Resumo: O presente estudo foi desenvolvido com 20 alunas do curso de Pedagogia de uma Universidade Estadual do Paraná, em quatro encontros, nos quais ocorrem as seguintes atividades: debate do conceito prévio de família, leitura de um texto científico, aprofundamento de referenciais na rede mundial de computadores, projeção de três propagandas comerciais, que nortearam a elaboração de um texto coletivo utilizando o Google Drive, e criação de um blog pessoal no qual foi transposto o conceito de família adquirido após a intervenção. A proposta teve como objetivo compreender como a indústria cultural contribui para a formação do conceito de família. Os resultados obtidos foram tratados a partir da análise de conteúdos e na visão de exemplares, sob quatro vieses: clássica, prototípica, dos exemplares e teórica. Concluímos que o conceito de família das futuras professoras aponta para uma visão clássica, baseada em características definidoras. É necessário problematizar o conceito de famílias na contemporaneidade, para tanto, ela deve ser compreendida historicamente e analisada em suas especificidades nos processos de formação docente.
Palavras-chave: indústria culturalindústria cultural,formação de conceitosformação de conceitos,famíliasfamílias.
Abstract: This study was developed with 20 students of the Faculty of Education of the State University of Paraná in four meetings, in which the following were carried out: a discussion of the previous concept of the family, the reading of a scientific text, the deepening of reference on the World Wide Web, the projection of three commercial advertisements, which guided the development of a collective text using Google Drive, and the creation of a personal blog, in which the concept of family acquired after the intervention was made explicit. The proposal aimed at understanding how the cultural industry contributes to the formation of the family concept. Results were treated from the content analysis and vision of references under four biases: classic, prototypical, of copies and theoretical. We conclude that the concept of the family of future teachers points to a classical view, based on defining characteristics. It is necessary to discuss the concept of families in contemporary times, therefore, it must be understood historically and analyzed in its specificity in teacher training processes.
Keywords: cultural industry, training concepts, families.
Articles
A indústria cultural e a pedagogia midiática na (des)cristalização de conceitos docentes sobre a família “condomínio”
Cultural industry and pedagogy advertising (des)crystallization of concepts teachers on the family “condominium”
Recepção: 07 Dezembro 2015
Aprovação: 20 Agosto 2017
Cotidianamente observamos a prevalência de ideário de família presente em diversas esferas da sociedade moderna, dentre elas podemos citar a escola, a religião, a política, a cultura, a indústria cultural e suas mídias, etc. Tais organizações pulverizam e torna visível uma série de experiências biográficas e modelos organizacionais do qual foge a grande maioria das famílias contemporâneas. Neste processo de aculturamento, a indústria cultural tem papel de destaque, visto a dimensão de seu alcance, refletindo na difusão de um modelo utópico de família a qual nomeamos para este estudo de “família condomínio”2.
A adoção deste imaginário heteronormativo3 contribui muitas vezes para aprofundar e ampliar estigmas reforçando as estereotipias. Isso nos aponta para uma série de problemas sociais, mas dois em especial são questionáveis: o primeiro é que a mídia tem dono e é paga e o fato de não termos apenas telespectadores, mas também anunciantes, seu conteúdo informativo tem que respeitar o perfil do público ou forjar um perfil para ele. O segundo problema é o entendimento da existência de um homem/mulher de entendimento mediano e para esse modelo abstrato de recepção as mensagens precisam ser selecionadas, aparadas, arredondadas e/ou modificadas (Mello, 2001; Setton, 2002b).
Esta cultura de massa ao circular informação, entretenimento e propaganda também transmite em seu bojo valores e padrões de conduta diversificados. A formação deste capital social sustenta-se num jogo de linguagem que perpassa por toda a sociedade, transpõe os muros escolares e reflete na prática docente, por meio da apreensão da crença que o sustenta, das coisas materiais e simbólicas que nele se geram, do ato explicativo, do tornar necessário, da subtração, do arbitrário e não motivado, ou seja, são atos produtores de como geralmente se julgar, reduzir ou des/re/construir conceitos (Bourdieu, 1989).
Considerar o caráter pedagógico da cultura de massa é salientar que a ampla circularidade dos bens culturais juntamente com a difusão das informações contribui para o surgimento de novas formas de interação educativa (Setton, 2002a, 2002b). Essas disposições são duradouras, o que acarreta toda a espécie de efeitos de histerese (atraso e defasagem) e nos habilita a pensar que o processo de constituição das identidades sociais no mundo contemporâneo impõe a toda a sociedade, incluindo aos docentes e/ou futuros educadores, uma nova compreensão de família na atualidade, uma vez que “família condomínio”, assumida como projeto de felicidade, deixou, há tempos, de ser um protótipo predominante, devido às distintas formas de organizações familiares presentes na sociedade moderna (Bourdieu, 2003; Brandão et al., 2012).
