 2), seguido pela apresentação do contexto internacional de reconhecimento dos direitos (tópico 3) e análise dos direitos constitucionais reconhecidos na América do Sul e status da ratificação da Convenção da OIT 169 (tópico 4). Ainda que constitucionalmente garantidos, os direitos territoriais são paulatinamente violados (tópico 5). O artigo conclui afirmando que a jurisprudência da Corte Interamericana consolida o reconhecimento doméstico de direitos territoriais indígenas e o analisa em relação ao seu reconhecimento presente, ou não nas cortes constitucionais na América Latina, fortalecendo atores sociais e governamentais que atuam na disputa pela efetividade do direito à propriedade coletiva (tópico 6).
A Corte Interamericana consolidou a mais progressista jurisprudência internacional vinculante em matéria de direitos territoriais indígenas, representando um modelo para tribunais e tratados ao redor do mundo, elogiada por diversos pesquisadores na área de direitos humanos ( ANTKOWIAK; 2014; PASQUALUCCI, 2009; BURGORGUE-LARSEN, 20013; GILBERT, 2014).
Desde sua criação até o início de abril de 2020 a Corte decidiu catorze casos contenciosos envolvendo direitos territoriais indígenas, tendo sido reconhecido o direito à propriedade coletiva sobre territórios ancestrais 1. Como a Convenção Americana somente reconhece o direito à propriedade em uma perspectiva individual e não menciona nenhum direito indígena, a Corte utilizou métodos interpretativos extensivos para assegurar a proteção de direitos territoriais, como o princípio pro homine, o uso do direito consuetudinário indígena e a interpretação sistemática baseada no corpus iuris de direitos indígenas.
Assim, através da interpretação extensiva do artigo 21, a Corte reconheceu a proteção do vínculo indissolúvel entre comunidades indígenas e seus territórios ancestrais, reconhecendo o dever estatal de delimitar, demarcar, titular e sanear territórios tradicionais e ainda abster-se de qualquer ato prejudicial ao gozo da propriedade. O direito à propriedade coletiva inclui o direito aos recursos naturais indispensáveis à sobrevivência física e cultural dos povos indígenas. Para a exploração de minérios, a Corte estabeleceu três salvaguardas procedimentais: o direito à consulta livre, prévia e informada, compartilhamento de benefícios obtidos e elaboração de estudo prévio de impacto socioambiental. O objetivo é garantir a continuidade cultural e física dos povos.
A proteção do território é reforçada, ademais, pelo reconhecimento de outros direitos paralelos. Os povos indígenas devem ter acesso a recursos procedimentais para proteger sua propriedade, de acordo com os artigos 8 e 25 da Convenção, incluso o direito à personalidade jurídica coletiva (artigo 3 da Convenção). A Corte ainda reconheceu os direitos implícitos à identidade cultural e autodeterminação e reconheceu o direito à uma vida digna e o dever estatal de garanti-la. Nos casos Yakye Axa, Sawhoyamaxa e Xákmok Kásek, as comunidades estavam deslocadas de seus territórios e vivenciando condições de miserabilidade.
Observa-se que há uma evolução no reconhecimento de direitos territoriais pela Corte. Primeiramente, a Corte reconheceu o direito à propriedade coletiva e aos procedimentos necessários para acesso ao direito ( Awas Tingni, 2001). Em seguida, reconheceu-se que, em casos em que as comunidades indígenas estejam forçadamente fora de sua propriedade, o Estado tem a obrigação de garantir uma vida digna, assegurando direitos sociais básicos como saúde, educação e moradia ( Yakye Axa, 2005). O próximo passo foi reconhecer que o direito à propriedade abrange os recursos naturais indispensáveis à sobrevivência dos povos indígenas, estabelecendo-se salvaguardas para exploração econômica pelo Estado ou terceiros ( Saramaka, 2007). Finalmente, reconheceu-se o dever estatal de saneamento da propriedade em Garífuna Triunfo de la Cruz (2015). Os direitos implícitos à autodeterminação e à identidade cultural 2 foram reconhecidos respectivamente em Saramaka (2007) e Kichwa de Sarayaku (2012).
O caso Xucuru v. Brasil (2018) consolida o direito à propriedade coletiva. No mesmo sentido, Kaliña y Lokono v. Suriname (2018) consolida os parâmetros para exploração de recursos naturais em terras indígenas.
Finalmente, na mais recente decisão, Lhaka Honhat v. Argentina (2020), o tribunal entendeu que o artigo 26 da Convenção Americana foi violado, em relação aos direitos a um ambiente saudável, à alimentação adequada, à água e à identidade cultural. É a primeira vez que o Tribunal analisa esses direitos autonomamente com base no artigo 26 da Convenção Americana 3.
