Dossiê
Recepção: 30 Janeiro 2022
Aprovação: 29 Abril 2022
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2022/66855
Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar as decisões proferidas no âmbito da medida cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, que versaram sobre o local de cumprimento de pena por mulheres transexuais e travestis. A primeira, pronunciada em 2019, ao conferir autorização apenas às mulheres transexuais para que pudessem ser transferidas para estabelecimentos prisionais femininos, justifica a não inclusão das travestis na distinção entre essas identidades de gênero pelo critério da presença ou não do órgão biológico que caracteriza o masculino: o falo. Não obstante a autorização tenha sido estendida posteriormente ao grupo das travestis, evidenciam-se compreensões hegemônicas sobre travestilidade e, consequentemente, sobre corpo, sexo e gênero, que embasaram as razões de decidir da cautelar. A partir de perspectivas pós-estruturalistas, diálogos com a teoria crítica racial e do cotejo com normativas formuladas pelo poder público, busca-se compreender quais implicações teóricas e práticas tais percepções trazem ao campo jurídico, principalmente no tocante aos direitos da população travesti no contexto do cárcere e das políticas públicas prisionais, o qual denominamos, à luz do exercício crítico empreendido, cistema prisional, em alusão à cis-heteronormatividade pressuposta à matriz discursiva do direito.
Palavras-chave: Corpo, Gênero, Travestilidade, Pessoas em situação de privação de liberdade.
Abstract: In this work, we analyze court decisions resulting from the preliminary injuction in writ ADPF 527, which specifies where transsexual and transvestite women will serve their prison sentences. The first court decision, handed down in 2019, only authorized the transfer of transsexual women to female prisons, and rationalized the non-inclusion of transvestites from a distinction between these gender identities based on the presence of the biological organ that characterizes male bodies: the phallus. While this authorization was later extended to transvestites, the underlying legal justifications behind the measure reveal hegemonic perceptions about transvestites and, consequently, about body, sex, and gender. Stemming from post-structuralist perspectives, dialogues with critical racial theory, and comparisons between public policy regulations, we seek to understand the theoretical and practical implications that such perceptions bring to the field of Law, especially regarding the rights of the imprisoned transvestite population and prison public policies, which we call, in the light of our critical exercise, the prison cistem, alluding to the cis-heteronormativity presupposed in the discursive matrix of law.
Keywords: Body, Gender, Transvestism, People in deprivation of liberty.
1. Introdução
Ela é tão singular
Só se contenta com plurais
Ela não quer pau
Ela quer paz
(...)
É sempre uma mulher?
Ela tem cara de mulher
Ela tem corpo de mulher
Ela tem jeito
Tem bunda
Tem peito
E o pau de mulher!
(Linn da Quebrada, Mulher)
A ausência ou a imprecisão de dados acerca da população LGBTI+1 no cistema2 prisional contribui para o apagamento tanto do debate, particularmente no cenário jurídico, quanto da construção e implementação de uma política pública penitenciária que inclua esse grupo de pessoas. No campo da pesquisa, a questão prisional e esse grupo inclui muitos trabalhos sobre a experiência de pessoas trans e travestis com o cárcere, cena em que aparece a questão da existência ou não das alas e da própria demanda acerca de espaços destacados (NASCIMENTO, 2020). No campo da política pública, esses espaços ou alas teriam começado a surgir como projeto piloto em Minas Gerais, na Unidade Joaquim de Bicas II, em 2009, depois no Centro de Ressocialização de Cuiabá, em 2011, o Presídio Central de Porto Alegre (RS) em 2012, o Presídio do Roger, a Penitenciária Dr. Romeu Gonçalves de Abrantes e a Penitenciária Regional Raimundo Asfora (PB), em 2013 (SESTOKAS, 2015; FRÓIS; VALENTIM, 2017; NASCIMENTO, 2020).
O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pela coleta, compilação e divulgação de dados da população em situação de prisão no Brasil, levantou - no ano de 2020 - a existência de 10.547 pessoas presas que se autodeclararam LGBTI+. O informe reunia dados de 23 estados e do Distrito Federal.3 Um dos objetivos, segundo o próprio DEPEN, é que os dados visam a permitir a elaboração de uma política pública para esse grupo. A questão do local de permanência dessas pessoas quando em situação de prisão ganha evidência.
Da mesma forma, no ano de 2020, foi publicado o primeiro levantamento penitenciário sobre esse grupo: “LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, produzido pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (BRASIL, 2020). Das 1499 unidades prisionais instadas a responder o questionário encaminhado on-line, apenas 508 responderam, e, dentre essas somente 106 unidades (todas masculinas) responderam dispor de um espaço para a custódia de homens cisgêneros homossexuais, bissexuais, travestis, mulheres trans e homens transgênero cis que com esse grupo mantém relações afetivo-sexuais (BRASIL, 2020, p. 16-17).
A falta, todavia, de uma política pública estabelecida para essa matéria, levou à judicialização do tema pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT, com a proposição de uma Ação de Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF), autuada junto ao Supremo Tribunal Federal sob n. 527.
O presente trabalho se consubstancia em uma análise das decisões proferidas entre 2019 e 2021, a respeito do local de cumprimento de pena, no âmbito da medida cautelar na ADPF 5274, notadamente em vista de interpretações restritivas lançadas sobre corpos travestis, quadro similar ao da Resolução 01/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT), e das Resoluções 348/2020 e 366/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A primeira, na qual se incluiu apenas as mulheres transexuais e a segunda, ampliando para travestis, parecem ter se centrado em permanências de compreensões hegemônicas sobre travestilidade (de consequência, corpo, sexo e gênero) e diferenciado a identidade de gênero entre as travestis e as mulheres trans na presença ou não do órgão biológico que caracteriza o masculino: o falo.