Tal cuidado é necessário, pois o cotidiano escolar é um dos espaços que se praticam e reiteram estratégias que excluem aqueles/as que desatendem aos padrões tidos como referência, ao privilegiar em seus ritos escolares um estilo particular de exercício de paternidade/maternidade e que poderá enfraquecer a autonomia e a liberdade de pais e mães, propagado pela cultura de massa. Essa prática é marcante em eventos como “dia das mães”, “dia dos pais”, “dia da família”, “dia da/o avó/ô”, reuniões de pais/mães, etc. como aponta estudos realizados por Oliveira Jr e Maio (2013, 2015).
Sendo assim, encontramo-nos, frente a uma série de formas de ser e estar família, que estão em contradição direta com as até agora admitidas como únicas e verdadeiras. Pensar o conceito de família na visão de professores ou futuros docentes e a pedagogia midiática na formação destes conceitos demanda uma análise dinâmica entre tais instituições, estabelecida na relação que seus sujeitos constroem em suas ações e experiências, objetivas e subjetivas, que mantêm uns com os outros por “uma gama variada de imagens, códigos e conteúdos que se organizam coerentemente na forma de um sistema integrado de símbolos interdependentes aos valores escolar, familiar e midiático” (Setten, 2002a, p. 113).
Pensando na problematização do conceito de família atribuído pela mídia e sua influência na formação do conceito docente, sustentamos este estudo na visão de exemplares de Lomônaco et al. (1996), a ser aprofundada na análise dos dados, assim determinada por possuir papel predominante na categorização, presumivelmente porque são mais acessíveis que a descrição sumária.
Tal investigação encontra justificativa na necessidade de (re)conhecer a visão que estudantes de Licenciatura em Pedagogia possuem sobre famílias na contemporaneidade, sendo imprescindível definir estratégias que possibilitem flexibilização de seus olhares, para essas organizações, com o intuito de estabelecer uma ética relacional, onde os sujeitos envolvidos possam expressar suas singularidades cognitivas, afetivas, históricas, culturais e sociais sem serem taxados ou apontados por suas escolhas.
Partindo destes pressupostos, o presente estudo tem como objetivo central compreender como a indústria cultural, por meio de determinadas propagandas midiáticas, contribui para a formação do conceito de família em alunos do curso de pedagogia, que reverberará em sua futura atuação profissional.
A partir daí, desdobram-se os objetivos específicos quais sejam: pluralizar o conceito de família na contemporaneidade, delinear a visão conceitual que alunos do curso de pedagogia possuem sobre família; apontar a integralização entre escola e famílias organizadas em modelos não convencionais como pressuposto necessário para a eficiência do processo de ensino aprendizagem.
Este artigo se estrutura em quatro momentos específicos: inicialmente discutiremos alguns aspectos que apontam para a pluralidade das organizações familiares na atualidade; a seguir apresentaremos o percurso metodológico que norteou este estudo; num terceiro momento discutiremos os principais dados observados no decorrer da intervenção corroborando-os ou refutando-os com estudos realizados por pesquisadores da temática e, por fim, traremos à baila nossas percepções obtidas a partir da elaboração e aplicação dessa pesquisa.
O filósofo suíço Rousseau defende que “a mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família” (1978, p. 11). Destarte, os estudos sobre família como uma organização necessária para a constituição do ser social e equilíbrio de uma sociedade, em constante evolução, têm sido amplamente divulgados pelas ciências sociais: antropologia, sociologia, filosofia e psicologia. Não é por acaso que, comungando da teoria rousseauniana, cientistas sociais como Àries (1981), Lacan (1981), Engels (1984) debruçaram suas pesquisas sob uma gama de enfoques e questionamentos acerca do processo evolutivo da família.
Estes filósofos influenciaram significativamente as teorias críticas acerca da família. Àries (1981), por exemplo, sintetizou em História social da criança e da família os progressos do sentimento de família a partir do século XV até o século XVIII, percorrendo os primórdios de uma vida familiar pública até o recolhimento ou privatização da família para longe das ruas, praças, da vida coletiva e posterior retração no interior de uma casa melhor defendida contra os intrusos e preparada para a intimidade do casal monogâmico e seus entes. A vida familiar fora projetada simbolicamente em torno de uma mesa, com a inserção definitiva da criança a este universo, e com ela o sentimento da infância, de família, valores religiosos, moralidade, uniformidade e identidade dos grupos.
