Resumo: O artigo visa investigar a atuação das centrais sindicais no contexto da covid-19. A partir de revisão bibliográfica direcionada para a crise sanitária, o sindicalismo contemporâneo no Brasil e o surgimento das três centrais sindicais abordadas na investigação - a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas) e a Força Sindical -, o estudo apresenta uma análise de documentos institucionais como notas públicas, teses congressuais, resoluções e artigos editoriais a respeito do posicionamento, das pautas e da atuação das referidas centrais no período de fevereiro a agosto de 2020, compreendendo horizontes para a classe-que-vive-do-trabalho no Brasil.
Palavras-chave: Pandemia, centrais sindicais, covid-19, sindicalismo brasileiro, atuação sindical.
Abstract: The article aims to investigate the role of the union centrals in the context of covid-19. From a bibliographic review directed to the health crisis, contemporary syndicalism in Brazil and the emergence of the three union centrals covered in the investigation - the Central Única dos Trabalhadores (CUT), the Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas) and Força Sindical -, the study presents an analysis of institutional documents such as public notes, congressional theses, resolutions and editorial articles regarding the positioning, agendas and performance of these centrals in the period from February to August 2020, understanding horizons for the class- who-lives-from-labour in Brazil.
Keywords: Pandemic, union centrals, covid-19, brazilian syndicalism, syndical activity.
Artigos
Atuação das centrais sindicais no contexto da covid-19: aproximações e distanciamentos
Role of the union centrals in the context of covid-19: approximations and distances
Recepção: 18 Março 2021
Aprovação: 05 Julho 2021
A pandemia do novo coronavírus representa uma das mais profundas crises humanitárias já vivenciadas em escala global. Diante de sua rápida disseminação e dos altos níveis de contágio do novo vírus, as principais medidas necessárias para a contenção da doença - isolamento social para evitar contaminação, quarentena de pessoas infectadas, restrição da mobilidade de pessoas e bens, dentre outras - afetaram o núcleo duro do sistema capitalista: a produção e o consumo, engendrando um processo de recessão econômica profunda que rapidamente atravessou as fronteiras e hoje representa um desafio para boa parte dos países.
A personificação deste núcleo duro afetado pela crise sanitária e econômica, aqueles que produzem, consomem e vivem de seu próprio trabalho, foram, portanto, protagonistas deste complexo cenário em que a disseminação do vírus precisava ser contida prioritariamente a partir da restrição da circulação humana, trazendo à tona “velhas” e persistentes questões, como a centralidade do trabalho para a reprodução do capital e a importância da organização da classe que trabalha para conter o seu avanço destrutivo ou, como lucidamente nomeou Ricardo Antunes, para barrar o “metabolismo antissocial do capital cuja normalidade é a destrutividade” (ANTUNES, 2020, p. 12).
Com níveis de desemprego, precarização e informalidade já extremamente altos antes do surgimento do novo coronavírus, a crise sanitária representou para o Brasil um momento em que a questão do trabalho e da organização dos e das trabalhadoras - para reivindicação de pautas como o atendimento de saúde público e de qualidade, o acesso à renda emergencial e a proteção do trabalho face às “novas”1 investidas de fragilização de normas protetivas - se tornaram peças chaves para o enfrentamento da crise.
Nesse contexto, as centrais sindicais do país, na qualidade de polos de aglutinação e de direção política de diversas categorias de trabalhadores(as), perfizeram trajetórias que por vezes se tangenciaram no que diz respeito às principais reivindicações de suas bases, mas que em determinados pontos se distanciaram, como no caso de pautas políticas articuladas com a finalidade de deposição do Presidente da República no período pandêmico, Jair Messias Bolsonaro.
Esse movimento de aproximação e distanciamento corresponde, em boa medida, aos perfis das centrais sindicais e dos setores que representam, às suas localizações históricas quanto às questões referentes ao mundo do trabalho, bem como a aspectos estruturais da vida política do país. Aqui, a bricolagem de diversas e numerosas entidades retrata o cenário mais amplo da fragmentação não só das organizações sindicais, mas da própria classe-que-vive-do-trabalho2 no Brasil.
No presente artigo, serão analisadas as principais bandeiras e reivindicações levantadas durante a pandemia do novo coronavírus por três centrais sindicais: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas) e a Força Sindical. Trata-se de centrais que dialogam com distintas bases sociais e categorias profissionais e que, no período histórico recente, se posicionaram de formas diferentes a respeito de temas relevantes para a política brasileira, tais como o “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff em 2014, a Reforma Trabalhista de 2017, a Reforma da Previdência e, já no contexto da pandemia, sobre as medidas propostas em diferentes níveis de governo para mitigar os impactos da covid-19 sobre as condições de trabalho e renda dos(as) trabalhadores(as).
