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Relações de gênero, educação e imprensa: reflexões sobre o jornal O Albor em Laguna (1901-1930)
Fabricia Machado Fernandes; Tania Mara Cruz
Fabricia Machado Fernandes; Tania Mara Cruz
Relações de gênero, educação e imprensa: reflexões sobre o jornal O Albor em Laguna (1901-1930)
Gender relations, education and the press: Reflections on the newspaper O Albor in Laguna (Brazil, 1901-1930)
Educação Unisinos, vol. 21, núm. 3, pp. 395-404, 2017
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Resumo: O artigo discute relações de gênero e educação, enfatizando a educação de meninas e o magistério em diálogo com a produção historiográfica e matérias de O Albor, no período de 1901 a 1930, disponíveis no Arquivo Público Municipal de Laguna (SC). Sob os referenciais de E.P. Thompson, a imprensa é analisada na intencionalidade dos grupos que representa, com suas contradições e fissuras, que, em seu dizer, ensina, propõe reflexões e difunde informações, e o faz também no que deixa de dizer, no que é silenciado. Nos onze excertos selecionados, os resultados apontaram para discrepâncias salariais entre os sexos, para a implantação da escola mista como um processo gradual, resultante de fatores financeiros estatais, potencializados pela luta das mulheres e pela formação sociocultural de professoras e eventuais professores, vinculada à ideia de vocação e dedicação amorosa. A normatização para uma feminilidade dócil e religiosa estava presente, principalmente dirigida à mulher branca, de setores médios e elites, ainda que abrisse espaço para a discussão da emancipação das mulheres sob a perspectiva do feminismo liberal.

Palavras-chave: educação femininaeducação feminina,imprensaimprensa,O AlborO Albor.

Abstract: The article discusses gender relations and education, emphasizing the education of girls and the teaching in dialogue with the historiographic production and articles of O Albor, from 1901 to 1930, available in the Municipal Public Archive of Laguna (Brazil). Under E.P. Thompson’s references, the press is analyzed in the intentionality of the groups it represents, with its contradictions and fissures, which, in its words, teaches, proposes reflections and diffuses information, and does so in what it fails to say, in what is muted. In the eleven selected excerpts, the results pointed to wage discrepancies between the sexes, to the implantation of the mixed school as a gradual process, resulting from state financial factors, potentiated by women’s struggle and the socio-cultural formation of teachers and eventual teachers as vocation and affectivity. The regulation for a docile and religious femininity was present, mainly directed to the white woman, of middle sectors and elites, although it opened space for the discussion of the emancipation of women from the perspective of liberal feminism.

Keywords: female education, press, O Albor.

Carátula del artículo

Articles

Relações de gênero, educação e imprensa: reflexões sobre o jornal O Albor em Laguna (1901-1930)

Gender relations, education and the press: Reflections on the newspaper O Albor in Laguna (Brazil, 1901-1930)

Fabricia Machado Fernandes
Rede Pública Estadual, Brasil
Tania Mara Cruz
Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil
Educação Unisinos, vol. 21, núm. 3, pp. 395-404, 2017
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Recepção: 10 Fevereiro 2016

Aprovação: 11 Setembro 2017

O objetivo de nossa pesquisa de mestrado, da qual este artigo é um recorte, foi compreender a expressão das questões femininas/feministas em O Albor, produzido em Laguna, Santa Catarina, no início do século XX, no âmbito dos costumes e da educação. Foram pesquisados 1200 exemplares no Arquivo Público Municipal de Laguna no período de 1901 a 19303. O recorte aqui apresentado analisará as contradições próprias da sociedade brasileira e do sul de Santa Catarina em um momento de transformação das relações de gênero e da ampliação da educação pública para todos, mas, particularmente, para as mulheres.

Para isso, apresentam-se algumas questões para as quais busca-se refletir: como se deu o protagonismo dos diferentes grupos sociais nos conteúdos do jornal O Albor? As feminilidades e masculinidades nele defendidas confirmam a hierarquia de gênero apontada por outras pesquisas sobre a entrada das mulheres como alunas e professoras na educação do período? De que modo apareceram aspectos sobre a feminização do magistério nas concepções presentes no jornal?

Durante a pesquisa, foram selecionados onze documentos que tornavam possível analisar as relações de gênero, classe e raça em suas interfaces com a educação. Para a exposição, as seções buscaram explicitar os pressupostos sobre as articulações entre história, imprensa e gênero, apresentar o jornal O Albor e, por fim, analisar os excertos selecionados cotejados com alguns estudos bibliográficos sobre o período.

História, imprensa e gênero

No intuito de se situar no campo da História Social, salienta-se a proximidade com o referencial thompsoniano e sua preocupação com as diferentes dimensões do real, dentre elas a cultura, analisadas de forma articulada e dialética. A introdução da cultura como dimensão necessária causou certo estranhamento na História Social, demorando a ser reconhecida, mais ainda após a entrada dos temas considerados malditos, entre eles os estudos sobre as mulheres. O historiador Edward Paul Thompson, que começou a escrever em meados de 50, incluía, de algum modo, em suas análises do século XIX, as relações entre homens e mulheres, não só sobre as relações de produção, mas no que se referia a valores e costumes. Ainda hoje, pode-se reiterar o que afirmou há duas décadas Dea Ribeiro Fenelon (1993), sobre a pouca aceitação da inclusão de gênero entre historiadores sociais, por não o considerarem necessário para a compreensão global da sociedade.