O texto percorre em sua escrita três momentos: (i) o da apresentação do cistema prisional como território da exclusão, segregação e (re)produção de parâmetros normativos de gênero e sua tecnologia operacional (FOUCAULT, 1999), nas quais os paradigmas de uma colonialidade racista e de gênero (FERREIRA, 2019) são perpetuados; (ii) o do elenco normativo judicial que antecede o debate da medida cautelar na ADPF 527, em que o falo organiza o repertório jurídico; (iii) a análise crítica das decisões proferidas na cautelar, mirando especialmente as categorias que compõem o discurso jurídico e que divide, categoriza e organiza pessoas LGBTI+ na lógica prisional. Para tanto, vale-se, metodologicamente de referenciais bibliográficos, análise de decisões e normativas formuladas pelo poder público, visando a investigar em que medida isso garante direitos à população trans e travesti em situação de privação de liberdade.
2. A necropolítica masculinista das prisões: territórios de exclusão, segregação e (re) produção de parâmetros normativos de gênero
Como alerta Jota Mombaça, espancamentos públicos, omissões médicas, espetacularizações, naturalizações de processos de morte, de exclusão social e violências cistêmicas formam parte do cotidiano de muitas pessoas trans5, transexuais, travestis, sapatonas, bichas e outras corpas6e corpos dissidentes sexuais e das normas de gênero, principalmente as racializadas e empobrecidas (MOMBAÇA, 2021, p. 72). Em meio a operações de violência mortais, que se alinham em favor da heteronormatividade, da cissupremacia, do neocolonialismo, do racismo, do sexismo e da supremacia branca, estes grupos de pessoas são posicionados no ranking dos “direitos humanos dos humanos direitos” nas classificações mais baixas (MOMBAÇA, 2021, p. 73).
No território prisional brasileiro, reconhecido formalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelo “estado de coisas inconstitucional”7, a operacionalidade dessas expressões de distribuição de violências antipreta, antibicha, antitrans, antimulheridades etc. também se faz presente. Afinal, as instituições prisionais não estão isoladas da sociedade, das estruturas e das relações de poder nas quais se inserem (GODOI, 2015; GARLAND, 2005; RUSCHE, KIRCHHEIMER, 2004; FOUCAULT, 1999). Pelo contrário, dentre os múltiplos engendramentos possíveis8, o dispositivo prisional também reifica, (re)produz e (re)codifica, com uma brutalidade transparente, a contenção, a exclusão e a aniquilação de grupos insurgentes e divergentes de um suposto modelo ideal de humanidade, evitando modificações mais profundas nas hierarquias sociais presentes, no caso brasileiro, desde a colonização (FERREIRA, 2019).
Em outras palavras, se para além do território prisional brasileiro a governamentalidade do fazer e deixar morrer9 é direcionada preferencialmente às pessoas que se afastam da matriz branca e cisheteronormativa, tal exercício do poder estatal de gerenciar processos de morte, apagamentos, separação e exclusão também atravessam os muros porosos da prisão. No contexto brasileiro, cuja formação do território prisional é atravessada pelo espectro colonialista-escravagista (MBEMBE, 2018, 2017, 2014; ALMEIDA, 2018), estar sob a “tutela” estatal em unidades penais não significa estar sujeito meramente a um poder de disciplinamento da mão-de-obra fabril - como se costuma importar de leituras sobre a realidade eurocêntrica10 - mas a um projeto necropolítico11 (FERREIRA, 2019; FREITAS, 2016; FLAUZINA, 2006).
Em meio à condução do encarceramento em massa brasileiro por parte do Sistema de Justiça Criminal e Penitenciário, nunca houve a implementação efetiva e exclusiva de uma ortopedia da alma12 de indivíduos pelo isolamento, mas o gerenciamento de um amontoado de corpos desviantes, sobretudo não brancos, expostos a lugares insalubres, torturas e violências (FERREIRA, 2019, p.179). Como pode ser visto nos estudos de Ana Flauzina (2006), Evandro Piza (2002) e Marcos Cesar Alvarez (2003), a sociedade disciplinar emergiu (e ainda emerge) muito mais como parte de uma utopia fantasiosa formal dos juristas de escolas reformistas do que como uma realidade concreta e institucional.
Se, em meio ao século XVIII e XIX, em linhas gerais, a Europa era marcada pela passagem da Monarquia para a República - o rei soberano dava lugar à sociedade enquanto corpo que precisava ser defendido - e pela substituição dos suplícios medievais e marcas corporais por métodos envoltos por práticas da psiquiatria e da criminologia, tal período coincidia com processos de colonização em países localizados às margens do eurocentrismo, como é o caso do Brasil13 . Como pontua Natalia Ferreira (2019), as colônias ainda permaneciam vivendo com o uso de penas privadas de açoite e penas públicas de morte, dirigidas especialmente contra os povos negros e indígenas, demonstrando como o sistema punitivo colonial mantinha-se muito próximo do período inquisitorial europeu (FERREIRA, 2019, p.170).
Ilustrativamente, ainda que na Constituição de 1824, em seu artigo 179, XXI, denotasse que “as Cadêas serão seguras, limpas, bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circunstâncias, e natureza dos seus crimes” (BRASIL, 1824), a realidade da época, analisada por trabalhos como, por exemplo, de Araújo (2017), Aguirre (2017) e Holloway (2017), demonstram como as prisões eram mobilizadas para conter a população negra e escravizada através da divisão de penalidades racialmente definidas e mais severas. Nesse sentido, o Calabouço, localizado no Rio de Janeiro, além de ser conhecido pelas condições aterrorizantes - superlotação, sem ventilação, calor, fedentina, falta de comida - era um local para o cumprimento das penas de açoite que eram direcionadas exclusivamente para a população escravizada (HOLLOWAY, 2017, p. 257).
Mesmo no contexto pós-escravidão, estruturas sofisticadas e específicas de criminalização foram mobilizadas para vedar, aniquilar e excluir a população não branca sob o argumento de defesa da sociedade. No período da República Velha, por exemplo, são fabricadas políticas de embranquecimento da população brasileira, justificadas por correntes teóricas do racismo biológico, culturalista, darwinismo social e positivismo de inspiração lombrosiana que passavam a vincular à população negra a ideia de delinquência (FLAUZINA, 2008; GÓES, 2016).