Na ordem internacional, o reconhecimento de direitos territoriais e a imposição de deveres estatais de proteção e não intervenção na propriedade coletiva indígena pela Corte representou um avanço na luta indígena pelo reconhecimento de seus direitos.
No Direito Internacional, o padrão de Estado-Nação desenvolvido não atribuía aos povos indígenas a condição de sujeitos de direitos, subjugando sua cultura como um “atraso” frente o Estado, por não condizerem com a proposta de civilização e progresso (ZIMMERMANN; DAL RI JR, 2016).
Esse contexto, exemplificado pelo caráter privatista das primeiras codificações civis da América Latina, alterou-se apenas recentemente. Essa mudança veio com a redemocratização dos países da América Latina e o desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, com a Corte Interamericana, gerando mudanças no Direito Interno e no Internacional.
A primeira mudança é no Direito Internacional, que apenas estudava a relação estabelecida entre os Estados, nas ideias de civilização e progresso (ZIMMERMANN; DAL RI JR, 2016). Essa situação transformou-se quando instituições começaram a regular as relações estatais em prol de salvaguardar direitos dos cidadãos. Assim, criou-se o Direito Humanitário, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Organização Internacional do Trabalho, abrangendo direitos humanos maiores.
Nesse sentido, surgiram declarações e tratados específicos, haja vista a movimentação pela descolonização dos territórios e a autoafirmação desses povos. A situação indígena, contudo, foi tardiamente observada dentro dessa dinâmica, tendo em vista dois elementos: a elaboração da Convenção 107 da OIT, de 1957, e a tutela dos povos originários pelas instituições estatais.
A Convenção 107 da OIT condicionava os povos indígenas a um direito à igualdade formal em relação aos outros cidadãos, desconsiderando suas condições de existência diferenciadas, pois conferia ao Estado a tutela de seus direitos, com o objetivo da integração desses povos à sociedade para que alcançassem a igualdade.
A Convenção 107, apesar de ressaltar o dever de proteção para as comunidades indígenas, não continha proteções definitivas à autonomia destes e seus territórios, pois os atrelava à economia nacional e, por conseguinte, a nação única (ZIMMERMANN; DAL RI JR, 2016), propiciando violações aos direitos dos povos indígenas. Isto se revela com os relatórios sobre a repressão na América Latina, como a Comissão Nacional da Verdade Brasileira. 4
As mudanças na compreensão dos direitos indígenas geraram a Convenção 169 da OIT, que revisou o conteúdo desta convenção de 1957 5. Essa nova convenção foi elaborada em 1989 e ratificada pelos diversos países ao longo dos anos 90 e 2000 e traz diferenças em relação à primeira. Essa última Convenção é muito importante na garantia de direitos indígenas, pois aboliu a ideia de integração porque a convenção atual passou a dar participação e poder à ideia de uma comunidade enquanto sujeito coletivo e autônomo. 6
Nesse sentido, atribuiu-se importância ao desempenho de atividades econômicas, trabalhistas e de educação aos povos indígenas com, minimamente, uma igualdade em relação aos outros segmentos sociais. 7 Além disso, deu-lhes o direito à consulta em processos que tenham algum impacto no universo tradicional indígena, respeitando a forma de expressão dos povos originários, determinando formas de definir as instituições que os representaria, posteriormente delimitados por organismos internacionais ( CALDERA, 2013).
Assim, em vez de uma homogeneização, embasa-se na ideia de diversidade. 8 Apesar disso, há críticas porque nos estudos acerca da consulta prévia, questionou-se se a participação e a emissão de uma mera opinião ou de efetivo consentimento às propostas, condicionando a realização das ações de extração dos recursos das terras indígenas. Nesse sentido, a OIT, em 2003, não reconheceu o dever do Estado de considerar o consentimento dos povos indígenas para realizar as ações que, por consequência, atinja-lhes.
Os direitos indígenas aprofundam-se com a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas. A questão indígena já era uma preocupação na ONU desde 1971, quando o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) nomeou um Relator especial para Assuntos Indígenas. Um rascunho de uma declaração começou a ser elaborado durante os anos oitenta pelo Grupo de Trabalho de Populações Indígenas, órgão da Comissão da ONU em Direitos Humanos, mas somente foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2007 ( TOMASELLI, 2016).
Essa declaração confere fundamentações consistentes para o reconhecimento das identidades indígenas pela soft law. Nesse sentido, a soft law tem suas vantagens, com um alto número de países signatários, a maior possibilidade de participação de atores não estatais em sua elaboração e a entrada em efeito imediata após sua assinatura, independentemente de ratificação ( BARELLI, 2009).