Apesar de ter como horizonte o sujeito coletivo, principalmente a classe trabalhadora e os grandes projetos sociais, Thompson não perde de vista a singularidade das histórias: busca a compreensão dos processos sociais em diferentes grupos e ressalta os seus nexos com o grande movimento da lógica histórica. Para ele, “os interesses caminham de mãos dadas tanto com as condições materiais como com as necessidades ‘face à permanência material da cultura: o modo de vida, e acima de tudo, as relações produtivas e familiares das pessoas’” (Thompson, 1981, p. 195). Sobre a subjetividade acrescenta que é uma dimensão que se articula ao processo histórico e compõe sua materialidade:

Elas [pessoas] também experimentam suas experiências como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas. Essa metade da cultura (e é uma metade completa) pode ser descrita como consciência afetiva e moral. Isso não significa, exatamente, propor que a ‘moral’ seja alguma ‘região autônoma’ da escolha e vontade humanas, que surge independentemente do processo histórico (Thompson, 1981, p. 199-200).

Tal concepção materialista histórica, se aplicada ao conjunto de relações sociais em ação, permite compreender como a totalidade se expressa em um determinado momento histórico. Thompson (1981) esclarece, todavia, que essa busca permanente de aproximação com o real jamais vai revelá-lo em toda a sua complexidade, mesmo porque a cada volta ao passado surgem novas apreensões do real antes não conhecidas, em um passado que não muda, mas permite outro entendimento sobre ele.

Em sua proposição de simultaneidade ativa, Thompson (1981) afirma que a esfera econômica e não econômica se interrelacionam em um movimento de disputa e conflito, que parte de determinadas relações objetivas de produção, mas que no desenrolar da lógica histórica ambas esferas se transformam, sendo o real resultado dessas múltiplas conexões que se manifestam na consciência social de uma época e, dentro dessa consciência, inclui as diferentes ideologias em conflito.

Desde o início de sua produção historiográfica, Thompson foi um dos autores do campo marxista que efetivamente trabalhou com uma ampla gama de fontes, entre elas, correspondências, produções literárias e variados tipos de jornais, no rastro da abertura que a Escola dos Annales proporcionou a partir da década de 1930 e nas décadas seguintes, com o resgate de novas fontes e depois novos temas. Para Thompson, os jornais eram fontes que deveriam ser inquiridas como as demais e as pistas sobre o real acontecido seriam buscadas a partir de preocupações e perguntas elaboradas pelo presente, cotejadas com outras pesquisas já feitas, sendo fiel à tradição historiográfica, cuja proposta é fazer a “crítica interna e externa do documento, já que desde tempos imemoriais intui-se que todo e qualquer registro deve ser historicizado per se” (Campos, 2012, p. 58).

Necessário frisar que o editor do jornal selecionava os assuntos conforme as diferentes intencionalidades dos grupos ou subgrupos que representava e aceitava como colaboradores fixos ou eventuais de acordo com esse leque de posições possíveis. Analisar essas nuances é um trabalho difícil, particularmente em jornais como O Albor, no qual as autorias não são claras e notas encontram-se espalhadas sem delimitação de seção. Como destaca Raquel Discini de Campos, era comum a existência de polígrafos, sujeitos que respondiam “a todas as demandas da imprensa da época, escrevendo sobre uma grande diversidade de assuntos (moda, sociedade, literatura, ciência etc)” (Campos, 2012, p. 54). Cabe lembrar as armadilhas escondidas dentro da costumeira prática do uso de diversos pseudônimos masculinos que escondiam, às vezes, uma mulher ou até mesmo um só autor.

Sem deixar de lado o papel ativo do público leitor e as demais mediações de outros meios, ressalta-se que a imprensa não só registra, mas produz o que considera notícia e nesse processo

[...] atua na produção de hegemonia, e a todo o tempo, articula uma compreensão da temporalidade, propõe diagnósticos do presente e afirma memórias de sujeitos, de eventos e de projetos, com as quais pretende articular as relações presente/passado e perspectivas de futuro (Cruz e Peixoto, 2007, p. 259).

Apesar de apresentar intencionalmente desde sua fundação as ideias do Partido Republicano e claramente se posicionar alinhado a ele, devido à condução do editor Antônio Bessa, O Albor se permitia, em alguns momentos, expressar as contradições e fissuras de seu partido, principalmente em relação às mulheres. O próprio editor foi omisso sobre as questões relativas às mulheres em todos os editoriais do período. Mas, tais posicionamentos poderiam advir do conhecimento das concepções culturais de seu público leitor e das diferentes concepções de feminilidades dentro do feminismo liberal que predominava entre mulheres e homens dos setores médios e elites naquele momento.

