Resumo: Este estudo teve como objetivo identificar quais os componentes de funções executivas são mais comumente estimulados em crianças e adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e verificar a presença de treinos cognitivos computadorizados e não computadorizados descritos na literatura neuropsicológica. Foi realizada uma revisão de escopo utilizando os bancos de dados relevantes de psicologia e ciência da computação: ACM, IEEE, ERIC, PsycINFO e Medline. Sessenta estudos foram incluídos. Notou-se um predomínio de estudos que utilizaram treinamento cognitivo computadorizado e também uma predominância no estímulo à memória de trabalho e ao controle inibitório. Intervenções na modalidade computadorizada foram em grande parte associadas a melhoria de desempenho cognitivo. Ademais intervenções que possibilitavam interação humana foram comumente relatadas como efetivas na melhora de sintomas de TDAH. Nenhum dos estudos analisados foram realizados na América Latina. Destaca-se a necessidade de países latino-americanos investirem em intervenções de estimulação de funções executivas por meio de recursos tecnológicos adaptados para as crianças nativas destes países.
Palavras-chave: treinamento cognitivo, neuropsicologia, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, crianças, adolescentes.
Resumen: Este estudio tuvo como objetivo identificar cuáles componentes de las funciones ejecutivas son estimulados con mayor frecuencia en los niños y adolescentes con Trastorno por Déficit de Atención e Hiperactividad (TDAH) y verificar la presencia del entrenamiento cognitivo computarizado y no computarizado descrito en la literatura neuropsicológica. Se realizó una revisión de literatura utilizando las bases de datos pertinentes de psicología e informática: ACM, IEEE, ERIC, PsycINFO y Medline. Se incluyeron sesenta estudios. Se observó un predominio de los estudios que utilizaban el entrenamiento cognitivo informatizado, y también un predominio en la estimulación de la memoria de trabajo y el control inhibitorio. Las intervenciones en la modalidad computarizada se asociaron mayoritariamente a una mejora del rendimiento cognitivo. Además, las intervenciones que permitían la interacción humana solían ser eficaces para mejorar los síntomas del TDAH. Ninguno de los estudios analizados se realizó en América Latina. Se destaca la necesidad de que los países latinoamericanos inviertan en intervenciones de estimulación de las funciones ejecutivas a través de recursos tecnológicos adaptados para los niños nativos de estos países.
Palabras clave: entrenamiento cognitivo, neuropsicología, Trastorno por Déficit de Atención e Hiperactividad, niños, adolescentes.
Résumé: Cette étude visait à identifier les composantes des fonctions exécutives les plus couramment stimulées chez les enfants et les adolescents souffrant du trouble déficitaire de l'attention avec hyperactivité (TDAH) et à vérifier la présence de l'entraînement cognitif informatisé et non informatisé décrit dans la littérature neuropsychologique. Une étude de portée a été menée en utilisant les bases de données pertinentes en psychologie et en informatique : ACM, IEEE, ERIC, PsycINFO et Medline. Soixante études ont été incluses. On a noté une prédominance des études utilisant l'entraînement cognitif informatisé, ainsi qu'une prédominance dans la stimulation de la mémoire de travail et du contrôle inhibiteur. Les interventions dans la modalité informatisée étaient principalement associées à une amélioration des performances cognitives. En outre, les interventions qui permettent une interaction humaine ont été couramment rapportées comme étant efficaces pour améliorer les symptômes du TDAH. Aucune des études analysées n'a été menée en Amérique latine. Il est souligné la nécessité pour les pays d'Amérique latine d'investir dans des interventions de stimulation des fonctions exécutives à travers des ressources technologiques adaptées aux enfants natifs de ces pays.
Mots clés: entraînement cognitif, neuropsychologie, Trouble Déficitaire de L'attention Avec Hyperactivité, enfants, adolescents.
Abstract: This study aimed to identify which components of executive functions are most commonly stimulated in children and adolescents with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) and to verify the presence of computerized and non-computerized cognitive training described in the neuropsychological literature. A scoping review was performed using the relevant psychology and computer science databases: ACM, IEEE, ERIC, PsycINFO and Medline. Sixty studies were included. There was a predominance of studies that used computerized cognitive training and also a predominance in stimulating working memory and inhibitory control. Interventions in the computerized modality were largely associated with improved cognitive performance. Furthermore, interventions that enabled human interaction were commonly reported to be effective in improving ADHD symptoms. None of the studies analyzed were carried out in Latin America. The need for Latin American countries to invest in interventions to stimulate executive functions through technological resources adapted for native children in these countries is highlighted.