Assim, partindo de uma revisão bibliográfica sobre o sindicalismo contemporâneo no Brasil e o surgimento/atuação das centrais sindicais abordadas na investigação, será realizada uma análise detida dos documentos institucionais por elas publicados, tais como notas públicas, teses congressuais, resoluções e artigos editoriais a respeito do posicionamento e das pautas de atuação das centrais no período compreendido entre fevereiro e agosto de 2020. O estudo conta, ainda, com o apontamento de dados da economia brasileira no período abordado, disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), articulados com notícias de grande circulação a respeito das medidas adotadas por diversos níveis de governo, sobretudo o federal, para lidar com a pandemia de covid-19 e seus efeitos socioeconômicos.
Objetiva-se, pois, a construção de um diagnóstico concernente a um momento histórico atípico, revelando-se como as centrais sindicais estudadas atuaram diante do contexto que se impôs e compreendendo se e de que maneira as pautas privilegiadas por essas organizações se aproximaram ou se tensionaram, tendo em vista as características e perfis dessas entidades, no cenário atual da organização sindical dos e das trabalhadoras no país.
No início de 2020, a expansão do novo coronavírus se agravou vertiginosamente e, em 11 de março, a OMS declarou o “status” pandêmico da doença (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020), dado o rápido avanço geográfico doença, os níveis alarmantes de contaminação e, ainda, a falta de ação dos governos de diversos países afetados.
O Brasil, intensamente afetado ao longo do processo de disseminação da doença, foi palco de ações por vezes contraditórias e em geral ineficientes para o combate do novo coronavírus. Aqui se destaca a negligência do Poder Executivo federal, personificado pelo presidente Jair Bolsonaro, que apesar da declaração inicial da emergência nacional de saúde e da publicação da assim chamada Lei da Quarentena (Lei nº 13.979 de 6 de fevereiro de 2020), dispondo a respeito de medidas para enfrentamento da covid-193, desde o início da pandemia adotou a postura de negar a periculosidade do vírus, chamando a doença de mera “gripezinha” (BETIM, 2020), bem como estimulando a adoção de tratamentos não validados pelas organizações internacionais e nacionais de saúde, como o uso da hidroxicloroquina.
O presidente também antagonizou diretamente as medidas de isolamento social e quarentena promovidas nas esferas estaduais (OLIVEIRA; ROSSI, 2020), mediante constantes tensionamentos relacionados às estratégias adotadas pelo governo federal para a contenção da pandemia no país e trocas seguidas de Ministros da Saúde. O aprofundamento da crise se potencializou com o advento das vacinas para o coronavírus, trazendo conflitos diplomáticos e com a comunidade científica em virtude da postura negacionista do chefe do Poder Executivo Federal.
Os duros efeitos da pandemia sobre a população brasileira foram, assim, complexificados pela crise política latente do governo Bolsonaro, eleito em 2018 em um contexto de grande polarização política, beneficiado pelo avanço do antipetismo e de movimentos de extrema direita no país e que, uma vez empossado, adotou uma série de medidas que aprofundaram a “ofensiva neoliberal restauradora” por meio da retirada sistemática de direitos sociais, sobretudo os direitos trabalhistas (MARCELINO; GALVÃO, 2020).
O assim chamado “mundo do trabalho” foi diretamente afetado pelas consequências socioeconômicas da covid-19 em todo o mundo (ANTUNES, 2020). Os altos índices de mortalidade, o aumento exponencial da pobreza e do desemprego afetaram diretamente a “totalidade da classe trabalhadora” (ANTUNES, 2020, p. 7-8).
No Brasil, lugar em que a classe-que-vive-do-trabalho sempre enfrentou condições intensas de exploração e que mesmo antes da pandemia encontrava-se imersa no mercado informal de trabalho (ANTUNES, 2020) - o cenário não poderia ser diferente. Foram 7,8 milhões de postos de trabalho perdidos em apenas três meses, dos quais 5,8 eram trabalhadores(as) informais (ALVARENGA; SILVEIRA, 2020). Pela primeira vez, menos da metade da população em idade de trabalhar esteve ocupada e o desemprego acumulado atingiu o percentual de aproximadamente 13% da população economicamente ativa4.
A renda média efetivamente recebida pelos(as) trabalhadores(as) também revelou profunda queda. No caso dos trabalhadores e trabalhadoras informais (aproximadamente 40% da força de trabalho), a redução foi a mais severa: receberam apenas 60% do que habitualmente recebiam. Majoritariamente concentrados(as) nos setores de serviços, portanto, os(as) trabalhadores(as) mais atingidos(as) pela pandemia foram justamente aqueles(as) que gozam de menor proteção legislativa e que, ainda, apenas raramente se organizam em formatos tradicionais como os sindicatos (CARDOSO, 2015).
Outro aspecto que deve ser mencionado diz respeito ao perfil desse grande contingente de trabalhadores e trabalhadoras. Contrariando o mito de que doenças são fenômenos “democráticos”, a disseminação do novo coronavírus é, como elucida Harvey (2020, p. 6), “altamente seccionada por gênero, raça e etnia na maior parte do mundo”, o que se vislumbra no Brasil pelos altos números de contaminação em zonas urbanas periféricas (ROSSI, 2020), em setores econômicos específicos - como a cadeia produtiva dos frigoríficos (MOTA, 2020), e pode ainda ser observado nos percentuais de desocupação elevados desde o início da pandemia (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2020), principalmente para as mulheres5.
