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Análise da estrutura classificatória dos portfólios de projetos da Embrapa: uma aplicação da Teoria da Classificação Facetada
Laura Rocha; Maria Luiza de Almeida Campos
Laura Rocha; Maria Luiza de Almeida Campos
Análise da estrutura classificatória dos portfólios de projetos da Embrapa: uma aplicação da Teoria da Classificação Facetada
Analysis of the classification structure of Embrapa’s project portfolios: an application of Ranganathan’s faceted classification principles
Em Questão, vol. 27, núm. 2, pp. 240-266, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Resumo: Este artigo apresenta a aplicabilidade dos fundamentos teóricos provenientes da Teoria da Classificação Facetada para as atividades relacionadas à construção de modelos de domínios de conhecimento. Para tanto, tem como campo empírico os projetos de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária, organizados por meio de portfólios que abrangem as principais áreas de atuação da empresa a partir de uma classificação temática baseada em objetivos estratégicos. A partir de uma abordagem qualitativa, aplica-se o postulado das categorias numa amostra de onze portfólios – de um total de trinta e quatro –, selecionados a partir da possibilidade de acesso aos projetos de pesquisa vinculados, bem como a um conjunto de documentos institucionais utilizados como fonte de informação na análise. Após um exercício de categorização dos portfólios a partir das categorias fundamentais propostas por Ranganathan – Personalidade, Matéria, Energia, Espaço e Tempo –, pôde-se perceber que não há um princípio norteador único na base classificatória dos portfólios e que coexistem diferentes princípios, embora isso não esteja explicitado. A análise demonstrou que existem portfólios relacionados às categorias Personalidade, Matéria e Energia. Conclui-se que a Teoria da Classificação Facetada se mostra útil e relevante em diferentes contextos, visto que possibilita um raciocínio lógico para a criação de classes e subclasses num sistema de conceitos, o que independe da materialidade do objeto, pois se situa no chamado Plano das Ideias. Logo, mostra-se essencial para a construção de modelos de domínios de conhecimento.

Palavras-chave:Teoria da Classificação FacetadaTeoria da Classificação Facetada,ClassificaçãoClassificação,CategorizaçãoCategorização,Modelo de domínioModelo de domínio,Portfólio da EmbrapaPortfólio da Embrapa.

Abstract: This paper discusses the applicability of the principles of Ranganathan faceted classification for activities related to building models of fields of knowledge. We examine the research projects of the Brazilian Agricultural Research Corporation, which are organized in portfolios that comprise the corporation’s main fields of operation and that are classified by themes according to strategic goals. We adopt a a qualitative approach and we apply the postulate of categories, proposed by S. R. Ranganathan, to a sample of eleven portfolios (out of 34), which we chose because they linked to the related research projects and because we were able to access and use additional institutional documents related to such projects in our analysis. After categorizing the portfolio into the fundamental categories proposed by Ranganathan, the PMEST categories (Personality, Matter, Energy, Space and Time), we noticted that there was no single guiding principle in the portfolio’s classification basis and that different principles coexisted, although this was not explicit. The analysis showed that there were portfolios related to the Personality, Matter, and Energy categories. We argue that Ranganathan’s faceted classification methods are useful and relevant in a variety of contexts, since they provide a logical basis to the definition of classes and subclasses in a concept system, and that those methods do not depend upon the materiality of the object that is to be categorized, as they deal with what is called the “idea plane”. These methods are deemed essential to the development of knowledge domain models.

Keywords: Faceted Classification Theory, Classification, Categorization, Domain model, Embrapa’s portfolio.

Carátula del artículo

Análise da estrutura classificatória dos portfólios de projetos da Embrapa: uma aplicação da Teoria da Classificação Facetada

Analysis of the classification structure of Embrapa’s project portfolios: an application of Ranganathan’s faceted classification principles

Laura Rocha1
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Maria Luiza de Almeida Campos2
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Em Questão, vol. 27, núm. 2, pp. 240-266, 2021
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Recepção: 17 Julho 2020

Aprovação: 28 Agosto 2020

1 Introdução

Ao longo dos séculos, dentre as mais diferentes culturas, uma pluralidade de conhecimentos vem sendo produzida – habilidades, ciência, religião, etc. –, formando uma lista, pode-se dizer, infinita. São conhecimentos transmitidos pela oralidade e/ou pela escrita. Diferenças à parte, é comum a esses conhecimentos a necessidade de organizá-los para que se tornem acessíveis. Nesse contexto, no âmbito da Ciência da Informação, a organização do conhecimento contribui para tornar mais eficaz e efetiva a recuperação de informações. Para alcançar esse objetivo, essa área necessita de um sólido arcabouço teórico.