Keywords: cognitive training, neuropsychology, Attention Deficit Disorder with Hyperactivity, children, adolescents.
Treino computadorizado e não computadorizado de funções executivas para crianças e adolescentes com TDAH: revisão de escopo
Entrenamiento computarizado y no computarizado de funciones ejecutivas para niños y adolescentes con TDAH: revisión de literatura
Entraînement informatisé et non informatisé des fonctions exécutives chez les enfants et les adolescents atteints de TDAH : revue de littérature
Executive functions training in children with ADHD: A scoping review
Recepción: 28 Diciembre 2020
Aprobación: 24 Abril 2022
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno de neurodesenvolvimento, caracterizado pelo padrão persistente de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade (American Psychological Association [APA], 2013). O TDAH pode estar associado a dificuldades cognitivas e psicossociais, as quais resultam ao baixo desempenho acadêmico, problemas comportamentais, conflitos com os pais, aumento do risco de uso de drogas e criminalidade (Barkley et al., 1992; Barkley, 1997; Loe & Feldman, 2007; Dalsgaard et al., 2013, 2014).
Embora o diagnóstico de TDAH tenha natureza clínica, do ponto de vista neuropsicológico é comumente associado a endofenótipos cognitivos como déficits em atenção, velocidade de processamento e, em especial em funções executivas (Arnett et al., 2015). As funções executivas podem ser compreendidas como uma série de processos inter-relacionados responsáveis pelo comportamento intencional e direcionado a objetivos (Diamond, 2013; Gioia et al., 2001). É um termo guarda- chuva que envolve memória de trabalho, controle inibitório, autorregulação, planejamento, monitoramento e flexibilidade cognitiva (Lezak, 1995; Gazzaniga et al., 2002).
É comum a associação do TDAH com a disfunção executiva. Kofler et al. (2019) avaliaram as três funções executivas básicas (controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva) de 136 crianças com e sem TDAH e encontraram que 89% das crianças com TDAH demonstraram prejuízo objetivamente definido em pelo menos uma função executiva. No entanto, sabe-se que a heterogeneidade cognitiva do TDAH dificulta a identificação de um perfil executivo associado ao quadro (Kofler et al., 2019; Wagner et al., 2016). Mais estudos são necessários para compreender as especificidades executivas de crianças com TDAH e atualizar formas de intervenção.
A intervenção medicamentosa com uso de psicoestimulantes é o meio mais comum no tratamento para o TDAH. Apesar da medicação ser eficaz (Masha & Dickerson, 2019), observa-se que alguns sujeitos não apresentam melhoras dos sintomas com a exclusividade do manejo farmacológico (Knight et al., 2008). A medicação ajuda a reduzir sintomas a partir da ativação cerebral e aumento da capacidade de concentração, no entanto, não melhora habilidades cognitivas/executivas que precisam ser treinadas e aprendidas pelas crianças e adolescentes com TDAH (Jahangard et al., 2017).
Dessa forma, programas de intervenção neuropsicológica estão ganhando cada vez mais espaço. O treino cognitivo como uma modalidade de intervenção neuropsicológica envolve procedimentos que visam estimular/restaurar funções cognitivas deficitárias (Kumar, 2012). Por meio do treino cognitivo se pode aumentar a plasticidade neural e consequentemente a quantidade de capacidade funcional (Kumar, 2012; Bikic et al., 2018). Deste modo, o treinamento cognitivo focado na estimulação das funções executivas pode beneficiar indivíduos com TDAH (Holmes et al., 2009; Karbach & Kray, 2009; Tajik-Parvinchi et al., 2014).