Considerando esse quadro alarmante, destaca-se a importância da atuação sindical na organização dos(as) trabalhadores(as) e na defesa de seus interesses, como movimentações essenciais para qualquer tentativa de barrar a ofensiva neoliberal plenamente em curso e salvaguardar os direitos duramente conquistados pela classe que vive do trabalho no Brasil, sobretudo em um contexto tão complexo como uma pandemia global.
Assim, é preciso analisar de que maneira as centrais sindicais brasileiras têm se posicionado desde o advento da covid-19 no Brasil, em especial sobre os temas aqui levantados, bem como de que modo esses posicionamentos dialogam com as estratégias políticas adotadas historicamente por essas entidades, com ênfase no período acima abordado.
Para fazê-lo, serão analisados os principais posicionamentos e pautas de reivindicações levantadas por três centrais sindicais: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas) e a Força Sindical, uma vez que cada uma dessas entidades dialoga com distintas bases e, ainda, se situaram de modos diferentes em relação às principais transformações das relações de trabalho no Brasil desde 2015.
Em janeiro de 2020, quando esparsas notícias surgiam sobre o novo coronavírus, as três centrais sindicais que aqui serão abordadas - CUT, CSP Conlutas e Força Sindical - possuíam um importante calendário de lutas programado, buscando unidade após uma série de derrotas.
O ano se iniciava na ressaca da aprovação Reforma da Previdência em novembro de 2019, uma derrota que significou, em sua versão final, a instituição de idade mínima como condição para o acesso à aposentadoria e o rebaixamento do valor dos benefícios pela alteração da regra de cálculo que antes eliminava 20% das contribuições mais baixas (MARCELINO; GALVÃO, 2020, p. 168-169).
Como relatam Marcelino e Galvão6, a grande maioria das centrais sindicais, inclusive CUT, CSP Conlutas e Força Sindical, se uniu na tentativa de barrar a Reforma da Previdência, se opondo ao regime de capitalização proposto inicialmente, às mudanças mencionadas acima e denunciando os impactos sobre as mulheres e trabalhadores(as) rurais.
Contudo, a unidade entre as centrais não é uma experiência que se reproduziu em muitas oportunidades nos últimos quatro anos, período de avanço da ofensiva restauradora neoliberal no país. Como exemplo, veja-se que das três, apenas a CUT se posicionou desde o início contra o “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff em 2016.
Quanto à liberação da terceirização irrestrita das atividades empresariais, o projeto foi apoiado pela Força Sindical e sofreu duras críticas da CUT e CSP-Conlutas, além de gerar grande reação sindical, com manifestações e paralisações em 2015, quando o projeto foi colocado em regime de votação no Congresso Nacional7.
Já em relação à Reforma Trabalhista, aprovada em julho de 2017 pelo governo Temer, as três centrais se posicionaram firmemente contrárias ao seu conteúdo, uma vez que, além de flexibilizar os direitos trabalhistas e consagrar o “negociado sobre o legislado”, a lei fragilizou diretamente os sindicatos ao admitir formas precárias de contratação (fragmentando as bases de representação), dispensar a intermediação sindical nas rescisões contratuais e condicionar a cobrança do imposto sindical à autorização prévia do(a) trabalhador(a).
As aproximações e distanciamentos aqui rapidamente analisados refletem aspectos históricos recentes dessas centrais sindicais que merecem ser rememorados, ainda que de maneira breve.
Fundada em 1983, em um contexto de ascensão do sindicalismo brasileiro conhecido como o “novo sindicalismo” (ANTUNES, 2018, p. 180 e seguintes), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) corresponde à maior central sindical do Brasil e, em sua origem, defendia “uma organização sindical construída pela base, classista, autônoma, independente do Estado, além de assumir a defesa de uma sociedade sem exploração entre capital e trabalho” (ANTUNES, 2018, p. 184).
Na década de 1980, a CUT esteve ao lado dos movimentos sociais e do então recém criado Partido dos Trabalhadores (PT), levantando pautas como a campanha por eleições presenciais diretas, organizando greves gerais que negavam o espírito de conciliação de classes (ANTUNES, 2018, p. 196), bem como incidindo na Assembleia Nacional Constituinte em defesa dos interesses dos(as) trabalhadores(as) , atuação que culminou com a garantia do direito de greve, a possibilidade de organização sindical de servidores(as) públicos(as) e a preservação de conquistas históricas da classe-que-vive-do-trabalho, dentre outras lutas (ANTUNES, 2018, p. 184-185).
Com o advento da década de 1990 e a instalação do projeto neoliberal que, enfim, chegava ao Brasil - pautado na reestruturação produtiva, na financeirização e desregulamentação da economia, na privatização e na flexibilização da legislação trabalhista, a nova realidade imposta aos(às) trabalhadores(as) importou também em um cenário mais defensivo e moderado para o sindicalismo, priorizando cada vez mais a negociação. Nas palavras de Antunes (2018, p. 187), “os anos de ouro do novo sindicalismo começavam a ser substituídos por práticas de concertação”.
