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A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO CUIDADO ÀS CRIANÇAS INTERNADAS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA
Family participation in the care of children hospitalized in an intensive care unit
La participación de la familia en el cuidado de niños ingresados en la unidad de cuidados intensivos
Revista Brasileira em Promoção da Saúde, vol. 29, núm. 2, pp. 189-196, 2016
Universidade de Fortaleza

Artigos originais / Original article


Recepção: 30 Março 2016

Aprovação: 21 Junho 2016

DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2016.p189

Resumo: Objetivo: Compreender a participação da família no cuidado à criança internada em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica (UTINP). Métodos: Pesquisa exploratória, descritiva, de natureza qualitativa. O estudo foi realizado em um hospital universitário do norte de Minas Gerais, Brasil, e teve como participantes oito pais de crianças internadas na UTINP. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, os quais, posteriormente, foram submetidos à análise de conteúdo, originando duas categorias: vivenciando o cuidado com o filho na Unidade de Terapia Intensiva, e fatores dificultadores e facilitadores do cuidado. Resultados: Evidenciou-se que a família não está totalmente inserida no cuidado à criança hospitalizada. Isso acontece devido a sentimentos de medo e insegurança dos pais, restrição pela complexidade e tecnologia dos aparelhos utilizados na assistência, indisponibilidade de tempo dos familiares por precisarem realizar outras funções e por residirem em outros municípios. O apoio da equipe atuante no setor foi enfatizado pelos entrevistados como fator facilitador do cuidado. Conclusão: O estudo subsidia a reflexão sobre a importância da participação dos pais no cuidado à criança que requer terapia intensiva e destaca que o envolvimento da família é uma necessidade que precisa ser considerada pelos profissionais de saúde no processo de assistência integral ao cliente pediátrico.

Palavras-chave: Cuidados Intensivos, Criança Hospitalizada, Cuidado da Criança.

Abstract: Objective: To understand family involvement in child care in a Neonatal and Pediatric Intensive Care Unit (NPICU). Methods: Qualitative exploratory and descriptive study. The study was conducted in a university hospital in Northern Minas Gerais, Brazil, with parents of children in NPICU. Data were collected through semi-structured interviews and later underwent content analysis, which yielded two categories: experiencing the care for the child in the Intensive Care Unit and factors hindering and facilitating care. Results: It was clear that the family is not fully inserted in the care of hospitalized children. This happens due to parents’ feelings of fear and insecurity, restrictions caused by the complexity of the technology and equipment used in health care, family members’ unavailability because they need to perform other activities and live in other municipalities. The support from the staff in the sector was singled out by respondents as a factor that facilitates care. Conclusion: The study contributes to reflection on the importance of parental involvement in the care of children who need intensive care and highlights that family involvement is a necessity that must be taken into account by healthcare professionals in the comprehensive care process of pediatric patients.

Keywords: Intensive Care, Hospitalized Children, Child Care.

Resumen: Objetivo: Comprender la participación de la familia en el cuidado al niño ingresado en una Unidad de Cuidados Intensivos Neonatal y Pediátrico (UCINP). Métodos: Investigación exploratoria, descriptiva y de naturaleza cualitativa. El estudio se realizó en un hospital universitario del norte de Minas Gerais, Brasil, con la participación de ocho padres de niños ingresados en la UCINP. Se recogieron los datos a través de entrevistas semiestructuradas las cuales, a posteriori, fueron sometidas al análisis de contenido, generando dos categorías: vivencia del cuidado con el hijo en la Unidad de Cuidados Intensivos y factores que facilitan y dificultan el cuidado. Resultados: Se evidenció que la familia no está totalmente involucrada con el cuidado del niño ingresado. Eso se da por los sentimientos de miedo e inseguridad de los padres, la restricción de la complejidad y tecnología de los aparatos utilizados en la asistencia, la indisponibilidad de tiempo de los familiares por dedicarse a otras funciones y por el hecho de vivir en otros municipios. El apoyo del equipo del sector fue identificado por los entrevistados como un factor que facilita el cuidado. Conclusión: El estudio refleja sobre la importancia de la participación de los padres en el cuidado del niño que está con cuidados intensivos y destaca que el envolvimiento de la familia es una necesidad que debe ser considerada por los profesionales sanitarios en el proceso de la asistencia integral al cliente pediátrico.