Engels (1984), por sua vez, postulou, em sua teoria materialista histórica, o surgimento da família e do estado analisando os aspectos evolutivos da família desde os casamentos coletivos até a instauração da monogamia, considerada por ele como uma forma celular evolutiva da sociedade moderna, nascida juntamente com a escravidão e da ambição de acumular riquezas privadas nas mesmas mãos - as de um homem - e no desejo de transmiti-las para seus filhos. Para isso foi necessário promover a monogamia da mulher, que não constituiu em menor empecilho para a poligamia oculta ou descarada do homem. Esta foi a mais primitiva forma de família que não se baseava em condições naturais, mas sim econômicas, alicerçando-se no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente.
De lá para cá, muitos foram os fatores intervenientes na consolidação dos estudos acerca da organização familiar, sendo que o viés, de cunho empirista, histórico, social e econômico, que comumente observamos, ganharam força em período mais recente, compreendido entre o século XIX e XXI, sendo focalizados, ora na função reprodutiva da família, ora no funcionamento ou nas formas de organização quanto ao grau de parentesco (Roudinesco, 2003).
Nos discursos mais contemporâneos, a família emerge como um grupo natural onde os indivíduos são unidos por uma tríplice relação: “por um lado a geração, que dá os componentes do grupo; por outro as condições de meio que postula o desenvolvimento dos jovens e que mantêm o grupo, enquanto os adultos geradores asseguram essa função”, bem como pela subjetividade que torna o relacionamento humano tão rico e envolvente, conferindo ao sistema familiar características próprias (Lacan, 1981, p. 10).
Provavelmente, a busca de respostas ou (re)definições que deem conta de explicitar a diversidade e complexidade das famílias, neste período, seja um dos maiores desafios nas pesquisas com família, visto que ela não é mais singular, é plural. Portanto, a família passa a ser considerada um gênero permeado por várias espécies (Roudinesco, 2003; Wagner, 2011).
Essa pluralidade não se refere simplesmente ao ato de nomear cada membro que a compõe, mas expressa as ideias que se tem além da consanguinidade próxima/distante, igual/desigual, que servem de evidência para um sistema inteiramente organizado e capaz de expressar centenas de diferentes relações de parentesco, que possibilitam os sujeitos organizarem-se como instituição familiar. Vemos nesses núcleos “não somente um agregado mais vasto de pares biológicos, mas sobretudo um parentesco menos conforme aos laços naturais de consanguinidade” (Lacan, 1981, p. 12).
Não conseguiremos compreender essa multiplicidade se desprezamos o prodigioso crescimento do sentimento de família que passou a sustentá-la. Portanto, repensá-la enquanto instituição é um exercício que exige profundas reflexões, visto que ela é o resultado de transformações radicais, “tanto internas no que diz respeito a sua composição e as relações estabelecidas entre seus componentes, quanto às normas de sociabilidade externas existentes, fato este que tende a demonstrar seu caráter dinâmico” (Oliveira, 2009, p. 23).
Este estudo é resultado de parte avaliativa da disciplina de Aprendizagem de Conceitos e Tecnologias ofertada como crédito optativo para alunos do Programa de Pós-Graduação, em nível de Doutorado em Educação, de determinada Universidade Estadual Paulista. A proposta de trabalho de conclusão sustentou-se no emprego de tecnologias que pudessem ser definidoras de conceitos e que possuíssem estreita relação com o tema de pesquisa dos doutorandos, no caso em tela, refere-se à pesquisa intitulada: “Professores e famílias não convencionais: uma proposta de intervenção e formação pelas lentes do cinema” desenvolvida por Oliveira Jr (2016). Portanto, delimitamos, para este estudo, o conceito de “família”, utilizando a indústria cultural e suas propagandas midiáticas, como fator que influencia a formação de conceitos. Os participantes da intervenção foram incentivados a descrever suas concepções de família por meio de recursos tecnológicos, tais como os editores de texto e blogs.
O grupo de sujeitos da pesquisa foi constituído por 20 alunos, do 1º ano do curso de Licenciatura em Pedagogia, de uma Universidade Estadual do Norte do Paraná. O tema “Conceitos: família, indústria cultural e mídia” foi introduzido como conteúdo curricular na disciplina de Educação e Tecnologia, pelo período de um mês, o que compreende efetivamente oito horas/aula, organizado em quatro encontros.
O princípio metodológico do conteúdo deu-se com discussões com os alunos sobre a temática, seguido da sugestão de atividades que consistia em redigir individualmente o conceito de família de acordo com seu entendimento. Tal proposta tinha como intenção o levantamento dos conhecimentos iniciais dos discentes sobre família.