Nesse contexto, em 1991 foi criada a Força Sindical, que surgiu, ao contrário da CUT, para lutar por um sistema capitalista “menos selvagem”, baseado em princípios como a competição, prosperidade, produtividade, democracia e participação (CARDOSO; RODRIGUES, 2009). De forma resumida:
(...) a Força Sindical incorpora os principais componentes de um “liberalismo social” (embora o termo não seja utilizado) com vistas a uma sociedade democrática no interior da qual um espaço importante deveria ser reservado aos trabalhadores, tanto do prisma político (participação nas decisões e órgãos deliberativos do Estado) como do prisma econômico (ampliação da participação dos assalariados na renda nacional) (CARDOSO; RODRIGUES, 2009, p. 02).
Desde sua criação, a Força Sindical disputou diretamente com a CUT os espaços políticos e bases sindicais, posicionando-se, por vezes, em defesa de interesses mais próximos aos da classe burguesa brasileira, como foi o caso mais recente do “impeachment” de 2016 e da terceirização irrestrita (que favorecia sua base sindical), mas também do apoio dado pela entidade às privatizações e à desregulamentação do mercado de trabalho implementadas na década de 1990 (TRÓPIA, 2002, p. 159-160).
Segundo Antunes (2018, p. 211), ambas as centrais, não obstante os antagonismos que caracterizaram seus projetos fundacionais, se aproximaram no decorrer das décadas de 1990 e 2000 “ao defender uma política sindical voltada centralmente para a negociação e para a defesa da cidadania em detrimento dos valores da classe trabalhadora”. Nesse processo, afirma o autor, suas diferenças passaram a “desvanecer” na grande linha da conciliação de classes.
Com a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002 e a manutenção, pelo que seriam catorze anos de governo petista, dos pilares do neoliberalismo (o tripé macroeconômico: câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais), mesmo com a adoção de políticas sociais e trabalhistas (Bolsa Família; Minha Casa, Minha Vida; Mais Médicos; regulamentação do trabalho doméstico; entre outras) (MARCELINO; GALVÃO, 2020, p. 160), essa aproximação entre as políticas adotadas pelas centrais ficou mais evidente, uma vez que a CUT se transformou em uma central totalmente alinhada com o governo federal e, portanto, com o ideário neoliberal, “ainda que em sua nova variante social-liberal” (ANTUNES, 2018, p. 202), se distanciando da defesa de um projeto político alternativo ao capitalismo, presente em sua origem.
De fato, foi nos governos petistas que CUT e Força Sindical ocuparam diversos espaços da burocracia estatal, reforçando um sindicalismo atrelado ao Estado, denominado por Antunes (2018, p. 213-214) de “sindicalismo negocial de Estado”, lastreado ainda na expansão das formas de financiamento das centrais mediadas pela atuação do Estado - como o imposto sindical e o Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Fruto de um processo de deslocamento de bases da CUT em razão da configuração assumida por esta central em especial durante os governos petistas, a Central Sindical Popular CSP-Conlutas, concebida em 2004, representa parte de um “processo de reconfiguração do sindicalismo brasileiro” em curso desde 2002, se situando no “campo político-ideológico de esquerda no sindicalismo” (GALVÃO; MARCELINO; TRÓPIA, 2015, p. 23).
A central recém constituída derivou da aglutinação de correntes ligadas ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e algumas ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que criticavam o apoio da CUT ao governo Lula e se opunham à participação da central nos organismos tripartites criados pelo governo para discutir as reformas previdenciária, tributária, trabalhista e sindical (GALVÃO; MARCELINO; TRÓPIA, 2015, p. 23-24).
Conectando movimentos sociais e sindicatos8, a CSP Conlutas criticava, portanto, desde sua origem, a prática da conciliação de classes, recusando-se participar de negociações que pudessem implicar em concessões ou perdas de direitos dos(as) trabalhadores(as) e privilegiando lutas que refletissem seu projeto político de construção do socialismo e de combate às políticas neoliberais (GALVÃO; MARCELINO; TRÓPIA, 2015, p. 59-60).
Nesse sentido, conforme relata Galvão et al., esta central possui um amplo espectro de bandeiras e reivindicações (GALVÃO; MARCELINO; TRÓPIA, 2015, p. 51-52) que não se resumem a questões tradicionais das pautas econômicas reivindicadas no campo da luta sindical - aumento salarial, benefícios, proteção a direitos referentes a relação de trabalho, etc. Pelo contrário, no decorrer de sua existência e funcionamento, a Conlutas passou a expandir sua atuação para abarcar questões como gênero, raça e etnia, educação, meio ambiente, dentre outras, articuladas na luta anticapitalista.