Palabras clave: Cuidados Críticos, Niño Hospitalizado, Cuidado del Niño.

INTRODUÇÃO

A família é um grupo de indivíduos considerado como a principal unidade de desenvolvimento da criança, pois é dotada de símbolos, perspectivas e habilidades para assumir papéis. Como primeira unidade do cuidado, representa um espaço social no qual seus membros interagem, trocam informações e, ao identificarem problemas relacionados à saúde, apoiam-se uns nos outros e buscam soluções. Na maioria das vezes, é a referência emocional para seus membros. Cada integrante passa a contar com os demais quando necessitam de ajuda, cabendo aos pais a responsabilidade pelos menores(1-3).

A criança, a partir do nascimento, inicia um processo contínuo de crescimento e desenvolvimento, no qual adquire experiência, capacidades e habilidades. Espera-se que ela possa transpor todas as etapas da vida com saúde plena, chegando à vida adulta instrumentalizada com referenciais de promoção da saúde e qualidade de vida, entretanto, nem sempre é essa a evolução da população infantil. A hospitalização, quando necessária, faz a criança e a família passarem por um período em que precisam adaptar-se a uma nova realidade e a um momento diferente em suas vidas. O mundo do hospital é algo estranho e extraordinário na sua trajetória existencial e de experimentação(4).

A internação da criança em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) quase sempre é considerada uma fatalidade na vida da família, consolidando, muitas vezes, o distanciamento do filho e a sensação de perda, conduzindo os pais a um sentimento de luto, pois é comum relacionar a hospitalização nesse cenário com a proximidade da morte(5,6).

Na UTI, as crianças convivem com terapias agressivas, estressantes e dolorosas, advindas dos avanços tecnológicos da assistência, as quais produzem desorganização fisiológica e comportamental, refletindo negativamente nos seus cuidados. Para os pais, é um ambiente de esperança e medo. Esperança, por saber que é um local preparado para atender melhor o seu filho e aumentar as chances de sobrevida. Medo, por saber dos riscos inerentes aos pacientes que vão para tal ambiente e, ainda, sentimentos de frustração, por não estarem, em geral, preparados para essa separação(7,8).

Estudos apontam a importância da presença da família como um método efetivo para minimizar os efeitos negativos da hospitalização, amenizar os fatores estressantes da doença e dos procedimentos, além de contribuir no tratamento e recuperação das crianças(9). Diante dos conhecimentos sobre os benefícios da manutenção dos vínculos familiares para a saúde emocional infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069) garante a presença de acompanhante durante a hospitalização infantil, desde 1990, com vistas a uma assistência mais humanizada(10).

Nos últimos trinta anos, grandes mudanças vêm sendo implementadas nos ambientes de UTI, acompanhando, de certa forma, uma tendência mundial. A incorporação de novas tecnologias, o ingresso crescente de diferentes categorias profissionais nesses serviços, a presença cada vez mais frequente dos pais em setores antes tão restritos, a prática de grupos de apoio aos familiares, o incentivo à participação dos pais no cuidado ao seu filho e na tomada de decisão do tratamento já fazem parte de uma realidade que exige posturas diferentes dos profissionais da equipe de saúde(11,12).