Longe de pretender aprofundar questões históricas sobre a formação das prisões no contexto brasileiro, visto que este não é o objetivo do presente artigo, o que se pretende é localizar como esse território prisional é reflexo de relações de poder e estruturas sociais que emergem e se desenvolvem em uma sociedade hierarquizada, movida por espetáculos de brutalidade, intensas desigualdades sociais, racismos, sexismos etc. A modernização prometida pelas premissas iluministas (humanistas), em suas redimensionadas dimensões históricas, manteve-se estruturalmente fundada na base da colonialidade e atravessada por uma divisão binária e hierárquica que separa os humanos e os não humanos alcança e molda a operacionalidade das prisões.
Observando trabalhos que têm o mérito de desmasculinizar as narrativas sobre o território prisional, é possível notar o sexo e o gênero das prisões (ZAMBONI, 2015, 2016; ANGOTTI, 2012; PRIORI, 2012). Para além da punição racializada, que atravessa um gerenciamento menos voltado ao disciplinamento e mais para a gestão do necropoder, este território também deve ser diagnosticado pelo caráter fortemente generificado. Por essa lente, é possível observar como as prisões se organizam em torno de uma divisão da espécie humana em apenas duas “categorias” de corpos estruturados a partir da divisão anatômica entre identidades e genitais: feminino ou masculino, mulher ou homem, vagina ou pênis e que são ditadas por mandamentos cisheterossexuais (LAMOUNIER, 2018, p.81).
Nesse território que condensa múltiplas formas de vulneração, hierarquização e opressão, em que o corpo e a genitália também conduzem à política e a governamentalidade, é a figura idealizada do Homem (branco, cisheternormativo) que emerge enquanto medida de todas as relações, ou seja, como referência para prescrever modos de vivenciar o mundo e sancionar aqueles e aquelas que escapem da fórmula normalizada de humanidade. Tanto é assim que, a partir dos anos 1920, quando projetos de reforma nas prisões brasileiras foram arquitetados, dentre eles a pretensão de instituir a divisão sexual do território (unidade feminina e unidade masculina), a justificativa da separação dos corpos autorizados se alinhava muito mais a uma tentativa de “garantir a tranquilidade desejada nas prisões masculinas, do que propriamente a dar mais dignidade e acomodações carcerárias, até então compartilhadas por homens e mulheres” (SOARES, ILGENFRIETZ, 2002).
No mesmo sentido, basta observar a formulação do direito à visita íntima das pessoas privadas de liberdade, o qual também foi inserido no contexto das políticas prisionais tendo como objetivo principal a normatização do desejo cisheterossexual de homens privados de liberdade. Segundo Natalia Padovani (2012), o reconhecimento formal do exercício ao direito ao sexo de pessoas privadas de liberdade, exposto, por exemplo no artigo 41, X, da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) teve como pretensão diminuir os casos de homossexualidade e promiscuidade dentro dos muros das prisões. Dessa forma, a visita conjugal heterossexual atuaria enquanto um dispositivo de legitimação de famílias, afetos e identidades possíveis (masculinidade/branquidade heterossexual) e marginaliza, aniquila e exclui experiências e vivências dissidentes ao forçadamente conectá-las ao desvio da masculinidade e da feminização.
Seja dentro ou fora do território prisional, o padrão de humanidade - o sujeito soberano idealizado na figura do homem branco, cisheteronormativo, cristão, sem deficiência, proprietário - é, de um lado, aquele que representa o pleno, o autônomo e o centrado. De outro lado, os não humanos, os distantes do padrão do ser Homem e Mulher, são vistos como machos ou fêmeas animalizados, sujeitos historicamente colonizados, escravizados e que até hoje não são reconhecidos enquanto seres humanos plenos (LUGONES, 2014). É na zona do não ser14 que opressões não só de raça, mas também de gênero, sexualidade, classe, deficiência, entre tantas outras categorias de poder, operam de maneira distinta sobre grupos de pessoas nos quais a violência é a norma (GROSFOGUEL, 2016).
Assim, em diálogos com estudos históricos e principalmente com aqueles que colocam o racismo como eixo estruturante, é possível dizer que aqui, nas margens das metrópoles, em Bacurau15, as práticas punitivas que movimentam o território prisional estão menos ligadas a disciplina e mais a estratégias de expurgar, matar, reclamar a morte, pedir a morte, mandar matar, expor a morte não só dos inimigos, mas também dos próprios cidadãos que passam a ser vistos como perigo para os demais membros da população (FOUCAULT, 2010, p. 214). Dialogando com instrumentos foucaultianos, porém nesse cenário, é preciso destacar que o “racismo de Estado” é um meio de introduzir esse corte na população, o qual é capaz de separar quem deve viver e o que deve morrer (FOUCAULT, 2010, p. 214). Frise-se que tal operacionalidade não deve ser entendida apenas como uma estratégia de “limpeza étnica”, mas também como uma tecnologia de poder que fragmenta, faz censuras e purifica qualquer grupo visto como anormal diante do ideal de humanidade idealizado em defesa da sociedade (DUARTE, 2008, p. 6-7).
Em meio a esse cenário no qual o Estado atua como uma máquina de moer gente, as pessoas que pluralizam a noção universal e binária de Mulher (cis), Homem (cis), masculinidade e feminilidade, e, assim, resistem aos processos de padronização do feminino, masculino e tantos outros (NASCIMENTO, 2021), são submetidas a estratégias brutais de institucionalização de violência e colonização de diversidades16 que (tentam) aniquilar suas vivências e experiências, novamente, dentro e fora das prisões. Tais estratégias de gestão da morte no território prisional, ou como Natalia Ferreira (2019) chama: uma necropolítica masculinista, podem ser vistas no silenciamento de políticas públicas de reconhecimento de identidades, assim como de direitos sexuais e reprodutivos; nos processos autorizados pela Administração Penitenciária de tortura e aniquilação das subjetividades plurais (e.g raspagem forçada dos cabelos das travestis e mulheres trans, proibição do uso de vestimentas correspondestes ao gênero autodeclarado, não respeitabilidade do nome social por parte da burocracia de rua, etc17 .)
Traços mais concretos e pontuais dessa engrenagem necropolítica masculinista que movimentam as prisões brasileiras frente ao tratamento direcionado a população LGBTI+ passam a ser explorados a seguir.