Posteriormente utilizaram-se três propagandas midiáticas, projetadas aos alunos, cuja atmosfera permeia famílias. Dentre os vídeos escolhidos, o primeiro correspondia a uma propaganda de supermercado onde uma família organizada em modelo convencional fazia compras o segundo fazia referência sobre determinado condomínio residencial que adota o mesmo modelo central de família, e que originou o título deste estudo, no entanto, é válido ressaltar que a este trabalho poderíamos atribuir o título de “família supermercado”, como modelo que a mídia re/des/constrói diariamente. O terceiro vídeo fazia propaganda de cosméticos, que audaciosamente aborda distintas formas de maternidade, dentre elas a monoparentalidade e a homoafetividade, o que foge dos modelos retratados nos comerciais anteriores e que poderia levar os sujeitos a pensarem na pluralidade familiar.
Seguido a essas atividades os alunos precisavam expor a definição de seus conceitos aos demais colegas. Como constructo para a (re)formulação de conceitos o professor realizou a leitura do texto “Família e escola: um novo (re)pensar e (re)agir pedagógico” de Oliveira Jr e Maio (2013), com as alunas. Para complementar as atividades, o professor sugeriu pesquisas na internet que contemplassem a temática de forma a aprofundar seus conhecimentos e auxiliar no desenvolvimento das atividades futuras.
Nos dois últimos encontros o professor estimulou os alunos e as alunas a elaborarem coletivamente o conceito de família, utilizando o editor de texto do Google Drive, discutindo com seus pares como a indústria cultural caracteriza a família na atualidade. Posteriormente a esta etapa, o docente sugeriu como requisito não obrigatório às alunas a criação de um blog pessoal, onde tais conceitos pudessem ser transpostos de forma individualizada.
A sequência didática aqui apresentada buscou uma diversificação de estratégias e recursos na tentativa de possibilitar diferentes experiências na construção do conceito e a superação do paradigma da instrução como única alternativa de ensino na Universidade.
Para a interpretação dos dados, buscou-se realizar a análise de conteúdo, caracterizada como sendo aquela em que se constitui de uma série de técnicas e instrumentos empregados na análise e interpretação de dados. O emprego desta metodologia tem o intuito de efetivar uma leitura crítica e aprofundada destes materiais, que possam nos levar a uma descrição de valores, significados, motivações e crenças que permeiam os processos de conceituação de famílias através da mídia. A inferência sobre as condições de produção e recepção não se sustenta apenas na compreensão do fenômeno em si, mas sim, nos esquemas valorativos que orientaram a construção de discursos em torno desse e que poderão contribuir para a (re)significação do papel do educador, tanto em seu processo formativo, quanto em sua atuação profissional (Lara e Molina, 2011).
Para Lomônaco et al. (2001), a análise de conteúdo pode ser compreendida mediante a interpretação de informações que delimitam determinados conceitos e que podem ser classificados em quatro visões: a clássica, prototípica, a dos exemplares e teóricas.
A visão clássica pressupõe que haja atributos ou traços necessariamente comuns a todos os membros de uma categoria que abstraídos vem a “formar uma representação mental que sumariza os aspectos partilhados por todos os subconjuntos de uma classe. É esta representação mental que damos o nome de conceito” (Lomônaco et al., 2001, p. 161-162).
A visão prototípica defende a formação do conceito através da abstração dos atributos mais frequentes entre os membros de uma determinada categoria. Tem como pressuposto a negação da existência de atributos definidores de conceitos naturais e acredita que, “a partir desses atributos característicos ou mais frequentes, o indivíduo forma uma representação mental denominada protótipo” a ser utilizado como critério de inclusão, caso o item seja suficientemente similar ao protótipo, ou exclusão de itens na respectiva categoria, pela não similaridade (Lomônaco et al., 2001, p. 162).
A visão dos exemplares, por sua vez, defende que, “ao invés da formação de um protótipo, as categorias são representadas por um ou alguns exemplos individuais representativos” (Lomônaco et al., 2001, p. 162).
Na visão teórica, o conceito passa a ser visto não mais isoladamente, mas como constituinte de uma rede relacional da qual deriva seu significado.
A esta rede de relações é atribuída o nome de “teoria”. A palavra teoria aparece entre aspas uma vez que, nesta visão de conceitos, o termo refere-se comumente a relações estabelecidas pelo senso comum. [...] o conhecimento que as pessoas têm do mundo, quer aquele adquirido através da educação formal (e que, frequentemente, implica na aprendizagem de teorias científicas), quer aquele adquirido de maneira informal e acidental (e que, frequentemente difere, em maior ou menor grau, do conhecimento científico) é considerado como a teoria do sujeito a respeito de aspectos do seu mundo (Lomônaco et al., 2001, p. 162).