Há diversas abordagens comprovadas cientificamente para o treinamento cognitivo (Diamond & Lee, 2011), como o treino computadorizado e o treino não computadorizado, sendo estes, tarefas de lápis e papel (Tamm et al., 2013; Chevalier et al., 2012; Jonkman et al., 2016) e tarefas ecológicas – tarefas que simulam atividades do cotidiano (Chaimaha et al., 2017; Halperin et al., 2012). No que se refere a jogos computadorizados, sabe-se que estes favorecem o desenvolvimento de habilidades cognitivas, a velocidade de processamento de informação, a tomada de decisões e a instauração de estratégias para soluções de problemas por meio da linguagem visual, motora e sonora, no qual contribui à aprendizagem perceptiva, da atenção e da motivação (Munguba et al, 2003). O uso da tecnologia é cada vez mais incentivado nas áreas da saúde e educação, o desenvolvimento de recursos tem crescido especialmente durante/após a pandemia mundial do COVID-19 (Hewitt et al., 2022). O uso de recursos computadorizados está relacionado a redução de custos (com deslocamentos e materiais) (Ruffini et al., 2021), bem como maior padronização de processos avaliativos e interventivos.
Algumas revisões sistemáticas e metanálises já abordaram o tópico das intervenções neuropsicológicas (computadorizadas e não computadorizadas) em crianças com TDAH. No entanto, nenhuma delas trouxeram um escopo tão amplo, pois estavam focadas ou em intervenções computadorizadas (Rapport et al., 2013), ou em uma única função executiva, principalmente memória de trabalho (Melby-Lervåg & Hulme, 2013; Melby-Lervåg et al., 2016). Os estudos mais abrangentes encontrados na literatura (Sonuga-Barke et al., 2013; Cortese et al., 2014) estão se tornando obsoletos na análise do treinamento cognitivo, principalmente devido ao ano de publicação.
Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivo (a) identificar quais os componentes de funções executivas são mais comumente estimulados em crianças e adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e (b) verificar a presença de treinos cognitivos computadorizados e não computadorizados para crianças com TDAH descritos na literatura neuropsicológica. A realização de uma revisão de escopo abrangente irá basear o desenvolvimento de um serious game, que fará parte de um programa de treinamento cognitivo computadorizado para crianças com TDAH. Pretende-se analisar as lacunas encontradas em estudos da área e desenvolver um programa eficaz para desenvolver habilidades executivas de crianças latino-americanas com TDAH.
Esta revisão de escopo foi realizada de acordo com o método Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher et al., 2009). As bases de dados Medline, PsycINFO, ERIC, IEEE e ACM foram pesquisadas em busca de artigos que realizaram intervenções neuropsicológicas com treinamento cognitivo em crianças e adolescentes com TDAH. A pesquisa foi realizada em todas as bases no dia 7 de maio de 2020. Em razão da IEEE possuir limite máximo de caracteres, realizou-se uma pesquisa com uma string menor na mesma. As outras quatro bases que não possuíam essa restrição utilizaram as mesmas strings de busca. A estratégia de busca utilizada nos bancos de dados Medline, PsycINFO, ERIC e ACM foi: (("cognitive intervention" OR "neuropsychological intervention" OR "neurocognitive intervention" OR "cognitive stimulation" OR "neuropsychological stimulation" OR "neurocognitive rehabilitation" OR "cognitive rehabilitation" OR "neuropsychological rehabilitation" OR "cognitive training" OR "neuropsychological training" OR "neurocognitive training" OR "cognitive remediation" OR "cognitive remediation training" OR "computerized cognitive remediation training" OR "working memory training" OR "executive function training" OR "inhibitory control" OR "inhibitory control training") AND ("executive function" OR shifting OR "executive functions" OR "working memory" OR “inhibition” OR "cognitive flexibility" OR "speed processing" OR "self-regulation" OR "divided attention" OR "shared attention") AND (“child” OR “children” OR “childhood” OR “preschoolers” OR “infancy” OR “infantile” OR “teenager” OR “teen” OR “teens” OR “pubescent” OR "pre- adult" OR “juvenile” OR “adolescent” OR “adolescents”) AND (“adhd” OR "attention deficit hyperactivity disorder" OR "attention deficit/hyperactivity disorder" OR “hyperactive” OR “hyperactiveness” OR "excessively active" OR "attention disorder" OR "inattention" OR “impulsivity” OR “hyperactivity”). Com a base de dados IEEE foi utilizado a seguinte estratégia de busca: ((neuro OR cognitive OR memory) AND (“intervention” OR “training”) AND (“child” OR “infant” OR “teen” OR “adolescent”) AND (“adhd” OR "attention deficit" OR hyperactivity OR "attention disorder")).