Nesse contexto, os profissionais de saúde que atuam nessas unidades devem passar a adotar um modelo de assistência centrado na criança e na família, baseado em uma filosofia de assistência moderna(7). Mudar a perspectiva tradicional de cuidado centrado na doença para uma abordagem cujo núcleo está na criança e na família dentro da UTI pode não ser algo fácil, mas é uma tarefa necessária no processo de assistência integral e humanizado em saúde, considerando cada núcleo, membro e dinâmica familiar em sua singularidade. Ao profissional, cabe promover a maior conscientização do acompanhante diante da realidade vivida na hospitalização e a conservação do vínculo família-criança(3,5).

Considerando que a inserção da família na assistência à criança que requer cuidados intensivos é uma necessidade que precisa ser considerada pelos trabalhadores da saúde na prática clínica diária(13), o presente estudo busca responder a seguinte questão: como a família tem participado no cuidado à criança que vivencia a hospitalização em uma UTI?

Assim, espera-se que este estudo possa fornecer contribuições ao conhecimento e à assistência à criança no contexto da UTI, de modo a identificar aspectos que possam contribuir para um maior envolvimento da família no processo assistencial durante o período de hospitalização da criança, favorecendo a sua recuperação e visando à melhoria da atenção ao cliente pediátrico.

Nesse sentido, a investigação teve como objetivo compreender a participação da família no cuidado à criança internada em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica (UTINP).

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, de natureza qualitativa, realizada na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica (UTINP) do Hospital Universitário Clemente de Faria. Esse hospital, que se localiza no município de Montes Claros, MG, Brasil, presta assistência gratuita e universal, com atendimento totalmente público. A instituição possui 186 leitos, dos quais 20 são destinados à UTINP, que atende a crianças de zero a 12 anos, sendo dez leitos designados aos cuidados de terapia intensiva e os outros 10, aos cuidados intermediários, correspondentes ao berçário.

A população da pesquisa foi composta por oito pais de crianças internadas na referida UTINP. Os critérios de inclusão dos participantes foram: ser maior de dezoito anos de idade e estar acompanhando seus filhos por no mínimo seis dias durante o período de coleta dos dados, considerando que, nesse período de permanência, a família já teria vivenciado a rotina da unidade hospitalar, permitindo um contato maior entre a criança e a equipe de saúde.

Os dados foram coletados no mês de fevereiro de 2014 por uma das pesquisadoras deste trabalho, por meio de entrevista individual semiestruturada, composta pelas seguintes questões norteadoras: como tem sido a sua participação no cuidado com seu filho internado na UTI? Que dificuldades e facilidades você tem encontrado nesse cuidado?.

As entrevistas ocorreram em local reservado, de forma a manter a privacidade dos informantes, tendo média de duração de 20 minutos. Os depoimentos foram registrados por meio de utilização de um gravador digital, com posterior transcrição. A interrupção da coleta dos dados ocorreu a partir da verificação da saturação dos temas pesquisados. Para a coleta de dados qualitativos, o número adequado de entrevistas deve ser entendido como aquele capaz de refletir a totalidade em suas dimensões(14).

Para a organização e análise das informações, adotou-se a análise de conteúdo, modalidade análise temática, que consiste em três etapas: pré-análise, exploração dos dados, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na pré-análise, as entrevistas foram transcritas na íntegra e realizadas múltiplas leituras com a finalidade de exaustão das informações. Em seguida, realizou-se o mapeamento das falas, assinalando os principais pontos para facilitar a visualização do material como um todo. Na etapa seguinte, foram identificadas as unidades de registro e realizados os recortes necessários.

Por fim, buscou-se apreender as informações contidas nos relatos para estabelecer as unidades categoriais do estudo(15). A partir da análise dos depoimentos, foi possível a identificação de duas categorias temáticas: “Vivenciando o cuidado com o filho na Unidade de Terapia Intensiva” e “Fatores dificultadores e facilitadores do cuidado à criança”, sendo discutidas à luz de estudos sobre a temática.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) - Parecer nº 473.488/2013, cumprindo com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde(16). Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Para assegurar o anonimato dos participantes do estudo, estes foram identificados por códigos (E1 a E8) que representaram a ordem de realização das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste espaço, serão apresentados os dados relacionados aos resultados do estudo, bem como as categorias temáticas que emergiram dele.