Feita a caracterização metodológica de nosso estudo, é válido realizarmos uma breve imersão no processo de re/des/configuração da família para que possamos retomar posteriormente as discussões apresentadas até o momento.
Partindo do referencial empregado nesse estudo depreendemos que a família é múltipla e que convivemos com essa pluralidade em nossa vida pessoal, atuação profissional, contato com os pares, etc., supomos que as estratégias de intervenção apontadas na descrição metodológica deste estudo possam ser aspectos definidores na formação do conceito sobre família. Sendo assim, a fim de evidenciar tal perspectiva, delimitamos as discussões aos escritos produzidos no Google Drive, os quais nomearemos Grupo 01 e Grupo 02 e as transcrições realizadas nos blogs pessoais, aqui caracterizados como Blog 01 e Blog 02.
Ao serem estimulados a atribuírem um conceito a instituição familiar, o Grupo 01 definiu a família como sendo
[...] o conjunto de pai, mãe e filhos, pessoas do mesmo sangue, descendência ou linhagem. [... ] Entende-se então como família a junção de pessoas do mesmo sangue com grau de parentesco. Pai, mãe, filhos, irmãos, primos, tios, tias, sobrinhos, podendo ser considerado os laços afetuosos como critério para inclusão na família. Família é um conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa formando um lar. Uma família tradicional é normalmente formada pelo pai e mãe, e por um ou mais filhos.
A autora do Blog 01 comunga da mesma visão ao definir família como sendo aquela
[...] compreendida pelo grupo familiar onde nascemos, e é essa família que nos traz uma base para a cidadania e para que sejamos indivíduos presentes e participantes na sociedade onde vivemos, mais ela abrange também àquela que viemos a constituir na fase adulta através do casamento e uniões afetivas.
A autora do Blog 02 defende o mesmo ponto de vista
A família se configura em um conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si.
Tais conceitos podem facilmente ser encontrados em dicionários da língua portuguesa e sua propagação são muito recorrentes em nossa sociedade, inclusive na escola. Essa visão clássica considera “que os conceitos são formados através da abstração de atributos comuns a todos os membros de um grupo de coisas, eventos ou pessoas” (Lomônaco et al., 1996, p. 51) que passa a caracterizar a família baseada no modelo nuclear, sustentada na consanguinidade, colateralidade e descendência. Autores como Yunes et al. (2007), Oliveira Jr e Maio (2013, 2015), Wagner (2011) apontam que estes subsídios na conceituação de família são precários e não contemplam as múltiplas formas de organização familiar na contemporaneidade.
Lomônaco et al. (1996, 2001) reiteram que esta representação consiste numa descrição sumária de uma classe inteira: por exemplo, ao representar o conceito de família, resume-se em uma única representação características partilhadas por todas as famílias. Assim, ela é resultante de três características essenciais: a primeira, resulta de um processo de abstração, não corresponde a nenhum exemplo específico e aplica-se a todas as formas de família possíveis. A segunda, tem como pressuposto que determinadas características representativas do conceito de família são individualmente necessárias e conjuntamente suficientes para defini-la. Por exemplo: pai, mãe, são característica singulares necessárias para que toda entidade que possua esse conjunto de características seja família, as demais não o são. A terceira, apresenta características definidoras do conceito que estão necessariamente incluídas nos subconjuntos desse conceito. Exemplo: família tem necessariamente as características consanguinidade, colateralidade, parentesco ao lado de suas características específicas (Lomônaco et al., 1996, 2001).
O engessamento causado por essa visão clássica ao ser transposto para a formação ou exercício docente torna ainda mais evidente o conservadorismo comumente impresso, ao estabelecer como parâmetros de aprendizagem a procedência familiar, responsabilizando as novas estruturas familiares pelo desempenho escolar de seus alunos.
Carvalho (2000, 2004), Yunes et al. (2007) e Oliveira e Marinho Araújo (2010) fazem inferências à visão dos profissionais da educação relacionados à participação da família no processo de ensino-aprendizagem. Para os autores, os educadores alegam que a família tem estado por detrás do sucesso e tem sido culpada pelo fracasso escolar, acusando-as das dificuldades ou fracasso dos estudantes, além de possuírem crenças pessimistas sobre as novas configurações familiares, que aliadas a outros aspectos, são caracterizadas como desorganizadas, desviantes e instáveis quando organizadas em modelos não convencionais.
