Recepção: 12 Fevereiro 2019
Aprovação: 09 Agosto 2019
DOI: https://doi.org/10.19132/1808-5245262.83-105
Resumo: Partindo dos pressupostos de que os indicadores de ciência, tecnologia e inovação de uma nação têm a função de mensurar e monitorar a atividade inovativa, e de que o conhecimento constitui elemento fundamental para a geração de inovação, o presente artigo tem como objetivo analisar os indicadores de ciência, tecnologia e inovação do Brasil e da Espanha em relação a processos de produção e compartilhamento de conhecimento científico. Para tanto foi realizado um estudo comparativo entre os indicadores dos dois países selecionados. Para a análise dos dados, aplicou-se o método de pesquisa Análise de Conteúdo, mais especificamente a técnica Análise Categorial. Como resultado, observou-se que apenas parte das inferências estabelecidas pelas categorias cultura de inovação enfocando o conhecimento, ação integrada de agentes de sistemas de inovação e produção de conhecimento no âmbito de sistemas de inovação estavam presentes nos indicadores brasileiros e espanhóis. Os conjuntos de indicadores dos dois países não apresentaram em suas variáveis questões relacionadas às categorias: sistematização do conhecimento no âmbito de sistemas de inovação, fluxos de conhecimento no âmbito de sistemas de inovação, e apropriação e uso de conhecimento no contexto de sistemas de inovação. Portanto, conclui-se que os indicadores de ciência, tecnologia e inovação, tanto brasileiros quanto espanhóis, poderiam ser ampliados de maneira a cobrir outros aspectos relacionados à produção e ao compartilhamento de conhecimento científico para a inovação.
Palavras-chave: Ciência, tecnologia e inovação. Indicadores de ciência, tecnologia e inovação. Conhecimento científico. Produção e compartilhamento de conhecimento científico.
Abstract: Assuming that the science, technology and innovation indicators of a nation serve the function of measuring and monitoring innovative activity, and that knowledge is constituted as a fundamental element in the fostering of innovation, this article aims to analyze science, technology and innovation indicators in Brazil and in Spain regarding processes of production and sharing of scientific knowledge. We carry out a comparative study of the indicators of both countries. To analyze the collected data, we adopt the content analysis research method, more specifically the categorical analysis technique. We observe that only a part of the inferences set by the categories innovation culture valuing knowledge, integrated action of innovation systems agents and knowledge production within the innovation systems is present in the Brazilian and Spanish indicators. Among the variables associated with the set of indicators from both countries, we do not remark any issues concerning the following categories: systematization of knowledge in the context of innovation systems, flows of knowledge in the scope of innovation systems, and appropriation and use of knowledge in the context of innovation systems. We conclude that science, technology and innovation indicators, both Brazilian and Spanish, could be expanded to cover other aspects related to the production and sharing of scientific knowledge for innovation.
Keywords: Science, technology and innovation. Science, technology and innovation indicators. Scientific knowledge. Production and sharing of scientific knowledge.
1 Introdução
As primeiras atividades voltadas a mensurar e monitorar a inovação tiveram origem na Alemanha, por volta do ano de 1870, com a introdução de laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Com a decorrente expansão desses laboratórios, percebeu-se a possível lucratividade resultante do estabelecimento de atividades de pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos de maneira sistematizada e profissional. Tal fator fez com que, gradualmente, laboratórios de P&D se tornassem cada vez mais comuns nas grandes indústrias e, também, impulsionou o “[...] crescimento dos laboratórios governamentais, dos serviços de pesquisa independentes e das pesquisas universitárias.” (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 511). Por conseguinte, a atuação desses organismos teve papel relevante no período entre as guerras mundiais e fez com que a pesquisa e o desenvolvimento organizados e profissionais chegassem ao período pós-guerra com grande prestígio. Tal fato levou à expansão da P&D não só em países industrializados, mas também em países em desenvolvimento.
Isso significou que o sistema de P&D fosse visto frequentemente como a única fonte das inovações – uma impressão reforçada pelo sistema de mensuração adotado primeiro pela National Science Foundation dos EUA e, mais tarde, durante as décadas de 1950 e 1960, por todos os demais países da OECD [Organisation for Economic Co-operation and Development]. Esse sistema foi padronizado pelo chamado “Manual Frascati” [...] e, apesar do fato de seus autores terem apontado que a mudança técnica não dependia apenas da P&D, mas de muitas atividades a ela vinculadas – como o ensino, o treinamento, a engenharia de produção, os projetos e o controle de qualidade – as mensurações de P&D foram, frequentemente, muito usadas como indicadores de todas essas atividades, que ajudam a promover novos produtos e processos melhorados. Além disso, a importância de todos os processos de realimentação do sistema de P&D pelo mercado e pela produção foram [sic] muitas vezes esquecidos. O simples fato de as mensurações de P&D terem sido as únicas disponíveis contribuirá para reforçar estas tendências. (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 513).