A formação cultural e moral era um pilar onipresente nos discursos republicanos do período, tendo os jornais papel destacado nessa ação instituinte do social. Principalmente urbana, a “imprensa produzida pelas elites cultas locais chamou a si a responsabilidade de ser “missionária” e “guardiã” da civilização: a ela caberia interpretar, selecionar, reforçar e criticar os caminhos seguidos para que a cidade se modernizasse” (Goodwin Jr, 2007, p. 98).

Essa função educadora da imprensa era clara aos próprios educadores e políticos da época, entre eles Fernando de Azevedo, que solicitava à imprensa atuar em conjunto com escolas, famílias e associações profissionais e que, conforme destaca Campos (2012)

[...] ele não se enganou ao superestimar os jornais de seu tempo. Historiadores sociais da imprensa demonstraram o quanto tais veículos foram (e ainda o são) inegavelmente também sujeitos da história, que se incumbem de registrar, explicar, discutir e comentar as coisas do mundo (Campos, 2012, p. 48).

A pesquisa com jornais não pedagógicos para compreender processos educacionais implica “[...] um conceito de educação mais abrangente do que o da educação escolar. Trata-se de uma concepção que remonta e se mistura à própria ideia de cultura [...]” (Campos, 2012, p. 61), o que se remete aos estudos thompsonianos sobre a materialidade social e os sujeitos históricos em espaços informais de educação.

Ao se relacionar imprensa com a história da educação das mulheres e das relações de gênero, cabe precisar alguns pressupostos, considerando a polissemia presente no campo feminista. O termo “mulheres” tem estado relativamente presente em muitos estudos no intuito de tornar visível os diferentes protagonismos na luta pela emancipação feminina e, na pesquisa aqui discutida, não é diferente: a categoria “sexo” possibilita reafirmar as lutas de sujeitos em diferentes momentos históricos que, na sua singularidade de indivíduos ou grupos, permitiram (e permitem) avançar alguns passos dentro de uma subordinação feminina que persiste.

Por outro lado, além do sexo como variável social, cabe pensar o significado de sexo biológico e sua relação com gênero. Guacira Lopes Louro bem explicita essa relação:

Ao nascer, os sujeitos já trazem determinadas características biológicas que os predispõem a viver como homens ou como mulheres, mas todo um conjunto de outros determinantes (sociais, psicológicos, culturais) podem levá-los a construir-se em consonância ou em oposição às características biológica (Louro, 1994, p. 37).

Nesse sentido, vê-se a construção do corpo como biopsicossocial e histórica e situa-se como infrutífera a busca pela demarcação de fronteiras entre natureza e cultura na sociedade humana4.

Por fim, gênero como categoria de análise implica compreender que relações entre seres humanos são imbuídas de significados plurais de masculinidades e feminilidades diferentes a cada época e lugar (e até mesmo diferentes dentro de cada sociedade), e permeadas por relações de poder baseadas, quase sempre, na supremacia social masculina. Mas tal construção não é passiva. A produção social e histórica de gênero não supõe sujeitos que o internalizam desde a infância, mas resulta de um processo conflituoso de aceitação e resistência e suscetível a mudanças no decorrer da vida, mesmo porque não se apresenta a este sujeito um modelo ou “uma posição única, consensual e harmoniosa de que a sociedade na sua integralidade supõe ser adequada para ser transmitida, ensinada, inculcada” (Louro, 1994, p. 42)5.

O modo como se articula classe, gênero e raça/etnia busca suporte dentro dos estudos feministas na perspectiva interseccional que permite, dentro da compreensão dialética e materialista, analisar a complexa dinâmica das relações sociais e das rupturas e permanências presentes em cada processo histórico em seus jogos de poder e de luta (Hirata, 2014)6.

Sobre o periódico O Albor

Os jornais brasileiros, no início do século XX, cada vez mais massivos devido às novas tecnologias e aos baixos custos, conclamam ao progresso ajudando as elites locais a demonstrarem o apoio ao capitalismo mundial. O Albor não fugia à regra no teor de seus próprios textos e na seleção do que reproduzia de jornais maiores, tanto nacionais quanto estrangeiros, principalmente da Inglaterra e França.

Mas o periódico era um dos poucos recursos com que a população letrada brasileira, ainda que pequena e em geral pertencente às camadas médias e dominantes, contava para se informar. O Albor, como os demais jornais de sua época, divulgava literatura, política, informes públicos, campanhas estatais e até mesmo notas familiares. Por sua vez, os jornais de trabalhadores eram perseguidos e silenciados, particularmente após a vinda de imigrantes letrados e críticos do capitalismo emergente nas cidades. Em um contexto onde analfabetos não votavam e imigrantes não tinham direitos políticos as elites não deixavam de lado a coerção: a violência, além de física, passa a incluir, a partir de 1923, a proibição do anonimato quando matérias jornalísticas atentassem contra a segurança pública.