3. O reconhecimento formal de direitos de pessoas LGBTI+ nas políticas públicas penitenciárias: problematizações iniciais
O território da prisão, como anteriormente trazido, constitui-se como o campo de atuação da necropolítica operando em conexão com a cisheteronormatividade, e é nesse território que as vivências trans e travestis são ainda mais impactadas. A difusão de cenas trágicas que antes marcavam o território masculino, com o fenômeno do hiperencarceramento, muito propiciada pela guerra às drogas, colocou novos personagens atingidos por violações e violências, como as mulheres (BRASIL, 2015; BRAGA, 2015) e LGBTI+ (NASCIMENTO, 2020).
As violações de direitos humanos tanto são reconhecidas no âmbito interno, como pela ADPF 347, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional, como também internacional (CIDH, 2021), não obstante o campo normativo traga dispositivos de afirmação de direitos. De outro lado, é o campo normativo que auxilia na manutenção do binarismo e do determinismo biológico que produz um apagamento sobre os grupos sociais não cis-heteronormativos - ou, ainda, não cis-heteroconformes18 (GOMES, 2017) -, inclusive por afastar a participação dos grupos interessados e diretamente atingidos da construção e implementação da política pública.
A legislação pertinente ao tema (que afeta o sistema penitenciário) e suas alterações, assim como normatizações elaboradas pelo CNJ e CNPCP têm como público-alvo prioritário os “homens”, mobilizando direitos a partir de uma ordem de gênero estanque19.
3.1. Falo: ter ou não ter, eis a questão - sobre corpos delinquentes
A posição do cistema prisional a partir de uma lógica dual exponencia dilemas enfrentados por pessoas trans (travestis, transexuais e transgêneros) fora dos muros da prisão, a começar pelo impedimento do direito ao nome que identifica sua condição ou do uso do banheiro (JESUS, 2016). Além da sua descrição a partir de estereótipos negativos reproduzidos, inclusive, pelos meios de comunicação (JESUS, 2016), impera a lógica binária que divide o mundo em homens e mulheres em sintonia com o biopoder (FOUCAULT, 1999). A lógica do biopoder opera a partir do corpo pois “o corpo é um texto socialmente construído, um arquivo vivo do processo produção-reprodução sexual” (BENTO, 2017, p. 84). Já o gênero, segundo BENTO (2017), ocupa então o lugar da divisão da vida (e da morte), colocando à margem tudo o que não se enquadra ou não é enquadrável no campo da norma ou pela norma vigente no campo.
Mas não é só. É preciso lembrar dois fatos relevantes: o primeiro é que grupos sociais LGBTI+ têm enormes dificuldades de serem alçados a sujeitos de direitos, quando sua vida está em risco ou quando lhes é retirada; já o segundo, é que no campo prisional, as categorias gênero e sexualidade não operam sozinhas, sendo imprescindível lembrar que raça e classe com elas se interconectam (JESUS, 2016; BENTO, 2017).
Os binômios “legal-ilegal” ou “normal-anormal”, então, são mais do que a transgressão da norma jurídico-penal, são também a transgressão da cis-heteronormatividade, como dupla desviança: a do crime e a do gênero20. Quem classifica o primeiro é o jurídico, via Código Penal ao dispor sobre crimes e penas, já quem classifica o segundo é a medicina, por documentos médicos, como, o Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM, atualmente em vigor o DSM-5)21 . Quando se juntam tais saberes na porta de entrada do cistema prisional atuam no território da normalização por excelência (e a retroalimentam), em que a burocracia de rua, que decide quase tudo na prisão (GITIRANA, 2021), é que define se alguém é homem ou mulher, seu lugar de destino, se é necessário ou não um laudo22.
No âmbito nacional, a influência do positivismo italiano de Cesare Lombroso, acolhido abertamente na Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal de 1984, ainda em vigor, dispõe sobre a triagem e classificação criminológica, fruto de uma entrevista inicial, quando do ingresso de alguém na prisão. A prática mostra que outras perguntas não escritas, embora conhecidas, são feitas pelas equipes multiprofissionais, a partir do que vai se dividindo a população prisional tendo em conta se são evangélicos23, faccionados, “bichas”24 e “artigos errados”25 (NASCIMENTO, 2020, p. 2). Tal questionário, sob o manto da cobertura institucional, opera no quesito diferença e distinção, embora se justifique na igualdade: ou é Homem ou Mulher, ou vai para um presídio masculino ou feminino, ou participa do convívio ou fica em privação, ou está em isolamento ou não.
Vale salientar que, dentro do grupo LGBTI+, as pessoas trans ocupam - no campo prisional - uma espécie de expurgo exponencial e autorizado de violações, especialmente sexuais, quando faltantes companheiras cis ou quando não permitidas ou não realizadas visitas íntimas nas prisões masculinas. Cenas que compõem o filme “Carandiru”, inspirado em obra de mesmo nome de Dráuzio Varella (LIMA; NASCIMENTO, 2015), romantizam a um só tempo o casamento e normalizam as violências a que os corpos não-normais são submetidos (JESUS, 2016). Está aí mais uma das permanências a que são submetidos fora do espaço prisional; nesse jogo social do ilícito e do obscuro que esses corpos são obrigados a habitar, como personagens da cultura nacional, dividindo a realidade (como Madame Satã) e a ficção (como a Geni, da Ópera do Malandro) (LIMA; NASCIMENTO, 2015).
Assim, algumas sofrem mais do que outras; isso porque a homofobia cordial ameniza vulnerações para o homem gay que não performa um feminino escancarado ou uma mulher lésbica que usa um cabelo curto e uma roupa unissex (BENTO, 2017), apagamentos que as pessoas trans não conseguem evitar, ao contrário tornam-se mais expostas (FRÓIS; VALENTIM, 2017; SESTOKAS, 2015). Como também não se consegue evitar as violências que se lhes submete quando acusadas de um crime, tal e qual ocorreu no caso de Verônica Bolina, com suas roupas rasgadas, seios expostos, brutalmente espancada e torturada, ao ter o cabelo (que era longo) raspado e a face desfigurada, numa delegacia de polícia, detida por ser acusada de um crime. É por isso que se afirma que “o corpo de Verônica é um arquivo vivo” (BENTO, 2017, p. 231).
