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RELAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO POSTURAL COM INCAPACIDADE CERVICAL EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
Relationship between postural imbalance and cervical disability in visually impaired individuals
Relación del desequilibrio postural e incapacidad cervical de personas con discapacidad visual
Revista Brasileira em Promoção da Saúde, vol. 29, núm. 4, pp. 525-532, 2016
Universidade de Fortaleza

ARTIGOS ORIGINAIS


Recepção: 08 Junho 2016

Revised document received: 11 Agosto 2016

Aprovação: 04 Novembro 2016

DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2016.p525

Resumo: Objetivo: Identificar a relação entre o desequilíbrio postural e a incapacidade cervical em pessoas com deficiência visual. Métodos: Estudo transversal retrospectivo, realizado na Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto, SP, Brasil, no período entre janeiro de 2014 e dezembro de 2014, com 26 participantes, de ambos os sexos, com idade média de 31,92 anos, apresentando deficiências visuais total ou parcial. Realizou-se a avaliação postural por meio da biofotogrametria associada ao Neck Desability Index (NDI), que identifica incapacidade cervical. Para avaliar a significância estatística de 5%, realizou-se o teste de independência de Chi-quadrado. Resultados: Na vista anterior, houve inclinação cervical à esquerda em 2,82cm. Na vista posterior, houve elevação de ombro esquerdo em relação ao direito em 9,15cm. Nas vistas laterais direita e esquerda, encontraram-se flexo-extensão cervical de 2,44cm da cabeça em relação à coluna cervival e hipercifose torácica de 0,67cm. Encontrou-se diferença do alinhamento escapular do lado direito em relação ao esquerdo em 5,08cm. O NDI evidenciou 33,3% com incapacidade mínima devido à dor, enquanto 66,7% não apresentam incapacidade. Conclusão: Encontraram-se alterações posturais compensatórias adotadas pelos deficientes visuais analisados na tentativa de ajustar o centro de gravidade. No entanto, essas alterações posturais não coincidem com incapacidade cervical e dor.

Palavras-chave: Transtornos da Visão, Postura, Pessoas com Deficiência.

Abstract: Objective: To identify the relationship between postural imbalance and cervical disability in visually impaired individuals. Methods: Retrospective cross-sectional study conducted at the Association for the Visually Impaired in Ribeirão Preto, SP, Brazil, in the period from January 2014 to December 2014, with 26 participants of both sexes, with an average age of 31.92 years, featuring complete or partial visual impairments. The postural assessment was performed by means of photogrammetry associated with the Neck Disability Index (NDI), which identifies cervical disability. To assess the statistical significance of 5%, the Chi-square test of independence was applied. Results: In the front view, there was a 2.82cm cervical inclination to the left. In the rear view, there was left shoulder elevation of 9.15cm in relation to the right one. In the right and left views, a 2.44cm cervical flexion-extension of the head against the cervical and thoracic hyperkyphosis of 0.67cm were found. There was a difference in the scapular alignment of the right side to the left in 5.08cm. The NDI showed 33.3% of the individuals with mild disability due to pain, while 66.7% had no disability. Conclusion: The study found compensatory postural changes adopted by the visually impaired in an attempt to adjust the center of gravity. However, these postural changes do not coincide with cervical disability and pain.

Keywords: Vision Disorders, Posture, Disabled Persons.

Resumen: Objetivo: Identificar la relación entre el desequilibrio postural y la incapacidad cervical de personas con discapacidad visual. Métodos: Estudio transversal retrospectivo realizado en la Asociación de Discapacitados Visuales de Ribeirão Preto, SP, Brasil en el período entre enero y diciembre de 2014 con 26 participantes de ambos los sexos con edad media de 31,92 años con discapacidades visuales total o parcial. Se realizó una evaluación de la postura a través de la biofotogrametria asociada al Neck Desability Index (NDI) que identifica la incapacidad cervical. Se realizó la prueba de independencia de Chi-cuadrado para evaluar la significación estadística del 5%. Resultados: En la vista anterior se encontró la inclinación cervical para la izquierda de 2,82cm. En la vista posterior hubo elevación del hombro izquierdo sobre el derecho de 9,15cm. En las vistas laterales derecha e izquierda, se encontraron la flexión-extensión cervical de 2,44cm de la cabeza sobre la columna cervival e hipercifosis torácica de 0,67cm. Se encontró diferencia en la alineación de la escapula del lado derecho sobre el izquierdo de 5,08cm. El NDI evidenció el 33,3% con incapacidad mínima por el dolor mientras el 66,7% no presentan incapacidad. Conclusión: Se encontraron alteraciones posturales compensatorias adoptadas por los discapacitados visuales analizados con la tentativa de ajuste del centro de gravedad. Sin embargo, esas alteraciones posturales no coinciden con la incapacidad cervical y el dolor.