Laguna era uma destacada cidade portuária de Santa Catarina e seu porto responsável pelo escoamento da produção agrícola e do carvão mineral da região, que impulsionava as atividades comerciais e fazia chegar para o interior do estado grupos de imigrantes europeus, como alemães e italianos (Ulysséa, 2004; Nascimento, 2006). Em Laguna, de 1864 a 1900, Teixeira (1991) catalogou 28 jornais e, de 1901 a 1930 36 jornais no Catálogo de Jornais Catarinenses. Só no ano de fundação de O Albor, em 1901, havia mais cinco jornais com títulos que remetiam ao progresso social (Machado e Marcelino, 2014). Essa imprensa ativa dimensionava a efervescência política de Laguna considerada, à época, uma das grandes cidades de Santa Catarina, junto com Florianópolis, Joinville, Blumenau, Itajaí e Lages.

O Albor, um semanário da grande imprensa que prenunciava em seu título o alvorecer do século e a difusão dos novos ideais de modernidade e conhecimento, foi comprado em 1904 por Antônio Bessa, um político de 24 anos, publicamente vinculado ao Partido Republicano, que assume sua direção até o fechamento do jornal em 1965 (Martins, 2005). Os debates republicanos que nele tomavam vulto, eventualmente o direito das mulheres ao voto, à educação e ao exercício de uma profissão, tinham como contrapartida um silêncio sobre movimentos de trabalhadores, questões raciais ou qualquer luta feminina ligada às classes trabalhadoras.

A difícil questão da emancipação feminina

A emancipação das mulheres, que de modo polissêmico aparecia na grande imprensa, tinha na imprensa feminina sua demonstração de força intensificada no início do século XX. O posicionamento de O Albor, nas matérias de cunho político, era favorável ao feminismo liberal, branco, de camadas médias e altas, mas, simultaneamente, produzia em suas páginas inúmeras notas enaltecendo as feminilidades subordinadas.

A presença negra em relação a gênero e educação não constava das páginas de O Albor. Talvez, estivesse nos anúncios de emprego com suas demarcações de cor e preconceitos raciais (Oliveira e Pimenta, 2016). A ausência de referência a professoras negras em suas páginas esconde a presença de uma protagonista da educação, como se vê a seguir: “a professora negra lagunense, Julia Chrispina do Nascimento funda, em 15 de fevereiro de 1903, uma escola particular anexada à sua residência denominada ‘Escola Particular Mixta’”7 (Nascimento, 2006, p. 99). Nesta escola as crianças estudavam ousadamente juntas, meninos e meninas no mesmo espaço, em uma turma matutina e outra vespertina sem qualquer apoio do Estado. Se o feminismo liberal era branco, a professora Julia inseria nele seu protagonismo negro.

Mas os limites herdados da ideologia liberal exibiam novas contradições no que se referia ao feminismo e à concepção de mulher: às vezes, totalmente conservador e sexista promovia a manutenção de elementos estruturais para a subordinação das mulheres, assentados na inferioridade biológica como a divisão sexual do trabalho ou nos limites à escolarização e ao voto; em outras, inovava no direito irrestrito à educação, à participação política e ao trabalho. Tais contradições datam das revoluções burguesas europeias e seguem em formações particulares, como na sociedade capitalista brasileira, a exemplo dos conteúdos analisados em O Albor.

O Albor entrevistou, por meio de um correspondente no Rio de Janeiro, a professora, indigenista e feminista, Leolinda Daltro, que inscreveu sua candidatura como intendente às eleições municipais do Rio de Janeiro, em 1919, cujo programa destacava o papel da educação na emancipação de diferentes segmentos sociais. A professora, fundadora do Partido Republicano Feminino, em 1910, lançou sua candidatura em sinal de protesto e pela mobilização das mulheres. A importância dada à matéria expressava-se na publicação de página inteira (curiosamente anônima)8 com todo o programa eleitoral da candidata, na matéria intitulada “Feminismo no Brasil”. Apresenta-se aqui um excerto da entrevista com a professora:

Não confia muito a professora no resultado das urnas. Não importa, porem. Ella ficara satisfeita, não só com o abrir caminho a outras, anumando as à lutarem favor da emancipação do seu sexo, como tambem em provocar debates em torno do momentoso problema, que é o de conferir direitos políticos às mulheres [...] “Iniciei, destemidamente, o tentamen da educação e instrucção normal e Liga do Selvicola Brasileiro. Encetei também, e em primeiro lugar entre nós, o trabalho de emancipação social e política, da mulher patricia. Tenho me debatido pelos aspectos os mais importantes e palpitantes do problema humano: - a libertação do Selvicola, da Mulher e do Proletariado, e sua incorporação na sociedade hodierna” (O Albor, 12/10/1919, ed. 826, S.A.).

Como previsto, a candidatura de Leolinda Daltro não obteve votos suficientes. O editor de O Albor, o republicano Antônio Bessa, que permitiria tal matéria, preferiu a discrição na autoria, e O Albor apoiou o feminismo liberal de sua partidária, muito criticada em outros jornais, mesmo sabendo de antemão que ela sequer poderia concorrer. Quem sabe interesses partidários não manifestos falassem mais alto naquele momento?

