Resumo: Este estudo teve o objetivo de identificar e discutir aspectos bioéticos que envolvem a proibição de doação sanguínea por pessoas homoafetivas. Trata-se de revisão integrativa da literatura, com abordagem crítico-reflexiva de artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde e publicados entre 2013 e 2018. Foram selecionados sete estudos que contemplaram a temática, a partir dos quais surgiram quatro categorias: “inaptidão para doação de sangue”; “só homossexuais praticam sexo anal?”; “saúde pública ou heterossexismo na saúde?”; e “considerações da bioética principialista para doação sanguínea de pessoas homoafetivas”, remetendo aos quatro pilares da teoria principialista. A bioética promove reflexões sociais, direciona linhas de pensamento ou questionamento e cria novos espaços para discussão do assunto. Os dilemas envolvidos nessa abordagem dizem respeito à negação dos quatro pilares bioéticos aos sujeitos homoafetivos, induzindo maleficência a esse grupo vulnerável e aos receptores do tecido sanguíneo.
Palavras-chave: Saúde pública, Homossexualidade, Doadores de sangue, Equidade em saúde, Direitos humanos.
Resumen
Prohibición de donaciones de sangre por homosexuales: un estudio bioético Este estudio tiene el objetivo de identificar y discutir algunos aspectos bioéticos que implican la prohibición de donaciones de sangre por homosexuales. Se trata de una revisión integrativa de la literatura con el abordaje crítico y reflexivo elaborada con artículos incluidos en la Biblioteca Virtual en Salud y publicados entre 2013 y 2018. Se seleccionaron siete estudios para abordar el tema, de los que resultaron cuatro categorías: “imposibilidad de donar sangre”; “¿Solo los homosexuales practican el sexo anal?”; “¿Salud pública o heterosexismo en la salud?”; y “consideraciones de la bioética principialista para la donación de sangre de las personas homoafectivas”, abordando los cuatro principios de la teoría principialista. La bioética promueve la reflexión social, dirige las líneas de pensamiento o el cuestionamiento y crea nuevos espacios de debate. Los dilemas de este enfoque se refieren a la negación de los cuatro pilares bioéticos a los sujetos homoafectivos, lo que induce a la maleficencia a este grupo vulnerable y a los receptores de tejidos sanguíneos.
Palabras clave: Salud pública, Homosexualidad, Donantes de sangre., Equidad en salud, Derechos humanos.
Abstract
Ban on blood donation from homoaffective people: a bioethical study This study aimed to identify and discuss bioethical aspects that involve the ban on blood donation from homoaffective people. This is an integrative review of the literature, with a critical-reflexive approach to articles available in the Virtual Health Library and published between 2013 and 2018. Seven studies were selected that covered the theme, from which four categories emerged: “unfit for blood donation”; “are homosexuals the only ones who practice anal sex?”; “public health or heterosexism in health?”; and “considerations of principlist bioethics for blood donation from homo-affective people”, referring to the four pillars of the principlist theory. Bioethics promotes social reflections, directs lines of thought or questioning and creates new avenues for discussing the subject. The dilemmas involved in this approach are related to the denial of the four bioethical pillars to homoaffective subjects, inducing maleficence to this vulnerable group and to blood tissue recipients.
Keywords: Public health, Homosexuality, Blood donors, Health equity, Human rights.
PESQUISA
Proibição de doação sanguínea por pessoas homoafetivas: estudo bioético
Recepção: 10 Agosto 2018
Revised document received: 7 Janeiro 2020
Aprovação: 16 Janeiro 2020
O sangue, indispensável para a vida animal, é definido como conjunto polifásico de diversos elementos figurados (eritrócitos, leucócitos e trombócitos), que circulam no plasma, sua parte líquida, agregando ainda componentes gasosos e proteicos 1. Apesar da significativa evolução científica e tecnológica dos últimos tempos, ainda não se descobriu nada capaz de substituir o sangue, o que torna a doação o único meio de obtê-lo 2. No Brasil, isso depende da decisão individual, altruísta e voluntária 3.
Para assegurar a qualidade do sangue doado, todo candidato passa por triagem clínica, e alguns são considerados inaptos. Essa classificação pode ser temporária ou definitiva, em conformidade com a Portaria do Ministério da Saúde (MS) 158/2016 4, que redefine a regulamentação técnica de procedimentos hemoterápicos. Entre os considerados inaptos estão homens que tiveram relações sexuais com outros homens4 há menos de 12 meses. Embora seja temporária, essa restrição vem sendo muito questionada do ponto de vista constitucional e bioético.
