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Recepção: 22 Maio 2021
Aprovação: 30 Setembro 2021
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2021/59938
Resumo: A Carta Magna de 1215 é costumeiramente citada no Brasil como sinônimo de Constituição. Partindo das conceções das funções da história do direito de Hespanha e das críticas já apresentadas por Herzog sobre o uso contemporâneo da Carta Magna, o presente artigo pretende comparar as descrições brasileiras da Carta com uma pesquisa histórica.
Palavras-chave: Carta Magna, História do Constitucionalismo brasileiro, História do Direito.
Abstract: The Magna Carta of 1215 is customarily cited in Brazil as a synonym for the Constitution. Starting from the conceptions of the functions of the legal history of Hespanha and the criticisms already presented by Herzog about the contemporary use of the Magna Carta, this article aims to compare the Brazilian descriptions of the document with a historical research.
Keyword: Magna Carta, History of Brazilian Constitutionalism, Legal History.
“(...) e os Barões forçaram João Sem Terra e Henrique III a pactuar essa famosa Carta, cuja principal finalidade era, na verdade, deixar os Reis submissos aos Lordes, mas na qual o restante da Nação foi pouco favorecido (...)
(...) A Magna Carta, vista como a origem sagrada das liberdades inglesas, enfatiza como a liberdade era pouco conhecida.”1
Voltaire (1694-1778)
Introdução2
A Carta Magna de 1215, assinada pelo rei inglês John (João Sem Terra), é costumeiramente citada no Brasil como sinônimo de Constituição. Como demonstrarei aqui, alguns acreditam que os princípios da Carta ainda influenciam as democracias ocidentais; outros, que ela é influência de textos jurídicos ainda hoje. Por outro lado, a Carta Magna é citada constantemente nos livros de Direito Constitucional no país. O Supremo Tribunal Federal (STF), por algumas vezes, refere-se à expressão “Carta Magna” como sinônimo da Constituição da República Federativa de 1988.
Partindo das conceções das funções da história do direito de António Manuel Hespanha3 e das críticas já apresentadas por Tamar Herzog4 sobre o uso contemporâneo da Carta Magna, o presente artigo pretende comparar as descrições brasileiras da Carta com uma pesquisa histórica. Em um primeiro momento, descrevo brevemente como a Carta é citada em órgão estatais, dicionários, livros de Direito Constitucional e decisões do STF. Após, apresento como pesquisas históricas descrevem o documento de 1215. Em um terceiro momento, procuro demonstrar como o “mito” da Carta Magna foi criado por Coke e apresento algumas informações históricas desse ato.
Uso como fontes de pesquisa, além do texto de 1215, obras e documentos contemporâneos e pesquisas históricas e jurídicas sobre o direito medieval e sobre a Carta5.
A ideia central do artigo é testar a hipótese de que a Carta Magna6 não pode ser entendida como sinônimo de Constituição, que se trata de um documento medieval, dirigido a uma pequena parte da população e que, portanto, não pode ser entendida como base do Direito Constitucional contemporâneo.
1. A Carta Magna no Brasil
Por iniciativa do deputado João Henrique Caldas (SD-AL), a Câmara dos Deputados do Brasil realizou, no dia 23 de Setembro de 2015, uma sessão solene “em alusão aos 800 anos da Carta Magna”. Segundo o deputado, o documento “tem peso histórico para toda a estrutura das democracias ocidentais atuais” e é “papel” do Congresso Nacional “assegurar princípios que remetem à Magna Carta, como o império da lei, o tratamento justo e igualitário ao cidadão e o controle para não haver abuso por parte dos que controlam o Estado”.7
Já o site do Tribunal Superior do Trabalho (TST) informava, na “Homenagem aos 800 anos da Magna Carta”, que esta “inspirou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, introduzindo no mundo um símbolo de liberdade, devendo ser lembrada e comemorada como o início da luta pelos direitos humanos fundamentais, de luta pela liberdade, pela igualdade, pela democracia, pela supremacia da lei sobre todos os fatores sociais”8. Foram diversas homenagens no Brasil aos 800 anos do texto de 1215.