As três centrais aqui analisadas, como visto, possuem trajetórias bastante distintas e apresentam projetos políticos também diversos, que por vezes se transformaram no decorrer do tempo e no contexto das reestruturações do capital implementadas no Brasil. Esses projetos, mais facilmente observados nas práticas adotadas pelas centrais do que em seus discursos, podem também ser identificados nas pautas, reivindicações e estratégias desenvolvidas pelas centrais com o advento da pandemia de covid-19 no país.
Já foi dito anteriormente que a pandemia chega ao Brasil e encontra o sindicalismo fragilizado. Segundo Campos, o foco das entidades se restringia “à busca da preservação das estruturas”9, sem que houvesse uma estratégia para refletir acerca da sua representatividade junto aos trabalhadores ou mesmo seu papel na sociedade.
Assim, buscando resistir ao projeto da MP nº 905 de Bolsonaro (chamada de MP da “Carteira Verde e Amarela”) e à reforma sindical anunciada pelo governo federal10, as três centrais abordadas construíram um calendário de atos unificados no início de 2020 com o objetivo de defesa do emprego, da reindustrialização do país e contra os ataques à classe-que-vive-do-trabalho. Desde então, anunciava-se um primeiro de maio unificado entre todas as centrais, para fazer frente a esses processos.
Porém, ao final de fevereiro de 2020, um mês após o estabelecimento desta agenda unificada, em um contexto de profundas tensões entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro divulgou vídeo em que apoiava uma manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (JIMENEZ, 2020).
Esta postura representou um agravamento da crise política no âmbito do governo federal, e, diante deste cenário, as centrais sindicais se uniram novamente para se posicionarem “em defesa das liberdades democráticas” (FORÇA SINDICAL, 2020a), estabelecendo um novo calendário unificado11 e conclamando todas as “forças sociais” para um ato no dia 18 de março de 2020.
O ato seria posteriormente suspenso, em razão dos riscos apresentados pela aglomeração de pessoas, mas suas pautas foram mesmo assim estabelecidas pelas centrais e divulgadas para as bases12.
Nesse contexto complexo, foram promulgadas pelo Governo Federal as medidas provisórias nº 927 de 22 de março de 2020 (BRASIL, 2020b) e 936, de 01 de abril de 2020 (BRASIL, 2020c)13. A primeira, dialogando diretamente com propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI, 2020) e com o objetivo de reorganizar as relações de trabalho durante a crise, terminou por representar uma maior vulnerabilização dos(as) trabalhadores(as), uma vez que - dentre outras medidas flexibilizadoras14 - instituiu a possibilidade de celebração de acordo individual sobre qualquer tema afeto à relação de trabalho, com a finalidade de “garantir a permanência do vínculo empregatício”, em detrimento de outros instrumentos normativos (art. 2º).
A MP nº 927 previa originalmente também a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, sem garantia de manutenção do vínculo empregatício e remuneração (art. 18). Porém, a partir de diversas críticas, inclusive pressão das três centrais sindicais aqui estudadas15, o dispositivo foi revogado pela MP nº 928 de 23 de março de 2020.
Apenas uma semana após a adoção dessas medidas, duramente criticadas, foi publicada a MP nº 936 de 01 de abril de 2020, compreendida como uma espécie de recuo do Governo Federal quanto à necessidade de preservação do emprego e da renda e do papel a ser cumprido pelo Estado nessa esfera. A partir dessa legislação, além da instituição do benefício emergencial para os(as) trabalhadores(as) intermitentes, tornou-se possível a suspensão dos contratos de trabalho por período determinado e a redução de jornada de trabalho com redução de salários, sem a necessidade de negociação coletiva ou participação dos sindicatos para os(as) trabalhadores(as) que recebem salários entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,00 (quase 69% dos empregados formais no Brasil16), em direta violação do artigo 7º, VI da Constituição Federal de 1988, que prevê a irredutibilidade salarial.
Para responder às medidas implementadas pelo governo federal, em 16 de março de 2020, CUT, Força Sindical, CSP Conlutas e outras centrais também apresentaram uma proposta unificada de medidas para a crise sanitária e econômica no Brasil (CUT, 2020b). Constam no documento 38 medidas, destacando-se: a suspensão do teto de gastos públicos (Emenda Constitucional nº 95/2016) para garantir o fortalecimento dos serviços públicos; a suspensão do pagamento da dívida pública e destinação dos recursos à seguridade social; garantia de estabilidade para trabalhadores(as) no período da crise e garantia de renda para trabalhadores(as) formais e informais; medidas de isolamento social e proteção à saúde no ambiente de trabalho; garantia de remuneração média pelas empresas de aplicativos a trabalhadores(as) afastados(as) em razão da covid-19; ultratividade da negociação coletiva até a superação da crise causada pelo coronavírus; congelamento de preços de primeira necessidade e redução de itens como gás; criação de comitês entre sindicatos e entidades patronais para acompanhamento e promoção de iniciativas conjuntas de combate à crise, dentre muitas outras.