Os resumos selecionados atenderam os seguintes critériosde inclusão: 1) estudos empíricos envolvendo seres humanos; 2) amostra de crianças e adolescentes com TDAH; 3) publicados depois de 2000; 4) promover treino cognitivo de funções executivas. Os estudos com outras psicopatologias, como autismo, lesão cerebral e demência, antes do ano de 2000, tratamentos farmacológicos, estudos com bebês, adultos e idosos, estudos não empíricos e estudos de caso foram excluídos.
Após a busca nas bases de dados e aplicação dos critérios de inclusão e critérios de exclusão, os resumos foram avaliados duplamente por três juízes independentes. Além de todos os duplicados foram excluídos para evitar a duplicação dos dados. Em seguida, foi estabelecido em consenso que os itens selecionados para a análise dos artigos completos fossem: 1) Objetivo; 2) Amostra; 3) Tarefas Neurocognitivas; Funções cognitivas estimuladas; 5) Tipo de Intervenção; 6) Plataforma; 7) Método; 8) Resultados; 9) Discussão.
Inicialmente, retornaram da busca nas bases de dados 1207 artigos, sendo descartados 190 artigos duplicados. Dessa forma, restaram 1017 artigos, que foram analisados e revisados por três juízes independentes, com bases nos critérios de exclusão supracitados. A concordância entre juízes foi de 97,55%, houve falta de consenso na avaliação de
25 estudos que posteriormente foram analisados por uma expert com 10 anos de experiência em pesquisa e clínica neuropsicológica. Na primeira triagem, foram excluídos estudos com base em título e resumo, já excluindo a leitura na íntegra de estudos que não contemplavam o TDAH ou não utilizavam treinamento cognitivo. Noventa e cinco (95) estudos foram lidos na íntegra, com 34 excluídos por abordarem transtorno bipolar, restrição de crescimento intrauterino, demências, não possuir treino cognitivo, serem estudo de caso ou revisão sistemática e feita com bebês, adultos e idosos. Assim, selecionou-se 60 estudos que preencheram os critérios de inclusão. A Figura 1 esquematiza o fluxograma da seleção e inclusão de artigos da revisão.

Todos os estudos buscaram avaliar a eficácia de treinamento de funções executivas em crianças e/ou adolescentes com TDAH. Apenas dois estudos não tiveram como objetivo verificar o efeito do treino no desempenho cognitivo (1 computadorizado e 1 não computadorizado) e 14 estudos não investigaram se os treinos cognitivos influenciaram nos sintomas clínicos de TDAH (10 que utilizaram treino computadorizado; Cosper et al., 2009; Dahlin, 2013; Davis et al., 2018; Gibson et al., 2014; Horowitz-Kraus, 2015; Hovik et al., 2013; Kray et al., 2012; Prins et al., 2011; Shaffer et al., 2001; Van der Donk et al., 2016 e 4 que utilizaram treino não computadorizado; Hoekzema et al., 2010; Jonkman et al., 2016; Jurjadeh et al., 2016; Van der Donk et al., 2017).
De forma complementar, alguns estudos (n=32) tentaram determinar se os efeitos persistiram através de avaliações de acompanhamento (ver Tabela 1). Encontraram- se alguns estudos (n=3) que possuíam como objetivo comparar duas modalidades de intervenções (Azami et al., 2016; Lan et al., 2018; Xu et al., 2015). Uma pequena parte dos estudos (n=7) tentou examinar a existência de transferência do treino de habilidades cognitivas específicas para demais funções cognitivas ou para habilidades sociais (Van Dongen-Boomsma et al., 2014; Van der Donk et al., 2017; Egeland et al., 2013).
A Tabela 1 contém a descrição das publicações sobre a utilização de treino cognitivo com crianças e adolescentes com TDAH. Vale ressaltar que há diferenças metodológicas nos artigos entre os seguintes aspectos: faixa etária, representividade da amostra, período de duração dos treinos cognitivos e instrumentos utilizados na avaliação pré e pós- treinamento.