Para Dahlberg (1993), a organização do conhecimento é a ciência que estrutura e organiza sistematicamente unidades de conhecimento (conceitos) segundo seus elementos de conhecimento (características) em sistemas de conceitos (por exemplo, sistemas de classificação). Por lidar com conceitos, a organização do conhecimento lida com um alto nível de abstração, na medida em que é preciso identificar as propriedades dos objetos informacionais, os aspectos/características que permitem defini-los e relacioná-los.

Figurando como um dos principais produtos da organização do conhecimento, a representação do conhecimento consiste numa estrutura conceitual que representa modelos de mundo, os quais, segundo Le Moigne (1977), permitem descrever e explicar os fenômenos que observamos. Conforme sinalizam Davis et al. (1992[1]apud CAMPOS, 2001), uma representação do conhecimento é um mecanismo usado para raciocinar sobre o mundo, em vez de agir diretamente sobre ele. Assim, diante da complexidade do mundo real, a organização do conhecimento busca apreender os conceitos relevantes num determinado contexto, suas características e relações, construindo instrumentos que são capazes de refletir esse contexto e que permitem a manipulação dos conceitos para fins específicos, os quais estão, muito frequentemente, atrelados à recuperação de documentos/informações.

Nesse sentido, a construção de modelos de domínios de conhecimento assume um papel central na área. Contudo, dada a complexidade característica de uma representação do conhecimento, é imprescindível que o profissional da informação[2] busque orientações sobre como agir. Um valioso apoio são as teorias de representação, que fornecem princípios e orientações para a representação de domínios de conhecimento. Neste artigo, uma dessas teorias é abordada: a Teoria da Classificação Facetada, de autoria do bibliotecário indiano Shiyali Ramamrita Ranganathan. Ela fornece um método de raciocínio para a criação de classes e subclasses num sistema de conceitos para explicitar diversos domínios de conhecimento.

Neste artigo busca-se demonstrar a relevância e a atualidade da teoria, aplicada em um contexto distinto daquele para o qual ela foi elaborada: a teoria foi pensada para organizar livros em estantes de biblioteca, ao passo que neste artigo, ela é aplicada para organizar projetos de pesquisa em uma empresa pública brasileira de grande porte. Mais especificamente, é apresentada uma análise dos portfólios de projetos de pesquisa - agregados de projetos - da Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária (Embrapa).

Como será visto, atualmente não há uma classificação temática dos portfólios, apenas uma ordenação alfabética. A esse respeito, considera-se que a não distinção entre categorias distintas num esquema classificado gera dificuldades e perda de tempo. Por outro lado, uma classificação que obedece a princípios classificatórios tende a ser assimilada mais rapidamente pelas estruturas cognitivas da nossa mente, que estão acostumadas a fazer associações de modo automático. Conforme sinaliza Lima (2007, p. 166),

[...] categorias e hierarquias de categorias são a melhor maneira de organizar o conhecimento para recuperação, pelo óbvio motivo de que a informação estruturada é mais fácil de ser recuperada do que uma informação desorganizada.

Dito isso, com o intuito de demonstrar a importância de definir e explicitar claramente um princípio norteador na construção de modelos de domínios de conhecimento e de assim seguir um princípio lógico capaz de dar sentido ao que é classificado, foi feita uma análise do conjunto de portfólios de projetos de pesquisa da Embrapa, buscando identificar o princípio de agrupamento dos portfólios. Tal conjunto foi considerado como uma estrutura classificatória, já que abriga classes de conceitos e suas relações (ainda que estas estejam implícitas), além de ter como finalidade a organização de documentos – os projetos de pesquisa –, mesmo que essa organização não seja uma organização física. Assim, o problema desta pesquisa pode ser resumido na seguinte questão: em que medida os fundamentos teórico-metodológicos da Teoria da Classificação Facetada podem trazer subsídios para a organização de documentos científicos de modo a atender às demandas de gestão de pesquisa em instituições voltadas às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I)? Desse modo, objetiva-se apresentar o nível de aderência dos princípios da referida teoria à estrutura dos portfólios de projetos da Embrapa.

Esta pesquisa justifica-se por demonstrar a relevância dos fundamentos teóricos da organização do conhecimento nos dias atuais, os quais podem ser aplicados a suportes e contextos variados, que vão muito além dos livros e das bibliotecas, para os quais e para as quais foram inicialmente elaborados. Assim, resgatando a teoria e aplicando-a a um contexto distinto do inicialmente proposto, buscamos contribuir para os estudos na área da Ciência da Informação, que sempre buscou uma fundamentação teórica para a resolução de problemas práticos.