O cenário de um submundo a que são relegadas essas pessoas faz par com suas trajetórias entendidas como transgressoras e por isso são naturalizadas as violências exponenciais, grotescas e recorrentes que impactam seus corpos, suas vidas e suas mortes.
Se, de um lado, grupos de pressão, ONGs e outras entidades têm um repertório já organizado de demandas junto ao sistema prisional - seja pela dificuldade organizativa, outros impedimentos sociais, culturais e jurídicos para esses grupos vulnerados, seja pela rejeição institucional e estatal de suas demandas próprias pelo signo da igualdade e pela exaltação das dificuldades materiais e orçamentárias, de outro, à hipérbole de suas vicissitudes soma-se agora a pecha de delinquente e dificulta ainda mais o respeito a direitos mínimos.
3.2. Falo: ter ou não ter eis a questão - ala, corredor, prisão
Inexistente tal regulamentação na legislação em vigor e pouca ou nenhuma vontade legislativa de tratar do tema, são encontradas normativas advindas de outros órgãos que interferem no tratamento penal como o CNJ, vinculado ao Poder Judiciário, e o CNPCP, componente do Ministério da Justiça. Esclareça-se que esses órgãos têm ocupado função protagonista em uma série de temas tidos como “marginais” pelo Legislativo e pelo Executivo.
No tema do presente artigo, o marcador normativo foi estabelecido pela Resolução Conjunta 01/2014 formulada pelo CNPCP e pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação a população LGBT26, apresentando em seu Art. 1º o que entende por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
A existência de crítica a essa nomenclatura é algo da ordem do subjetivo que será objetivamente determinante para a classificação da pessoa (LIMA; NASCIMENTO, 2015) e, em consequência, como será analisado no tópico a seguir, para que possa ela exercitar ou não o direito de escolha do lugar penitenciário a ocupar. A ruptura com significados já construídos externamente sobre identidade de gênero e orientação sexual reacende violações que - em certa medida -, solvidas externamente, exigem dessas pessoas um reenquadramento “final” como Homens ou como Mulheres, inclusive, como forma de organizar a lógica institucional e até mesmo evitar violências (NASCIMENTO, 2020, p. 5; FRÓIS; VALENTIM, 2017). Ainda que a própria Resolução estabeleça que “a transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade” (Art. 3º, § 2º), e afirma que “as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas” (Art. 4º).
Inclusive, cumpre destacar os dilemas das formas e nomes de autoidentificação usados por essas pessoas na prisão ao desatender padrões cis-heteronormativos que ocupam tanto o lugar externo como o murado dos presídios, mesmo que a Resolução afirme que o “registro de admissão no estabelecimento prisional deverá conter o nome e sobrenome da pessoa presa” (Art. 2º, parágrafo único). As expressões e as categorias englobantes no deslizamento entre a liberdade e a prisão são ressignificadas até mesmo como forma de autosobrevivência (NASCIMENTO, 2020), pois o cotidiano prisional tem suas regras próprias internas cujo controle oficial é praticamente inexistente (DIAS; MANSO, 2018).
Não obstante tal Resolução componha um avanço no reconhecimento de direitos27, desconsidera de um lado “que existem transexuais que não rejeitam a genitália masculina, bem como travestis que não necessariamente identifiquem-se como mulheres” (LIMA; NASCIMENTO, 2015, p. 85), como também o fato de que a prisão opera com saberes constituídos e construídos sob o influxo não só das vicissitudes do cistema enquanto Estado, como também pelas vivências de equipes profissionais e pela ingerência de grupos e facções criminais (NASCIMENTO, 2020), a ponto de em alguns locais, como no Ceará, ser realizada uma espécie de subclassificação das travestis e transexuais em “vulneráveis, perigosas e menos perigosas” (NASCIMENTO, 2020), cuja consequência será a determinante do espaço a habitar como também a fruição ou privação de direitos e políticas internas.
Já em 2020, foi publicada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Nota Técnica n.º 9/2020, dispondo sobre os procedimentos de atendimento na custódia de pessoas LGBTI no sistema penitenciário nacional, de acordo com regramentos internacionais e nacionais, bem como em atenção a decisões judiciais28.
Posteriormente, houve a edição, por parte do CNJ, da Resolução 348/2020, alterada pela Resolução 366/2021, cuja principal disposição refere-se ao fato de que incumbiu ao Poder Judiciário a decisão sobre o local de destino da pessoa autodeclarada LGBTI29, portanto, não estando limitada a pessoas trans e travestis, após questionário de preferência pessoa presa30, podendo inclusive ser alterado esse local (Art. 1º, Res. 366/21, que alterou os Arts. 7º e 18 da Res. 348/20).
Mesmo antes dessas Resoluções do CNJ e da primeira decisão liminar no âmbito da ADPF 527, já havia um precedente do Superior Tribunal de Justiça de Relatoria do Min. Rogério Schietti Cruz, determinando a transferência de pessoa presa travesti de um presídio masculino para um feminino, pois “a permanência da travesti em local absolutamente impróprio para uma pessoa que se identifica e se comporta como transgênero feminina, além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana, poderia ocasionar violência física, psíquica e moral, ‘dada a característica ainda patriarcal e preconceituosa de boa parte de nossa sociedade, agravada pela promiscuidade que caracteriza ambientes carcerários masculinos’.” (STJ, 2019, HC 497.226-RS)31.
Importa, entretanto, assinalar que a lógica da necropolítica masculinista, assim como a da cis-heteronormatividade pressuposta à matriz discursiva do direito, prevalecem mesmo quando se trata de implementar medidas que têm como objetivo a ruptura ou a transgressão com padrões normativos e binomiais de sexualidade e gênero. Destacam-se, nesse sentido, as razões de decidir dos pronunciamentos judiciais que compuseram a medida cautelar na ADPF 527.
4. O (não)lugar do corpo travesti no cistema prisional brasileiro: análise crítica das decisões proferidas no âmbito da medida cautelar na ADPF 527
Desde o seu ajuizamento, duas foram as decisões proferidas em sede cautelar na ADPF 527: uma em 27 de junho de 2019, e outra em 19 de março de 2021. Não obstante o resultado já conhecido, sobressaem, ao longo desses pronunciamentos, noções lançadas pelo Relator, Ministro Luís Barroso, quanto a corpo, sexo e gênero, impactando diretamente percepções sobre experiências trans32 desde o campo jurídico, o que impele uma análise do discurso tecido acerca de tais elementos que subjazem às razões de decidir (ratio decidendi).