Por isso, a declaração é considerada o instrumento mais amplo e progressista em termos de reconhecimentos dos direitos dos povos indígenas ( TOMASELLI, 2016; BARELLI, 2009). A Declaração reconhece o direito à autodeterminação e ao autogoverno (arts. 3 e 4) dos povos indígenas, assim como direito à demarcação e proteção de terras ancestrais (arts. 25 a 20), direito ao consentimento livre, prévio e informado (arts. 28 e 29), além de múltiplos direitos sociais e culturais, como educação, com a proteção das crianças indígenas e o ensino de suas tradições também para outros segmentos sociais; saúde; patrimônio cultural; o direito ao consentimento livre prévio e informado, avançando no direito à consulta.
Apesar disso, nota-se uma dificuldade na observância desses dispositivos. É importante observar as violações constantes aos povos originários, apesar das transformações do constitucionalismo latino-americano.
O florescer de direitos indígenas constitucionais no cone sul veio com o período de redemocratização e pode ser distinguido em dois momentos distintos. Em um primeiro momento, nas constituições promulgadas entre o fim dos anos oitenta e início dos noventa, as constituições reconheceram direitos básicos aos povos indígenas, incluindo o direito a territórios ancestrais e respeito à identidade cultural.
No final dos anos noventa e início do século XXI, há um giro transformador no reconhecimento de direitos indígenas, expressos nas Constituições da Venezuela, Bolívia e Equador, inaugurando o chamado “novo constitucionalismo latino-americano”. Essas três constituições reconhecem o estado plurinacional, valorizando o pluralismo jurídico e “reinventando o espaço público a partir dos interesses e necessidades das maiorias alijadas historicamente dos processos decisórios” (WOLKMER, 2011).
Com exceções, é unanimidade o reconhecimento do direito à identidade cultural bem como à posse ou propriedade dos territórios ancestralmente ocupados. A maior parte das Constituições também reconhece direito à participação prévia para exploração de recursos naturais em territórios indígenas, muito embora apenas Equador e Bolívia mencionem expressamente o direito à consulta livre, prévia e informada. Paraguai e Peru não reconhecem constitucionalmente o direito à consulta, mas a ausência é parcialmente suprida pela ratificação da Convenção 169.
Em relação aos direitos procedimentais, há uma tendência no reconhecimento da personalidade jurídica coletiva (Brasil, Argentina, Guiana e Peru). Alguns países estabelecem parâmetros para participação política (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai e Venezuela) e a jurisdição indígena é constitucionalmente reconhecida na Colômbia e no Equador. Por fim, reconhece-se o direito ao autogoverno na Bolívia, Colômbia, Equador e Paraguai (veja Tabela 1 no anexo).
De forma semelhante, praticamente todos os países sul-americanos ratificaram a Convenção OIT 169. Todos os países que ratificaram a Convenção asseguram a ela um status especial dentro do ordenamento jurídico, seja constitucional ou supralegal (veja tabela 2 em anexo).
No Brasil e no Chile, o status supralegal foi afirmado judicialmente face à ausência de disposição constitucional específica; nos demais países a própria Constituição assegura hierarquia privilegiada aos tratados de direitos humanos. Ainda assim, múltiplas cortes constitucionais latino-americanas reconhecem a hierarquia especial garantida à Convenção OIT 169 desde o início dos anos 2000. É o caso das cortes constitucionais da Colômbia, Argentina, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela (OIT, 2009).
Em relação aos três países que não reconhecem direitos constitucionais territoriais, há diferenças em relação ao nível de proteção a povos tradicionais. O Chile, apesar da lacuna constitucional, ratificou a Convenção 169 (ainda que tardiamente, em 2008), possui legislação interna protegendo direitos indígenas (Lei 19.253/93) e conta com uma instituição específica para demarcação de terras, a CONADI – Corporação Nacional de Desenvolvimento Indígena ( ANAYA, 2009; ALYWIN, 2004).
Suriname e Uruguai, contudo, não reconhecem constitucionalmente quaisquer direitos indígenas e não são signatários da Convenção 169. Enquanto no Suriname não há qualquer norma jurídica ou instituição assegurando direitos indígenas, no Uruguai a legislação infraconstitucional reconhece alguns direitos 9. Ademais, enquanto o Uruguai se posicionou favoravelmente à Declaração da ONU dos Direitos dos Povos Indígenas, o Suriname foi um dos pouquíssimos países a votar contra.