Em relação às funções executivas estimuladas durante as intervenções pode-se notar que a memória de trabalho é a mais comumente estimulada, estando em 80% das publicações. Na Tabela 1 observa-se as cinco (5) funções executivas mais estimuladas nos treinos cognitivos, sendo elas, respectivamente, 80% dos estudos abordando memória de trabalho (n=48), 48.3% atenção (n=29), 40% controle inibitório (n=24), 16.6% flexibilidade cognitiva (n=10) e 13.3 % planejamento (n=8). No entanto, categorização (Horowitz- Kraus, 2015; Bikic et al., 2018), teoria da mente (Shuai et al., 2017), monitoramento (Chaimaha et al., 2017; Tamm et al., 2013) e velocidade de processamento (Horowitz-Kraus, 2015; Bikic et al., 2018; Hannesddottir et al., 2017) estiveram presentes em alguns estudos.
Pode-se constatar que 75% dos estudos (n=45) utilizaram técnicas de treinamento computadorizadas, sendo que quatro (4) destes utilizam lápis/papel aliado com os treinos computadorizados (Van der Donk et al., 2015; Van der Donk et al., 2016; Chaimaha et al., 2017; Chacko et al., 2017). O restante utilizou tarefas ecológicas (n=3) ou tarefas lápis/papel (n=12).
O tipo de treino cognitivo (computadorizado ou não) não resultou em tipos diferentes de efeitos (na melhora do desempenho cognitivo ou na melhora dos sintomas de TDAH). A Tabela 2 apresenta a frequência de estudos que tiveram efeitos significativos em cada modalidade e a ausência de diferença entre grupos (treino com recurso computadorizado ou não) com base no Teste Exato de Fisher.
Os treinos computadorizados em sua maioria eram desenvolvidos por meio de serious games específicos para estimulação cognitiva, como Cogmed. Pôde-se notar que para obter resultados significativos, os estudos utilizaram de treinos com mais de 4 semanas, com pelo menos mais de 1 treino por semana e com duração acima de 30 minutos ou com duração acima de 2 horas para estudos realizados em menos de 4 semanas.
O programa computadorizado Cogmed Working Memory Training (n=20) foi o mais utilizado entre os estudos analisados. O Cogmed Working Memory Training (CWMT) mostrou algumas controvérsias conforme a sua eficácia. Alguns dos estudos que mostram melhora de sintomas clínicos a partir do treino com CWMT em crianças com TDAH foram realizados com amostras muito pequenas (Mezzacappa & Buckner, 2010), outros mostram que a análise de comparação de um grupo experimental (crianças que passaram por treino do CWMT) e placebo não constataram diferenças significativas na avaliação pós treino (Van Dongen-Boomsma et al., 2014). Chacko et al. (2017) utilizou o CWMT em grupo ativo e placebo em conjunto com behavioral parent training (BPT), que possui foco em ações e consequências orientados através de palestras, discussões em grupo, modelagem e role playing. Dessa forma, obteve benefício para ambas as condições de treinamento, porém sugerindo que o grupo CWMT Ativo + BPT experimentou uma melhora significativamente ( com tamanho de efeito moderadas entre os grupos) maior comparado ao grupo CWMT Placebo + BPT, em medidas de armazenamento de memória de trabalho verbal e não verbal, além do processamento e manipulação não-verbal da memória de trabalho.





Outros programas computadorizados também foram encontrados, alguns estudos mostraram usar softwares que melhoraram habilidades cognitivas diferentes daquelas que se propunham previamente (Cosper et al., 2009) ou que não encontraram nenhum efeito cognitivo e nem em sintomas de TDAH (Smith et al., 2016). No entanto, houve intervenções que utilizaram o treino cognitivo como parte de uma intervenção maior (exercícios físicos ou psicoeducação dos pais) e obtiveram resultados positivos em pelo menos um âmbito na vida dos participantes (Gerber et al., 2012; Halperin et al., 2012).