Quando do parcial deferimento da liminar, em 2019, a apreciação do pleito pelo Relator (Ministro Luís Barroso), além de afastar as preliminares arguidas pela Advocacia Geral da União33, concedeu autorização para que mulheres transexuais pudessem optar por cumprir pena em estabelecimento prisional feminino ou em estabelecimento prisional masculino com área que garanta sua segurança. Constatou-se, entretanto, “divergência quanto ao tratamento a ser conferido às travestis”, por apresentarem identidade “mais fluida”, não restando cristalina, em seu entendimento, a medida mais adequada a ser endereçada a tal grupo. Devido a esse entendimento, a autorização se restringiu às transexuais.
Nesse sentido, remete-se às considerações exaradas no corpo da decisão quanto a possíveis definições e distinções entre as identidades transexual e travesti, as quais guardam similitude com as da Resolução Conjunta 01/2014, anteriormente tratada, que se dedicam a explanar esses e outros conceitos:
Em primeiro lugar, transexuais são as pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo biológico. Gênero expressa a diferenciação cultural entre homem e mulher, ao passo que sexo distingue homens e mulheres segundo suas características orgânico-biológicas. A mulher transexual é a pessoa que, nascida com o sexo biológico masculino, se percebe como uma mulher e, portanto, tem identidade de gênero feminina. O homem transexual é a pessoa que, nascida com o sexo biológico feminino, se percebe como homem e tem identidade de gênero masculina. As pessoas transexuais são, portanto, aquelas que têm uma percepção de que seu corpo é inadequado à forma como se sentem, e buscam ajustá-lo à imagem de gênero que têm de si.
Prossegue-se, da seguinte maneira:
(...) 19. As travestis guardam semelhança com as transexuais porque se apresentam para o mundo com o gênero oposto àquele correspondente a seu sexo biológico. Entretanto, não percebem seu corpo como inadequado[5] e vivenciam com intensidades variáveis sua identidade de gênero[6]. Diferenciam-se das transexuais porque, enquanto as transexuais têm uma aversão a seu sexo biológico e desejam modifica-lo, as travestis não têm aversão a seus órgãos sexuais e, portanto, não querem modifica-los[7]. Ao contrário, algumas travestis utilizam ativamente tais órgãos em suas relações sexuais[8] (...)
A atenção dada às diferenças possivelmente existentes entre experiências trans diversas é digna de especial nota: tem-se como elemento diferenciador da identidade de gênero das travestis a “aceitação” de seu “sexo biológico”, como referência eminentemente à genitália masculina, isto é, ao falo.
Adiante, percebe-se que tal diferenciação feita na introdução é crucial para justificar a distinção de tratamento conferida pela decisão cautelar inicial, o que conduz a alguns questionamentos. Nesse sentido, indaga-se se, para fins da tutela constitucional almejada, haveria a necessidade de se fazer uma categorização clínica e engessada das experiências afetas à transgeneridade34, sobretudo dando-se destaque à percepção que o sujeito possui quanto à adequação dos genitais a expectativas sociais em virtude do gênero designado no nascimento.
Sabe-se que, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 (BRASIL, 2018), movimentos sociais e agentes atuantes na esfera de litigância estratégica em Direitos Humanos provocaram o STF a se manifestar sobre a extensão da decisão a pessoas transgêneras - ou pessoas trans -, o que ampliaria a aplicação da norma para identidades além das experiências de transexualidade e travestilidade propriamente.
Ao final, o entendimento consagrado de fato conferiu a possibilidade da alteração registral, pela via administrativa ou judicial, independentemente da comprovação de cirurgias e/ou laudos de terceiros, a pessoas transgêneras, a partir da mera declaração de vontade, tendo como fundamento a autoidentificação, resultado proporcionado por uma leitura constitucional do artigo 58 da Lei de Registros Públicos e em consonância com o Pacto de San José da Costa Rica e a Opinião Consultiva 24/2017 da Corte Interamericana de Direitos Humanos35.
Com efeito, há uma vívida disputa nos ativismos sociais, assim como academicamente, quanto a qual termo deve ser utilizado para se referir à população T (COACCI, 2020; CARVALHO, 2018), o que, certamente, não pode ser ignorado pelas instâncias jurídicas, pois o direito deve mesmo acompanhar as mobilizações do tecido social. Porém, considerando que a Corte Constitucional já havia consignado, no âmbito da ADI 4275, máximas como “o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero” e que “a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”, parece incoerente que supostos traços diferenciadores de expressões identitárias tão complexas tenham orientado a decisão concebida na análise do pleito cautelar da ADPF 527.
Insistir na criação de parâmetros fundados na “diferença biológica” e na passabilidade36 de alguns corpos em detrimento de outros institui hierarquias entre os sujeitos, lógica essa apreendida pelas considerações no âmbito da cautelar da ADPF 527. Ademais, conforme Vergueiro (2015, p. 110-111), tal insistência em localizar elementos que objetivamente distingam e definam quem é transexual e quem é travesti, afigura-se problemática na medida em que reforça paradigmas cis-heteronormativos e coloniais.
Ainda que, em um segundo momento, a fundamentação da decisão de 2019 tenha se referido ao aditamento do pedido inicial pela arguente (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT)37, verifica-se que o fundamento inaugural para não se aplicar às travestis o mesmo tratamento dispensado às mulheres transexuais foi justamente a constatação da fluidez da identidade daquelas, definida anteriormente pela relação com a genitália.
Isso denota como os debates jurídicos sobre particularidades atinentes à transgeneridade são carregados de suposições sobre sexo e gênero, questões que são atravessadas pelas limitações simbólicas, teóricas e materiais da matriz discursiva do direito (LIMA, 2020, p. 156), cujo gérmen remonta à modernidade (FLOR, 2015, p. 103) e identifica-se com a matriz heterossexual que exige uma correspondência linear entre sexo/gênero/desejo (BUTLER, 2003, p. 38) para se conferir inteligibilidade aos corpos, consagrando o modelo hegemônico do binarismo sexual masculino-feminino. Consequentemente, imputa-se o lugar de abjeção aos corpos que não se conformam a essa norma.