A bioética é o campo de estudo da conduta humana no que concerne às ciências biológicas e da saúde, de caráter sistemático, epistemológico, multi, inter e transdisciplinar, com debates que embasam soluções normativas para promover o bem-estar dos seres vivos. Nas últimas décadas, em virtude dos avanços da biotecnociência, o termo “bioética” começou a ser associado a reflexões sobre proteção à vida e à natureza. Portanto, esse campo não se limita à dimensão individual, mas também aborda responsabilidades sociais e ampliação de direitos civis 5-7.
No modelo principialista, a bioética fundamenta-se em quatro pilares: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça 7. O primeiro refere-se à capacidade de cada pessoa se autogovernar e ser tratada como sujeito autônomo 8, com liberdade de ação, pensamento e decisão, a partir de aspectos biológicos, psíquicos e socioculturais 9. Entretanto, nem sempre a autonomia é absoluta – às vezes, pode ser afetada devido a comprometimento cognitivo/mental ou, por exemplo, quando estamos tratando das fases iniciais da vida humana 10.
A beneficência, por sua vez, diz respeito a ações que visam o bem do próximo, e é complementada pela não maleficência, o comprometimento em evitar danos e riscos a terceiros e não realizar quaisquer atos mal-intencionados 5. Por fim, a justiça refere-se à distribuição de bens ou benefícios sob a perspectiva da equidade e universalidade, ou seja, tratar indivíduos igualitariamente, levando em conta suas necessidades específicas 5,8.
Porém, esses princípios podem ser ameaçados no caso dos grupos vulneráveis 11 e/ou minorias 12. É o caso de pessoas homoafetivas, que são minoria não em termos quantitativos, mas devido às desvantagens e posições inferiorizadas que ocupam na sociedade.
Considera-se vulnerável o indivíduo incapaz de defender os próprios interesses diante de decisões importantes, ou seja, aquele que é desprovido de certo poder e, como consequência, está mais suscetível a danos físicos e morais, inclusive relativos à saúde. A vulnerabilidade pode decorrer de fatores externos, como situação econômica, social ou cultural, e internos, como enfermidades, idade avançada e outras condições inerentes ao indivíduo 10,11.
Já minoria é definida como grupo particularizado, que foge à regra de normalização imposta pela sociedade, e se entrelaça à ideia de inferioridade. Deste modo, minorias e grupos vulneráveis possuem estreita correlação, pois a vulnerabilidade muitas vezes advém de pressões para que esses sujeitos sigam “padrões de normalidade” majoritários 13,14. Nesse contexto e considerando os fundamentos principialistas, o estudo objetivou identificar e discutir aspectos bioéticos da proibição de doação sanguínea por pessoas homoafetivas.
Trata-se de revisão integrativa da literatura com abordagem crítico-reflexiva, incluindo artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), portal online que oferece suporte para busca descentralizada de informações técnico-científicas em ciências da saúde 15. Essa modalidade de revisão agrega, com rigor sistemático, resultados de diferentes abordagens metodológicas a fim de sintetizá-las e contribuir para aprofundar o conhecimento sobre determinado tema. Sua elaboração passa por seis etapas, para que seja organizada de maneira lógica e isenta de desatinos epistemológicos 16-18.
Neste estudo foram incluídos artigos de acesso completo e gratuito, sem restrição de idiomas, publicados entre 2013 e 2018, e que abordassem conteúdos relevantes ao objetivo proposto. A coleta de dados ocorreu na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia no mês de julho de 2018, a partir de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), com auxílio do operador booleano “and”. Foram utilizadas oito combinações de DeCS, conforme apontado na Tabela 1, totalizando dois estudos 19,20 que contemplaram a temática e se adequaram aos critérios de inclusão.

Devido à relevância do assunto e à limitada quantidade de pesquisas nacionais e internacionais a respeito, optou-se por retirar o limite temporal, acrescentando ao corpus outras cinco publicações científicas que contemplam o tema escolhido 21-25. Ressalta-se que esses estudos foram encontrados por buscas aleatórias em plataformas de pesquisa e não apresentam indexação nos descritores informados, conforme Quadro 1.

Para debater os achados da pesquisa, foram consideradas quatro categorias: 1) inaptidão para doação de sangue; 2) só homossexuais praticam sexo anal?; 3) saúde pública ou heterossexismo na saúde?; 4) considerações da bioética principialista para doação sanguínea de pessoas homoafetivas.