Estudos realizados por Varani e Silva (2010) apontam que, embora, uma parcela considerável de educadores compreendam que a família seja fundamental no processo de desenvolvimento integral das crianças, responsabilizam-na pelo desempenho escolar dos alunos, baseado em sua organização. Sendo que, para a autora, o bom ou o mau desempenho escolar não depende exclusivamente de como ela se estrutura, mas de como estabelece normas e condutas de funcionamento. Ou seja, outros fatores (sociais, políticos, econômicos e culturais) também são aspectos essenciais que influenciam no desempenho escolar dos alunos, inclusive o tipo de participação requerido de qualquer organização familiar.
Consequentemente esta visão expande seu raio de ação para além dos muros da escola, formalizando as interações com a família, especificando seus papéis e contribuição para o sucesso ou fracasso escolar, “regulamentando as relações da família e escola de acordo com um modelo particular de participação dos pais/mães na escola: o de classe média, baseado na divisão de gênero tradicional”, ou no que denominamos de “família condomínio” (Carvalho, 2004, p. 52).
A busca etiológica da palavra família também foi um dado constante na busca da conceituação da família.
O Grupo 01 e o Grupo 02 estabeleceram que
[...] a palavra família prende-se ao verbete latino famulus, escravo, porém, em sua acepção original, família era evidentemente a família próprio iure, o grupo de pessoas efetivamente sujeitas ao poder do pater familias.
A busca por conceitos nominais compreende aqueles que são estabelecidos por convenção social na forma de definições simples, nas quais são apresentadas suas propriedades necessárias e suficientes. São as que mais se aproximam da concepção clássica (Lomônaco et al., 1996, 2001).
Ambos os Grupos buscaram na jurisprudência a definição e caracterização de família
Grupo 01: [...] uma rede de pessoas consanguíneas e próximas ligadas laços afetuosos. Entende-se então como família a junção de pessoas do mesmo sangue com grau de parentesco. Pai, mãe, filhos, irmãos, primos, tios, tias, sobrinhos, podendo ser considerado os laços afetuosos como critério para inclusão na família. Família é um conjunto de pessoas que possuem grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa formando um lar. Uma família tradicional é normalmente formada pelo pai e mãe, e por um ou mais filhos.
Grupo 02: O agrupamento formado pelas pessoas que, em razão de seus vínculos de parentesco ou sua qualidade de cônjuges, estão subsumidas à mesma comunidade de vida e onde os cônjuges assumem conjuntamente a direção moral e material.
Novamente retoma-se a busca por conceitos nominais, estreitando os laços com a visão clássica de família. A nomeação estrita desconsidera que uma entidade familiar ultrapassa os limites da previsão jurídica, “para abarcar todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto, ou seja, onde deve-se reconhecer como família todo e qualquer grupo no qual os seus membros enxergam uns aos outros como seu familiar” (Alves, 2007, p. 330).
Para Oliveira e Marinho Araújo (2010) e Alves (2007), mudanças maiores no contorno familiar se deram com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), que estabeleceu princípios fundamentais em relação a esse instituto e reconheceu como entidade familiar a união estável e a família monoparenteral, contrariando o Código Civil de 1916 que previa como status familia e aqueles agrupamentos oriundos do instituto do matrimônio. “Foi somente a partir daí que o Estado, constitucionalmente, passou a dar proteção às famílias que não fossem constituídas pelo casamento” (Pereira, 2003, p. 8).
O Supremo Tribunal Federal em decisões históricas passou a legitimar como família tanto em regulação como em direitos, aquelas constituídas por pessoas do mesmo sexo.
Portanto, na contemporaneidade a família não pode ser definida apenas pelos laços de consanguinidade ou por aspectos legislativos, mas sim por um conjunto de variáveis, incluindo o significado das interações e relações entre as pessoas e das alterações sociais. Os laços de consanguinidade e as formas legais de união são apenas alguns atributos característicos da família, que associados ao grau de intimidade das relações, as formas de moradia, permitem a identificação de 196 tipos de famílias, apontados por Petzoal (1996 inDessen e Polônia, 2007).
Dessa forma torna-se interessante observar que a dissolução de um modelo de família pode dar origem a outro e vice-versa, ou que um núcleo familiar pode se enquadrar dentro das mais diversas espécies de família.
Uma determinada família não é do tipo A dogmaticamente. Será neste momento do tipo A, podendo evoluir para o tipo B e com determinada probabilidade de evoluir para o tipo C, D ou E, talvez ainda com características simultâneas dos tipos F e/ou G. Deste modo, caracterizar uma família num determinado tipo pode ser muito redutor, principalmente se nos restringirmos aos tipos clássicos. Os novos tipos de família proliferam, não sendo, na realidade apenas ou fundamentalmente novos. Adquiriram prevalência tal que se fizeram individualizar, ajustados ao quadro relacional de fato e/ou situação jurídico legal (Caniço et al., 2010, p. 14).