No histórico de julgamento de ações versando sobre questões trans, impressões semelhantes já tinham sido colhidas em oportunidades distintas. Nos debates levantados durante a sessão inaugural do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 845.779/SC (que versa sobre o reconhecimento social da identidade de gênero de pessoas trans e o acesso a banheiros públicos), em novembro de 2015, muito se questionou a respeito do tratamento a ser dispensado pelo Plenário à recorrente, uma mulher transexual, pois não se havia descrito com detalhes como era sua expressão de gênero e se teria realizado ou não a cirurgia de redesignação sexual.
Naquela ocasião38, indagou o Ministro Marco Aurélio como seria possível aferir a identidade de gênero de uma pessoa, se seria “considerada a aparência, considerado o registro civil ou considerado o aspecto psicológico”, em razão de sua “dificuldade em acreditar” (sic) que a empregada do shopping responsável pela guarda do banheiro teria de fato adotado a postura que adotou (não autorizado a entrada da recorrente no banheiro feminino) se a aparência “realmente fosse feminina”. Barroso, o relator do caso, por sua vez, assinalou que “se o transexual (sic) fosse rigorosamente igual a uma mulher, nós não estaríamos discutindo esse problema”. A sessão de julgamento se encerrou com o pedido de vista do Ministro Luiz Fux, que argumentou pela existência de um “desacordo moral bastante razoável”, após externalizar preocupação, assim como o fez o Ministro Ricardo Lewandowski, com mulheres e crianças do sexo feminino que poderiam se sentir constrangidas e vulneráveis psicologicamente pela presença de mulheres trans em banheiros femininos, uma vez que estas poderiam apresentar órgãos genitais masculinos.
A fixação na biologia dos corpos e, mais especificamente, no falo, merece especiais considerações. Inevitável não se voltar a atenção à perspectiva da psicanálise mais tradicional, para a qual o falo é o significante primordial para situar o sujeito na ordem simbólica dos sexos e saber quem é homem ou mulher: para tal distinção, “não há outra referência que não seja o falo” (SOUTO et al, 2016, p. 195).
Este enfoque também endossa uma categorização estática dos gêneros, calcada em uma compreensão biologicista e cissexista que não permite a concepção de subjetividades que transcendam o par binário (e oposicional) mulher-vagina x homem-pênis. Corporalidades não conformes com esse paradigma, portanto, são postas à margem, sofrendo pressões sócio-institucionais cujos efeitos frequentemente transitam entre a patologização, a criminalização e até mesmo o extermínio (LIMA, 2020, p. 157).
Nessa esteira, a apreensão do paradigma do transexual verdadeiro39 nas elaborações teórico-jurídicas sobre transexualidade, sob lentes eminentemente clínicas, perfaz evidência de como os discursos médico e jurídico se retroalimentam quando tematizam questões relativas à transgeneridade, deslocando-a para uma esfera de abjeção.
Ainda, de acordo com GOMES (2017, p. 112-113), concepções como as levantadas nos debates sobre o RE 845.779/SC demonstram como a colonialidade opera nos discursos sobre corpos que não correspondem ao ideal de gênero, que é heteroconforme, cissexual e branco, ao colocar “mulheres transexuais no lugar da ‘natureza’: corpos descontrolados que colocam em perigo mulheres e crianças”.
Essa crítica igualmente se aplica às definições e práticas de catalogação do corpo travesti, historicamente “considerado parte das sexualidades periféricas em relação à uma sexualidade de referência” (FERREIRA, 2014, p. 92), que foge “à inteligibilidade normativa de todo um sistema de controle social, preventivo e repressivo, efetivado por diferentes instituições sociais” (WOLFF et al. a pudFERREIRA, 2014, p. 92).
Sendo a violência um padrão inerente às prisões (FERREIRA, 2014, p. 93), a hesitação em conferir a possibilidade de transferência de travestis para presídios femininos parece configurar mais um padrão de discriminação a sujeitos que já carecem de reconhecimento e cidadania.
Tampouco se pode ignorar que o cistema prisional perfaz, como alerta Vergueiro (2015, p. 148), espaço institucional de normatização, colonização e brutalização racial e das diversidades. Nesse sentido, questiona a autora:
Afinal, como não pensar em toda a economia política em torno das pessoas trans, particularmente travestis, sendo exploradas em momentos delicados de ‘diálogos’ com cistemas policiais? A própria produção da identidade + categoria travesti atrelada à sua criminalização enquanto existência, à criminalização de sua efetiva e-ou pressuposta atividade econômica no mercado sexual, à sua sujeição ao extermínio por parte dos pobres ocós ’enganados’ sobre nós ou pelo ódio institucionalizado e exercido a partir de autoridades fascistas que se utilizam de suas posições de poder para agredir e assassinar pessoas trans (VERGUEIRO, 2015, p. 148).
Este não-lugar do corpo travesti, representativo da fronteira entre as categorias binárias e biologizantes de gênero impostas pela colonialidade (FERREIRA, 2019, p. 43) escancara como operam formas múltiplas de desumanização e criminalização daquelas(es) que fogem ao padrão cis-heterossexual branco. Assim, além da precariedade de reconhecimento da subjetividade travesti enquanto possível e real, ignora-se a materialidade de suas demandas, agravando o apagamento e as violências às quais travestis já estão sujeitas mesmo fora do espaço prisional.
Com a posterior edição da Resolução 348 pelo Conselho Nacional de Justiça, em 202040, conforme salientado anteriormente, passou-se a conferir expressamente à pessoa autodeclarada parte da população transexual, travesti e intersexo (art. 8º, II) a possibilidade de escolha do local de privação de liberdade (art. 7º, §1º), se em unidade feminina, masculina ou específica.