A suposta segurança dos receptores é o principal argumento para impedir que homossexuais doem sangue, uma vez que dados epidemiológicos apontam esse grupo como o de maior suscetibilidade ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) 19,20. Apesar disso, atualmente se reconhece que o ato sexual seguro, com uso correto de preservativo masculino ou feminino, reduz substancialmente o risco de contaminação.
Portanto, tal restrição é ultrapassada e fortalece a discriminação contra esse grupo vulnerável 21. Exemplos disso são o termo pejorativo “peste gay”, atribuído à aids nos anos 1980 por se acreditar que apenas pessoas homoafetivas contraíam o vírus HIV 26, e a antiga denominação da síndrome em inglês, gay-related immune deficiency, imunodeficiência relacionada a gays24.
A Portaria MS 158/2016, no artigo 64, classifica como inaptos para doação sanguínea os homens que tiveram relações homossexuais nos últimos 12 meses e/ou suas parceiras 4,18. Indiretamente, esse trecho do documento afirma que todo homossexual masculino adota práticas sexuais de risco. A ideia é discriminatória, visto que heterossexuais também podem adotar comportamentos de risco, da mesma maneira que homossexuais podem ter parceiros estáveis e monogâmicos, com relações sexuais seguras e de pouco risco para bancos de sangue. Portanto, por que somente os homossexuais são proibidos de doar 21?
Vale ressaltar que essa inaptidão não é aplicada às mulheres lésbicas nem às heterossexuais que sejam adeptas de práticas sexuais de risco, ainda que mulheres possam transmitir HIV por essa via tanto quanto homens 27. Além disso, a portaria se contradiz, já que preconiza assistência sem preconceito no atendimento a homoafetivos no §3º do artigo 2º 4. Com essa medida discriminatória, o Brasil perde anualmente cerca de 18 milhões de litros de sangue 28.
A vulnerabilidade à infecção por HIV é baixa para todas as pessoas ou casais que adotem práticas seguras. Diante disso, proibir a doação sanguínea de homens que têm relações sexuais com outros homens é ação vexatória, traumática e injustificada, visto que o perigo propriamente dito não decorre da orientação sexual 21. Comportamento de risco nesse caso se refere a quaisquer relações sexuais desprotegidas (sem preservativo masculino ou feminino) com pessoas infectadas, sejam homo ou heterossexuais 25.
O sexo anal é descrito como comum em algumas culturas da Antiguidade e ainda é prática frequente 29. O reto é constituído por apenas uma camada celular e não protege contra traumatismos micro ou macrovasculares, devido à mucosa frágil, altamente suscetível a fissuras, permitindo absorção de substâncias. Por isso, considera-se que tal prática apresenta maior risco para infecções sexualmente transmissíveis (IST) 24,28.
Fato é que o sexo anal não se restringe a gays e vem se disseminando entre heterossexuais 28,29, o que é omitido durante a triagem da doação sanguínea por praticantes heteroconservadores 23. A Portaria MS 158/2016 não considera esse dado 4, sem deixar clara a proibição de doação por heterossexuais expostos ao coito anal. Se a portaria pode distinguir práticas heterossexuais seguras das perigosas e permitir o processo de doação, por que essa diferenciação não é aplicada a homossexuais, que podem ter se protegido durante o sexo 21?
Da mesma forma que muitos heterossexuais omitem comportamentos de risco, muitos homossexuais negam sua sexualidade para exercerem cidadania baseada na benevolência de suas doações. Essa omissão não constitui desvio de lei ou caráter. Na verdade, a sociedade brasileira, embora no contexto de um Estado democrático de direito, tem forte influência de padrões heteronormativos, cristãos e conservadores. Além disso, o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal garante o direito à privacidade e à intimidade, expresso da seguinte forma: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação30.
A heterossexualidade foi estabelecida culturalmente na sociedade como orientação sexual padrão, ou normal, de tal forma que se firmou sobre e a despeito das outras. Assim, alguns autores afirmam que as normatizações voltadas a questões de gênero e sexualidade no campo da saúde são potencialmente opressoras, já que são reconhecidas e implementadas pelo próprio sistema conservador que as produz. Portanto, esses modelos heteronormativos em que se baseia a saúde segregam e mascaram necessidades de grupos não dominantes 25.