De forma geral, na maior parte da América do Sul, o reconhecimento de direitos territoriais indígenas precedeu o reconhecimento na Corte Interamericana. Essa precedência no reconhecimento de direitos é reafirmada pela própria Corte, pois em três decisões o sistema jurídico doméstico foi mencionado como integrantes do corpus iuris, reforçando a interpretação extensiva que levou ao reconhecimento do direito coletivo à propriedade e do direito à consulta 10.
Alguns países da América do Sul já foram condenados pela Corte Interamericana por violação de direitos territoriais indígenas. O Paraguai foi condenado nos casos Yakye Axa (2005), Sawhoyamaxa (2006) e Xákmok Kásek (2010) por despossessão e violação do direito a uma vida digna; o Suriname foi condenado nos casos Moiwana (massacre e deslocamento forçado, em 2005), Saramaka (exploração madeireira, em 2007) e Kalina y Lokono (exploração de minérios, 2018); o Equador foi condenado em Kichwa de Sarayaku por exploração de petróleo (2012); a Colômbia foi condenada por deslocamento forçado em Operação Genesis (2013); e o Brasil foi condenado no caso Xucuru por ausência de saneamento (2018).
Nos casos contra Equador, Colômbia e Brasil, a Corte reconheceu a proteção jurídica doméstica de direitos indígenas, mas afirmou que nos casos em específico havia ocorrido desrespeito à legislação, violando os direitos territoriais. Finalmente, nos casos contra Suriname, a Corte ordenou a adoção de um arcabouço legislativo que reconheça o direito indígena ao território, assim como que preveja mecanismos processuais adequados para seu reclame.
Apesar dos avanços na legislação e jurisprudência, persistem violações dos direitos dessas comunidades. Não obstante seu reconhecimento, não é observado um exercício efetivo desses direitos. Segundo a Relatora Especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, essas populações são historicamente sujeitas a discriminação estrutural e, devido à prevalência de interesses comerciais, as comunidades indígenas sempre foram vítimas de agressão ao procurar proteger suas terras ( TAULI-CORPUZ, 2018). Isso levou a um aumento dos protestos dos povos indígenas e de seus defensores contra esses projetos que ameaçam a sobrevivência dessas comunidades ( CIDH, 2019).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos indicou que o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas não é obtido para conceder concessões a empresas extrativas, e o Estado não controla esses projetos ( CIDH, 2019).
Além disso, a situação dos defensores está mais ameaçada. Tanto o Relator Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos como o Relator Especial sobre a questão das obrigações em matéria de direitos humanos relacionados ao gozo do meio ambiente falam de uma “crise global” de violência contra os defensores dos direitos humanos, e particularmente contra defensores dos direitos indígenas ( FORST, 2016). O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre a questão dos direitos humanos, empresas transnacionais e outras empresas declarou que recebeu várias denúncias de homicídios, ataques e ameaças contra defensores de direitos humanos que defendem os direitos indígenas contra os flagelos cometidos por empresas extrativas ( HRC, 2014).
Segundo a Global Witness, 164 defensores ambientais foram mortos em 2018 ( GLOBAL WITNESS, 2019). Metade desses assassinatos ocorreu na América Latina, em parte devido à tradição dessa região do ativismo em direitos humanos. Estima-se que 28 defensores de direitos indígenas foram assassinados em 2019 neste território (CULTURAL SURVIVAL, 2019), considerando o Brasil como o Estado mais inseguro para esses defensores. A maioria dos assassinatos está ligada à mineração e petróleo, em segundo lugar ao agronegócio, em terceiro lugar à caça furtiva e, por último, à extração de madeira. A Coalizão contra a apropriação de terras relatou 65 casos de prisões arbitrárias e assédio judicial, 92 assassinatos e 46 casos de ameaças contra defensores ambientais e de direitos humanos no primeiro trimestre de 2019 (COALITION, 2019).
Igualmente, o trabalho dos defensores dos direitos indígenas é frequentemente criminalizado, situação cada vez mais frequente na América Latina ( CIDH, 2015). Os países da região usam o direito penal em retaliação contra aqueles que expõem os efeitos adversos que estes teriam sobre a sobrevivência das comunidades indígenas. Rodolfo Stavenhagen, ex-Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas, destacou que a criminalização de atividades pacíficas de protesto com o objetivo de reivindicar direitos fundamentais das comunidades indígenas deve ser vista hoje como uma das falhas mais graves na defesa dos direitos humanos ( STAVENHAGEN, 2004).