Participaram da investigação sete mães e um pai, com faixa etária compreendida entre 18 e 36 anos. O tempo de internação de seus filhos, no momento da entrevista, variou de sete dias a cinco meses.

Vivenciando o cuidado com o filho na unidade de terapia intensiva

Esta categoria trata da vivência do cuidado com o filho na Unidade de Terapia Intensiva. Os pais relataram que acompanham os filhos diariamente, não havendo restrição quanto aos horários de visita na UTI. Procedimentos como amamentação, troca de fraldas, contato afetivo e acompanhamento de medicação foram citados por alguns entrevistados como formas de participação no cuidado de suas crianças, conforme evidenciado nas falas a seguir:

“[...] Comecei tem dois dias que eu estou amamentando e pegando, tendo contato mesmo físico, pegando ele no colo.” (E1)

“[...] Eu fico perto dela, posso encostar nela, pego nela [...]. Eu fico observando, prestando atenção [...] [n]o que eles estão fazendo, [em] qual a medicação que eles estão dando.” (E5)

Esses depoimentos corroboram com uma pesquisa cujo resultado mostrou que são considerados essenciais para a saúde mental da criança hospitalizada o calor, a intimidade, a relação constante com a mãe ou com outra pessoa que a substitua em caráter permanente, possibilitando o estabelecimento de um vínculo afetivo, por meio de estímulos táteis (como toques e carícias) e auditivos (como fala e canto)(9).

Estudo realizado aponta que, para os profissionais de saúde atuantes em uma Unidade de Terapia Intensiva, a participação dos pais no cuidado, além de promover a formação do vínculo, contribui também para a diminuição do tempo de internação da criança e favorece a continuidade do cuidado domiciliar(17).

Enfatiza-se que a família é a principal fonte de segurança e apoio para a criança, sendo sua defensora. Estudos salientam a importância do envolvimento da família nos cuidados de saúde, a fim favorecer o desenvolvimento psicossocial da criança hospitalizada(7,18).

Para a mãe, a participação no cuidado ao filho representa uma possibilidade de colaborar para a sua cura, minimizando o sentimento de culpa pelo adoecimento da criança. Os autores descrevem que, ao cuidar do filho hospitalizado, a mãe se reapropria do que é dela e recupera a sua autonomia, deixando de ser figurante para reassumir o seu papel de atriz principal no cuidado à criança doente(13).

Entretanto, há momentos em que o estado afetivo da mãe é um fator que pode inibir sua participação no cuidado do filho, não se reconhecendo como capaz de oferecer cuidados maternais, manifestado pelos sentimentos de medo e insegurança, conforme evidenciado no relato a seguir:

“[...] Eu acho que ela está muito frágil ainda. Eu tenho medo, assim, de pegar ela, sabe, e machucar.” (E2)

Essa verbalização encontra correspondência com um estudo que objetivou conhecer a vivência de pais que tiveram seus filhos internados em UTIs desde o nascimento. A pesquisa indicou que ter um filho nesse ambiente representa, para os pais, grande insegurança, decorrente da fragilidade desse ser, bem como da possibilidade de ele não sobreviver. O afloramento desses sentimentos estabelece uma resposta emocional às solicitações de adaptação(6,19).

O acolhimento dos pais possui importância significativa para que as experiências que venham ocorrer durante esse período sejam bem aceitas e o sofrimento, minimizado. Atentar para as solicitações da família, suas expectativas e sentimentos são ações da equipe de enfermagem, que promove o fortalecimento do vínculo afetivo, favorecendo também o desenvolvimento físico e psíquico da criança, por meio do atendimento humanizado(20,21).

Outro aspecto que interfere na participação dos pais no cuidado, conforme relato de uma entrevistada, citado a seguir, indica que, às vezes, há restrição da presença da família junto à criança durante a realização de procedimentos feitos pela equipe de saúde.