Em relação à predominância das atividades de P&D para a mensuração das atividades de inovação, em concordância com a afirmação de Freeman e Soete (2008), acredita-se que tal prática tenha sido útil, mas não pertinente para traduzir um Sistema de Inovação (SI) de uma nação. Estes autores entendem que a prática de considerar apenas atividades de P&D como responsáveis pela geração de inovação não é suficientemente profunda e abrangente e argumentam que “[...] muitas pesquisas sobre inventos e inovações já haviam demonstrado amplamente que muitos outros fatores foram importantes para o sucesso inovativo além da P&D.” (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 514), tais como: produção e compartilhamento de conhecimento, interação entre universidade e empresa, mobilidade de pessoas envolvidas com processos inovativos e difusão de conhecimentos e tecnologia. Ainda segundo estes autores,
[...] as dificuldades práticas em incorporar esses [outros] fatores nas comparações internacionais eram muito grandes. Comparações “classificatórias” da P&D eram muito mais fáceis e influentes. Por motivos similares, medidas puramente quantitativas da P&D e do ensino foram frequentemente usadas em modelos desenvolvidos mais tarde pela “nova teoria do conhecimento” [...] (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 514).
Nessa perspectiva, ratifica-se que indicadores de P&D foram um importante e útil ponto de partida, mas não são abrangentes o suficiente para mensurar e monitorar todos os aspectos da atividade inovativa, isso porque
Dada a crescente relevância da ciência, tecnologia e inovação como elementos-chave para o desenvolvimento de empresas, indústrias, regiões e países, surge a necessidade da compreensão e do monitoramento dos processos de produção, difusão e uso de conhecimentos científicos, tecnologias e inovações, assim como um dos fatores que os influenciam e de suas consequências. Neste sentido, o uso e a construção de indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) são de fundamental importância para o melhor entendimento dos processos inovativos que ocorrem em cada país, bem como para direcionar e monitorar a formulação de políticas industriais e tecnológicas que visem elevar qualitativamente e quantitativamente o grau de inovatividade e, em consequência, a competitividade de uma região ou de um determinado país. (STALLIVIERI; CASSIOLATO, 2010, p. 1).
No que tange aos indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), Ramos (2008) acrescenta que esses foram desenvolvidos no meio acadêmico, a partir da mensuração da produção científica nas três primeiras décadas do século XX. No entanto, a partir do período pós-guerra até a década de 1980, passaram a integrar as unidades de análise, juntamente com as universidades, outros setores econômicos como indústria, governo e organizações sem fins lucrativos, uma vez que também estão envolvidos de alguma maneira com a Ciência de Tecnologia (C&T) e a P&D.
A partir disso, passam a ser investigadas bases de dados de produção científica e indicadores de recursos humanos, não apenas de cientistas, mas também de profissionais de organizações diversas ligadas à P&D, assim como bancos de patentes, indicadores de transferência de tecnologia (compra e venda de tecnologias) e indicadores de exportação e importação. A partir da década de 1990, com a globalização e com o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), a inovação passou a ser considerada prioridade; assim, “[...] surgem os indicadores de inovação, fruto da evolução de estudos conceituais sobre a produção científica e seu relacionamento com a atividade econômico-social, além daqueles destinados a medir a evolução da C&T.” (HAYASHI et al., 2006, p. 60).
Os indicadores para a CT&I são, portanto, fruto da união de indicadores de P&D, oriundos de ambientes industriais, com indicadores de C&T, originados em ambientes acadêmicos. Compreendem o monitoramento e a “[...] mensuração de um fenômeno complexo multifacetado e que proporciona impactos intangíveis, difusos e muitas vezes perceptíveis apenas no longo prazo [...]” (RAMOS, 2008, p. 9).
Todavia, mesmo que ainda em estágio embrionário devido à sua complexidade e ao seu pouco tempo de existência, os indicadores para inovação vêm se confirmando bons instrumentos para o monitoramento e a gestão da atividade inovativa, tanto em âmbito nacional quanto internacional, porquanto se observa que a opção de diversos países consiste na mensuração e na análise de indicadores de P&D, C&T e inovação de maneira agregada, constituindo o conjunto de indicadores de CT&I.