Palabras clave: Trastornos de la Visión, Postura, Personas con Discapacidad.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, há uma estimativa do surgimento de 1 a 2 milhões de novos casos de cegueira até 2020. No Brasil, o número de casos de cegueira está em torno de 0,4% a 0,5% da população, totalizando 4 a 5 mil pessoas por milhão de habitantes(1). O sistema visual desempenha um papel importante na percepção sensorial(2), com isso, os deficientes visuais promovem adaptações posturais no posicionamento das articulações durante a posição ortostática e em deambulação(3).

O equilíbrio do corpo bem como os movimentos da cabeça são originados pelo alinhamento entre o crânio e a região cervical, determinando assim a postura do indivíduo(4). Como a ATM (articulação temporomandibular) está diretamente relacionada à região cervical e escapular através de um sistema neuromuscular, alterações posturais da coluna cervical podem provocar distúrbios na ATM e vice-versa(4). As disfunções temporomandibulares ocasionam, entre outros fatores, a dor orofacial e a ocorrência de queixas dolorosas na região cervical, o que ocasiona a sobreposição de sinais e sintomas entre a articulação e a coluna cervical(5).

Outro fator que pode provocar uma nova organização postural é o desequilíbrio muscular mastigatório em função de sua articulação, ocasionando manifestações clínicas variadas, com alta prevalência de alterações posturais e impacto na qualidade de vida devido a esta musculatura estar direta ou indiretamente ligada a estruturas internas ou externas através de suas fáscias(6). A falta de estabilidade desta musculatura pode ocasionar desvios posturais globais que precisam de uma readaptação e realinhamento corporal, podendo também apresentar problemas na articulação onde ela se insere, no caso, a temporomandibular, com reflexo nas estruturas associadas através dos trilhos anatômicos ou trilhos miofasciais(7), que consiste na interação entre músculos individuais, formando os complexos funcionais, cada um com uma anatomia e significado diferentes, em que se torna possível a compreensão dos padrões do corpo como um todo, em postura e função, sendo o elo de ligação entre movimento e estabilidade(8).

A postura corporal pode ser definida através da posição que o corpo adota no espaço, bem como a relação direta de suas partes com a linha do centro de gravidade(2). Para estar em boa postura, é necessário um equilíbrio entre os sistema neural, muscular e esquelético(3). Os problemas posturais têm sido considerados um sério problema de saúde pública, pois atingem uma grande parcela da população economicamente ativa, incapacitando-a temporária ou definitivamente para atividades profissionais(9). A cegueira como fator predisponente de desvios posturais, além de levar o indivíduo a condições de menor desempenho e agilidade física, pode representar também um grande fator de risco para o isolamento, perda de motivação e desinteresse na participação da rotina doméstica e social(3).

As manifestações clínicas do desequilíbrio postural são: dor crônica, fadiga, sensibilidade nos músculos da mastigação, ruídos e limitação de movimento, sendo responsáveis por uma sintomatologia diversificada, de difícil diagnóstico e tratamento, que envolvem manifestações de dor e falta de coordenação muscular, relacionada ao desequilíbrio biomecânico não apenas da própria articulação, como também de áreas circunvizinhas, incluindo-se a região cervical(10).

A dor cervical é um problema cada vez mais comum, sendo uma das três condições mais frequentemente reportadas por queixas de origem musculoesquelética. A sua incidência é um fenômeno em crescimento, com custos implicados para a sociedade(10). Recentemente, a dor na região cervical tem sido amplamente classificada como de origem idiopática ou induzida por um trauma na região cervical, como a lesão de chicote, não sendo possível a realização de um diagnóstico anatomopatológico definitivo na maioria dos casos(11).

A deficiência visual é caracterizada por perdas parciais ou totais da visão, sendo várias são as causas da perda dessa capacidade, podendo estar relacionada a fatores biológicos e ambientais, levando o indivíduo a uma limitação em seu desempenho habitual(4,12).