“[...] Às vezes, a gente tem que esperar um pouquinho, porque está medicando, fazendo alguma coisa, um raio X, alguma coisa que não pode entrar.” (E8)

A maioria das diretrizes pediátricas internacionais é favorável à presença dos pais junto ao filho durante a hospitalização, até mesmo nas emergências, por entender que, dessa forma, eles acompanham toda a assistência e, assim, aceitam com mais facilidade os acontecimentos relacionados à saúde. Nesse sentido, o afastamento da família para a realização de procedimentos médicos e de enfermagem com a criança doente agrava a impotência dos pais frente à situação do filho(7,22).

A realização de procedimentos invasivos e a separação da criança dos pais são os principais fatores causadores do medo e da ansiedade que a criança apresenta durante a internação, por isso, conforme a autora, a permanência dos pais durante os procedimentos deve ser incentivada(23).

No estudo realizado, observou-se, ainda, conforme as falas a seguir, que há momentos nos quais os familiares acompanham seus filhos como expectadores, de modo não participativo, não sendo permitido o seu envolvimento na assistência à criança.

“[...] No momento, tem dois dias que eu estou tendo contato físico com ele, mas era só observando.” (E1)

“[...] Na UTI, não deu para pegar ela, porque lá não pode. E aqui no berçário, eu cheguei e ela está dormindo ainda, mas assim que ela acordar eu vou pegar ela e amamentar.” (E2)

“[...] A gente tem vontade de pegar no colo, poder adular, mas não pode, né? A gente tem que [se] conformar.” (E8)

Alguns estudos revelam que a participação dos pais é um tema complexo, tratado de forma fragmentada, e que ainda faltam indicadores claros de como essa participação poderia ser facilitada e apoiada em uma instituição. A inserção da família no contexto do cuidado na Unidade de Terapia Intensiva é uma necessidade que precisa ser considerada e repensada pelos trabalhadores da saúde, pois as evidências empíricas sobre o impacto do processo de hospitalização infantil na dinâmica familiar já são suficientes para a implementação do cuidado centrado na família na prática clínica diária(9,13).

A participação da mãe no cuidado do filho na UTI não é explorada em sua potencialidade, porque o cuidado se dá a partir do entendimento do profissional sobre como a mãe pode participar, e não na perspectiva de uma construção conjunta. Nesse sentido, a equipe deveria saber como os pais gostariam de participar do cuidado do filho, identificando, juntos, a melhor forma de realizálo(24).

Fatores dificultadores e facilitadores do cuidado à criança

Nesta categoria, os participantes revelaram as principais dificuldades e facilidades vivenciadas durante o processo de internação do filho.

O fator mencionado que causa dificuldade na participação dos pais no cuidado é o fato de não poderem permanecer o tempo que desejam com a criança, por necessitarem desempenhar outras atribuições, incluindo a assistência aos outros membros da família, e por residirem em outros municípios.

“[...] Eu não sou daqui de Montes Claros, sou lá de Brasília de Minas e é muito difícil de vir para cá ficar com ela.” (E2)

“[...] Eu não tenho tempo, porque eu quero mesmo ficar. Esse pouco tempo que eu tenho eu também tenho que acompanhar minha esposa na UTI [...]. Como a gente mora longe, aí não tem como estar vindo todos os dias, ficando mais tempo. A gente só fica o tempo que vê que dá para ficar mesmo.” (E6)

“[...] Ultimamente, eu estou ficando mesmo. Tem dias que só uns vinte minutos, porque está muito difícil. Porque eu estou precisando acompanhar também meu pai, que esteve internado e agora está na radioterapia [...], mas quando eu posso eu fico mais tempo.” (E7)

A falta de recursos financeiros e as dificuldades de ordem operacional e material foram apontadas pelas mães, em um estudo, como grandes dificultadoras no acompanhamento de seus filhos internados em uma UTI. A falta de acomodação para as famílias na unidade também dificulta o contato entre os pais e a criança hospitalizada(6,22).