Na nota “A mulher”, publicada anos depois, persiste a naturalização como hábil dona de casa e no cuidado com filhos e marido em que ela: “[...] é um ente frágil, delicado, que o Creador colocou sob a proteção do Homem. Este vive para os outros; a Mulher não, vive para o Homem” (O Albor, 08/06/1923, ed. 1003, S.A.).

Em outro momento, o jornal nada publicou sobre uma discussão na Conferência dos Professores Primários de Santa Catarina, em 1927, que foi citada em documentos da Conferência Nacional de Educação, em 1928, no Rio Grande do Norte (Ribeiro e Pinheiro, 2002). Aqui, fala-se do decreto em Santa Catarina da Lei do Celibato Pedagógico de nº 1187 aprovado em 5 de outubro de 1917, mas seguiu em debate mais de dez anos depois, demonstrando a árdua luta das mulheres pelo magistério (Otto, 2012). Originalmente, em seu Art. 15 dizia - “As candidatas ao magistério público, que se matricularem na Escola Normal, da data desta lei em diante, quando diplomadas e nomeadas professoras, perderão o cargo se contrahirem casamento” (Livros de Leis, Decretos, Decretos-Lei, Portarias e Resoluções inPereira, 2004, p. 221).

Em outra nota, intitulada “Feminismo”, com estilo sarcástico, o jornal brinca com palavras da luta feminista da época. Sem explicitar a classe, mas claramente dedutível pela narrativa, conta da resistência de mulheres brancas das elites ou camadas médias à vida doméstica e aos novos interesses culturais e políticos.

Assumpto palpitante nos grandes centros, onde faz parte integrante do progresso do seculo XX. O elemento feminino enfadado da cosinha, aborrecido da agulha, voltando as costas ás fraudas e cueiros, ingressa na literatura, discute politica, arremete contra os baluartes da teimosia masculina em negar-lhe o direito do voto, fuma cigarrilhos de ponta dourada e reclama a igualdade de direitos civis. Deixando de parte apreciações sobre si as reclamações são razoaveis ou injustas, imaginemos o pasmo das vestutas avozinhas meio seculo atraz si admirassem as desenvoltas descendentes educadas a ultra-moderna, americanisadas, saiotes pelos joelhos deixando a mostra meio metro de pernas ou caniços com tal nome, braços a fresca... Pobres avozinhas! Maravilhadas benzer se-iam com a canhota murmurando enrusbescidas na linguagem simples d’aquelles bons tempos patriarchaes: - Credo!!! O mundo está perdido! (O Albor, 11/05/1930, ed. 1352, Aél).

Assinado como Aél, que mais parece um pseudônimo, o autor finge uma neutralidade ao se posicionar “deixando de parte apreciações sobre”, mas colocando palavras escandalizadas para as avozinhas. A ambiguidade do texto parece um recurso literário intencional a permitir ao público leitor interpretar a matéria conforme seu posicionamento perante os direitos reivindicados pelas mulheres. O Albor revela as contradições do ideário republicano, que ora critica o feminismo (em aliança com setores religiosos), ora o vê como possibilidade de progresso e desenvolvimento social, mas sempre repleto de nuances conservadoras tingidas pelas cores positivistas, demonstrando o hibridismo das diferentes ideologias da época. O positivismo e a moral cristã (mesmo renovada na modernidade), ainda altamente restritivos quanto ao papel da mulher na educação, são contrários à coeducação ou à igualdade plena da mulher até o Ensino Superior. O jornal evitava tal seara.

O direito à educação: meninas e professoras na cidade de Laguna

As reivindicações das mulheres ganhavam força no Brasil, mas ainda abalavam a concepção de mundo vigente: uma sociedade capitalista e sexista em que os homens que ocupavam cargos de poder no mundo do trabalho e da política decidiam sobre o futuro das mulheres e meninas, replicando relações de poder e hierarquia em todos os níveis das relações de gênero. As lutas pelo acesso à educação feminina e a entrada das mulheres no mercado de trabalho por meio do magistério davam seus primeiros passos.

A primeira escola pública feminina de Laguna foi criada em 1834, poucos anos depois da primeira escola para meninos (Schmidt, 2012, p. 139). Por sua vez, se as escolas mistas no Brasil remontam a 1870, apenas no Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, em 1884, emitiu-se um parecer sobre a coeducação até as escolas normais (Hahner, 2011). Tais medidas atendiam a uma necessidade de menores gastos e iam ao encontro das propostas de professoras pela igualdade entre os sexos. Todavia, essa proposta não foi sancionada devido à forte resistência social, ainda que algumas escolas mistas tenham continuado a existir, nas brechas da lei. Os anarquistas, em seus jornais operários, igualmente defendiam a coeducação de meninos e meninas nos mesmos espaços em uma concepção de educação que se contrapunha à desigualdade entre homens e mulheres dentro da sociedade capitalista (Bilhão, 2016). A mudança é lenta, mas já se anuncia. A defesa da coeducação, por sua vez, também se utilizava de argumentos conservadores: enfatizava o desejo de competição dos meninos para com as meninas e exaltava os frutos decorrentes da feminilidade bondosa da professora. A masculinidade aqui, ainda que discreta, dizia de meninos competitivos e homens insensíveis.