O deficiente visual adota posturas inadequadas pela má utilização dos esquemas reflexos relacionados com a postura(13), pois à medida que a cegueira causa distorções em certos mecanismos (proprioceptivos e tônico na coluna cervical) com o intuito de compensar a falta de visão, gera uma hipotonia ou hipertonia no pescoço, resultando na existência de uma concepção vertical inadequada pela tendência de inclinação do corpo para frente durante a marcha, interferindo na postura que também é afetada pelo conhecimento limitado da imagem corporal(14).

Nos países em desenvolvimento, a deficiência visual se configura como um grave problema de saúde pública e é decorrente de causas possivelmente evitáveis, tais como: catarata, glaucoma, infecções da córnea e sarampo(15).

Os comprometimentos motores, referentes à deficiência visual total (DVT) e a todas as patologias associadas à condição, propõem um método de avaliação de aspectos posturais e de percepção de dores, favorecendo um diagnóstico precoce para propor parâmetros condizentes para uma intervenção clínica futura(16).

Os estudos sobre a relação entre desequilíbrios posturais e incapacidade cervical na população com deficiência visual são raros. Em geral, os deficientes visuais adotam posturas inadequadas por distorções em certos mecanismos. Em decorrência do conhecimento limitado da sua imagem corporal, a marcha tende a inclinar o corpo(3). A cegueira é um fator predisponente em desvio postural, induzindo o indivíduo a ter menores condições de agilidade física e desempenho, levando ao isolamento, perda de motivação e desinteresse da rotina social(17).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar a relação entre o desequilíbrio postural e a incapacidade cervical em pessoas com deficiência visual.

MÉTODOS

Esse estudo de caráter transversal retrospectivo foi realizado na Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto (ADEVIRP), em São Paulo, SP, Brasil, no período entre janeiro e dezembro de 2014.

A seleção da instituição, pertencente à sociedade civil e sem fins lucrativos, ocorreu devido a contribuição para o desenvolvimento humano global e a inclusão educacional e social das pessoas com deficiência visual, visto que a instituição promove, através de ações, recursos e serviços para a melhoria da qualidade de vida e convivência sociofamiliar em parceria com as famílias, escolas, empresas e comunidade em geral, sendo referência no atendimento a pessoas com deficiência visual.

Participaram da pesquisa 26 pessoas com deficiência visual total ou parcial. Esta amostragem reflete o número total de sujeitos atendidos pela ADEVIRP (Tabela I). Adotaram-se como critérios de inclusão, indivíduos com deficiência total ou parcial, congênita ou adquirida, com idade acima de 18 anos e apresentando nível cognitivo adequado para compreender os objetivos e procedimentos relacionados à pesquisa. Como critério de exclusão, sujeitos que apresentassem outras deficiências associadas e/ou que estivessem fazendo uso de medicamento analgésico ou anti-inflamatório.

Tabela I
Representação e identificação da população avaliada segundo o sexo, média de idade, deficiência total (Def. Total), deficiência parcial (Def. parcial), congênita ou adquirida (Cong-adquir). Ribeirão Preto, SP, 2014.

O pesquisador compareceu na instituição para proceder à coleta de dados, agendada pessoalmente com a direção da ADEVIRP.

Para evitar o constrangimento dos participantes, as avaliações aconteceram de maneira individual em uma sala reservada pela própria instituição, onde somente ele e o pesquisador permaneciam. Inicialmente, apresentava-se ao participante um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) confeccionado pela própria instituição em braile. Após a leitura do termo em braile, o termo impresso era lido pelo pesquisador de forma clara e precisa. Previamente à assinatura dos voluntários, o termo impresso e o termo em braile eram comparados pela assistente social da instituição e assinados por ela para garantir a veracidade. Todos os participantes preencheram e assinaram o TCLE utilizando uma régua de referência, e os que não sabiam assinar de forma escrita utilizaram o registro de sua impressão digital.

Os exames posturais foram realizados por meio da biofotogrametria, avaliados pelo SAPO versão 0.69 (Software para Avaliação Postural) e classificados através da escala de New York(18) de forma associada a um questionário que identifica como a dor no pescoço afeta as atividades de vida diárias, Neck Desability Index (NDI)(19).

Para avaliação de incapacidade funcional e dor na região da coluna cervical, utilizou-se o questionário NDI(20), adaptado e validado para a língua portuguesa(19), através de entrevista direta para melhor entendimento da população avaliada. O instrumento é recomendado para avaliar a incapacidade funcional associada à dor cervical, sendo de fácil aplicação(21). Contém 10 itens, cada item composto de 10 questões, entre as quais: sete estão relacionadas às atividades de vida diária, duas relacionadas à dor e uma relacionada à concentração, com ex­ceção da questão cinco, sobre cefaleia. As alternativas, numeradas de zero a cinco, descrevem graus crescen­tes de interferência da dor cervical sobre a realização da atividade questionada. Excluiu-se a questão 8 da presente pesquisa, pois não se aplicava à população investigada por se tratar de direção de automóveis.