Resultado de um esforço de unidade, a proposta refletia diversos aspectos defendidos individualmente com mais ênfase por determinadas centrais. De fato, analisando-se as manifestações institucionais a respeito das medidas necessárias para conter a crise, observa-se que a Força Sindical focou seus esforços sobre garantia de emprego, renda e crédito para pequenas empresas; medidas básicas de acesso à água, energia, alimentação; incentivo de acordos coletivos para preservar salários e empregos, e a necessidade de um diálogo amplo entre Estado, empresas e representantes da classe-que-vive-do-trabalho. Foi nesses termos que se manifestou a Força a respeito da MP nº 927 (FORÇA SINDICAL, 2020c), discutida acima.
A CUT, por sua vez, em meados de março apresentava, enquanto exigências para a proteção da classe-que-vive-do-trabalho durante a crise, ações como a suspensão imediata do teto de gastos (EC 95/2016); a constituições de “comitês bipartites de crise para o acompanhamento, transparência e iniciativas visando reduzir a propagação da doença nos locais de trabalho”, além das medidas já indicadas de proteção de emprego e renda e suspensão das discussões legislativas que tivessem incidência sobre os direitos trabalhistas e a organização sindical (CUT, 2020a). Apesar de defender a saída de Bolsonaro do poder desde a realização de seu 13º congresso (CUT, 2019), a CUT nesse momento não dava ênfase à articulação das demandas de enfrentamento à crise com a derrubada do governo Bolsonaro.
Em nítido esforço de conciliação, Força Sindical e CUT buscaram dialogar com figuras políticas que pudessem endossar suas pautas, como o presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli (FORÇA SINDICAL, 2020d) e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (FORÇA SINDICAL, 2020e). No entanto, como esclarece Campos (2020), o programa desenhado pelas centrais foi em boa medida ignorado pelos grandes meios de comunicação empresariais e pelo governo federal, deixando de ser tratadas no debate público e, assim, de ter real incidência política 17.
A CSP Conlutas, por seu turno, apesar de construir a unidade das centrais nesse momento inicial, desde o princípio da pandemia vem pautando questões que refletem seu perfil de central que aglutina entidades sindicais e movimentos sociais amplos, abrangendo questões relacionadas à classe-que-vive-do-trabalho em todos os seus aspectos (CSP CONLUTAS, 2020a), tais como a violência e desigualdade de gênero (CSP CONLUTAS, 2020b), ao racismo (CSP CONLUTAS, 2020c), ao meio ambiente (CSP CONLUTAS, 2020d), entre outras.
Quanto às medidas necessárias para combater a crise, mesmo antes da pandemia a CSP Conlutas denunciava o governo Bolsonaro por suas medidas nocivas à toda a classe-que-vive-do-trabalho, sob a palavra de ordem “Derrubada de Bolsonaro e Mourão Já!” (CSP CONLUTAS, 2020a). Com o avanço da doença e a postura negacionista do governo federal, essa pauta se tornou o eixo de atuação desta central sindical para barrar a crise, aliada à medidas como: o investimento no sistema único de saúde (SUS) a partir da suspensão imediata do pagamento da dívida pública, das reformas econômicas ultraliberais implementadas pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, a revogação (e não suspensão) do teto de gastos públicos; investimento nas universidades públicas e na ciência brasileira; fim das privatizações e reestatização das empresas privatizadas, com controle dos(as) trabalhadores(as); controle da rede privada de saúde pelo Estado com fim da carência contratual nos planos de saúde; garantia de trabalho e renda, com estabilidade e direitos - inclusive para empresas de aplicativos; isenções de tarifas de aluguel, água, gás e luz aos mais pobres e controle de preços para alimentos e materiais de limpeza; a suspensão e revogação de ações de reintegração de posse e despejos; ações de proteção social nas regiões mais pobres e para as pessoas em situação de rua e imigrantes; garantia de direitos e liberdades democráticas e transparência nas informações sobre a pandemia no país, entre outras18.
Nota-se, pelo pacote de medidas mais enfaticamente defendidas por cada uma das centrais, que não havia um acordo sobre quais as melhores estratégias para combater a crise. A Força Sindical - compromissada com a manutenção de um capitalismo “menos selvagem”-, não pautava questões como a suspensão do teto de gastos públicos ou pagamento da dívida pública; a CUT pleiteava estas medidas como forma de investimento nos equipamentos de saúde pública no curso da crise e dava ênfase à negociação via “comitês bipartites” nas empresas; a CSP Conlutas, por sua vez, pautava não apenas a revogação completa do teto de gastos, a suspensão da dívida pública, como também temas claramente contrários à agenda neoliberal, como o fim das privatizações e a reestatização de empresas, além da saída de Bolsonaro e Mourão do governo federal.
Apesar do consenso entre as três centrais a respeito dos efeitos nocivos das principais medidas implementadas pelo governo federal no início da crise sanitária - as MPs 905 (FORÇA SINDICAL, 2020f, 2020n), 927 (CSP CONLUTAS, 2020f) e 936 (CSP CONLUTAS, 2020g; FORÇA SINDICAL, 2020g) - as diferenças acima elencadas, espelho bastante fiel do perfil das entidades, representaram desafios permanentes à unidade de ação das centrais no decorrer da pandemia.