Portanto, a família pode ser considerada como conjunto de pessoas ligadas entre si por laços de parentesco, aspectos legais, dependência doméstica ou normas de convivência, residente ou não na mesma unidade domiciliar. Por esta dependência doméstica podemos entender a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os agregados da família, e por normas de convivência as regras que são estabelecidas para o convívio harmonioso de pessoas que moram juntas, sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica (IBGE, 2014).
Estudo realizado por Rodrigo e Correa (2004), que busca definir o conceito de família na visão de crianças em idade escolar, demonstrou grandes diferenças entre as respostas dadas diante da tarefa de definir - “O que é uma família?” - e a tarefa de reconhecer - “Diga-me se são ou não uma família - de diferentes grupos de indivíduos que aparecem em episódios hipotéticos de acontecimentos cotidianos. A primeira tarefa demanda um nível mais avançado de construção de conceito centrado na descrição do protótipo de família, por sua vez a segunda pode ser resolvida sem verbalizar, a partir da elaboração de modelos mentais baseados nos casos particulares que viram.
Ao levar em conta que mesmo antes do ingresso na escola a criança já possui um arcabouço de conhecimento informal, resultante do desenvolvimento “ontogenético a partir de suas experiências e que constitui o seu sistema de crenças sobre o mundo, a influenciar profundamente a obtenção do conhecimento formal, que se dará de forma planejada pela aprendizagem escolar” (Nébias, 1999, p. 138).
Rodrigo e Correa (2004) evidenciaram que as crianças conseguiam verbalizar apenas uma dimensão de família, como membros, cuidados, afetos, pai, mãe, etc., recorrente em nossos resultados com sujeitos adultos. No entanto, as crianças eram capazes de reconhecer mais dimensões como mostra parte do estudo a seguir:
Pesquisador: O que é uma família?
Aluno: Um pai, uma mãe e um filho (dimensão, enumeração, membros);
Pesquisador: Miguel tem uma amiga chamada Petra. Quando Miguel está doente, Petra vai à sua casa e cuida dele. Quando Petra fica doente, Miguel vai à sua casa e cuida dela. Eles são uma família? Por quê?
Aluno: Sim, porque cuidam muito um do outro (dimensão cuidado).
Pesquisador: Jacinto e Verônica se gostam muito. Eles são uma família? Por quê?
Aluno: Sim, porque se gostam (dimensão afeto).
(Rodrigo e Correa, 2004, p. 89)
Corroborando com a pesquisa de Rodrigo e Correa (2004) apontamos para a dificuldade de mudar o conceito clássico de família, cristalizado desde infância e que perpassam por toda a vida do indivíduo, e que no caso dos sujeitos do nosso estudo, futuros professores, provavelmente refletirão em sua prática pedagógica.
A instituição familiar passou a refletir as mudanças históricas que ocorreram na sociedade e no percurso destas evoluções se formaram novas organizações familiares, distantes daqueles modelos de família considerados tradicionais, padronizados, determinando as entidades onde se predomina os aspectos afetivos. A família contemporânea é caracterizada pela redefinição de papéis, socialização e desierarquização, fatores esses que, de forma isolada ou combinada, permitem as mais diversas formas de organização familiar centradas na valorização da solidariedade, dignidade, na ajuda mútua, colaboração, bem-estar coletivo e aspectos afetivos.
No entanto, podemos observar que mesmo diante do atual cenário em que a família se insere, a busca recorrente de nossos sujeitos em definir o conceito de famílias na visão clássica, ancorada nos conceitos elementares e na definição jurisprudencial é uma ação que desconsidera as mais distintas formas de ser e estar família no século XXI. Tal aspecto em grande parte é fruto da cultura midiática, que tem na sociedade um público de consumo e um cliente patrocinador, que aspiram um ideário de “família condomínio”.
Os resultados obtidos neste estudo apontam que a visão que as acadêmicas de Pedagogia, de determinada Universidade Estadual do Paraná, possuem sobre família, possivelmente é sustentada na aprendizagem casual e/ou vivenciada em suas experiências práticas. Essa cristalização é uma barreira no convívio com a multiplicidade de famílias organizadas em modelos não convencionais, com as quais firmarão parceria em sua atuação profissional.