O protesto pacífico dos defensores dos direitos humanos é sancionado, recorrendo a figuras como instigação, desrespeito à autoridade ou terrorismo. Campanhas de difamação também são realizadas contra eles ( STAVENHAGEN, 2004). Observa-se também que a declaração do estado de emergência que permite a suspensão das garantias é outra ferramenta utilizada para reprimir reivindicações sociais (ARTICLE 19, 2015). Dessa forma, acaba fragmentando as comunidades indígenas.
O sistema interamericano analisou o uso do crime de terrorismo para impedir as reivindicações dos povos indígenas. No caso Norín Catrimán et al. vs. Chile, a Corte indicou o padrão de aplicação do crime de terrorismo contra o povo mapuche. Essa situação também foi reconhecida pela Relatora Especial sobre a situação dos direitos humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas das Nações Unidas, que denunciaram o uso do crime de terrorismo para dissuadir os membros do povo mapuche de seus protestos, destacando que as demandas sociais das organizações indígenas não devem ser criminalizadas ( STAVENHAGEN, 2003).
Por sua parte, o Relator Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos das Nações Unidas informou que as empresas privadas fornecem informações falaciosas para processar líderes indígenas e defensores dos direitos humanos ( FORST, 2016). Segundo a Relatora sobre direitos indígenas, o judiciário costuma ser cúmplice ao permitir que essas demandas infundadas prosperem ( TAULI-CORPUZ, 2018).
Com base no exposto, é evidente que é necessário tomar medidas para reverter a tendência de agressão contra defensores de direitos humanos indígena, pois, como Victoria Tauli-Corpuz, Relator Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas, diz: “Se vamos salvar o planeta, temos que parar de matar as pessoas que o protegem”.
Uma das formas de observância realizadas pelo Estado é o controle de convencionalidade, doutrina disseminada pela Corte Interamericana e definida como uma obrigação de qualquer agente estatal (principalmente cortes e juízes) de aplicar a Convenção Americana na interpretação doméstica de direitos ( MAC-GREGOR, 2015). O fundamento legal para a doutrina são os artigos da Convenção 1.1 (dever de respeitar direitos e liberdades), 2 (dever de adaptar sistema doméstico adequando-o à Convenção) e 29 (interpretação extensiva ou pro personae). Ainda, a doutrina está relacionada aos princípios da boa fé, efetividade e pacta sunt servanda, de acordo com os artigos 26 e 27 da Convenção de Viena ( MAC-GREGOR, 2015; MAC-GREGOR, 2016).
A adoção da doutrina tem sido distinta de acordo com as cortes domésticas, com alguns países ignorando-a, outros confrontando-a diretamente e alguns adotando os padrões convencionais, promovendo uma heterogeneidade normativa na América Latina (TORELLY, 2017).
Em relação aos direitos territoriais, grande parte dos países sul-americanos já contava com regulamentação de direitos indígenas em seu ordenamento doméstico, muitos deles atribuindo ranking constitucional à Convenção OIT 169. Assim, o desenvolvimento da jurisprudência regional ocorre paralelamente à adoção de parâmetros normativos pelas cortes constitucionais ( GONGORA-MERA, 2017). Alguns países mencionam expressamente as decisões da Corte (Argentina, Bolívia, Equador, Colômbia e Peru), enquanto outros adotam parâmetros muito próximos aos regionais, ainda que sem mencionar expressamente a Corte (Chile, Paraguai e Venezuela) 11.
A Corte Suprema de Justiça da Argentina 12 decidiu favoravelmente a uma comunidade indígena no caso “Comunidad Indígena Eben Ezer c/ província de Salta”, decidido em 30 de setembro de 2008, mencionando amplo trecho do caso Yakye Axa sobre a relação entre identidade cultural e direito à propriedade coletivaa, além de citar o caso Awas Tingni. A Convenção OIT 169 também é citada e a decisão foi unânime 13.
O Tribunal Constitucional do Peru também dialoga com os parâmetros jurisprudenciais estabelecidos pela Corte Interamericana. Em casos decididos, o Tribunal peruano reconheceu a relação imprescindível entre identidade cultural indígena e recursos naturais e que a ausência de título formal de propriedade não afasta a proteção jurídica a povos tradicionais, mencionando casos da Corte Interamericana ( Awas Tingni, Saramaka, Moiwana, Yakye Axa e Sawhoyamaxa14), citando a Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas e a vinculação da Convenção OIT 169 e afirmando o dever de consulta prévia aos povos indígenas 15. Essa reafirmação continuou a ocorrer em decisão posterior de 2011, reafirmando-as com os precedentes convencionais ( Sawhoyamaxa) 16.
