RESUMO: O objetivo deste estudo foi investigar quais as variáveis escolares associadas ao bem-estar subjetivo de estudantes, bem como identificar as medidas de avaliação utilizadas, por meio de uma revisão integrativa da literatura. Foram utilizados os seguintes descritores: “bem-estar subjetivo”, “escola” e “estudante”, e os termos correspondentes nos idiomas inglês e espanhol. As bases de dados consultadas foram: ERIC, IndexPsi, Lilacs, PePsic, PsycInfo, PubMed e SciELO. Após a leitura completa, o conjunto final de publicações com base nos critérios de elegibilidade foi composto por 26 artigos, publicados entre os anos de 1998 e 2019. A maioria dos estudos foi realizada nos Estados Unidos e na China. Os instrumentos mais utilizados foram Student's Life Satisfaction Scale e Positive and Negative Affect Scale for Children. Evidenciou-se a escassez de medidas contextualizadas para o contexto escolar. As variáveis mais associadas ao bem-estar subjetivo de alunos relacionam-se à socialização, à adaptabilidade de comportamento e à competência acadêmica. Os resultados fornecem subsídios para a formulação de intervenções com foco na promoção do bem-estar de estudantes e destacam a importância de medidas contextualizadas na escola.
Palavras-chave: Características do estudante, vivências emocionais, estudantes, psicologia positiva.
ABSTRACT: The aim of this study was to investigate the school variables associated with the subjective well-being of students, as well as to identify the assessment measures used, through an integrative literature review. The following descriptors were used: "subjective well-being", "school" and "student", and the corresponding terms in English and Spanish. The databases consulted were: ERIC, IndexPsi, Lilacs, PePsic, PsycInfo, PubMed and SciELO. After the complete reading, the final set of publications based on the eligibility criteria was composed of 26 articles, published between the years 1998 and 2019. Most studies were carried out in the United States and China. The most used instruments were Student's Life Satisfaction Scale and the Positive and Negative Affect Scale for Children. The scarcity of contextualized measures for the school context was evidenced. The variables most associated with student’s subjective well-being are related to socialization, behavior adaptability and academic competence. The results provide subsidies for the development of interventions focused on promoting the students’ well-being and highlight the importance of contextualized measures at school.
Keywords: Student characteristics, emotional experiences, students, positive psychology.
RESUMEN: El objetivo de este estudio fue investigar las variables escolares asociadas al bienestar subjetivo de los estudiantes, así como identificar las medidas de evaluación utilizadas, por medio de de una revisión integradora de la literatura. Se utilizaron los siguientes descriptores: "bienestar subjetivo", "escuela" y "estudiante", y los términos correspondientes en inglés y español. Las bases de datos consultadas fueron: ERIC, IndexPsi, Lilacs, PePsic, PsycInfo, PubMed y SciELO. Tras la lectura completa, el conjunto final de publicaciones con base en los criterios de elegibilidad estuvo compuesto por 26 artículos, publicados entre los años 1998 y 2019. La mayoría de los estudios se realizaron en Estados Unidos y China. Los instrumentos más empleados fueron la Escala de Satisfacción con la Vida del Estudiante y la Escala de Afecto Positivo y Negativo para Niños. Se evidenció la escasez de medidas contextualizadas para el contexto escolar. Las variables más asociadas al bienestar subjetivo de los estudiantes están relacionadas con la socialización, la adaptabilidad de la conducta y la competencia académica. Los resultados otorgan subsidios para la formulación de intervenciones enfocadas a promover el bienestar de los estudiantes y resalta la importancia de medidas contextualizadas en la escuela.
Palabras clave: Características del estudiante, vivencias emocionales, estudiantes, psicología positiva.