Alguns estudos aplicaram o treino cognitivo em crianças que estavam fazendo uso de metilfenidato, e relacionaram a combinação e intervenção à redução dos sintomas (Gibson et al., 2011; Halperin et al., 2012), sendo assim efeitos cognitivos e na sintomatologia podem estar associados a medicação. Outra parte dos estudos utilizou de algum tipo de sistema de recompensas, sendo por meio de adesivos, pontuações, entre outros. Além disso, muitas publicações ressaltaram a importância do feedback para a criança, como incentivo e auxílio na escolha da melhor estratégia. Dessa forma, os pais, os professores e os instrutores fizeram o papel de auxiliadores no processo de treino cognitivo. Como por exemplo, em Beck et al. (2010) e Van Dongen-Boomsma et al. (2014) foram aplicados treinos cognitivos na casa dos participantes, com a supervisão dos pais, mantendo os pesquisadores atualizados do progresso da avaliação. Em Halperin et al. (2012) e Schuai et al. (2017) aliaram o treinamento cognitivo das crianças, com grupo de psicoeducação sobre o TDAH para os pais.
Alguns estudos utilizaram o meio escolar para aplicar as intervenções neuropsicológicas, porém sem a presença dos professores no momento do treinamento (Van der Donk et al., 2016; Egeland et al., 2013; Chevalier et al., 2017). Muitos autores escolheram essa forma pelo proporcionamento de maior conforto e menor locomoção dos participantes dos estudos. Entretanto, essa forma de intervenção pode ter limitado os resultados dos questionários aplicados em pais e/ou professores, já que os mesmos não estavam cegos à intervenção.
Por fim, foi possível observar a prevalência de 36,6% (n=22) dos estudos feitos na América do Norte, predominantemente nos Estados Unidos. Assim, seguido da Europa com prevalência de 35% (n=21), Ásia comprevalência de 25% (n=15) e Oceania com 3.3% (n=2). Não foi encontrado nenhum programa de intervenção na América Latina e África. Dessa forma, é notável a predominância de estudos em países desenvolvidos, onde a pesquisa é amplamente incentivada.
Esta revisão de escopo teve como objetivo analisar estudos de treino cognitivo computadorizado e não computadorizado realizados com crianças e adolescentes com TDAH e identificar quais os componentes de funções executivas são mais frequentemente estimulados. Analisou-se 60 artigos cujos objetivos principais variavam entre avaliar a eficácia de um programa de intervenção, comparar diferentes modalidades (lápis/papel, computadorizado e tarefas ecológicas) e verificar a efetividade do uso de psicoestimulantes em comparação a treinos cognitivos. Este estudo evidenciou um importante movimento da neuropsicologia de investir em recursos tecnológicos na intervenção para crianças com TDAH e evidenciou que o controle inibitório e a memória de trabalho são as funções mais comumente treinadas de crianças com TDAH.
Encontrou-se o predomínio de estudos que utilizavam treino computadorizado de funções executivas. Os benefícios do treino computadorizado são reconhecidos por possibilitarem a padronização de formas de estimulação (Lampit et al., 2014). Além disso, utilizar o computador com crianças com TDAH é uma maneira de possibilitar maior motivação para realização das atividades propostas (Calderaro et al., 2003). Este resultado demonstra o crescente interesse da neuropsicologia no uso de tecnologias para realização de intervenções. Embora os treinos computadorizados e não computadorizados não se diferenciam quanto ao efeito na melhora da cognição e dos sintomas de TDAH, parece que a tecnologia pode ser uma aliada à processos de habilitação e reabilitação neuropsicológica. Estudos futuros são necessários para evidenciar os efeitos das intervenções computadorizadas, não apenas na melhora do desempenho cognitivo e sintomas clínicos a curto prazo, mas também a longo prazo afim de analisar se o treino cognitivo na infância e adolescência pode minimizar o neurodesenvolvimento negativo causado pelo TDAH e potencializar o desenvolvimento ao longo da vida.
Ainda no que se refere a utilização dos treinos computadorizados, grande parte dos estudos utilizaram um único programa, o Cogmed. Porém não há consenso na literatura sobre a eficácia do Cogmed para o TDAH na estimulação da memória de trabalho. Enquanto alguns estudos mostraram efeitos satisfatórios do Cogmed, outros discutiram que ao intervir apenas em memória não colabora significativamente na estimulação de crianças com TDAH (Gibson et al., 2011; Van Dongen-Boomsma et al., 2014). Neste sentido, percebeu-se a necessidade de estudos futuros investirem na formulação de pressupostos básicos do que um bom programa computadorizado de treino de funções executivas para TDAH deve conter.