Em dicionários brasileiros, é possível ver o uso da Carta Magna como sinônimo de Constituição. O dicionário Michaelis menciona como sinônimo de carta constitucional,9 e o Dicionário Técnico Jurídico, organizado por Deocleciano Guimarês, diz que ela “é o mesmo que Constituição Federal10”. Diversos outros dicionários descrevem o documento da mesma forma11, inclusive o Dicionário Jurídico da Academia brasileira de Letras Jurídicas, que escreve que Carta Magna é o termo “empregado para designar a Constituição ou lei maior de um Estado”,12 e o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, que a descreveu como “expressão usada para indicar a carta constitucional ou constituição de um país13”.
Diversos livros brasileiros de Direito Constitucional costumam usar o termo Carta Magna para se referir à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Aqui, posso citar os livros dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes14 e Gilmar Ferreira Mendes,15 e de autores como José Afonso da Silva,16 Walber Agra17 e Marcelo Alexandrino.18
Esse fato também é comum nas decisões do STF. Em diversos julgados, é possível perceber como a Carta é utilizada como sinônimo de Constituição: a “atual Carta Magna”19, “a nossa Carta Magna”20, “do artigo 102 da Carta Magna”21.
No Brasil, a Carta Magna ainda é descrita como sinônimo de Constituição e sua publicação, primeiramente no ano de 1215, na Inglaterra feudal, supostamente ainda “influencia” o constitucionalismo brasileiro, pelo entendimento dos alguns juristas.
O objetivo do presente artigo é comparar as descrições acima com pesquisas especificas e aprofundadas sobre o que foi a Carta Magna. Sendo assim, pretendo entender como um documento feudal, publicado pela primeira vez em 1215, ainda pode ser visto e entendido como importante nos dias de hoje.
2. O que foi a Carta Magna de 1215?
Airton Seelaender escreveu que “uma das maneiras mais ingênuas de projetar no passado conceitos atuais consiste em equiparar, à constituição do Estado Contemporâneo, diplomas medievais como a ‘Magna Carta’ inglesa”22. Citando Wesel, Seelander também lembra que a Carta, “podia vedar o banimento, o confisco e a prisão de homens livres sem prévia decisão judicial”23, mas era um “típico contrato medieval, entre suseranos e seus vassalos, só eficaz entre eles, sem pretensão de universalização que existe, por exemplo, quando se fala em direitos humanos24.
Para Edward Corwin, a Carta Magna foi uma garantia real a um limitado número de beneficiários. O rei prometeu aos seus barões25 que, dali em diante, ele não infringiria os seus privilégios26 feudais costumeiros (habituais) (customary feudal privileges)27. Ou seja, o rei John (1166-1216), coroado em 27 de maio de 1199, após a morte do seu irmão Richard I, assinou a Magna Carta Libertatum (nome original do documento), garantindo privilégios que tinham sido violados no período de guerra anterior.
E, aqui, é importante lembrar que estamos falando de um período feudal. Não existia a distinção clara entre governo e propriedade. Mesmo as distinções entre direito público e privado seguiam bases distintas das atuais28. Essa divisão, ademais, era pouco importante devido à “sobreposição de diversos senhoritos, direitos e poderes de distintos titulares sobre as mesmas terras e populações”29.
Paolo Grossi explica que a produção do Direito estava intimamente ligada à pluralidade e à variedade de forças que compunham as sociedades no medievo30. Por isso, naquele período, não podemos utilizar a noção atual de soberania,31 de Estado32 e de lei como fazemos hoje.