O melhor exemplo dessa tensão latente entre os compromissos fundamentais de cada uma dessas organizações foi a realização do 1º de maio de 2020. Organizado em um momento em que o número de infectados(as) e mortos(as) em razão da covid-19 ainda não era tão expressivo, o ato do 1º de maio, historicamente um momento de luta e reflexão da classe-que-vive-do-trabalho, foi anunciado em fevereiro como um ato unificado entre todas as centrais para a defesa de “direitos, salário, a soberania nacional e as liberdades democráticas” (CSP CONLUTAS, 2020h).
Sem embargo, o mês de abril de 2020 e seus complexos acontecimentos colocariam essa pretensão em xeque. Publicada em 02 de abril de 2020, a MP 936 representou, para a CUT em especial, um momento de assumir com mais difusão a reivindicação da saída de Bolsonaro do poder como uma das medidas necessárias para o enfrentamento da crise. Entretanto, em 20 de abril do mesmo mês, quando Jair Bolsonaro participou de ato que defendia a volta da ditadura militar, o fechamento do Congresso e do STF, entre outras reivindicações antidemocráticas, o máximo de síntese possível entre as centrais - e que não contou com o apoio da Conlutas - foi uma nota conjunta anunciando a necessidade de “barrar o golpe de Bolsonaro” e “garantir a democracia”, sem propor, contudo, estratégias concretas nesse sentido (FORÇA SINDICAL, 2020h; CUT, 2020c).
De toda sorte, até 24 de abril de 2020, seguia a organização unificada do 1º de maio, com o tema “Saúde, Emprego, Renda: um novo mundo é possível com solidariedade” (CSP CONLUTAS, 2020i), momento em que as centrais poderiam apresentar suas bandeiras e propostas para o conjunto da classe-que-vive-do-trabalho.
As chances de unidade se tornariam menores, contudo, quando foram noticiados convites para participação do evento para figuras como João Dória (PSDB, governador do Estado de São Paulo), Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre (DEM), Wilson Witzel (PSC, governador do Rio de Janeiro), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outras figuras polêmicas, historicamente ligadas à implementação de medidas desfavoráveis à classe-que-vive-do-trabalho (CSP CONLUTAS, 2020j).
Nesse contexto, a CSP Conlutas se manifestou publicamente para reforçar a importância da unidade das centrais e do protagonismo dos(as) trabalhadores(as) nesse momento difícil de pandemia e redução de direitos, e enfatizando a necessidade de colocar o “Fora Bolsonaro” no topo das reivindicações das centrais. Para esta entidade, não atender a esses dois aspectos significaria uma movimentação “pelo terreno da conciliação de classes”, em detrimento de uma luta classista, democrática, combativa e “independente de patrões e governos” (CSP CONLUTAS, 2020k). A denúncia feita pela CSP Conlutas colocava Força e CUT no campo do signo da conciliação e, assim, “contra as reais necessidades da classe trabalhadora brasileira”, sob o desígnio de inserção do calendário das eleições de 2020.
O 1º de maio de 2020 então, em meio a uma profunda crise sanitária, política, social e econômica, foi palco de uma ruptura que decorreu, como já dito, dos compromissos fundamentais das centrais sindicais aqui analisadas. Buscando soluções para reivindicações dos(as) trabalhadores(as) no terreno da concertação, CUT, Força Sindical e outras centrais mantiveram os convites às figuras comentadas acima e não alocaram a pauta da saída de Bolsonaro do poder no centro do debate do 1º de maio. Assim, a CSP Conlutas (CSP CONLUTAS, 2020l), em conjunto com a Intersindical, na postura crítica à tentativa de conciliação de classes e em defesa de seu compromisso com a superação do modo de produção capitalista e da construção do socialismo, decidiram construir um 1º de maio autônomo “classista, de luta e independente”.
Se o 1º de maio representou uma derrota nos esforços de unidade das centrais, o aumento exponencial de casos da pandemia e a postura do governo federal durante o mês de maio - com a saída do Ministro da Saúde Henrique Mandetta - levaria à uma necessária retomara do diálogo entre as entidades e o lançamento, em 18 de maio de 2020, de campanha unificada de todas as centrais sindicais sob o tema “Pela democracia, emprego e renda, Fora Bolsonaro”.
Nas palavras de Campos:
(...) de forma inédita, as onze centrais sindicais lançaram unificadamente uma campanha pela saída do presidente Jair Bolsonaro. (...) Sem acreditar que o Congresso pode levar à frente um processo de impeachment, as centrais apostam na mobilização da classe trabalhadora para derrotar o governo. A aposta é que a mobilização repercuta e fomente manifestações populares. É uma movimentação unitária inédita, uma vez que, desde o surgimento da maioria das centrais, na primeira década de dois mil, suas posições foram diversas em relação aos governos federais (CAMPOS, 2020, p. 7).
