resenha
![]()  | EMPOLI G. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. 2019. São Paulo. Vestígio | 
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Recepção: 03 Maio 2022
Aprovação: 16 Maio 2022
DOI: https://doi.org/10.1590/1982-2553202258117
Resumo: A obra analisada tem por plano de fundo o cenário democrático global que passa por uma transformação de ordem técnica em pautas populares e que interfere — por vezes imperceptivelmente — no resultado de eleições. Com base em cenários apresentados no continente europeu (Itália e Hungria) e no continente americano (Estados Unidos e Brasil), Giuliano da Empoli retrata como os mecanismos tecnológicos são apropriados pelo que chama de engenheiros do caos, pessoas capazes de usar os meios digitais para disseminar fake news, teorias da conspiração, promovendo ódio e medo e influenciando nas eleições.
Palavras-chave: algoritmo, eleições, fake news.
Abstract: The work analysed has as its background the global democratic scenario which is currently undergoing a technical transformation in popular agenda. This transformation interferes — sometimes imperceptibly — in the outcome of elections. Based on scenarios presented in the European continent (Italy and Hungary) and in the American continent (United States of America and Brazil), Empoli portrays how technological mechanisms are appropriated by what he calls Engineers of Chaos, people capable of using digital media to spread fake news, conspiracy theories by promoting hatred, fear and influencing elections.
Keywords: algorithm, elections, fake news.
O livro Os engenheiros do caos destampa os propósitos, as ferramentas e as consequências contemporâneas da máquina política, apresentando-se assim como uma leitura basilar para aqueles que pretendem entender, de maneira centralizada, como o tecido político chegou a esse cenário em que a web 2.0 e, posteriormente, a 3.0 são apropriadas pelos políticos e se tornam ativos importantes para a propaganda eleitoral que viria a se consolidar. Nesse sentido, o que dá consistência ao assunto do texto não é a tecnologia em si, mas a apropriação dos meios digitais por profissionais voltados à formação de personalidades em pessoas políticas.
Assim, os elementos utilizados pelos políticos e consultores da extrema direita apresentados pelo autor Giuliano da Empoli nos capítulos O Vale do Silício do populismo, A Netflix da política, Waldo conquista o planeta e Troll, o chefe são:
Por fim, nos capítulos Um estranho casal em Budapeste, Os “Físicos” e os dados e a conclusão intitulada de A era da política quântica, o autor acrescenta perspectivas inovadoras para os interessados em compreender a intersecção entre política e fake news nos dias atuais, apresentando as premissas do campo da física a serviço de políticos da extrema direita para mantê-los na dianteira. Assim, temos o quinto elemento: o investimento em analistas físicos, em vez dos convencionais cientistas políticos ou comunicadores, para organizar suas campanhas, uma vez que os físicos têm a capacidade de coletar, reunir e analisar os dados gerados pelas variadas fontes de informação e comunicação para produzir conteúdo personalizado a cada perfil.
No entanto, por mais que a premissa seja atual e instigante, a leitura se torna menos ambiciosa. As expectativas de compreender as engrenagens tecnológicas da política — que Empoli (2019) nomeia de política quântica, reforçando a esperança de encontrar em Os engenheiros do caos um oráculo das tecnomaterialidades do atual cenário — são frustradas pelo longo resgate histórico dos acontecimentos políticos, envolvendo, em especial, o ex-presidente norte-americano Donald Trump, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o Movimento 5 Estrelas da Itália e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
Além disso, algumas apropriações utilizadas no livro são captadoras de atenção. A exemplo do capítulo A Netflix da política, a analogia criada se torna vazia, dada a potencialidade do streaming e das lógicas propostas pelo serviço. O autor considera apenas entregamos o que você quer como um pretexto, mas entendemos que, comunicacionalmente, a plataforma tem mais do que apenas entregar conteúdo. Como exemplo, esperávamos aprofundamento com mais propriedade na capacidade de a plataforma digital compreender e adaptar os discursos aos perfis dos usuários. O modus operandi desses algoritmos em proporcionar moldes flexíveis aos interesses de quem produz e dissemina conteúdo partilha de lógicas a serem desencaixapretadas. No entanto, o que se vê é a máquina política de ouvir o povo não sob aparatos tecnológicos com os quais os engenheiros estariam envolvidos em vista da formação acadêmica, mas potencializando a maestria do uso de modelos de coleta e análise de dados já aplicados e amplamente conhecidos. De fato, Empoli (2019) aborda que os engenheiros do Facebook estavam disponíveis aos funcionários da Cambridge Analytica1, mas parece que não deseja responsabilizar os interesses econômicos de Mark Zuckerberg, cofundador e CEO do Facebook, em permitir que isso ocorra e, principalmente, em ter retardado qualquer tentativa de barrar o uso da plataforma como uma ferramenta de disseminação de conteúdos falsos e conspiratórios. Não somente o fundador do Facebook mas também os responsáveis pelo algoritmo do YouTube passam despercebidos quando a plataforma é amplamente utilizada para circular os mais diferentes tipos de vídeos, dos quais os que apresentam teorias conspiratórias prendem mais a atenção e, como vício algorítmico, circulam mais2.