O uso do controle de convencionalidade na Bolívia é muito próximo ao caso peruano. O Tribunal Constitucional Plurinacional boliviano reconhece o caráter vinculante das decisões regionais e dialoga com seus casos 17. Nas palavras do Tribunal, “as sentenças emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos devem ser usadas para revelar a constitucionalidade de uma determinada norma legal”18.
A sentença mais relevante exarada refere-se ao emblemático caso TIPNIS 19. O Tribunal reafirma a proteção constitucional, reafirmando os direitos da Convenção OIT 169 e na Declaração da ONU de Direito dos Povos Indígenas e reconheceu a constitucionalidade das leis por unanimidade 20. O Tribunal também usou relatórios diversos da CIDH, informes do relator especial da ONU para Direitos Indígenas, a decisão da Corte Constitucional Colombiana n. T-129/2011, decisão do Comitê Tripartite do Conselho Administrativo da OIT e a decisão da Corte Interamericana em Saramaka.
Em matéria do direito à consulta, a jurisprudência mais progressista tem sido exarada pela Corte Constitucional Colombiana (CCC), a qual possui múltiplas decisões na área produzidas em aberto diálogo com a Corte Interamericana. A CCC possui consolidada jurisprudência em matéria de direitos indígenas, tomando por base a Convenção OIT 169 e os parâmetros da Corte Interamericana, mencionando repetidamente os casos Awas Tingni, Yakye Axa, Sawhoyamaxa e Xákmok Kásek para interpretar o direito à propriedade e multiculturalidade, assim como a decisão Saramaka, no que tange ao direito à consulta 21 e já citou o caso do Povo Xucuru 22.
Observa-se a mais paradigmática decisão, a sentença T-129/11. A CCC reconheceu a proteção cultural e territorial de povos indígenas asseguradas tanto na Constituição como na Convenção OIT 169. A Convenção foi interpretada valendo-se da Declaração da ONU sobre Povos Indígenas e da interpretação realizada pela Corte Interamericana em Saramaka. Em nível de direito internacional, foram mencionados ainda relatórios emitidos pelo Relator da ONU para Direitos Indígenas, o sr. James Anaya. Por fim, a CCC reviu sua própria jurisprudência a respeito de direito à consulta, estabelecendo parâmetros específicos para a consulta. Os parâmetros estabelecidos na sentença T-129/11 tornam-se referência para múltiplas decisões posteriores.
É importante mencionar que a decisão colombiana oferece padrões mais protetivos a povos indígenas do que a própria Corte Interamericana. A Corte regional tem se referido à obrigação de consultar povos indígenas de boa fé, referindo-se a consentimento exclusivamente em Saramaka e apenas para projetos de grande impacto. Em contrapartida, a CCC entende como obrigatório o consentimento independentemente da dimensão do impacto causado pelo projeto. Esse pode ser um motivo pelo qual a CCC não menciona nenhum caso da Corte Interamericana relativo ao direito a consulta posterior a Saramaka, já que nenhuma delas refere-se à consentimento.
Um dos países com a mais avançada proteção aos direitos indígenas é o Equador. A reforma constitucional de 2008 foi revolucionária ao reconhecer o Estado como plurinacional e ao assegurar constitucionalmente valores indígenas, como sumak kawsay e a proteção à pacha mama. Ainda, tratados internacionais em direitos humanos são considerados supraconstitucionais, como é o caso da Convenção OIT 169 ( WOLKMER; FAGUNDES, 2011). Ainda assim, a Corte Constitucional equatoriana tem referenciado as decisões do tribunal regional como parâmetro interpretativo para direitos territoriais.
Ressalta-se, todavia, que as menções à Corte Interamericana são posteriores ao caso Kichwa de Sarayaku (2012), enquadrando-se, dentro da cadeia de eficácia, no nível de aplicação, e não observância. 23
Em relação ao Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), em geral, tem sido refratário aos novos entendimentos que cercam a questão indígena. Isso ocorre porque o STF atribui a tratados internacionais de direitos humanos o status de normas supralegais, submetendo os parâmetros jurisprudenciais da Corte a uma hierarquia inferior à Constituição. A primeira vez que o STF citou os casos indígenas da Corte Interamericana foi na ADI 3239 referente ao reconhecimento dos direitos quilombolas. Os casos Saramaka e Moiwana foram citados.