A feminização do magistério iniciada nas escolas domésticas ou de improviso se agudizou no final do século XIX quando houve uma expansão do ensino público primário (Vianna, 2001/2002). Indiretamente, o baixo salário implicava que as mulheres professoras não eram nem deveriam ser provedoras e seus salários desnecessários para compor a renda familiar, fato que não fazia sentido para as poucas professoras pertencentes às classes trabalhadoras. Em relação às diferenças salariais, Magda Chamon (2006) analisa que a desvalorização do magistério tornou desonroso para os homens permanecerem em salas de aula, e que, apesar de seus salários superiores, optam em seguir para cargos de poder como diretores, inspetores ou políticos da área de educação. A nota, singelamente intitulada “Collegio Municipal”, descreve a condições salariais:

Foram reduzidos os vencimentos do corpo docente deste estabelecimento de instrucção. O professor perceberá mensalmente 200$ réis se a frequência fôr até 40 alumnos, vencendo mais de 33$333 por dezena até inteirar 300$000 réis; a professora terá por mez 70$000, aumentando na proporção estabelecida mais 5$000, até perfazer 85$000 réis (O Albor, 26/11/1904, ed. 113, S.A.).

Os relatos por meio de pequenas notas anônimas, aliás uma prática comum nos assuntos sobre educação no jornal, mantinham esse tom descritivo e aparentemente neutro, mas que indiretamente significavam não criticidade e a pouca importância dada ao tema. Na virada do século, observa-se a redução dos vencimentos de todo o corpo docente em Santa Catarina, processo intensificado no decorrer dos anos. Destaca-se a publicização da diferença salarial de 285% entre os sexos, embora a legislação presumisse que os salários deveriam ser iguais para ambos.

Tal desigualdade em parte era sustentada por currículos diferenciados, que no início do século XIX eram iguais para ambos os sexos, mas sofrem mudança a partir de 1843, mesmo nas escolas mistas (Schimdt, 2012). Outra nota, igualmente intitulada “Collegio Municipal”, exemplifica o currículo:

Abriram-se a 8 do corrente as aulas d’este estabelecimento de educação. Acham-se matriculados nos cursos do Collegio 46 alumnos, sendo do 1.º anno 9; no 2.º 14; no 3.º 5 e no curso primário 18 alumnos. Funccionarão durante este anno aulas das seguintes disciplinas: 1.ªs letras, portuguez, francez, inglez, mathematica elementar, geografia geral e pátria, historia universal e do Brasil, estando além disto a cargo da professora do curso primário o ensino dos trabalhos de agulha (O Albor, 12/02/1904, ed. 70, S.A.).

Se costurar não era uma atividade doméstica imprescindível para ser aprendida na escola (já que se aprendia, e muito, em casa), certamente contribuía para lembrar às professoras sua feminilidade, bem como manter, nas meninas, a ideia de que estudavam para casar, tendo o trabalho de agulha um importante caráter simbólico (Chamon, 2006). Premissas que estavam em concordância com o positivismo que via o trabalho intelectual feminino como um desgaste por sua fragilidade, e a educação como uma preparação para o casamento. Nenhuma experiência de revisão curricular foi noticiada, sendo visível, de maneira mais descritiva, a coeducação e a segregação dos sexos.

Se a professora negra Julia Nascimento não aparecia nas páginas de O Albor com sua escola mista e coeducativa, as autoridades masculinas da educação pública tinham nele seu espaço garantido, como na nota “Chefia Escolar” assinada pelo Chefe Escolar Polydoro de S. Thiago:

Para conhecimento dos interessados, faz-se público que os exames do final do corrente anno lectivo, nas escolas mantidas pelos cofres estadoaes, no districto desta cidade, realizar-se na ordem e dias seguintes: 1ª Escola do Sexo Masculino no dia 1 de dezembro; 1ª Escola do Sexo Feminino, no dia 7; 2ª Escola do Sexo Masculino no dia 5 e Escola Mixta no dia 6 (O Albor, 26/11/1905, ed. 163).

Os dados das matrículas mostram a disparidade favorável aos meninos e também demonstram a presença regular de escolas mistas coexistindo com escolas segregadas. Como outras cinco cidades do estado de Santa Catarina, Laguna passa a ter, em 1912, seu primeiro grupo escolar, que tinha como pré-requisito haver na cidade um número mínimo de 300 alunos de 7 a 14 anos. O grupo escolar manteve a separação: meninos e meninas em alas diferentes. Mas o acesso feminino aumentava e se igualava ao masculino conforme a nota “Recenseamento escolar”: “[...] pelo que sabemos, atingiu o número de 923 crianças [...] sendo 457 do sexo masculino e 466 do sexo feminino, todas de idade entre 7 e 14 annos, distribuídas pelas 7 escolas desta cidade” (O Albor, 21/04/1912, ed. 501, S.A.). A imprecisão da nota se expressa na observação inicial “pelo que sabemos” que parecia antecipar uma desculpa prévia caso houvesse um equívoco.

