EDITORIAL
O renovar e o crescimento
Renewing and growing
Renovación y crecimiento
A Revista Bioética , desde 2020, está se renovando de diversas formas, e, para complementar esse processo, faltava um layout adequado às mudanças do periódico. O novo design deveria conseguir captar a ideia de “Uma ponte para o futuro”, como Potter a concebia, sobre a qual a humanidade passa, com suas mudanças e transcendências. Segundo Bohnemberger 1, a ideia de Potter é o símbolo da união entre as humanidades e a área científica tecnológica, repensando o desenvolvimento científico, o meio ambiente, os seres humanos e o mundo que restará para as próximas gerações 2. Sugere uma aproximação teórica com o pensamento de Edgar Morin 3 e sua preocupação com a educação para o futuro, que deve ser transformadora, tendo como centro a ética na diversidade cultural e privilegiando a construção de um conhecimento transdisciplinar, que abrange indivíduos, natureza e sociedade.
Ainda segundo Morin 3, é preciso pensar a ciência com discernimento, posto que ela cria meios poderosos de transformação, manipulação e destruição, ameaçando o meio ambiente e os seres humanos que nele habitam. É necessário implementar novos e elevados padrões de ética e integridade na ciência em geral, e na pesquisa em particular, de modo que o cientista do futuro atue sempre com pleno entendimento das consequências de seu trabalho. Ou seja, a bioética é também a concretização do ideal de que a ciência não é neutra e que deve ser sempre pensada e aplicada para benefício da humanidade, e não para a sua instrumentalização.
Todas as alterações propostas no layout da revista foram coroadas pela inserção do nosso periódico na plataforma internacional Scopus, em março de 2021, sendo a única revista brasileira dedicada ao tema da bioética – publicada em inglês, espanhol e português – a obter esta indexação internacional. A Scopus oferece um panorama abrangente para a produção de pesquisas no mundo, nas áreas de ciência, tecnologia, medicina, ciências sociais, artes e humanidades, sendo um dos referenciais científicos em escala global.
E o número 29.2 da Revista Bioética já se inscreve nessa nova perspectiva de um periódico que tem hoje uma responsabilidade social aumentada no plano internacional. Por isso, mantendo o mesmo rigor científico, trata de temas da maior relevância ética e social, tal como as consequências da pandemia por covid-19 – que segue castigando muitos países, motivando inúmeros estudos e reflexões. O mundo mudou, e isso exige que compreendamos as adaptações e flexibilizações em vários aspectos sociais. Neste número é abordado o tema covid-19 e ageísmo: ética da distribuição de recursos em saúde – reflexão essencial na sociedade desenvolvida, em que certos valores trazem à tona a discriminação de determinados grupos sociais, ferindo os princípios da dignidade humana e da justiça. Devido à repercussão desses discursos preconceituosos em relação ao envelhecimento, fica ainda mais importante a existência de políticas públicas voltadas ao tema, para manter uma sociedade com maiores justiça social e solidariedade entre os diversos grupos intergeracionais, respeitando-se a vida e os direitos das pessoas idosas 4.
Outro artigo discorre sobre a avaliação da construção do saber médico numa crítica ético-política, trazendo comentários sobre o livro “Natural, racional, social: razão médica e racionalidade científica moderna”, de Madel Terezinha Luz. São confrontados dois sistemas médicos – o de terapêuticas tradicionais e o de terapias alternativas e complementares –, considerando as particularidades culturais das sociedades e os aspectos de política social, pois ambos podem estar eventualmente integrados, considerando a atuação das ciências sociais na área da saúde 5.
À medida que as sociedades se desenvolvem e avançam, mais pessoas com deficiência ocupam espaços que antes lhes eram restritos. A formação acadêmica tem papel importante nisso, e a adequação das universidades para garantir acesso a pessoas com deficiência traz como consequência benéfica maior inserção no mercado de trabalho. Na área da saúde o tema é explicitado pelo ponto de vista dos conflitos bioéticos 6. A plena integração de pessoas com deficiência, em todos os níveis da sociedade, é hoje um marco incontornável das sociedades civilizadas, mas, para que isso aconteça, é necessária uma conscientização dos cidadãos – e o ensino da bioética tem uma responsabilidade muito especial, pois é veículo fundamental para este se alcançar este efeito.
Cuidados paliativos são tema recorrente nos direitos fundamentais, na vida e na morte, sempre preservando a autonomia e a dignidade humana, por envolverem importantes questões bioéticas. Falar de cuidados paliativos implica uma abordagem mais ampla sobre ética e terminalidade da vida, vinculada ao conhecimento de conceitos como ortotanásia, distanásia, mistanásia e seus aspectos legais 7. Dentro da principiologia bioética estão os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e justiça 8, que são os norteadores e orientadores de práticas médicas e ações humanas 9. O objetivo dos cuidados paliativos é promover qualidade de vida aos pacientes e familiares com doenças que possam influir na continuidade do viver e que necessitam de cuidados de uma equipe multidisciplinar. Trata-se, de fato, de uma nova filosofia da medicina, em que o triunfalismo tecnológico do final do século XX abre espaço para uma medicina mais compassiva, centrada no cuidado, na compaixão e no amor ao próximo. São atributos tradicionais da ética médica, que se foram diluindo face aos avanços da ciência e da tecnologia, mas que hoje são reencontrados nos cuidados paliativos.
Finalmente, aborda-se o tema sigilo, anonimato e confidencialidade em doadores de sangue com HIV. No Brasil há um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), modificado pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.543/DF 10, de junho de 2020, de que é permitida a doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores à doação. Os parâmetros legais anteriores – Portaria 158 /2016 11do Ministério da Saúde e o artigo 25 da Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) RDC 34/2014 12 – foram considerados inconstitucionais, por serem discriminatórios. E é objetivo central da bioética pensar este problema sempre considerando o respeito ao direito a privacidade individual.
Além desses temas, muitos outros assuntos interessantes são abordados neste número. Tenham todos uma excelente leitura!
Os editores
José Hiran da Silva Gallo – Doutor – gallo@portalmedico.org.br
Rui Nunes – Doutor – ruinunes@med.up.pt