Contraditoriamente às situações dos direitos quilombolas, os parâmetros jurisprudências da Corte não são aplicados aos direitos dos povos indígenas. Ainda mais grave, há entendimento firmado pelo STF que ainda se utiliza de noções que correspondem ao pensamento integracionista da Convenção 107. Em 2009, no julgamento da petição n. 3.888 relativa à constitucionalidade da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, esse viés pode ser identificado na relatoria do ministro Carlos Ayres Britto 24. O ministro reiterou que a garantia constitucional e o conceito de tradição, que embasa a posse perpétua desses povos, teria, como limite temporal, a data de promulgação da Constituição de 1988, sob a justificativa de que poderiam ocorrer fraudes, ignorando o critério de ancestralidade. A decisão fixou dezenove restrições à terra indígena que não foram precedidas de qualquer consulta aos povos interessados 25.
Em casos indígenas, apenas em duas decisões monocráticas recentes o STF citou o precedentes interamericanos: na decisão de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.062, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, relativo a inconstitucionalidade da transferência da competência de demarcação das terras indígenas e de outros assuntos referentes aos povos indígenas do Ministério da Justiça para os Ministérios da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento e o da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e a Medida Cautelar em Ação Rescisória de processo judicial de demarcação de terras que não contou com participação indígena. 26
Em síntese, apesar de algumas menções aos instrumentos jurídicos ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração Universal dos Povos Indígenas e a própria jurisprudência da Corte, ressalte-se que a Suprema Corte Brasileira se utilizou dos parâmetros convencionais, mas como um argumento persuasivo para sustentar outros argumentos.
O controle de convencionalidade é frequentemente associado ao Poder Judiciário, mas controle também pode ser visto nas atuações de demais órgãos estatais, os quais podem tanto propor o controle ao Judiciário ou confrontar órgãos e entes do pacto federativo na defesa de direitos territoriais (MAC-GREGOR, 2017).
Em relação a direitos procedimentais indígenas, aponta-se a celebração de um acordo internacional entre diversos países denominado “Regras de Brasília sobre acesso à justiça de pessoas em situação de vulnerabilidade”, que estabelece princípios para facilitar o acesso à justiça em relação às condições de vulnerabilidade que alguns povos sofrem. O acordo foi elaborado por um grupo de trabalho composto pelas seguintes organizações: Conferência Judicial Ibero-americana, Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP), Associação Interamericana de Defensores Públicos (AIDEF), Federação Ibero-americana de Ombudsman (FIO) e a União Ibero-americana de Colégios e Agrupamentos de Advogados (UIBA). O acordo adota parâmetros estabelecidos pela Corte em sua jurisprudência territorial frente ao aparato judicial estatal (IBEROAMERICANA, 2013; RIBOTTA, 2012). No manual comentado de aplicação das Regras de Brasília, seu teor é interpretado a partir da jurisprudência da Corte Interamericana, citando diversos casos territoriais (MARTÍN, 2018).
Em relação a atuação dos órgãos estatais, tem-se como exemplos brasileiros o Ministério Público Federal, provocando o Poder Judiciário sobre os direitos territoriais indígenas no caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em que se almejava a demarcação de terras indígenas previamente à implementação do projeto 27 e a Defensoria Pública da União, que foi amicus curiae no processo do Xukuru vs Brasil, em favor da comunidade indígena.
Os exemplos argentinos consistem na participação do “Defensor del Pueblo de Argentina” e do Ministério Público da Nação Argentina, tanto no caso da Comunidade Indígena Iwi Imemby expressando que a Corte Interamericana “supõe uma garantia maior tanto para o reconhecimento quanto para o exercício e a implementação desses direitos” 28, como no “dictámen”: “Comunidad Toba c/ Provincia de Formosa s/ Amparo” - CSJ 528/2011, citando os casos da “Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay”, “Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua” e “Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay”.
Uma iniciativa supranacional foi a organização da publicação “Estandares regionales de actuación defensorial em processos de consulta previa de Bolivia, Colombia, Ecuador y Peru”, fortalecendo padrões mínimos do direito à consulta. Ambos os documentos mencionam a jurisprudência da Corte em matéria de direito à consulta (ALMENARA; LINARA, 2017).
Esse protagonismo de defensorias públicas se explica pelo acordo com a Corte Interamericana para representar as vítimas em sede judicial na Corte Interamericana, atribuindo um maior acesso à justiça a esses grupos vulneráveis 29.
A jurisprudência da Corte Interamericana também delineou o conteúdo dos processos de consulta indígena. Em uma solicitação feita à Biblioteca do Congresso Nacional do Chile sobre a origem da consulta dos povos indígenas a respeito da modificação do “Ley General de Urbanismo y Construcciones” (Boletín N°11175-01), a “asesoría técnica parlamentaria” cita o caso “Pueblo indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador” para estabelecer que a consulta às comunidades indígenas em casos como o presente seja uma obrigação internacional ( BCN, 2019).