A lei do príncipe,33 por exemplo, não era um canal principal para entender a experiência jurídica pautada pelo pluralismo de forças e pelo pluralismo jurídico. O poder era dividido (ou compartilhado) entre o rei e os senhores feudais. O poder político era “esfacelado”: composto por “monarquias, principados laicos e eclesiásticos, cidades livres, mil manifestações feudais que não merecem ser considerados Estados34”. Os barões tinham terras, armas, vassalos e regras. Na terra do senhor, as regras do senhor coexistiram com fragmentos de diversas ordens35.
António Manuel Hespanha lembra que “na sociedade europeia medieval, conviviam diversas ordens jurídicas - o direito comum temporal (basicamente identificável com o direito romano, embora interpretado), o direito canônico e os direitos próprios, de vária natureza e de diversa hierarquia”36. É isso que Hespanha chama de pluralismo jurídico, “coexistência de ordens jurídicas diversas no seio do mesmo ordenamento jurídico37”. Ou seja, não existia uma delimitação muito clara entre as normas. Todas elas, de diversas fontes e naturezas, ordenavam a sociedade38.
Sendo a ordem jurídica medieval “um mundo de ordenamentos”39, em uma ordem de pluralismo jurídico, como podemos entender a Carta Magna em 1215?
Primeiramente, como um contrato medieval40 entre o rei e seus barões. Um contrato que prometia a manutenção de antigos privilégios dos barões e que deveria respeitar a tradição e, em especial, os poderes bélicos e políticos que ali existiam. Era um documento que respeitava os privilégios não escritos existentes e que tentava ser uma afirmação de cumprimento deles.
Tamar Herzog explica que, na Inglaterra do Século XII, os reis normandos (região hoje no norte da França) dependiam dos senhores feudais que os acompanharam até a ilha e asseguraram seu controle41. No entanto, os reis desejavam limitar os poderes desses senhores para obter acesso direto aos seus vassalos e adquirir o domínio total do país.42
Aqui, é importante entender o equilíbrio político do final do Século XII e do início do Século XIII na Inglaterra: os reis não tinham controle total sobre os territórios, as terras e os bens. Os reis desejavam limitar os poderes desses senhores e obter acesso direto a seus vassalos, adquirir o domínio da terra e aumentar os poderes reais (políticos, bélicos e jurídicos).
O rei John estava politicamente frágil após anos de guerra com a França e com a derrota final em 1214. A Carta foi assinada após o rei “abusar” do que eram considerados privilégios dos barões. Ela não foi a primeira Carta assinada por um rei inglês, nem seria a última. Poucos meses depois de assinar a Carta Magna, o rei John já articulava pelo seu não cumprimento, o que gerou uma nova guerra civil na Inglaterra.
Herzog também lembra que a crescente presença da jurisdição real nem sempre foi apreciada pelos senhores e barões que viram seus poderes e privilégios diminuírem. Nesse turbilhão de acontecimentos, foi assinada a Magna Carta, visando garantir, principalmente, segundo Herzog, os privilégios (privileges) dos barões e dos homens livres, e não os direitos dos ingleses. A preocupação do texto era garantir o controle feudal sobre a terra e a herança feudal que eram ameaçadas pelos desenvolvimentos legais do século XII e do início do século XIII.43
A Carta Magna não conseguiu resolver essas questões naquele momento. O sistema jurídico ainda demoraria para se consolidar44. A Inglaterra ainda passaria por outras guerras civis naqueles períodos e a Carta seria elemento de disputa dos senhores feudais.
Clair Breay, curadora dos manuscritos medievais do British Library, afirma que
A Carta Magna - a Grande Carta - não foi uma declaração de princípios fundamentais de liberdade, mas uma série de concessões abordando queixas baroniais de longa data e condenando o governo arbitrário. A maioria de suas cláusulas tratava dos limites do direito do rei em áreas específicas de tributação e administração feudal, mas muito poucas foram formuladas como declarações precisas da lei. Foi o produto de meses de negociação e seus principais beneficiários foram os escalões mais altos da sociedade feudal (...). O campesinato que constituía a massa da população estava firmemente fora de sua competência 45.