Sobre as escolas mistas com aulas separadas, observa-se que tanto particulares quanto públicas seguiam existindo mesmo sem aprovação da obrigatoriedade da coeducação. A economia de gastos e os interesses das mulheres contribuíam para a inserção no mercado de trabalho de professoras nas novas escolas femininas e nas escolas mistas. Além da campanha moral da professora-mãe, o magistério feminino é reforçado pela autorização para lecionarem para meninos até 12 ou 14 anos, a qual não é obtida pelos homens (Stamatto, 2002).

A ampliação da educação pública necessitava de uma força de trabalho com menor remuneração, que era simultaneamente produzida por essa mesma escolarização massiva das meninas nas cidades: “o crescimento do número absoluto de mulheres alfabetizadas nos centros urbanos mais desenvolvidos forneceu um grande potencial para eleição de professoras que podiam ser contratadas por salários inferiores” (Hahner, 2011, p. 468). As normalistas, formadas em larga escala, comporiam ainda a função, segundo a política higienista e de eugenia, de formação de trabalhadores dóceis e sadios para o capitalismo em expansão. Tal ideário sustentava-se no destaque de atributos considerados naturais (portanto, sem aprendizagem prévia ou valorização econômica) das mulheres professoras, como bondade, paciência e vocação necessários para o cuidado dos futuros cidadãos brasileiros, endossados pelas próprias feministas como meio necessário para ingressarem no mercado de trabalho.

Com o maciço ingresso feminino na escola, apesar da profissão de professora ter assumido contornos de maternidade e esculpir-se nos moldes de formação de boas donas de casa e mães de família, esse foi o primeiro passo dado pelas mulheres no período a fim de adquirir alguma instrução e conseguir o ingresso numa profissão (Soares, 1998, p. 23).

Tais atributos naturais tinham seu espaço no jornal O Albor, como na descrição das festas escolares em Laguna, a exemplo da nota “Collegio Stella Maris”: “[...] É sempre bastante agradável assistir-se as festas realisadas nas casas de instrucção, onde, alem do mais, a bondade das pacientes professoras se confunde com a infantil alegria de suas alumnas” (O Albor, 01/01/1914, ed. 586, S.A.).

Por isso, a aceitação da coeducação completa esbarrava nos limites da moral da divisão sexual na família e do status quo masculino, preservados por uma educação diferenciada. A resistência dos políticos que escreviam as leis educacionais tinha relação com suas origens de classe que, pertencentes à burguesia e os setores médios das cidades, permaneciam matriculando filhos e filhas em instituições de ensino particulares, totalmente segregadas por sexo ou tendo aulas em suas próprias residências.

Passados muitos anos, o jornal segue em sua dubiedade em relação à docência e à carreira feminina e publica uma pequena nota sem título:

Uma moça intelligente depois de haver conquistado o diploma de normalista, é aconselhada por suas professoras a seguir o curso de psycchologia e outro especial de physiologia. Feita a despedida da escola, volta para casa e conta a sua mamãe as suas aspirações, mas a velha responde: - Minha filha, depois de aprenderes cosinhologia, remendalogia, varrelogia e trabalhologia, então poderás estudar isso que desejas e que as tuas mestras te disseram (O Albor, 19/11/1916, ed. 728, S.A.).

As professoras são retratadas como incentivadoras do estudo e precursoras de novas feminilidades. Novamente, depara-se com o anonimato e o recurso geracional, agora na figura da mãe em um texto em forma de sátira. No texto, são expressos os conflitos da época que reafirmam a disputa: de um lado, o conservadorismo da divisão sexual do trabalho e, de outro, os ganhos com a escolarização da “moça inteligente”. Apesar da ridicularização presente no texto, o público leitor pode se identificar com a filha ou com a mãe, conforme suas convicções sobre o direito à novas profissões femininas.

Em outra nota, “Pela instrucção”, o jornal segue em sua função de divulgar e legitimar o poder masculino como se observa no processo seletivo para a contratação de professores:

Communico aos interessados que, por decreto do Exmo. Sr. Governador do Estado, de 17 do corrente, foi prorrogada a época dos exames, para professores provisórios, até 15 de agosto do anno actual. Os candidatos que quiserem inscrever-se, o farão nesta Inspectoria, mediante requerimento sellado, acompanhado dos seguintes requisitos [...] d) licença dos maridos, se as casadas e licença paterna, se forem solteiras (O Albor, 22/06/1919, ed. 810).

Esta notícia, assinada pelo Inspetor José Duarte de Magalhães, destaca a obediência ao código civil de 1916 (Brasil, 1916) em que a autorização marital ou paterna transformava o direito ao trabalho em questão familiar, de foro privado, em um acordo entre estado e família nos moldes do patriarcado (Connell,1990).

Sinal dos novos tempos, muitos anos depois, em uma das poucas matérias assinadas dentro do jornal, Trujillo Ulysséa, uma figura destacada da cidade e parente de jornalistas, intelectuais e políticos (Ancestry, 2015), escreve sobre a masculinidade docente, sob o título sugestivo de “Deveres do professor”:

De todos os misteres, sem dúvida o que mais responsabilidade acarreta, é o do magistério. Em nossos tempos, ainda poucos comprehendem o que seja um bom professor, homem que deve ser dotado de um certo desprendimento material, ele deve olhar para os seus discípulos como seus filhos, e ter a eles um grande amor; se os alumnos são do sexo feminino, deve trata-los, como um pae trata seus filhos (O Albor, 05/08/1928, ed. 1265).