Nessa perspectiva o presente artigo tem como objetivo analisar os indicadores de CT&I em relação a processos de produção e compartilhamento de conhecimento para a inovação. Optou-se pela realização de um estudo comparativo entre duas realidades, a saber, os indicadores de CT&I do Brasil e os da Espanha. A escolha dos países supracitados para comporem o estudo comparativo se deve ao fato de o presente artigo constituir um recorte da tese de doutoramento de Silva (2018), desenvolvida in loco em universidades nos países supracitados.
A opção pelo estudo comparativo encontra sustentação em Schneider e Schimitt (1998), que o consideram um método pertinente em pesquisas analíticas no campo das Ciências Sociais, no que tange ao alcance da objetividade científica. Segundo estes autores, a comparação,
[...] enquanto momento da atividade cognitiva, pode ser considerada como inerente ao processo de construção do conhecimento nas Ciências Sociais. É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidades, semelhanças e diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos sociais. (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 49).
Além de compreender esta seção introdutória, o estudo dedica as seções seguintes aos indicadores de CT&I aplicados nos contextos brasileiro e espanhol; aos procedimentos metodológicos aplicados; à análise comparativa entre indicadores de CT&I do Brasil e da Espanha baseada nas categorias estabelecidas e às considerações finais.
2 Indicadores de CT&I aplicados em contexto brasileiro
Os Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação mensurados no ano de 2017, no contexto brasileiro, foram elaborados com o propósito de facilitar uma visão global do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) e respectivos agentes públicos e privados, “[...] em suas várias dimensões, permitindo a comparação com outros países e a realização de análises variadas das políticas de CT&I [...]” (MINISTÉRIO..., 2017, [n. p.]).
Os indicadores de CT&I brasileiros estão agrupados em oito indicadores com 75 (setenta e cinco) variáveis (Quadro 1).
Como pode ser observado, os Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação se dedicam a mensurar um grupo abrangente de variáveis, proporcionando uma análise dos investimentos realizados em diferentes segmentos e dos resultados obtidos em relação a publicações, patentes, inovações implementadas em empresas e inovações implementadas com relações de cooperação entre agentes do Sistema Nacional de Inovação (SNI).
Além disso, o atual conjunto de Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação é mais abrangente que a Pesquisa de Inovação (PINTEC), instrumento utilizado em períodos anteriores, visto que a mensuração atinge diferentes agentes do SNI e não somente empresas, como praticado anteriormente na PINTEC.
De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (2017), as fontes para a coleta de dados dos indicadores têm origens variadas, tais como: o próprio Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC); a PINTEC; o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD); o SCImago Journal & Country Rank (SJR); o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI); o United States Patent and Trademark Office (USPTO); a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Rede de Indicadores Estaduais de Ciência, Tecnologia e Inovação (RIECTI).
3 Indicadores de CT&I aplicados em contexto espanhol
No âmbito espanhol, foram analisados os Indicadores del Sistema Español de Ciencia, Tecnología e Innovación, que se apresentam por meio de um informativo elaborado pelo Observatorio Español de I+D+I (investigación, desarrollo e innovación), organismo da Fundación Española para la Ciencia y la Tecnología (FECYT) que reúne e oferece informações sistematizadas sobre o Sistema Español de Ciencia, Tecnología e Innovación (SECTI) e sua respectiva evolução anualmente desde o ano de 2004 (FUNDACIÓN..., 2017). No referido informativo
[...] se apresentam os principais indicadores de I+D+I [investigación, desarrollo e innovación] com o objetivo de aprofundar o conhecimento da situação das atividades de I+D+I na Espanha em nível estatal, das comunidades autônomas e internacional a fim de responder às necessidades de informação de todos os agentes do Sistema Espanhol de Ciência, Tecnologia e Inovação. (FUNDACIÓN, 2017, p. 17, tradução nossa).[1]
Nessa perspectiva, reúnem-se 80 (oitenta) variáveis agrupadas em oito indicadores de inovação (Quadro 2).
O fato de os indicadores de inovação mensurados em contexto espanhol serem aplicados desde o ano de 2004 confere a eles consistência, porquanto vêm sendo aprimorados ao longo do tempo. Os referidos indicadores e as respectivas variáveis destinam-se a coletar e mensurar dados de investimento em I+D+I, nas categorias de orçamento, gastos e recursos humanos, e também dados de resultados da implantação de inovação por empresas e por setores, da produção científica, da cultura cientifica de inovação e da participação em programas internacionais de I+D+I.