O questionário era aplicado de maneira direta e imparcial pelo pesquisador, o qual apresentava ao indivíduo a pergunta e explicava todas as alternativas (6 alternativas para cada questão) para que posteriormente o voluntário indicasse a alternativa que mais se identificava. Somente depois de respondida a questão passava-se para a questão posterior. A obtenção dos escores ocorreu pela soma dos pontos e subsequente conversão do resultado em um valor percentual, sendo considerados apenas os itens respondidos pelo indivíduo. O escore do NDI consiste na soma dos pontos, de 0 a 5 de cada uma das 10 questões, totalizando no máximo 50 pontos.

O valor obtido pode ser expresso em porcentagem, numa escala de 0% (sem incapacidade) a 100% (incapacidade completa). O escore total é dividido pelo número de questões respondidas multiplicadas pelo número 5. Por exemplo, se respondidas todas as perguntas do questionário, o escore total será dividido por 50 (10 x 5), enquanto que, se houver uma pergunta sem resposta, o mesmo será dividido por 45 (9 x 5). O resultado desta divisão é multiplicado por 100 e os valores finais são apresentados em porcentagem, ([escore ÷ (nº questões respondidas x 5)] x 100)35. Sendo assim, considera-se sem incapacidade quando o valor estiver abaixo de 10% (menos de 5 pontos); com incapacidade mínima de 10 – 28%; com incapacidade moderada de 30 – 48%; incapacidade severa de 50 – 68%; e, acima de 72%, incapacidade completa(22).

Para análise da postura estática, realizaram-se registros fotográficos dos participantes com parâmetros da avaliação biofotogramétrica(16,23), uma ferramenta de análise cinética eficaz que consiste em um processo de registro de imagem obtido através de posturas corporais, que posteriormente foram interpretadas através de referências ósseas e articulares nos planos anterior, posterior, lateral direito e lateral esquerdo, com seus respectivos eixos, possibilitando o cálculo de ângulo e segmentos corporais relativos à pesquisa, com tarefas distintas e com diversos cuidados e controles tomados. Essa avaliação ocorreu com o participante do sexo masculino de bermuda e bermuda e top no caso do sexo feminino. Previamente à realização de cada experimento, as instruções e informações eram dadas, solicitando sempre que permanecesse o mais calmo possível, respirando lenta e pausadamente, a fim de garantir um exame confiável e reprodutível.

Para padronização da conduta da avaliação postural, o participante encontrava-se posicionado sobre uma plataforma de nivelamento tridimensional em frente a um simetrógrafo com dimensões de 200x100 cm e de 10 cm de quadrangular; uma câmera da marca Nikon®, com 8,5 megapixels, modelo DSC COOL PIX S2600-PTP, colocada em um tripé posicionado à distância de 3 metros entre a lente focal da câmera e o centro corporal do indivíduo. Outra medida de padronização utilizada era a altura do tripé, que permanecia a 0,90m de altura em relação ao solo.

Após a padronização dos equipamentos, realizou-se a biofotogramétrica, em seguida ocorreu o posicionamento de demarcadores dos seguintes pontos referenciais: Trago auricular bilateral, acrômios bilateral, espinha ilíaca antero-superior bilateral, trocânter maior de fêmur bilateral, linha articular de joelho bilateral, ponto medial da patela bilateral, tuberosidade da tíbia bilateral, maléolo lateral bilateral, maléolo medial bilateral, processo espinhoso de C7, espinha ilíaca postero-superior bilateral, ponto entre a cabeça do 2° e 3° metatarso bilateral, ângulo superior e inferior da escápula bilateral, processo espinhoso de T3, ponto sobre a linha média da perna bilateral, ponto sobre o tendão de Aquiles na altura média dos dois maléolos bilateral e calcâneo bilateral.