No que se refere aos componentes executivos predominantemente estimulados em treinos cognitivos com pacientes com TDAH, destacaram-se o controle inibitório e amemória de trabalho. Os déficits de controle inibitório são considerados explicativos do funcionamento cognitivo e comportamental de pessoas com TDAH, uma vez que dificulta o controle atencional e de impulsos (Fosco et al., 2019). Além disso, modelos teóricos recentes referem-se ao controle inibitório como um componente executivo transversal a todas as funções executivas (Kofler et al., 2019). Deste modo, o controle inibitório tem sido associado às sintomatologias clínicas do TDAH e também como base para o bom desempenho da memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e outras funções executivas superiores, o que parece justificar o número de estudos que buscam estimular este componente executivo. Em relação a memória de trabalho, alguns estudos evidenciam que entre as principais queixas de pais e professores de crianças com TDAH estão o desempenho e as notas escolares (Corso & Dorneles, 2015). Outros estudos evidenciam que não são todos os pacientes com TDAH que apresentam déficits de memória de trabalho, mas que há relação entre déficits de memória de trabalho e prejuízos em relação a aprendizagem escolar em pacientes com TDAH (Diamond, 2016). Hipotetiza-se, assim, que a busca pela estimulação da memória interpassa pelas demandas escolares. Embora os estudos identifiquem os componentes prioritariamente estimulados, destaca-se que dificilmente uma atividade de treino cognitivo estimula puramente um único componente, 1) pela natureza da tarefa que geralmente demanda mais do que uma habilidade específica e 2) pela inter-relação dos componentes executivos/cognitivos.
Cabe destacar que grande parte dos estudos mostraram que o treino de funções executivas não deve ser uma intervenção isolada no tratamento do TDAH. Resultados significativos foram encontrados em estudos que combinaram diferentes modalidades de intervenção (Chacko et al., 2017; Van der Donk et al., 2016; Steeger et al., 2016; Shuai et al., 2017; Maleki et al., 2014; Gerber et al., 2012). O treino cognitivo, computadorizado ou não, parece ter maior impacto quando combinado a psicoeducação de pais e professores (Beck et al., 2010; Bikic et al., 2017; Capodieci et al., 2017; Smith et al., 2016), tratamento medicamentoso para TDAH (Jones et al., 2018; Muris et al., 2018; Minder et al., 2019; Nejati, 2020) e o auxílio acadêmico (Capodieci et al., 2017; Smith et al., 2016) com feedback para crianças. Além disso, entende-se que o treino computadorizado não exclui a necessidade de um instrutor que possa auxiliar e personalizar as intervenções para melhor adesão e compreensão de crianças e adolescentes.
Esta revisão de escopo apresenta algumas limitações, tais como a não sistematização de características de intervenção, como: tempo de duração e frequência de estimulação. Considera-se que futuros estudos devem avaliar a periodicidade das intervenções para analisar os efeitos de diferentes propostas interventivas. Além disso, considerou-se apenas genericamente os efeitos dos estudos na melhora de componentes cognitivos e sintomatologia. A variabilidade dos conceitos e de formas de avaliação da efetividade dos programas dificultam a análise de efetividade, mas futuras revisões sistemáticas são necessárias para definir quais as formas de intervenções mais efetivas. Considera-se que estudos futuros podem considerar ainda o efeito de outras intervenções que podem ter sido realizadas de forma conjunta (medicação, psicoeducação de pais entre outras) à estimulação cognitiva.
Entende-se que o uso da tecnologia pode auxiliar na pesquisa e na clínica psicológica por ser familiar e interessante a maior parte das crianças, em especial as com TDAH que precisam de recompensas em curto prazo e atividades prazerosas. Indica-se a necessidade de países latino-americanos investirem em intervenções de estimulação de funções executivas por meio de recursos tecnológicos adaptados para as crianças nativas, uma vez que não foram encontrados estudos nestes países nas bases de dados utilizadas. Nesta perspectiva essa revisão de escopo servirá como base para a construção de um programa de treinamento cognitivo para crianças e adolescentes com TDAH brasileiras, por meio de um serious game mobile.