Após a “desastrosa” campanha na Normandia, o rei John “foi confrontado com exigências dos barões para a confirmação das leis de Eduardo, o Confessor (1042-1066) e a carta de liberdades que Henrique I emitiu em sua coroação em 1100”46.
Ou seja, os argumentos e a própria ideia de uma Carta não eram novidades. O rei, naquele sistema feudal, sofria pressão dos senhores feudais após uma derrota bélica de grande custo econômico e de constante violações aos privilégios dos senhores feitos pela monarquia47. A Carta não buscava dar direitos a todos os cidadãos ingleses. A maior parte da população estava excluída e alheia das garantidas escritas no documento.
Sendo assim, a próxima pergunta que deve ser feita é: como esse documento medieval, que foi rasgado e desrespeitado inúmeras vezes pelos monarcas ingleses e que tentava afirmar privilégios de uma pequena parte da sociedade inglesa, virou “referência” para o Direito Constitucional atual?
3. Edward Coke e o mito da Carta Magna
O resgate da Magna Carta no século XVII está diretamente relacionada ao trabalho de Sir. Edward Coke48 e a um grupo de juristas, que resgataram um texto medieval e usaram sua história como “suposta” pedra fundamental do constitucionalismo inglês. A crença dos juristas, durante o século XVII, sobre a antiguidade do common law, encorajou a crença na existência de uma antiga constituição que era anterior e, de alguma forma, imune à prerrogativa real49.
No centro deste argumento, estava a Carta Magna, como elemento antigo e que serviria como uma limitação do rei. Segundo Lawrence Stone: “Sir Edward Coke e outros desenvolveram todo um campo de pesquisa de antiquários que usaram para apoiar o conceito de constituição equilibrada, usando - ou abusando - do mito da Magna Carta como a pedra fundamental”50.
Eram defensores da propriedade privada e usavam a história para tal. O argumento histórico, no parlamento inglês do século XVII, tinha muito poder, e Coke soube usar isso. Stone mostra que Coke usou do mito da Magna Carta com fins que ajudassem seus projetos políticos naquele momento51.
Ou seja, a Carta do séc. XIII renasce no séc. XVII, mas renasce como um mito, não com suas características medievais, mas, agora, com características “modernas” que pouco têm a ver com seu sentido original.
Jill Lepore, afirma que “para construir seu caso contra o rei, Coke desenterrou uma cópia de um documento legal antigo e quase inteiramente esquecido, conhecido como Carta Magna”52, na qual o rei “prometeu” aos barões que obedeceria a “lei da terra”53. Ou seja, a carta, resgatada por Coke, era um compromisso do rei em obedecer às “leis” já existentes. Segunda a autora, foi Coke quem fez a Carta importante54:
A Carta Magna havia sido revogada quase imediatamente após ter sido escrita e tornou-se completamente obscura até os tempos do rei James e de suas batalhas com o incontrolável Edward Coke. Mas Coke, que era tão brilhante como estratégia política quanto como estudioso da lei, a ressuscitou na década de 1620 e passou a se referir a ela como a “antiga Constituição” da Inglaterra. 55
Giovanni Tarello adverte que Voltaire já tinha feito a desmistificação da Carta no século XVII: “E não é por acaso que a primeira empreitada de desmistificação historiográfica de Voltaire com instrumentos de verdadeira exegese jurídica do texto é aquela que consiste em devolver à Carta Magna seu significado histórico como expressão da vitória dos bastões de consagração dos servos ingleses”56.
Airton Seelaender também lembra que historiadores descrevem que Coke “entortava” a Magna Carta “até extrair dela o que queria”57. Nicola Matteucci descreve Coke como o “grande inventor do mito político da Magna Carta”58 e também explica que a common law regulava e controlava os atos do Parlamento59. Uma lei contrária ao common law, “soit tênue p’nul”60. Nesse sentido, tem-se a disputa pela interpretação jurídica. Se os atos do rei não podem contrariar a common law, quem interpreta o que é a common law é quem diz o Direito61. Assim era o projeto constitucional de Coke de autonomia do judiciário62. Para tanto, ele precisava de um argumento forte e antigo63. Um dos principais argumentos foi a Magna Carta.