Para análise postural, usou-se o programa SAPO na versão 0.69, um programa brasileiro livre e gratuito desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP) por uma equipe multidisciplinar(23), e as imagens foram analisadas de acordo com o protocolo do próprio programa, adquirindo angulações ou distâncias referentes aos níveis posturais. As imagens com as demarcações foram calibradas através de uma fita métrica de 1m, a fim de transformar pixels em centímetros. Utilizou-se também a escala de New York(18) para que os dados identificados no programa SAPO pudessem ser classificados e comparados aos resultados do NDI. A obtenção das imagens foi realizada por um único avaliador, sem zoom e em quatro planos de delimitação: anterior, lateral (direito e esquerdo) e posterior. Para a análise dos resultados deste estudo, usaram-se os seguintes eixos angulares: inclinação cervical, elevação de ombro, abdução de ombro, flexo-extensão de cervical, hipercifose torácica, e alinhamento escapular. Alguns cuidados ocorreram para que não fossem expostas as imagens dos participantes do presente estudo.

A partir dos resultados, classificaram-se os sujeitos quanto ao registro de alguma incapacidade cervical pelo NDI e analisaram-se de forma cruzada com as alterações posturais dos sujeitos. Para a montagem da tabela de dupla entrada (ou cruzada) associando a incapacidade devido à dor no pescoço e à postura, bem como para a realização do teste de chi-quadrado com 5% de significância para avaliar a independência entre os dois fatores, utilizou-se o software SPSS® versão 22.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade de Franca (UNIFRAN) sob nº. 495.565.

RESULTADOS

As médias referentes às principais alterações posturais evidenciadas durante a avaliação postural mostram as seguintes alterações: na vista anterior, houve inclinação cervical à esquerda em 2,82cm; na vista posterior, houve elevação de ombro esquerdo em relação ao direito em 9,15cm; houve flexo-extensão cervical de 2,44cm da cabeça em relação à coluna cervical nas vistas laterais direita e esquerda; hipercifose torácica de 0,67cm e diferença do alinhamento escapular do lado direito em relação ao esquerdo em 5,08cm.

Segundo a escala de New York, dos 26 participantes avaliados, 23 apresentaram alterações posturais severas e 3 alterações posturais moderadas.

Os resultados obtidos no questionário NDI indicam que, dos participantes com problema moderado de postura, um apresentou incapacidade mínima devido à dor, enquanto 2 participantes não apresentaram nenhuma incapacidade. Ainda, considerando os participantes com problema severo de postura, 2 apresentaram incapacidade mínima e 23 nenhuma incapacidade. A tabela II mostra a relação entre os achados do NDI e da escala de New York.

Tabela II
Relação entre o questionário de incapacidade cervical (NDI*) e a escala de New York. Apesar dos sujeitos apresentarem alterações posturais moderada e severa, não reflete em incapacidade cervical segundo o NDI*. Ribeirão Preto, SP, 2014.

No gráfico (Figura I) é possível observar que, tanto para os casos com postura severa quanto para os casos com postura moderada, a maioria dos sujeitos não apresentou nenhuma incapacidade declarada em função da dor no pescoço.


Figura I
Relação entre postura e incapacidade cervical em números de sujeitos. Alteração postura moderada (1 com incapacidade mínima e 2 sem incapacidade) e severa (2 com incapacidade mínima e 21 sem incapacidade). Ribeirão Preto, SP, 2014.

Para avaliar com significância estatística a colocação anterior, realizou-se um teste de independência de Chi-quadrado, com base no resultado do teste [χ2(1)=1,578; p-valor=0,209], a um nível de 5% de significância e valor de p>0,05. Não é possível rejeitar a hipótese inicial do teste que sugere uma independência entre os dois fatores. Assim, verifica-se que o problema postural não está associado com a ocorrência de incapacidade, ou seja, o problema postural que pode levar à dor no pescoço não interfere na incapacidade do sujeito.

DISCUSSÃO

O presente estudo mostra que a maioria da população investigada apresenta alterações posturais severas segundo a escala de New York. Indivíduos com cegueira adotam postura compensatória, por exemplo: aumento da cifose torácica, cabeça anteriorizada, protrusão de cintura escapular e anteversão pélvica para alinhar ou ajustar o centro de gravidade. A informação visual é muito importante para o controle do equilíbrio e precisão da velocidade do movimento dos objetos e dos segmentos do corpo, também para o tempo e a exatidão da reação motora, e sua diminuição poderia levar a desajustes e/ou desarmonias posturais(17,18,19,20,21,22,23,24).

Indivíduos com deficiência visual promovem adaptações posturais no posicionamento da cabeça, aumento da cifose dorsal, exacerbação da lordose lombar, rotação e inclinação da cabeça para um dos lados, ptose abdominal e alteração na consciência corporal(25).