Sem necessidade de autorização familiar, a normatividade para os homens professores focava na ideia da vocação, religiosidade e afetividade filial semelhante às mulheres. Segundo Ulysséa, na época um jovem de 28 anos, tais atributos deveriam enaltecer os homens professores, e não desvalorizá-los, ao criticar a pouca compreensão social vigente focada na questão moral e econômica de sustentação do lar. Mas a diferença começava onde Ulysséa silenciava: os homens tinham liberdade para escolher dentro do campo da educação a carreira que lhes conviesse como atuar no ensino superior ou em diferentes cargos na administração pública relativa à educação.

Considerações

A partir do estudo, alguns elementos foram apresentados para compreender de que modo se deram as relações entre gênero e educação no jornal O Albor no período de 1901 a 1930. Nele, difundia-se a ideologia de magistério associado ao amor, à vocação e aos cuidados com as gerações futuras, atributos integrados ao discurso de modernidade vigente no período. Esta concepção de magistério, voltada principalmente para a professora, e eventuais homens professores de crianças, contribuía para que o Estado não explicitasse seus objetivos com o aumento das vagas centrado em menores gastos com a educação.

A implantação das escolas mistas foi um aspecto não consensual na sociedade, mas ocorria gradualmente sem a obrigatoriedade, tendo na história da professora negra, Julia, uma atitude pioneira e ousada por ter criado uma escola mista com meninos e meninas estudando juntos, mas invisibilizada pelo jornal, tal como ocorria com outras questões raciais.

As autorias no jornal, via de regra pertencentes a homens, mostram como O Albor participava da produção das feminilidades e indiretamente, das masculinidades por meio de algumas matérias, mas principalmente por notas, piadas e pequenos comentários. A subordinação da mulher na educação estava presente, em notas públicas de chefes masculinos, ou na menção à legislação estadual e nacional sobre a desigualdade salarial, jurídica e moral sobre as mulheres. Pôde-se observar nos dados estatísticos um gradual mas persistente acesso à educação e ao magistério. Às vezes as contradições sociais são expressas em textos ambíguos contendo jargões do movimento feminista e conflitos geracionais. Tais mudanças significavam um avanço para as relações de gênero no período, mas não abalavam a divisão sexual do trabalho em casa, o que forçava as feministas da época a incorporarem a idealização da mulher mãe e professora para verem atendidas algumas de suas reivindicações.

Apenas Leolinda Daltro obteve protagonismo em uma matéria política em O Albor quando de sua candidatura de protesto no Rio de Janeiro, em 1919, talvez por compartilhar com os editores do jornal o pertencimento à elite branca e ao partido Republicano desde suas origens.

De modo geral, o alvo da normatização eram as mulheres, direcionadas quase sempre no sentido de sua subordinação social e questionadas em suas reivindicações e resistências. Aos homens, o (quase total) silêncio sobre as normas masculinas expressava um lugar nas relações de poder: como beneficiários do status quo, situam-se como provedores e figuras públicas, em uma margem ampla de ação e com muitos privilégios. Exceção feita na publicação da nota de Ulysséa, que trouxe novas referências de masculinidade quando destacou o pouco valor social dado a professores homens, mas demandando deles maior afetividade e menor apego financeiro.

O feminismo, mesmo que liberal, protagonizado por mulheres brancas de setores médios ou das classes dominantes, de alguma maneira ainda assustava a sociedade de então. Os jornais participavam, contraditoriamente, desse processo ideológico ora difundindo o feminismo ora criticando-o e reforçando um ideal feminino ligado à família e à religião, e ao “progresso social”. Os direitos ao voto, ao fim do celibato pedagógico, à coeducação plena e ao maior acesso ao ensino superior aguardariam os anos posteriores a 1930.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
3 A periodização prevista era 1901-1934, mas com o fechamento do arquivo histórico finalizou-se em 1930.
4 Mas aqui cabe a pergunta: não será o momento de se substituir a categoria sexo biológico por sexo de nascimento, considerando as inovações tecnológicas e a assunção de novas identidades de gênero a partir dos movimentos sociais de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros?
5 Como exemplo da multiplicidade incluem-se as concepções de gênero dentro das correntes feministas que tanto no século XX como XI expressam diferentes visões sobre masculinidades e feminilidades.
6 Faz-se aqui a crítica ao viés ideológico de setores da historiografia feminista que organizam a história do feminismo em ondas desconsiderando em quaisquer das “ondas” o feminismo nas vertentes anarquistas e socialistas.
7 Foi mantida a escrita original dos textos.
8 Sempre que houver o anonimato na matéria utilizar-se-á a expressão sem autoria (S.A.).
Autor notes

Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina. fahhh.fernandes@gmail.comUniversidade do Sul de Santa Catarina. tania.cruz@unisul.br

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