Além da influência em órgãos estatais, há um impacto da jurisprudência da Corte no trabalho de Organizações não-Governamentais trabalhando na proteção de direitos humanos. Há uma vasta bibliografia relacionando essa interação, tanto no sentido de fortalecimento das demandas sociais ( CAVALLARO, 2002; SOLEY, 2019), formação de redes internacionais de direitos humanos ( KECK; SIKKINK, 2018) e ainda influência dos movimentos sociais no cumprimento de decisões ( CAVALLARO; BREWER, 2008), mas pouco tem sido escrito em relação ao tema de direitos indígenas, com exceção de trabalho desenvolvido pela Open Society Foundations (2017).
Exemplo dessas atuações é a missão internacional promovida por organizações chilenas, denunciando abusos contra o povo Mapuche e o uso de leis antiterroristas para criminalizar suas reivindicações legítimas por suas terras ancestrais, numerosos casos foram citados da Corte Interamericana a apoiar as alegações contra a repressão às reivindicações sociais ( INFORME FINAL DE LA MISIÓN INTERNACIONAL A CHILE, 2020).
Com isso, mostram-se alguns exemplos de observância da Corte, em um rol que não é exaustivo, tendo em vista que o objetivo é apenas mostrar boas práticas de relacionamento entre o Estado e a Corte Interamericana, para além da presença do Poder Judiciário.
O presente artigo apresentou a influência dos parâmetros jurisprudenciais criados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de direitos territoriais nos sistemas legais na América do Sul.
O nível de controle de convencionalidade nos países da América do Sul varia muito. Enquanto alguns países, como Bolívia, Colômbia e Peru, possuem um longo e consolidado diálogo com a Corte Interamericana, outros países têm ignorado as evoluções jurisprudenciais regionais (como o Paraguai e o Chile). Em uma posição intermediária, há países que muito embora citem a jurisprudência da Corte regional, esta parece não ter um impacto substancial no reconhecimento de direitos (como a Argentina e o Brasil).
A análise proposta trouxe duas observações para a construção teórica da cadeia de eficácia. A primeira delas é que a separação entre observância e aplicação pode não ter tantos efeitos práticos, como o caso colombiano demonstra. As referências da CCC à Corte regional não sofreram alteração alguma após o julgamento do caso Operação Genesis contra a Colômbia, de forma que a eficácia dos parâmetros regionais especificamente nesse caso parece estar desconectada da existência de decisão contra o país em questão.
Uma segunda consequência da análise dos casos territoriais para a cadeia de eficácia é apresentar cenários de evolução no reconhecimento de direitos simultâneos em vários países e internacionalmente, afastando uma interpretação de que o impacto da Corte Interamericana sobre o ordenamento jurídico doméstico seria unilateral.
De qualquer forma, a Corte Interamericana fortaleceu órgãos de proteção indígena e influenciou Cortes constitucionais para adoção de parâmetros interpretativos. Em um momento de grande pressão sobre povos tradicionais, a atuação da Corte Interamericana como aliado na transformação de situações fáticas de exclusão torna-se indiscutivelmente necessária.
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil; bacharel em Direito pela Universidade Estadual de São Paulo, Franca, SP, Brasil; doutora pelo Departamento de Direito da Universidade Johann Wolfgang Goethe, Frankfurt, Hessen, Alemanha; professora de Direito Administrativo e de Direito Ambiental na Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG, Brasil. Autora do livro “Hermeneutica filosófica e direito ambiental”, publicada pela Editora IDPV. Autora de diversos artigos publicados nas áreas de direito indígena e direito ambiental. Atualmente trabalhando no projeto “Indigenous rights in the Inter-American System of Human Rights jurisprudence”, em que analisa o impacto da jurisprudência territorial da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o ordenamento jurídico de países na América Latina. E-mail: gabrielabnavarro@gmail.com
Marina Luz Mejía Saldaña
Advogada pela Universidade Católica Argentina, e mestra em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela City, University of London. Sua tese de mestrado estudou os direitos dos povos indígenas e a apropriação de sua propriedade intelectual. Foi Visitante Profissional na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Co-autora do livro “Convención Americana sobre Derechos Humanos - Pacto de San José de Costa Rica - Comentada y anotada. Con mención de jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos”. E-mail: marina_mejia345@hotmail.com
João Augusto Maranhão de Queiroz Figueiredo
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; integrante do Programa de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco “Acesso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos”; ex-bolsista de Pesquisa pela FACEPE pelo período de agosto de 2018 a agosto de 2019 e ex-integrante do Laboratório de Pesquisa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM – no ano de 2018. E-mail: joaomqfigueiredo@gmail.com