Portanto, o livro dá a entender que o conteúdo abordado seria mais tecnológico, não necessariamente uma abertura dos algoritmos envolvidos, mas das relações que as empresas de tecnologia têm com o ambiente no qual os engenheiros do caos montaram suas engrenagens. Apesar de compreendermos que a tecnologia aplicada nessas relações da política quântica não é de ruptura, mas sim um incremento da técnica, faz-se necessário deixar mais claros — missão que o autor não consegue ou tem pouco interesse em alcançar — os pontos que somente as tecnologias digitais permitiriam. Mesmo que tenha abordado em alguns momentos a segmentação, entendemos que esta não é nada própria dos meios eletrônicos. O que sentimos falta, nesse aspecto, é da participação de profissionais da área na qual Empoli (2019) se aventura a flertar, para, de fato, produzir um manual da política contemporânea, que o autor tinha muito potencial de realizar.
A pobreza de uma abordagem que questione tanto o modelo de negócio das plataformas digitais quanto a negligência sobre o que é inserido nelas faz com que o assunto político pareça ter a mesma relevância nos ambientes digitais. Dessa forma, um discurso extremista e outro moderado teriam a mesma entrega e a mesma chance de serem observados pelos usuários. No entanto, o cenário difere pois o ódio, a cólera, a raiva e o ressentimento acumulados movem as pessoas com muito mais energia, permitindo que o alcance orgânico desse material avance. Com base nesse ecossistema, esperava-se que o autor se posicionasse em uma crítica diante do comportamento inerte das plataformas de não se responsabilizar pelo conteúdo da mensagem, sob o pretexto de não serem os censores, e, em simultâneo, em ignorar os efeitos sociais que seus algoritmos estão causando.
Em resumo, os meios de execução e as consequências do comportamento dos engenheiros do caos, sob diferentes perspectivas apresentadas pelo autor, são:
Sob esses aspectos, faz-se necessário pensar sob outras perspectivas: quem está pautando a comunicação dos políticos? Seriam os dados? Os engenheiros? Os físicos? Os marqueteiros? Em partes, todos eles atuam em diferentes graus na orquestração e configuração dessa máquina de propaganda — que engloba desde a criação das plataformas, a fim de coletar as informações e interações, até a personalização dos conteúdos, a estratégia de distribuição e a manutenção do poder dos eleitos.
De modo geral, entre os elementos que propiciaram a criação desse ambiente, além da já citada cólera, do inimigo em comum e da descrença em políticos tradicionais, há uma imprensa desacreditada, desatualizada e que, pelo compromisso ético do trabalho, não goza da mesma agilidade para perceber e reagir aos canais de mídia emergentes. Na parte em que o autor aborda a ascensão de Trump, a imprensa é retratada como algo travado, parado no tempo e alheia aos movimentos que estavam ocorrendo nas mídias paralelas e de massa. Nesse ponto, faz refletir sobre como as entidades mais estruturadas — não somente imprensa, mas governos e legisladores — acabam por não acompanhar os rápidos atos de grupos organizados no ambiente digital. Além disso, aborda a utilização de guerrilhas virtuais como elementos importantes na formação da opinião pública, não pela qualidade do conteúdo, mas pela capacidade de transformar os discursos e minar as pautas, desviar assuntos e criar uma realidade paralela por meio de uma orquestração combinada de ações.
Referências
EMPOLI, G. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. 3. ed. São Paulo: Vestígio, 2019.
Notas
Autor notes
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