Mesmo no âmbito do lançamento da campanha unificada, contudo, veem-se claramente as tensões entre os posicionamentos destas três centrais sindicais. Com efeito, enquanto a CSP Conlutas defendia quarentena nacional de trinta dias e greve geral dos(as) trabalhadores(as) em defesa da vida19, CUT e Força Sindical, apesar de aderirem ao “Fora Bolsonaro”, não levantaram bandeiras de confronto aberto para lastrear suas reivindicações, privilegiando o diálogo entre todas as “forças democráticas” para saída da crise (FORÇA SINDICAL, 2020i).
Nesse sentido, Força Sindical e CUT, com outras centrais, apresentaram em 22 de junho de 2020 um novo documento intitulado “Medidas de Proteção à vida, à saúde, ao emprego e à renda dos trabalhadores e trabalhadoras” (FORÇA SINDICAL, 2020j). Muito diferente das primeiras propostas unificadas, que contaram com a participação da CSP Conlutas, as medidas pleiteadas em junho consistiam resumidamente na manutenção do auxílio emergencial até dezembro de 2020; ampliação das parcelas de seguro-desemprego até o final da crise sanitária, sem carência; proteção de emprego nas micro e pequenas empresas; investimento público para retomada da economia e medidas de reconversão industrial.
Vê-se, portanto, que mesmo mantida a complexa materialidade da pandemia, com alto número de infectados(as) e mortos(as), em especial nas zonas mais pobres do país, foram retiradas da pauta de reivindicações bandeiras como a suspensão do pagamento da dívida pública, a suspensão do teto de gastos públicos, dentre outras medidas mais estruturais e de longo prazo inicialmente defendidas em um esforço de unidade de todas as centrais.
O cenário retratado até aqui permite afirmar com segurança de que, se almejada, a unidade entre as centrais sindicais brasileiras constitui um grande desafio. Ressalta-se que não se pretende, mediante o termo unidade, sugerir um direcionamento ao movimento sindical brasileiro, mas tão-somente considerar as circunstâncias ora retratadas para uma análise sobre um horizonte de aproximações e distanciamentos.
Confrontadas com uma classe-que-vive-do-trabalho extremamente diversa e em sua maioria na informalidade, as entidades representativas possuem a tarefa inadiável de avaliar seus posicionamentos e compromissos fundacionais à luz das principais demandas de seus e suas representados(as), hoje submetidos(as) a relações de trabalho precarizadas, flexibilizadas e sem perspectiva de vitórias concretas a longo prazo20.
A experiência da pandemia, tão avassaladora e trágica, pode também sugerir caminhos possíveis. Nessa linha, Campos (2020, p. 16) destaca a busca das entidades sindicais pela recuperação do papel de representantes legítimas “dos interesses da classe trabalhadora, com o objetivo de influenciar na correlação de forças atual para proteger o emprego, a renda, a saúde e a segurança dos trabalhadores”, por meio de estratégias como:
(...) pressão sobre o Congresso Nacional; alianças em forma de frente políticas com movimentos sociais, que erguem bandeiras gerais em defesa de políticas públicas; negociações coletivas; via esforço de manutenção da organização dos trabalhadores desde as suas bases; e desenvolvimento de ações solidárias junto à população mais vulnerável à crise (CAMPOS, 2020, p. 16).
Nesse movimento, surgem pistas para a possível superação do desafio de incidência na vida política do país em defesa de um projeto que reflita os anseios da classe-que-vive-do-trabalho brasileira.
Em face da constante luta pela preservação dos direitos, característica dos últimos anos de ataques profundos no contexto do avanço da restauração neoliberal conservadora, como ensina Souto Maior (2020), os(as) trabalhadores(as) perderam parte de sua identidade histórica, segmentados entre formais/informais, autônomos/celetistas, terceirizados(as) ou contratados(as) diretos(as), tantas fragmentações que só fizeram se agravar no contexto da pandemia e que poderiam ser resumidas entre aqueles(as) que ainda contam com alguns poucos direitos e aqueles(as) totalmente desprovidos(as) de qualquer proteção jurídica.
Partindo desse contexto, o mais sóbrio diagnóstico possível - feito pelo próprio Souto - é de que realmente não há mais “direitos a exaltar”. Permanece, porém, a condição insuperável de que apenas o trabalho humano (e quem trabalha) produz e que, para transformar a maneira pela qual se produz e as relações sociais que determinam esse processo, só há a certeza da luta21.
Essa luta por transformação (e não por direitos) dependerá também da atuação das centrais sindicais - em especial, de seus compromissos e estratégias, para que seja possível organizar e agir politicamente com e para a classe-que vive-do-trabalho, além das noções de categorias profissionais e das segmentações comentadas, a fim de que se torne possível dialogar com aspectos da experiência de classe que extrapolam a relação de trabalho, mas que a informam e delineiam - como as questões de gênero, raça e etnia, e construir lutas conjuntas - um 1º de maio - diferente no porvir.