A homofobia na saúde é frequente e constitui obstáculo para acesso a serviços e terapêuticas adequadas. Em países como Estados Unidos e alguns da Europa Ocidental existem unidades de saúde coordenadas por profissionais publicamente declarados homossexuais, o que facilita a adesão desses grupos aos cuidados em saúde. Entretanto, isso não ocorre no Brasil, além de não haver no país programas específicos de assistência a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros (LGBTTT), como há programas de atenção à saúde da mulher, por exemplo 22.
Na tentativa de aproximar o público LGBTTT de serviços de saúde, foram implementados no país alguns programas e políticas públicas, como o Brasil sem Homofobia 31, a Carta de Direitos dos Usuários da Saúde 32 e a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais 33. Apesar desses avanços, ainda há significativos desafios para efetivá-los, em virtude da homofobia e dos padrões heteronormativos. Atendimentos discriminatórios e preconceituosos recaem sobre a população LGBTTT direta ou indiretamente 24, o que a afasta desses serviços 34.
Enquanto não houver legislação específica que reconheça os direitos dos homoafetivos com consequente criminalização de discursos/atos homofóbicos, pessoas LGBTTT continuarão vulneráveis à discriminação em todos os âmbitos da sociedade 23. Essa realidade social diverge da lei suprema 23, a Constituição Federal, que institui Estado democrático e assegura a todas as pessoas o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos35.
Foram várias as tentativas de criminalizar a homofobia no Brasil por meio de leis federais. Recentemente, em 2019, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da criminalização de homofobia e transfobia por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 36. O documento argumenta quanto ao dever estatal de conceder indenização às vítimas e punir tais condutas. Além disso, cita o Mandado de Injunção (MI) 4.733/DF 37, que denuncia a inércia e omissão do Congresso Nacional nesse aspecto.
Segundo o MI 4.733, a discriminação e o preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais atinge especialmente determinadas pessoas e grupos, o que macula o princípio da igualdade, e acarreta situação especial de grave vulnerabilidade física, psíquica e social, em violação ao direito à segurança, importantes prerrogativas da cidadania37.
A heteronormatividade social sempre favoreceu um grupo específico, o de héteros cisgêneros, em detrimento de outros. Esse cenário distancia a população LGBTTT dos serviços de assistência à saúde e a impede de usufruir de atendimentos integrais, universais e equitativos em decorrência de múltiplos fatores, como discrepâncias no cuidado fornecido e a maneira como essas pessoas são tratadas por profissionais de saúde 38.
Ressalta-se que a inaptidão temporária (na prática, permanente) de homossexuais masculinos para doarem sangue rompe a recomendação internacional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que proíbe discriminação e criação de leis fundamentadas em orientação sexual e identidade de gênero. Isso posiciona o Brasil em situação de descrédito, por ser signatário do documento sem respeitar seus acordos 21.
A prevenção e a assistência devem ser integrais e integradas, promovendo políticas públicas que prezem por atenção de qualidade e pela felicidade individual e coletiva. A assistência a quaisquer segmentos populacionais, principalmente os estigmatizados, não deve se fundamentar em normas autoritárias e morais, mas na articulação entre diferentes grupos em busca de emancipação e felicidade. Nessa perspectiva, defender os direitos humanos é parte significativa das ações em saúde 22.
Proibir doação sanguínea por homoafetivos fere gravemente o princípio da autonomia, uma vez que impede o indivíduo de exercer sua cidadania livre de coerção, injúrias, preconceitos e discriminações. Como definida anteriormente, a autonomia remete à autodeterminação de cada pessoa em decidir sobre assuntos de sua vida pessoal, saúde, integridade física, psíquica e social 39. Para exercer o direito de decisão própria, o sujeito deve ser capaz de realizar ações intencionais e, principalmente, ter a liberdade para isso 40. Tal liberdade é retirada dos homossexuais na doação de sangue.
O respeito à autonomia alicerça-se no princípio da dignidade humana, cumprindo o imperativo categórico kantiano que afirma que o ser humano é um fim em si mesmo39. Além disso, tal proibição rompe valores da Constituição Federal de 1988, a qual garante que o Brasil, como Estado democrático e de direito, fundamenta-se em cidadania e dignidade da pessoa humana (artigo 1º, incisos II e III); promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso 5º) 41; e liberdade, uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II) 42.