Em março de 2021, houve nova apreciação da cautelar pelo Relator, que, desta vez, deferiu o pleito da arguente na íntegra, sobretudo em vista do “amadurecimento do tratamento a ser conferido à População LGBTI no âmbito do Poder Executivo”. Assim, o pronunciamento determinou ajuste nos termos da cautelar outrora deferida, sem alterar as definições identitárias anteriores, para
(...) outorgar às transexuais e travestis com identidade de gênero feminina o direito de opção por cumprir pena: (i) em estabelecimento prisional feminino; ou (ii) em estabelecimento prisional masculino, porém em área reservada, que garanta a sua segurança.
Apesar de a Resolução supracitada não ter sido referenciada ao longo da nova decisão, foram mencionados o Relatório do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (BRASIL, 2020) e a Nota Técnica do Ministério da Justiça e Segurança Pública, os quais trouxeram dados sobre pessoas trans privadas de liberdade. É de se destacar o seguinte excerto do primeiro documento:
Os dados coletados no âmbito desta pesquisa apontam para duas grandes narrativas no ponto de vista das pessoas privadas de liberdade. De um lado, existem as travestis, mesmo em número notavelmente reduzido, que desejam alocação em unidades femininas por acreditar que lá estariam sujeitas a um tratamento mais humanizado e mais próximo do reconhecimento de feminilidade conferido às mulheres cisgêneras. Por outro, existe a narrativa das travestis e mulheres trans que não desejam transferência para unidades femininas por motivos de ordem material e de formação de vínculos.
Atualmente, o julgamento definitivo da ADPF 527 se encontra suspenso, em decorrência do empate entre os votos dos Ministros. O Relator converteu a medida cautelar em julgamento de mérito, dando procedência ao pedido (“para outorgar às transexuais e travestis com identidade de gênero feminina o direito de opção por cumprir pena”, nos termos aduzidos acima), sendo acompanhado pelas Ministras Cármen Lúcia, Rosa Weber, Dias Toffoli, e Edson Fachin. Já o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, não conheceu da ação direta, “em vista da alteração substancial do panorama normativo descrito na inicial”, seguido pelos Ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Gilmar Mendes. Com a nomeação e posse do Ministro André Mendonça, que ocorreu apenas em dezembro de 2021, aguarda-se nova data para julgamento.
Nas entrelinhas, o que se observa é que a classificação do indivíduo pela relevância dada ao “sexo biológico”41 (enquanto imutável e a-histórico), ulteriormente, acentua hierarquias que afastam corpos que fogem ao ideal cis-heteroconforme das proteções mínimas já instituídas no ordenamento brasileiro através de um discurso racionalizador e segregador que conforma padrões de normalidade e moralidade do saber-agir jurídico (BRAGA, 2015, p. 523-546), denotando estratégias políticas reatualizadoras de desigualdades nos cistemas que normatizam corpos e gêneros (VERGUEIRO, 2015, p. 15), incluindo o prisional.
5. Considerações Finais
A forma como se deu o julgamento pelo STF de duas decisões em sede cautelar da ADPF 527, referente ao cumprimento de pena por mulheres transexuais e travestis, ilustrou traços da tecnologia necropolítica masculinista que o Estado brasileiro vem mobilizando para gerenciar corpas e corpos hipertrangressores da norma(lidade) cisheternormativa - seja dentro ou fora dos muros porosos da prisão.
No território prisional, onde a tirania é levada ao mais ínfimo detalhe, sobretudo no contexto histórico brasileiro forjado pelo colonialismo racista de gênero, a operacionalidade da morte, da aniquilação e da exclusão, em maior ou menor grau, de todas aquelas e aqueles que se afastam da matriz idealizada da branquitude e da cisheternormatividade, é uma marca cínica e serena do cotidiano.
Mesmo quando a mais alta Corte - que outrora decidira pelo reconhecimento da humanidade e da cidadania das experiências trans e travestis no julgamento da ADI 4275 - é convocada para dar uma interpretação conforme a Constituição Cidadã da Resolução Conjunta 01/2014 do CNPCP/CNCD/LGBT, o que emerge, pelo menos em um primeiro momento, é a cumplicidade e a (re)atualização de um modelo perverso de categorização e hierarquização de seres humanos pela medida de parâmetros fundados no colonialismo, no racismo, no sexismo, na cissupremacia que se organizam em torno de elementos pautados em uma evidente e inquestionável diferença biológica e/ou na passabilidade daqueles corpos que, na ótica cis-heteronormativa, mais se conforma a este ideal. O falo, nesse sentido, é apresentado enquanto medida para separar mulheres trans e travestis; para dar acesso (ou não) a unidades penais femininas ou alas especiais; para o reconhecimento (ou não) de mulheridades possíveis para o cistema prisional, ou ainda, como a última fronteira entre a zona do ser e zona do não ser. A presença do falo em corpos que performam o feminino é, assim, usada para legitimar a negativa da fruição de direitos, cidadanias e humanidades plenas e possíveis.
Não se está aqui a descredibilizar o resultado alcançado com a ordem lançada pelo STF no exame da cautelar da ADPF 527, especialmente a partir da extensão da autorização às travestis, para que possam cumprir pena em estabelecimento prisional feminino ou masculino que lhes garanta segurança, o qual efetivamente deve ser celebrado enquanto conquista de movimentos sociais e demais atores que provocam o Judiciário, através da Corte Constitucional, a se manifestar acerca de tratamentos discriminatórios e atentatórios à dignidade da pessoa humana. O que se questiona e se coloca em disputa é a interpretação normativa que a Suprema Corte - e o discurso jurídico, em geral - confere a corpos que não se conformam ao ideal binário, cis-heteronormativo e branco, em um exercício crítico e disruptivo, pois, na esteira de GOMES (2017, p. 18) é preciso “mudar como pensamos o direito para poder comportar uma apreensão e uma compreensão expansiva do (não definível) humano”. Crê-se que tais modificações possam encerrar já no campo teórico e/ou constitutivo e/ou dogmático do direito problemáticas que, em grande parte, são percebidas no plano da efetividade, possibilitando, assim, a concretização da principiologia antidiscriminatória que fundamenta o Estado Democrático de Direito.
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Notas
Autor notes
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. E-mail: francielle.nogueiralima@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3310-0302.
FAE Centro Universitário, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: julia.gitirana@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1677-5180.
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná. E-mail: priscillaplachasa@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3697-4590.