4 Procedimentos metodológicos
Os indicadores de CT&I apresentados nas seções 2 (dois) e 3 (três) constituíram o corpus da pesquisa e foram objeto do estudo comparativo entre as realidades do Brasil e da Espanha. O estudo comparativo proporciona a análise do comportamento, da estrutura e do funcionamento de determinado fenômeno em diferentes contextos, o que contribui para a realização de um diagnóstico consistente da realidade observada (ALTAMIRO-SANTIAGO; MARTINEZ-MENDONZA, 2011; THELEN; STEINMO, 1992; WILSON, 1996;).
Para a análise comparativa entre os indicadores de CT&I dos dois países, optou-se pela ‘Análise de Conteúdo’, método qualitativo descrito por Bardin (2009) que se organiza em três fases: (1) pré-análise: compreende o contato inicial com o material que potencialmente será analisado, a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação de hipóteses e dos objetivos; (2) exploração do material: consiste em operações de codificação, decodificação, enumeração, categorização do material; (3) tratamento de resultados, inferência e interpretação: os resultados são tratados de maneira a se tornarem significativos, gerando quadros de resultados, diagramas ou modelos que condensam e põem em relevo as informações fornecidas pela análise.
Para a Análise de Conteúdo, optou-se pela aplicação da técnica Análise Categorial, que consiste em “[...] operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos.” (BARDIN, 2009, p. 199).
A técnica Análise Categorial apresenta bons resultados em pesquisa qualitativa, devido à possibilidade de realizar interpretações embasadas por inferências. Os processos de elaboração e definição das categorias de análise foram embasados na análise de produção bibliográfica acerca dos temas: inovação e desenvolvimento econômico e social, sistemas de inovação, conhecimento e inovação, políticas públicas de inovação e indicadores de inovação.
Destarte foram elaboradas seis categorias, que contemplam duas inferências cada uma, totalizando 12 (doze) inferências explicativas (Quadro 3) capazes de contribuir para a análise dos indicadores de inovação brasileiros e espanhóis em relação à produção e compartilhamento de conhecimento no âmbito de SNI.
Legenda: SI= Sistemas de Inovação.
Fonte: Elaborado pelas autoras.A análise dos indicadores de inovação do Brasil e da Espanha em relação à presença ou à ausência de cada uma das categorias supracitadas e de suas respectivas inferências indica se temas relacionados à produção e ao compartilhamento do conhecimento são considerados basilares para a geração e para o monitoramento da inovação nos referidos países. Essa análise é apresentada a seguir.
5 Análise comparativa entre indicadores de inovação do Brasil e da Espanha baseada nas categorias estabelecidas
Em relação à categoria cultura de inovação enfocando o conhecimento, no contexto brasileiro é possível afirmar que aspectos de uma cultura de inovação voltada à produção de conhecimento estão presentes no conjunto de indicadores relacionados ao provimento e à manutenção de pessoas envolvidas com pesquisa, desenvolvimento e inovação e atuantes nos agentes do Sistema Nacional de Inovação (SNI). Dados acerca de profissionais dedicados à pesquisa vão sendo coletados e mensurados no âmbito dos indicadores do SNI, e isso significa que o referido sistema reconhece esses profissionais como elementos importantes para o seu desenvolvimento e para a sua consolidação.
O mesmo raciocínio é válido para os indicadores de inovação em contexto espanhol, que, também, contemplam variáveis destinadas a mensurar a quantidade de pesquisadores atuantes no SNI.
Ademais, no contexto espanhol, destaca-se a presença de um indicador dedicado à cultura científica e tecnológica, que mensura, por exemplo: o nível de interesse da população pela ciência e pela tecnologia em comparação a temas como saúde, alimentação e política, entre outros; a imagem social – benefícios e prejuízos da ciência e da tecnologia para a sociedade; a valorização da profissão de cientista em comparação com outras profissões; a imagem da profissão de cientista e a percepção de recursos destinados à ciência pelo governo central (se o investimento é alto, suficiente ou deficiente).
No entanto, em ambos os contextos, não são observados elementos que indiquem a presença de uma cultura de compartilhamento de conhecimento entre os agentes do SNI, visto que nenhuma das variáveis busca mensurar relações de compartilhamento de conhecimento entre agentes do SNI.