O cenário em estudo resguarda o direito de permanência em tempo integral de um dos pais da criança, oferecendo uma poltrona reclinável para acomodação do acompanhante e refeições: café da manhã, almoço e café da tarde. Considerando que a instituição tem uma política de atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), recebendo crianças de diferentes localidades, é necessário que se desenvolvam estratégias para atender às especificidades das famílias, com base na justificativa da necessidade de permanência dos pais junto de seu filho.

A família deve ser encorajada pela equipe de saúde a participar do cuidado à criança nos momentos em que se encontrar no hospital, mesmo que seja por um curto período de tempo. Isso porque, participando do cuidado, os pais poderão manter o vínculo afetivo com a criança, sentir-se ativos e participantes do tratamento e, principalmente, dividir a responsabilidade da hospitalização e cuidado com a criança doente(13).

Em alguns relatos, evidenciou-se que a participação dos pais nos cuidados é muitas vezes limitada e restrita pela complexidade e tecnologia dos aparelhos utilizados na assistência de seus filhos dentro da unidade, como expressado nos discursos a seguir:

“[...] Ele está na incubadora, já foi liberado de colocar ele no bercinho [...]. Eu estou dependendo deles fazer isso, para mim (sic) ter um contato mais próximo do meu filho. Aí eu não precisava estar pedindo a eles para estar tirando, eu mesmo podia estar pegando ele, trocando a fralda e tendo mais contato, né? Estar mais próxima.” (E1)

“[...] Eu tenho muito pouca participação no cuidado com ele, porque ainda não posso pegar ele no colo. Ele ainda está com oxigênio, não pode tirar de lá do bercinho.” (E7)

Nessas narrativas, é possível constatar que, durante a hospitalização, a família se depara com um cenário novo, o qual gera apreensão e ansiedade pelos procedimentos que podem ser necessários. Na assistência à criança grave na UTI, são utilizados muitos equipamentos, como monitores, respiradores e bombas infusoras, e o uso dessas tecnologias causa um desconforto no familiar em participar do cuidado à criança, aumentando, então, o poder do profissional sobre os cuidados prestados(23).

Na fala de outra participante, observa-se que a falta de clareza das informações fornecidas pela equipe de saúde à família é outro fator interveniente no cuidado.

“[...] Todos os cuidados que ela está precisando, ela está tendo, mas, muitas vezes, somos leigos no assunto. E falam uma palavra mais difícil, alguma fórmula que eles falam [...], um termo técnico mais difícil. Mas uma informação mais clara, precisa, para os pais, eu acho bacana eles informarem. Questão de informação, falar o que que é [...], mais clareza nas informações.” (E5)

A informação dada à família sobre os cuidados com a criança é como uma estratégia que garante o direito da mãe à informação e contribui tanto para seu envolvimento no cuidado com seu filho quanto na aproximação com a equipe. A comunicação efetiva entre os pais/familiares e a equipe assistencial foi apontada como sendo importante para a solução e minimização dos conflitos, podendo ser determinante para que os pais se sintam seguros num ambiente que lhes é estranho, considerando-se sua fragilidade e seus sentimentos frente à internação da criança(17).

As informações devem ser colocadas de forma sensível e gradual, conforme o entendimento da família. Para as autoras, muitas vezes, a família envergonha-se de fazer perguntas à equipe, ficando insegura e com crenças infundadas a respeito da situação de seu filho. Assim, torna-se importante que a equipe de saúde converse com a família, explique os procedimentos técnicos, esclareça as dúvidas e mantenha-a informada sobre as condições de saúde da criança, não esquecendo os contextos físico, cultural, emocional e socioeconômico dessa família(23,25).