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Bem-Estar Subjetivo de Estudantes: Variáveis Escolares Associadas e Medidas de Avaliação
Student’s Subjective Well-Being: Associated School Variables and Assessment Measures
Bienestar Subjetivo del Estudiante: Variables Escolares Asociadas y Medidas de Evaluación
Recepção: 05 Outubro 2020
Revised document received: 13 Dezembro 2021
Aprovação: 01 Abril 2022
Nos últimos anos, observa-se o interesse de gestores e de pesquisadores da área educacional de diversos países em identificar habilidades cognitivas, sociais e emocionais relacionadas ao bem-estar dos alunos, com o intuito de promoção de um ambiente escolar saudável (Organization for Economic Co-operation and Development [OECD], 2017). Dentre os modelos de bem-estar existentes na literatura, destaca-se o Bem-Estar Subjetivo (BES), construto que tem sido investigado em diversas áreas, como Psicologia, Economia, Ciências Políticas, Sociologia, Antropologia e Educação (Diener et al., 2016).
O BES refere-se ao que as pessoas pensam e como se sentem quando avaliam suas vidas. O termo “subjetivo” enfatiza que a avaliação é feita a partir da perspectiva do sujeito, de seus valores e de suas experiências de vida. O BES caracteriza-se como um construto com estrutura multidimensional, configurando-se em uma estrutura tripartite composto pela satisfação com a vida (SV), os afetos positivos (AP) e os afetos negativos (AN) (Diener et al., 2016). No que diz respeito ao contexto escolar, estudos evidenciam correlações entre BES e dificuldades escolares, com sucesso acadêmico e com engajamento escolar (Bailey & Phillips, 2016; Rodríguez-Fernández et al., 2016; Whitley et al., 2012).
Diener et al. (2016) ressaltam que tão importante quanto os julgamentos globais que as pessoas fazem sobre as suas vidas, seria a avaliação feita por domínios específicos da vida, evidenciando a importância de dados contextualizados desses componentes. No que diz respeito ao período da infância e adolescência, a escola é um importante domínio, considerando o tempo diário e o total de anos que os alunos permanecem na escola. Nesse sentido, considerando a importância da escola na promoção do bem-estar do aluno, e de medidas contextuais de BES, Tian et al. (2014) desenvolveram um modelo teórico de BES Escolar, derivado do BES, que consiste em como os estudantes avaliam e como se sentem em relação à escola. É composto por um fator de satisfação com a escola (SE), que se refere à avaliação cognitiva que os estudantes fazem da escola, e dos domínios que a compõem, a partir de critérios internos. Os demais componentes consistem na frequência em que os alunos experienciam afetos positivos (APE) e negativos na escola (ANE).
No contexto brasileiro, as Diretrizes Curriculares Nacionais (Ministério da Educação [MEC], 2013) enfatizam que a escola, desde a construção do projeto político-pedagógico até a organização do trabalho escolar, deve ser orientada para a educação, a troca do conhecimento, o acolhimento, o aconchego, garantindo assim a aprendizagem, o desenvolvimento e o bemestar dos alunos. No entanto, a aprendizagem e o bem-estar dos alunos têm sido afetados por problemáticas relacionadas às tarefas repetitivas, avaliações rígidas, metodologias de ensino defasadas, condições de trabalho docente precárias, falta de uma estrutura física adequada para o ensino, relação hostil entre professor e aluno, bullying. Essas dificuldades encontradas pelo estudante ao longo dos ciclos de escolarização podem trazer repercussões consideráveis para o desenvolvimento de crianças e adolescentes e mobilizam pesquisas em Psicologia e Educação, com o intuito de mitigar tais problemáticas (Dazzani et al., 2014).
Assim, considerando a relevância do BES para área da Psicologia e da Educação nos últimos anos, bem como a importância da escola na promoção do bem-estar do estudante, nós nos perguntamos: quais as variáveis escolares associadas ao BES escolar? Quais são os instrumentos disponíveis na literatura para mensuração deste construto? Assim, este estudo teve por objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura com o objetivo de identificar variáveis escolares associadas ao bem-estar do aluno, bem como os instrumentos de medida disponíveis. Os resultados deste estudo permitirão identificar desfechos que poderão auxiliar na formulação de políticas e intervenções educacionais com foco no bem-estar do aluno, bem como identificar potenciais medidas que auxiliem na produção de indicadores que subsidiem a formulação e avaliação da efetividade dessas ações.