O uso da Magna Carta foi uma artimanha para limitar os atos reais, séculos depois da sua assinatura. Nesse contexto, o mito foi criado para deixar o controle nas mãos de alguns intérpretes, um grupo político determinado. Dessa forma, como em 1215, o resgate do texto foi um resgate de exclusão e de divisão de classes, e não de ampliação de direitos. Não tenho intenção de defender uma monarquia absoluta, mas de demonstrar que o resgate do texto foi estratégico.
É por isso que alguns autores descrevem Coke como “myth-maker”64. Sendo assim, a Carta Magna da Revolução inglesa não é a mesma de 1215; também não é a mesma ideia que temos hoje. O que entendemos dela comumente no Brasil é uma ficção, um argumento ou história, e não pauta de uma pesquisa histórica.
A Carta, que não tinha a força de uma Constituição, só reconheceu, no século XIII, privilégios que já pertenciam aos senhores feudais ingleses. Ela não inovou, pelo contrário, foi um contrato medieval que estabelecia que o rei não violaria costumes e tradições. Jill Lepore lembra também que as regras escritas naquele momento eram extremamente controversas, o que também pode explicar o imediato fracasso do texto no século XIII65. O rei violou e novas assinaturas de cartas magnas vieram. Esquecida, ela foi resgada séculos depois para um uso político claro. Era o interesse político, sobre o argumento jurídico, que o common law deveria prevalecer sobre o legislado e sobre as decisões reais.
Veja-se que o “defensor” do common law, naquele momento, era o Judiciário e, no sistema brasileiro atual, temos uma Constituição elaborada por um Poder Originário Constituinte e que pode ser alterada pelo Poder Legislativo.
Da Inglaterra do Século XVII até o Brasil do século XX e XXI, há um longo caminho que ainda quero pesquisar no futuro. As traduções e recepções66 da Carta ainda podem render futuras pesquisas, em especial, para verificar porque o conceito dela reproduzido hoje é tão diverso do seu significado no século XIII. Será que o conceito se transformou ao chegar no Brasil? Como ele chegou? Essas perguntas, que não foram objeto de presente artigo, continuam abertas e podem levar a novas descobertas sobre a Carta Magna no Brasil.67
Palavras finais
Acreditar que a Carta Magna está presente e que o constitucionalismo brasileiro deve comemorar esse documento é o mesmo que acreditar que a greve no Egito antigo pode auxiliar uma decisão do STF68 ou que a Constituição de 1937 não existiu69. São erros que precisam ser descortinados pelas pesquisas históricas.
Se o “Direito Constitucional brasileiro” quer se apoiar em base históricas, deve o fazer com pesquisas histórias e aprofundadas70.
A Carta Magna foi um documento medieval, que garantia privilégios a uma pequena parte da população. Era um documento excludente. Não é possível que o direito contemporâneo, que tem por base a igualdade e a universalidade dos direitos, resgate os princípios de um documento que deve ser entendido historicamente.
A Carta Magna também prescrevia a medida do vinho, da cerveja e outros pesos e medidas. Regulava empréstimos de juros feitos aos judeus, regras para viúvas e de restrições impostas às mulheres. Da mesma forma que não é conveniente adotarmos as medidas métricas da Carta ou suas regras sobre juros ou sobre relações familiares, temos que entender que os tempos são outros e que as regras que existiam em 1215 não nos servem mais.
A importância da Carta Magna está no ano de 1215 e nos efeitos que ela produziu naquela sociedade feudal. Seu uso hoje é um mito que pouco pode acrescentar ao debate constitucional. Em especial, no Brasil, que possuímos uma história com várias constituições e múltiplas experiências constitucionais, talvez seja mais interessante conhecer o nosso passado do que procurar privilégios de senhores feudais no século XIII.
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