A beneficência, por sua vez, que remete ao bonum facere (fazer o bem), evitando riscos e maximizando benefícios 7-8, é negada tanto para o potencial doador homossexual quanto para receptores da doação. Para o homossexual, essa inaptidão pode se converter em ainda mais sentimentos de indiferença, injustiça e inferioridade 12, enquanto para a sociedade ela se reflete na escassez de bancos de sangue 43, prejudicando pacientes que dependem de hemoterapia.
Com objetivo de suprir necessidades transfusionais em diferentes países, a Organização Mundial de Saúde estabelece que de 3% a 5% da população na faixa etária de 18 a 65 anos deve realizar doações contínuas e voluntárias. Atualmente, menos de 2% da população brasileira doa sangue 44, mas o país insiste em manter a inaptidão de homossexuais, fortalecendo o estigma desse grupo e vedando a autonomia e beneficência de um número significativo de possíveis doadores.
O princípio de justiça, definido pela relação coerente entre direitos e deveres e pelo tratamento equitativo a todos 5,7,8, não se diferencia dos demais princípios, na medida em que também é violado pelos órgãos hemoterápicos no processo de doação. A injustiça opera principalmente quando o homossexual com práticas sexuais seguras é tratado de forma diferente do heterossexual, que, como já discutido, pode estar omitindo seus comportamentos de risco. Assim, a regra não se aplica às práticas de risco, mas discrimina os dois grupos, sendo generalizante e prescritiva com homossexuais e permissiva com heterossexuais 19,20.
Nesse sentido, a bioética é o campo que promove reflexões sociais, direciona linhas de pensamento e permite a ampliação de novos espaços de debate 19. É fundamental se posicionar diante desse cenário tão antiético quanto inconstitucional, pois a Portaria MS 158/2016 contradiz os três pilares do país, apresentados no inciso I do artigo 3º da Constituição: liberdade, justiça e solidariedade 41.
Os dilemas bioéticos envolvidos nesta abordagem dizem respeito à negação de autonomia, beneficência e justiça a homoafetivos e receptores de tecido sanguíneo, e à indução de sua maleficência. Deve-se, portanto, reconhecer a unidade equitativa de todos os grupos e indivíduos enquanto autônomos, tratando-os de forma igualitária no aspecto moral, jurídico e social.
Impedir a doação sanguínea de homoafetivos, conforme a Portaria MS 158/2016 4, é ir de encontro aos avanços científicos segundo os quais a transmissão de IST decorre de comportamento de risco, sem relação com orientação sexual, identidade de gênero e/ou outros recortes sociais. Por isso, entende-se que o texto da norma deve ser analisado novamente, à luz da atual conjuntura político-científica, no intuito de adequar informações à realidade e evitar descrédito da ciência entre a população. Dessa maneira colabora-se para reduzir preconceitos, discriminações e até mesmo atos hediondos cometidos contra pessoas homoafetivas.
Diego Pires Cruz – Doutorando – diego_pcruz@hotmail.com
Uanderson Silva Pirôpo – Doutorando – uamder_som@hotmail.com
Giovanna Maria Nascimento Caricchio – Especialista – gmncaricchio@uesb.edu.br
Cristiane dos Santos Silva – Graduada – cristianeimic@gmail.com
Bráulio José Ferreira Neto – Especialista – braulio.josferreiraneto@gmail.com
Átila Rodrigues Souza – Graduando – souzaatila@outlook.com
Franciele Soares Balbinote – Graduanda – fran_balbinote@hotmail.com
Fernanda Luz Barros – Graduanda – nadalu1997@gmail.com
Gabriele da Silva Santos – Especialista – novaes.gabriiele@gmail.com
Edison Vitório de Souza Júnior, Diego Pires Cruz, Uanderson Silva Pirôpo e Giovanna Maria Nascimento Caricchio desenharam o estudo, coletaram os dados, discutiram a temática e redigiram o manuscrito. Bráulio José Ferreira Neto analisou e interpretou os resultados, fez revisão crítica e científica, além de aprovar a versão final do manuscrito. Cristiane dos Santos Silva participou das correções. Átila Rodrigues Souza, Franciele Soares Balbinote, Fernanda Luz Barros e Gabriele da Silva Santos auxiliaram na discussão, revisão crítica, correções gramaticais e de conteúdo e aprovação da versão final do manuscrito.
Correspondência: Edison Vitório de Souza Júnior – Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem. Av. dos Bandeirantes, 3.900, Monte Alegre CEP 14040-902. Ribeirão Preto/SP, Brasil.