Esta revisão integrativa da literatura seguiu as recomendações do método PRISMA (Moher et al., 2009). A busca pelas publicações foi realizada em junho de 2020. Buscou-se artigos revisados por pares, publicados em inglês, português ou espanhol. Foram consultadas as bases de dados da Education Resources Information Center (ERIC), IndexPSI, Scientific Electronic Library Online (SciELO), Periódicos eletrônicos em Psicologia (PePSIC), PubMed, PsychINFO e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs). Utilizaram-se os seguintes termos indexadores: “subjective well-being” AND “school” AND “student” e suas formas correspondentes em português e espanhol. A escolha desses indexadores booleanos foi feita mediante consulta ao dicionário de terminologias da American Psychological Association. Os termos deveriam estar contidos no título, resumo e palavras-chave.
Foram recuperados estudos empíricos, revisados por pares, disponibilizados integralmente nas bases de dados que (1) forneciam evidências empíricas acerca da associação do BES ou algumas de suas dimensões (SV, APE e ANE) ou do BES escolar (SE e afetos na escola) com variáveis escolares; (2) e que tenham sido feitos com estudantes de educação básica. Foram excluídos trabalhos (1) duplicados; (2) que não fossem artigos científicos revisados por pares, como teses, dissertações, livros e capítulos de livros; (3) que mensuraram o BES utilizando outras nomenclaturas (e.g., felicidade subjetiva); (4) e que utilizaram outras teorias de bem-estar (e.g., bem-estar psicológico, emocional).
O gerenciamento do material foi realizado por meio do software Mendeley Desktop versão 1.16.1 para Windows. Os dois autores desta pesquisa, de forma independente, leram títulos e resumos dos trabalhos para seleção dos materiais com base nos critérios de inclusão e exclusão. Divergências foram resolvidas mediante consenso entre os autores. Em seguida, os autores leram os artigos selecionados, considerando os critérios de inclusão estabelecidos. A partir dessa leitura mais detalhada, selecionou-se os artigos incluídos na revisão. Os estudos que cumpriram os critérios de elegibilidade foram lidos na íntegra. Inicialmente, foram extraídos dados para caracterização das pesquisas: autoria, ano de publicação, país em que as pesquisas foram realizadas, idade dos participantes da amostra e ano escolar. Em seguida, identificou-se os construtos relacionados ao BES/BES escolar dos alunos e os instrumentos de mensuração utilizados. A frequência de cada uma das categorias foi analisada.
A busca inicial resultou num total de 136 publicações. Após a leitura integral dos artigos e a aplicação dos critérios de elegibilidade e de exclusão, foram selecionados para análise 26 estudos. O detalhamento do processo pode ser visto na Figura 1.
Na Tabela 1 constam os dados de caracterização dos artigos, analisados quanto à autoria, ano de publicação, país onde foi realizado o estudo e características da amostra. Constatou-se que o primeiro estudo foi publicado no ano 1998 e o mais recente no ano de 2019, o que corresponde a um período de 20 anos de pesquisa. Observou-se uma distribuição irregular das publicações ao longo dos anos, com um número expressivo de artigos publicados no ano de 2018 (n = 5; 19,23%), seguido do ano de 2014 (n = 4; 15,38%). Os dados evidenciaram que a maior parte dos estudos (n = 10; 53,46%) foi publicado nos últimos cinco anos. Destaca-se ainda, o predomínio de pesquisas realizadas nos Estados Unidos (42,30%; n = 10) e na China (n = 5; 19,23%), evidenciando maior interesse desses países na produção de indicadores relacionados ao bem-estar subjetivo no contexto escolar. Além disso, a maioria dos estudos utilizou amostras de estudantes do Ensino Fundamental II (n = 15; 57,70%), e Ensino Médio (n = 11; 38,46%).