Compreendemos o quão difícil é conceituar família na atualidade, e mesmo tendo utilizado ferramentas midiáticas, como a propaganda, e a diversificação das estratégias didáticas não conseguimos descaracterizar o caráter ideológico que permeia o conceito de família entre os estudantes de pedagogia, visto que as referidas campanhas em sua maior parte representavam modelos de “família condomínio”, e que o tempo de quatro encontros não foram suficientes para romper ideias cristalizadas.
Talvez, se tivéssemos problematizado o conceito de família, com casos particulares de organização familiar teríamos obtido êxito em desmistificar a consanguinidade, colateralidade, descendência e reconhecimento legal como características definidoras do conceito de família.
Portanto, não podemos culpabilizar os sujeitos da pesquisa pela não compreensão do conceito, visto que assumimos a mea-culpa, ao simplesmente solicitar e verbalização do conceito e não a sua problematização através de contraexemplos de forma (re)configurar os conceitos preexistentes. Mesmo diante do uso de alguns recursos estratégicos como propagandas, o trabalho colaborativo e produção, a simples transmissão destes vídeos, a leitura de apenas um texto não foram recursos suficientes para a ressignificação de conceitos prévios sobre família. Outro aspecto impeditivo no aprofundamento da discussão refere-se à questão temporal e à abrangência de outros conceitos, como constituinte obrigatório da ementa do curso em questão.
Estes aspectos carecem de ser levados em consideração ao se trabalhar a formação de conceitos de família em sala de aula. Para estudos futuros, tanto em jovens escolares como em universitários, podemos apontar fundamentados em Nébias (1999) algumas sugestões, a serem utilizadas como balizadoras, tais como:
Levar em consideração as ideias prévias do aluno na construção de significados, visto que, suas experiências iniciais não podem ser negadas, ao contrário, devem ser aceitas para progressivamente evoluírem, serem substituídas ou transformadas.
A partir do momento que o conceito de família trouxer maior satisfação: for significativo, fizer sentido e for útil, o conhecimento prévio do aluno a resistência para reestruturá-lo acaba sendo superado.
O diálogo entre educador e educando propicia o diagnóstico das ideias que esses possuem sobre família, em vários momentos da aprendizagem. Da mesma forma, a interação entre pares e a observação dos diálogos travados entre eles possibilita novos olhares.
Provocar conflito no aluno com o fornecimento de contraexemplos de famílias organizadas em modelos não convencionais pode gerar dúvidas e insatisfação, levando-os a (re)analisarem suas concepções.
Aos pesquisadores da temática família, indústria cultural e formação de conceitos, cabe saber que a simples nomeação das características essenciais e a repetição de definições de família não são garantias na formação de conceito, portanto, resolver problemas circunscritos, a conceituação de família, devem ser estimulados, visto que propicia ao aluno considerar soluções alternativas para um mesmo conceito.
O professor enquanto mediador, que busca re/des/construir conceitos acerca de famílias em seus alunos, deve possibilitar que o discente retome seu processo de trabalho, explicando suas ideias e analisando a evolução das mesmas. O docente ao desenvolver ações de inclusão possibilita-lhe reconhecer as características necessárias ou suficientes para incluir ou não os sujeitos ao conceito de família.
Como nem todo conceito é passível de experimentação, é necessário que o educador reconheça e aplique em suas estratégias inclusivas o valor de meios variados, tais como: filmes, jornais, revistas, manuscritos, impressos, explorações de campo, etc. Portanto, sugerimos o uso de outras ferramentas, tais como o cinema, com narrativas que apresentem famílias organizadas em modelos não convencionais, a problematização dessas narrativas, a criação de situações problemas, o uso de exemplos e contraexemplos, entre outras estratégias, que aliadas a uma maior temporalidade permitam re/configurar os conceitos acerca de família.
Por fim, é válido ressaltar que o ensino sistemático e explícito na escola tem como princípio a (re)configuração de conceitos, inclusive acerca de família e, principalmente, deverá desenvolver formas de pensar que se estendam para outras áreas e para situações cotidianas que transcendem a sala de aula.
Problematizar a realidade das famílias para além da sala de aula é a palavra chave no processo de formação inicial e continuada de professores ou futuros educadores, e a complexidade dos fatores que interferem no seu conceito requer que todos aqueles que pretendem defini-lo busquem compreender sua história e especificidades, pois somente assim preconceitos, estereótipos, idealizações, serão reconhecidos e afastados das práticas pedagógicas, traduzindo-se em uma sociedade mais equânime, justa, cidadã e respeitosa com as múltiplas organizações familiares presentes em nossa sociedade.
Universidade Estadual do Paraná. jr_oliveira1979@hotmail.com