No âmbito da categoria ações integradas entre os agentes do SI, os indicadores brasileiros integram variáveis dedicadas a mensurar a quantidade e o percentual, de um lado, de empresas que implementam inovações com apoio do governo, evidenciando a integração entre agentes de coordenação (governo) e agentes de execução (empresa) e, de outro lado, de empresas que implementaram inovações decorrentes de cooperação com outros agentes do SNI. De modo semelhante, os indicadores espanhóis contemplam variáveis que mensuram a cooperação entre empresas com outro tipo de agente de inovação.
De maneira geral, comprova-se a presença de indicadores de inovação que enfocam a atuação integrada entre agentes dos respectivos SNIs. No entanto, ações integradas com foco na produção e no compartilhamento de conhecimento entre agentes dos SNIs não são contempladas nos indicadores dos países analisados.
Um ponto a ser destacado é que os indicadores enfocam apenas as empresas quando mensuram a implementação de inovações por agentes de execução dos respectivos SNIs, perspectiva que pode se revelar limitada tendo em vista a variedade de tipos de inovação e de agentes envolvidos, tais como universidades, institutos de pesquisa, instituições financeiras, órgãos reguladores e governamentais.
Em relação à categoria produção de conhecimento no âmbito do SI, em contexto brasileiro, os grupos de variáveis que compõem os indicadores produção científica e patentes fornecem dados acerca da comunicação científica e patentária e propiciam análises quantitativas destes elementos. Isso leva à possibilidade de verificar se o país está produzindo mais ou menos conhecimento científico e patentário.
Considerando-se que o conhecimento científico é fundamental para o desenvolvimento de inovação e que o maior percentual de publicações científicas tem origem nas universidades públicas (AROCENA; SUTZ, 2001; CHIARINI; VIEIRA, 2012; LEITE, 2006), é possível inferir que o indicador é válido para revelar que a universidade é um agente protagonista, no que tange à produção de conhecimento no âmbito do SI. Contudo, faltam elementos que propiciem a verificação e a análise de possíveis relações entre a produção e comunicação científica e a geração de inovação.
Os indicadores mensurados em contexto espanhol, de modo similar ao analisado em contexto brasileiro, contemplam variáveis acerca da produção científica; de sua distribuição por áreas de conhecimento e doutoramentos concluídos. Como se observa, são variáveis dependentes do contexto acadêmico, portanto, ratificam o protagonismo da universidade na produção de conhecimento no âmbito do SI.
No que tange ao indicador das patentes, este é contemplado com uma variável que coleta informações acerca da origem do depositante, que poderia contribuir na identificação de quais agentes do SNI estão envolvidos no processo patentário. Entretanto, tendo-se em vista que as opções possíveis são interna e externa, esse indicador não proporciona analisar se as patentes depositadas têm origem na universidade, na empresa, no pesquisador individual ou na combinação desses agentes, porquanto nenhum indicador de inovação em contexto brasileiro coleta informações acerca do envolvimento de múltiplos agentes do SI, no que tange à produção de conhecimento para a inovação.
Em relação aos indicadores espanhóis, destaca-se que a mensuração da distribuição de publicações científicas por área de conhecimento proporciona a realização de análises complementares, a fim de identificar se áreas com maior número de publicações são também áreas com maior número de depósito ou de concessão de patentes e com maior número de desenvolvimento de inovações.
Um segundo destaque é a mensuração de solicitações de patentes por origem do depositante sendo considerados como opções de origem empresas, organismos públicos, universidades e Conselho Superior de Investigações Científicas. Essa classificação por origem do depositante permite identificar o protagonismo ou não da universidade, assim como a interação entre agentes do SNI ou a falta dela no que tange aos processos patentários.
As categorias sistematização do conhecimento, fluxos de conhecimento e informação e apropriação e uso de conhecimento no âmbito do SI não são contempladas nos indicadores de inovação do Brasil e da Espanha, fato que leva a concluir que os indicadores dos países analisados não contemplam variáveis relacionadas ao conhecimento em etapas posteriores à sua produção.
Essa é seguramente uma deficiência nos indicadores de inovação brasileiros e espanhóis, uma vez que é necessário também mensurar e analisar a trajetória do conhecimento no âmbito do SNI, isto é, após a sua produção, reconhecendo, mensurando e analisando processos implementados para sua sistematização – tais como seleção, filtragem, coleta, análise, organização, armazenamento e disseminação; presença ou ausência de fluxos estruturados de circulação e socialização de conhecimentos e ainda processos relacionados à apropriação e uso de conhecimento no contexto do SNI, visto que indicadores acerca desses temas possibilitariam analisar com mais profundidade e evidenciar o contributo do conhecimento para os SNIs.