As publicações tiveram seus conteúdos analisados com objetivo de identificar as principais variáveis associadas ao bem-estar dos estudantes. Identificou-se que tanto o BES quanto o BES Escolar apresentaram correlações significativas, de moderadas a altas (r> 0,30) com variáveis escolares relacionadas a três temáticas principais: socialização (e.g. clima social e suporte com os colegas de sala de aula, suporte social, e percepção de suporte social oferecido por professores), comportamentais (e.g. adaptabilidade de comportamento na escola, engajamento escolar, perfeccionismo positivo) e de competência acadêmica (e. g. autoeficácia acadêmica, competência para realização de atividades escolares, experiência e conquistas acadêmicas). Quanto ao desempenho escolar, observou-se correlações positivas e significativas, porém de baixa magnitude. Ressalta-se a escassez de estudos que relacionados ao componente afetivo do BES Escolar de estudantes.
No que diz respeito aos instrumentos de avaliação, observou-se o uso de 17 escalas distintas (ver Tabela 3). É possível observar na Tabela 3 que a escala mais utilizada foi a Student's Life Satisfaction Scale (SLSS) que avalia o componente cognitivo do BES (satisfação com a vida). Em seguida, a Positive and Negative Affect Scale for Children (Laurent at el., 1999), a Multidimensional Student Life Satisfaction Scale (MSLSS; Huebner, 1994), e a Positive Affect and Negative Affect Scale (Watson, Clark, & Tellegan, 1988). Em síntese, observou-se que a maior parte das pesquisas utilizou medidas que fornecem indicadores globais do bem-estar dos estudantes, com poucas pesquisas com dados de BES contextualizados à escola.
Quanto às medidas que possuem indicadores contextualizados de BES, identificou-se a MSLSS (Huebner, 1994), a qual mensura a satisfação com a vida de crianças e adolescentes a partir de domínios específicos e possui uma dimensão de avaliação da satisfação com a escola. Além da MSLSS, mais quatro instrumentos possuem algum fator que avaliam o BES Escolar ou alguma de suas dimensões: Brief Adolescents’ Subjective Well-Being in School Scale (BASWBSS; Tian et al., 2014), Middle School Student’s Academic Subjective WellBeing (ASWBQ; Liu & Zhang, 2006), School Rated Well-being (Loderer, Vogl, & Pekrun, 2016)e Subjective Well-Being Questionnaires (Opdenakker & Van Damme, 2000). Na análise da estrutura dos fatores que compõem os instrumentos, apenas a BASWBSS possui sum modelo fatorial mais próximo do BES proposto por Diener. A BASWBSS é um instrumento de autorrelato composta por duas subescalas que avaliam satisfação com a escola e a frequência de afetos positivos e negativos experienciados pelo aluno no contexto escolar. A primeira subescala é composta por seis itens (e.g. “Tenho uma boa relação com meus professores”), com chave de resposta do tipo Likert, variando de 1 (discordo fortemente) a 6 (concordo fortemente) e coeficiente alfa de 0,85. A segunda é composta por dois itens: um avaliando a frequência de afetos positivos (e.g. “Na escola, a frequência com que me sinto bem é...”) e o outro a frequência de afetos negativos (e.g. “Na escola, a frequência em que me sinto mal é...”). Os alunos respondem a ambos os itens em escala do tipo Likert de seis pontos, variando de 1 (nunca) a 6 (sempre) e coeficiente alfa de 0,77. Nesse instrumento os afetos correspondem a um único fator. Destaca-se que não foram encontrados instrumentos de BES Escolar para a população brasileira na busca realizada.
O objetivo do presente estudo foi identificar as principais variáveis escolares associadas ao BES do aluno, e os instrumentos de mensuração utilizados. Quanto à caracterização dos estudos, os resultados evidenciaram um período de publicação que abrange as últimas duas décadas, com maior concentração de pesquisas nos últimos cinco anos. Esse resultado corrobora a centralidade da temática do bem-estar do estudante no campo educacional nos últimos anos, com o intuito de melhoria do ambiente escolar e do processo de escolarização (OECD, 2017).