Sobre os aspectos facilitadores do processo de internação da criança em UTI, os depoimentos descritos a seguir reforçam que a interação e o apoio da equipe de saúde são fatores essenciais para enfrentar esse processo. Os pais valorizam a dedicação da equipe, expressando que os profissionais são atenciosos e esclarecem todas as suas dúvidas.

“[...] A equipe é atenciosa com a gente, com a criança também. Esclarece as dúvidas tudo que a gente tem.” (E2)

“[...] Eu gostei muito daqui, são todos assim muito atenciosos, o que eles podem fazer por a gente eles fazem.” (E8)

Ressalta-se que o diálogo entre mães e profissionais de saúde foi o dispositivo identificado em um estudo que mostrou a visibilidade das possibilidades de participação materna no cuidado e criação conjunta de alternativas para concretizá-las(24).

Nessa perspectiva, o atendimento multiprofissional torna-se fundamental para o fortalecimento das relações interpessoais com a família. Partindo dessa compreensão, é necessário que a equipe esteja ciente da importância de sua intervenção, de seu papel frente às eventuais dificuldades que surgirem durante a permanência da família na unidade. Os profissionais de saúde devem valorizar os aspectos emocionais, identificando situações de vulnerabilidade, bem como a interação com a família, buscando proporcionar segurança, afetividade e atendimento qualificado(17).

Todavia, a religiosidade se apresenta como ponto de apoio, pois, em forma de preces, deposita-se em Deus a melhora da saúde de seu filho.

“[...] Ter paciência, rezar, pedir a Deus, a Nossa Senhora, para abençoar as mãos dos médicos, dos enfermeiros, e pedir muita saúde para ele. Muita saúde, muita vida.” (E8)

As crenças religiosas são mediadoras no enfrentamento das questões relacionadas ao processo saúde-doença, pois promovem o aumento da confiança, favorecendo a atribuição de significado aos episódios de estresse. Para os autores, a espiritualidade surge como um fator marcante na experiência de famílias que possuem algum ente querido internado. Assim, cabe à equipe respeitar e oferecer suporte a essa religiosidade, permitindo que os familiares estabeleçam conexões espirituais para melhorar os obstáculos de tal experiência(6).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa evidenciou que os pais não estão totalmente inseridos no cuidado ao filho internado em uma UTINP. Isso acontece devido a sentimentos de medo e insegurança da família, restrição pela complexidade e tecnologia dos aparelhos utilizados na assistência, indisponibilidade de tempo dos familiares por precisarem realizar outras funções e residirem em outros municípios. Além disso, há restrição da participação dos pais na realização dos procedimentos na assistência à criança, bem como utilização de linguagem essencialmente técnica pelos profissionais, dificultando a relação da equipe de saúde com a família.

A interação com os pais e o apoio da equipe de saúde foram fatores essenciais para enfrentar a internação dos filhos. Portanto, torna-se imprescindível que os trabalhadores da saúde possam identificar as necessidades de cada família, reconhecendo-a como parte integrante do cuidado à criança hospitalizada. Dessa forma, os pais devem ser incentivados a participar do cuidado ao filho internado, mesmo que por um curto período de tempo. Participando do cuidado, eles poderão preservar o vínculo afetivo com a criança, sentir-se ativos, contribuindo para uma recuperação mais rápida e com melhor qualidade. Espera-se, assim, que este estudo oportunize reflexões que fortaleçam as práticas já existentes e ajudem a construir novas alternativas para a participação da família no cuidado às crianças internadas em UTI.

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Autor notes

Endereço do primeiro autor: Daniele Zuba Ramos, Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, Avenida Dr. Ruy Braga, S/N, Bairro: Vila Mauriceia, CEP: 39401-089 - Montes Claros - MG – Brasil, E-mail: danielezuba@yahoo.com.br
Endereço para correspondência Cássio de Almeida Lima, Rua Dom João Pimenta, 781 apt 02, Bairro: Centro, CEP: 39400 003 - Montes Claros - MG - Brasil , E-mail: cassioenf2014@gmail.com


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