Em síntese, a análise de conteúdo por categorias evidenciou que apenas três das 12 (doze) inferências distribuídas nas seis categorias estabelecidas estão presentes tanto nos indicadores de CT&I brasileiros quanto nos indicadores de CT&I espanhóis, representando 25% de presenças e 75% de ausências dos temas estabelecidos nas categorias de análise (Quadro 4).
Legenda: ✓= Presença; x Ausência.
Fonte: Elaborado pelas autorasRatifica-se, portanto, que temas relacionados à produção, ao compartilhamento e à gestão do conhecimento científico, que são considerados relevantes para a geração e gestão de inovação no contexto de SNI, tais como sistematização, fluxos e apropriação e uso de conhecimento, não são contemplados pelos indicadores de CT&I dos dois países analisados, evidenciando a deficiência dos indicadores analisados no que tange a efetivamente promover a mensuração e a análise do papel do conhecimento para o desenvolvimento da CT&I.
6 Considerações finais
Acredita-se, no contexto desta pesquisa, que o instrumento brasileiro Indicadores Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação apresenta um avanço importante em relação ao instrumento que o antecedeu, a Pesquisa em Inovação Tecnológica (PINTEC), visto que amplia o escopo de variáveis mensuradas. Entretanto, carece de variáveis que, de um lado, mensurem os desdobramentos da presença e da atuação de grupos de pesquisa, de pesquisadores, de pós-graduados e de graduados, bolsistas ou não bolsistas, e que, de outro lado, permitam analisar esses desdobramentos, no contexto do SNI. Da mesma maneira, é fortemente recomendável que o grupo de variáveis inovações contemple também resultados inovativos decorrentes da atuação de outros agentes do SI além das empresas.
Nessa perspectiva, poderiam ser incluídas variáveis capazes, por exemplo, de estabelecer relações entre a atuação de grupos de pesquisa e o pedido e/ou a concessão de patentes e entre pós-graduados e a geração de inovação por área do conhecimento. Poderiam ser incluídas também variáveis capazes de mensurar as inovações desenvolvidas por meio de parcerias entre empresas e universidades ou institutos de pesquisa e a influência de artigos publicados na atividade inovativa do SNI, entre outras possibilidades.
Um ponto a ser destacado no contexto espanhol é o conjunto de variáveis do indicador cultura científica e de inovação, destinado a coletar e a mensurar dados relacionados à percepção da importância da ciência para o país. Esta pesquisa entende como bastante importante a inclusão de indicadores desta natureza, porquanto uma cultura voltada à inovação e ao conhecimento seguramente será um elemento facilitador para as questões que envolvem atuação integrada e compartilhamento entre os agentes de SNI.
No que tange à análise de indicadores de inovação, defende-se que estes devem informar a respeito da implantação e do desenvolvimento de processos, projetos e ações preconizadas nas políticas públicas nacionais e institucionais. No entanto, como se observou na análise comparativa baseada nas categorias estabelecidas, os indicadores aplicados no Brasil e na Espanha não são abrangentes o bastante, quando se observam as questões relacionadas ao conhecimento no âmbito do SNI.
A presente pesquisa evidencia que os indicadores aplicados, tanto no Brasil quanto na Espanha, podem ser ampliados de maneira a cobrir outros aspectos mensuráveis da inovação e da abordagem sistêmica, tais como: ambiente político, regulatório e empresarial; infraestrutura geral, de comunicação e informação e para sustentabilidade ambiental; competitividade, crédito e investimento e criação, difusão e impacto do conhecimento, tal como se observa em instrumentos aplicados em âmbito global, como, por exemplo, o Índice Global de Inovação, que mensura a performance inovativa de aproximadamente 96% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (DUTTA, Soumitra; LANVIN, Bruno; WUNSCH-VICENT, Sacha, 2018). Entende-se também como fundamental que os indicadores contemplem elementos que propiciem mensurar e analisar a integração entre os agentes dos SNI.
Referências
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AROCENA, Rodrigo; SUTZ, Judith. Changing knowledge production and Latin American universities. Research Policy, [s.l.], v. 30, n. 8, p. 1221-1234, 2001.
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DUTTA, Soumitra; LANVIN, Bruno; WUNSCH-VICENT, Sacha. The Global Innovation Index 2018: Energizing the World with Innovation. Geneva: WIPO, 2018.
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Referências
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Referências
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Referencias
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Notas
Autor notes
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valentim@marilia.unesp.br
lamano@usal.br