Observou-se que Estados Unidos e China despontaram como os países que mais possuíam estudos publicados relacionados à temática do bem-estar subjetivo de estudantes. Esses países são mundialmente reconhecidos por possuírem sistemas educacionais que enfatizam o desenvolvimento de habilidades cognitivas e que valorizam o alto desempenho no rendimento acadêmico. Tal fato decorre da ideia de que essas habilidades são as únicas responsáveis pelo “sucesso” do aluno na vida adulta e acabam tornando a escola um ambiente extremamente opressor, estressante e competitivo, com prejuízos a saúde mental dos alunos, e ocasionando problemáticas relacionadas à evasão e à repetência (Bonell et al., 2014). Com o intuito de mitigar tais problemáticas, na China, por exemplo, desde o ano de 2015, são desenvolvidas uma série de ações para a promoção do bem-estar do aluno, em consequência dos altos níveis de estresse e do grande número de casos de suicídio entre estudantes, ocasionados pela pressão social do sucesso acadêmico (Au & Kennedy, 2018). Assim, diante de tais dados, há uma maior preocupação na avaliação e na produção de indicadores que auxiliem o desenvolvimento de políticas educacionais que favoreçam um ambiente escolar saudável.
Nesse sentido, a análise das variáveis associadas ao BES dos estudantes traz importantes contribuições. Considerando que o BES seja uma avaliação geral que o sujeito faz de sua vida e BES Escolar uma avaliação do estudante em relação a sua escola, o estado de bem-estar decorre de indicadores externos e internos ao sujeito (Diener et al., 2016). Assim, constatou-se que o bem-estar do aluno está mais associado com questões relacionadas à socialização do estudante, da adaptabilidade de comportamento e do senso de competência acadêmica. A socialização na escola, destaca a importância da qualidade das relações que o estudante estabelece com o professor e com o os pares (Baker, 1998; Sahin & Kirdok, 2018). Já a adaptabilidade de comportamento, consiste em responder positivamente a novas situações e é vista como benéfica para manter e promover a saúde psicológica em contextos dinâmicos, como a escola (Putwain et al., 2018; Sahin & Kirdok, 2018). Os comportamentos relacionados ao senso de competência acadêmica consistem na avaliação subjetiva que os alunos fazem de suas habilidades em relação aos estudos e suas conquistas acadêmicas (Beiswenger & Grolnick, 2009; Chan, 2007; Liu & Zhang, 2006).
Assim, o bem-estar subjetivo dos estudantes contribui como um fator protetivo para problemáticas típicas do contexto escolar, uma vez que estudantes insatisfeitos com suas escolas tendem a apresentar dificuldades escolares, menores níveis de sucesso acadêmico e de engajamento escolar (Whitley et al., 2012). Ademais, uma experiência de socialização adequada com pares e professores, além de um clima escolar com respeito às diferenças e à diversidade, são fatores protetivos frente à violência da escola, o que gera bem-estar nos alunos e uma experiência de escolarização positiva (Gage et al., 2014). Assim, intervenções em contextos escolares podem enfatizar tais aspectos pela sua associação com o bem-estar dos alunos, como também por essas variáveis estarem relacionadas às queixas tipicamente escolares (Dazzani et al., 2014).
Ainda que o BES tenha apresentado baixas associações com o desempenho escolar, deve ser considerado que a natureza das avaliações escolares demanda, em maior proproção, habilidades cognitivas como atenção, memória e inteligência, o que explica a baixa associação com o BES (Correia & Dalbert, 2017; Ng et al., 2016). Como as pesquisas encontradas utilizaram o BES, hipotetiza-se que o BES Escolar e seus componentes apresentariam associações de maior magnitude com o desempenho. Ademais, o dado não diminui a importância evidenciada do BES, considerando sua relação com variáveis sociais, comportamentais e emocionais da escolarização. Além disso, a escola é responsável pela educação integral do aluno e não apenas pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas.