Outros estudos mostram a existência de assimetrias posturais em indivíduos portadores de deficiência visual, em que a avaliação postural por biofotogrametria mostrou uma diferença significativa em relação à simetria de joelho e ombro. A presença dessas assimetrias posturais estimula a aquisição de mecanismos para compensar a perda da visão(26). Um trabalho desenvolvido com objetivo de definição do principal padrão postural adotado por deficientes visuais, observou que a principal alteração se encontra na região cervical, apresentando 60% de hipercifose torácica e 90% de protusão da cabeça(27).

Em um estudo de caso(3) com o objetivo de avaliar a ocorrência de alterações posturais, utilizando o método clássico e desequilíbrio musculares em um portador de deficiência visual, verificou-se retrações musculares em 7 dos 13 grupamentos avaliados, podendo tornar-se importante fator predisponente para alterações na postura, pois o sujeito apresentava várias alterações posturais relacionadas às musculaturas avaliadas, indicando que a presença dessas alterações posturais ocorre em consequência do comprometimento da visão.

No presente estudo, ficaram evidenciadas alterações posturais severas, pois 23 dos 26 indivíduos avaliados apresentavam algum tipo de desvio postural lateral esquerdo, como inclinação cervical, elevação do ombro e uma diferença no alinhamento escapular, que ocorre em relação a falta da visão.

Em um estudo de avaliação do controle postural de indivíduos adultos com cegueira completa congênita ou adquirida utilizando a versão brasileira da Escala de Equilíbrio de Berg e o domínio motor da medida de independência funcional, concluíram que a habilidade de controlar a postura pode ser adquirida por meio de mecanismos compensatórios, não sendo afetada pela perda visual(10). Já no presente estudo, a perda da visão pode colaborar para o surgimento de tais mecanismos.

A dor no pescoço é a segunda reclamação entre pessoas, perdendo apenas para as dores lombares(28). Os músculos do pescoço devem estar sempre alertas para suportar o peso da cabeça, e quando são submetidos a sobrecargas, tencionam, diminuindo o fluxo sanguíneo para a região, gerando dor, que pode irradiar para os ombros e até causar cefaleia tensional. A má postura, entre outros fatores, pode causar esse tipo de dor, sendo a sua mensuração essencial para a avaliação e o tratamento dos seus efeitos, apesar de não existir um instrumento padrão para avaliar a magnitude da dor(29).

Em um estudo sobre a alteração da cinestesia cervical, a redução da capacidade de permanecer com a cabeça em uma posição neutra pode contribuir para a manutenção de posturas inadequadas, gerando sobrecarga e dor na coluna cervical. A manutenção da postura anteriorizada da cabeça sobrecarrega as estruturas não contráteis e aumenta a tensão muscular nas estruturas cervicais posteriores, gerando dor miofascial(28,30).

A relação entre a postura da cabeça e a presença de dor na região cervical tem sido amplamente discutida na literatura, no entanto, os autores apresentam divergência nas opiniões sobre o tema. Contudo, a relação biomecânica direta dos músculos e da coluna cervical na manutenção do equilíbrio da cabeça suporta a hipótese de que alterações posturais, como a anteriorização da cabeça, são mais significativas em indivíduos com queixa de dor cervical quando comparados a indivíduos assintomáticos(31).

O presente estudo mostra que existe uma tendência de alteração postural entre os sujeitos com deficiência visual avaliados, a qual pode ser descrita como: posteriorização e inclinação da cabeça para a esquerda e assimetria de ombro. É importante fazer uma avaliação postural em indivíduos com alguma deficiência visual, sendo ela total ou parcial, visando identificar alterações na postura, marcha e equilíbrio. A partir dos achados, elaborar uma abordagem adequada para cada pessoa para corrigir as alterações posturais, oferecendo um modelo de postura adequada para melhorar seu desempenho e qualidade de vida.

Apesar das correlações encontradas no presente estudo, é importante ressaltar como limitação o número pequeno de indivíduos avaliados e os instrumentos utilizados na coleta, sugerindo-se que novos estudos sejam conduzidos com um número maior de amostra e outros instrumentos avaliativos, a fim de investigar as alterações e suas condutas específicas. Mesmo assim, acredita-se que os resultados possam ser úteis no embasamento científico de profissionais envolvidos na avaliação clínica e reabilitação de pessoas acometidas pelas alterações posturais e dores cervicais.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos dentro das condições estudadas corroboram com os achados da literatura que mostram alterações posturais compensatórias adotadas pelos deficientes visuais na tentativa de ajustar o centro de gravidade. No entanto, essas alterações posturais não coincidem com incapacidade cervical e dor.

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