Cabe destacar que a maior parte dos estudos utilizou medidas globais de bem-estar subjetivo ou avaliaram algum de seus componentes em específico (SV, AP, ANE). A BASWBSS foi a única escala encontrada que, além do componente de satisfação com a escola, possuía um fator de avaliação da dimensão afetiva do bem-estar do estudante na escola. Esse fator é composto por dois itens, um para avaliação de afetos positivos e outro para os afetos negativos na escola, que faz com os itens avaliem os polos opostos da dimensão afetiva. No entanto, a teoria de Diener que embasa o modelo teórico destaca que os AP e NA não são polos opostos de um mesmo contínuo, mas fatores independentes, uma vez que o sujeito experiencia afetos positivos e negativos simultaneamente. Além disso, ainda que não exista consenso entre os pesquisadores sobre a quantidade ideal de itens que o fator de um instrumento psicológico deve possuir, espera-se que um fator possua, no mínimo. Medidas de item único não conseguem abordar construtos multidimensionais e complexos, limitando a possibilidade de mensuração e comprometendo a precisão do instrumento (Sarstedt & Wilczynski, 2008), ainda mais ao considerar a diversidade de afetos possíveis de serem experienciados. Desse modo, essas limitações psicométricas são encontradas na escala. Assim, é importante considerar a importância do desenvolvimento de medidas de bem-estar subjetivo escolar contextuais, com o intuito de compreender como a avaliação cognitiva, bem como a avaliação afetiva que o aluno faz da sua escola influencia aspectos da escolarização.
Quanto ao contexto brasileiro, ainda que não tenham sido retomados nas buscas, sabese que existem alguns instrumentos que avaliam o componente da satisfação com a escola, como a Escala multidimensional de satisfação de vida para crianças” (Giacomoni & Hutz, 2008) e a Escala multidimensional de satisfação de vida para adolescentes (Segabinazi et al., 2010), mas que não possuem avaliam os componentes afetivos do BES escolar. Assim, constatou-se a falta de pesquisas realizadas no país acerca do BES ou o BES escolar, ainda que o bem-estar do aluno seja uma prioridade das instituições de educação básica (MEC, 2013). Uma das dificuldades pode residir na escassez de instrumentos adequados de avaliação que se proponham a atender tal objetivo. Recentemente, foi desenvolvida a Escala de BemEstar Subjetivo Escolar (Dias-Viana & Noronha, 2021), com o objetivo de tentar sanar tais lacunas e possibilitando a mensuração da satisfação cognitiva e afetiva do estudante com a sua escola.
A presente revisão de literatura evidenciou que BES e o BES escolar estão associados com a socialização, a adaptabilidade de comportamento e a competência acadêmica no contexto escolar. Assim o investimento de gestores educacionais e de formuladores de políticas públicas no fomento de comportamentos relacionados a tais habilidades auxiliará na promoção do bem-estar dos estudantes. Além disso, evidenciou-se a escassez de estudos de BES escolar, bem como de instrumentos de avaliação, principalmente no Brasil. Recomendase que estudos futuros sejam feitos com o objetivo de melhor compreender como o BES Escolar se relaciona com as variáveis escolares, como evasão escolar, repetência e distorções série-idade, além de como pode contribuir para a saúde mental dos alunos, uma vez que a escola é um importante contexto de desenvolvimento. Além disso, destaca-se a importância do desenvolvimento de medidas para o contexto brasileiro que possam subsidiar a produção de indicadores nacionais e fomentar a elaboração de políticas públicas e de intervenções que promovam o BES do aluno. Como limitações deste estudo, indica-se a não utilização de dissertações e teses, e que outras bases de dados sejam consultadas. Espera-se que estudos futuros, tais limitações sejam corrigidas e meta-análises sejam realizadas.
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