2 Teoria da Classificação Facetada: uma revisão dos princípios básicos para a elaboração de estruturas classificatórias

Voltada à classificação de livros em bibliotecas, a Teoria da Classificação Facetada rompeu com as limitações dos sistemas de classificação de sua época ao permitir a representação de assuntos complexos de forma flexível, sem restringir-se aos assuntos preestabelecidos nas tabelas de classificação. Preocupado em acompanhar o avanço do conhecimento, Ranganathan inovou com a chamada análise facetada (RANGANATHAN, 1967), segundo a qual qualquer assunto poderia ser analisado a partir de diferentes aspectos – as facetas –, os quais estariam relacionados às categorias fundamentais por ele estabelecidas (Personalidade, Matéria, Energia, Espaço, Tempo). Sua teoria se desenvolve através de três planos de trabalho: o Plano das Ideias, o Plano Verbal e o Plano Notacional.

Ao desenvolver sua teoria, Ranganathan estava preocupado em garantir a hospitalidade dos esquemas de classificação; ou seja, ele pretendia que eles fossem capazes de representar novos assuntos, incluindo novas classes de assuntos que surgissem. Dentre as medidas por ele tomadas para esse fim, está a elaboração de princípios para conferir consistência à organização de estruturas classificatórias. Para Aranalde (2009, p. 11), o trabalho desenvolvido por ele buscava “[...] compatibilizar uma classificação flexível, expansiva e prática com bases reconhecidamente científicas, sem tornar o sistema inconsistente ou inviável”.

A contribuição de Ranganathan influenciou pesquisas por todo o mundo e até hoje é objeto de estudo por pesquisadores e profissionais das áreas de Biblioteconomia e Ciência da Informação. O emprego da teoria em diferentes contextos se deve à sua capacidade de orientar a formulação de estruturas classificatórias, que estão no Plano das Ideias e que, portanto, independem da materialidade dos objetos classificados, pois estes estão no nível dos conceitos. Nesse sentido, os resultados encontrados evidenciam possibilidades de aplicação em domínios relacionados à arquitetura da informação, à navegação, ao acesso e ao uso dos filtros na recuperação da informação, visto que a dinamicidade da teoria se adéqua aos recursos tecnológicos e às necessidades existentes no referido contexto (BROUGHTON, 2002, 2006; DENTON, 2009; ELLIS; VASCONCELOS, 1999; GIESS; WILD; MACMAHON, 2007; GLASSEL, 1998; GNOLI, 2004; GOMES; CAMPOS, 2019; MORVILLE; ROSENFELD, 2006; UDIN; JANECEK, 2007; VICKERY, 2008; WEI et al., 2013).

Nas próximas seções, são apresentados os conceitos centrais da teoria.

2.1 Planos de trabalho

A divisão do trabalho da classificação em três planos – o Plano das Ideias, o Plano Verbal e o Plano Notacional – simbolizou um importante avanço na teoria de Ranganathan, só ocorrendo após cerca de vinte anos de seu trabalho como classificacionista. Ele percebeu que, com essa separação, era mais fácil tratar das questões e dos problemas de cada um dos planos, qualquer deles regido por seus próprios princípios normativos (CAMPOS, 2001). É interessante observar que, embora esses planos sejam tratados de maneira independente, há entre eles uma forte relação de dependência. Um surge em decorrência do outro; logo, um sem o outro não tem sentido. Como tudo em Ranganathan, também os planos de trabalho configuram um todo holístico e relacionado, que permite a execução do trabalho de classificação da melhor maneira possível, com base nos princípios e postulados de sua teoria.

O primeiro desses planos, o Plano das Ideias, ou Plano Ideacional, trata dos conceitos, das abstrações consensuais do que se entende de um objeto, independentemente da sua forma de representação. Como o próprio nome indica, esse plano se situa na mente e é considerado por Ranganathan como supremo em relação aos demais, que apenas representam e externalizam aquilo que é formado nesse plano, que é invisível. O autor o compara ao senhor que possui servos, sendo estes representados pelos planos verbal e notacional.

Para que os conceitos presentes na mente possam ser comunicados, eles devem ser externalizados – já no plano verbal –, e o são por meio de palavras que os denotam, que atuam como rótulos e que podem ser de diferentes idiomas. Contudo, no plano verbal (plano da linguagem) frequentemente existem problemas que dificultam o entendimento e a percepção dos conceitos rotulados: casos de sinonímia e de homonímia são alguns desses problemas, considerados como ervas daninhas por Ranganathan. Então, para superar os problemas percebidos nesse plano, são atribuídos códigos (plano notacional) que individualizam os conceitos, de modo que seu entendimento seja claro e preciso.

Exemplificando o papel e a integração entre os planos, pode-se pensar no conceito da fruta manga: trata-se de uma fruta tropical, de cor avermelhada com partes amareladas – quando madura –; seu interior é da cor amarela, possui caroço, é doce, etc. Estamos, então, no Plano das Ideias. Transpondo esse conceito para o Plano Verbal, na língua portuguesa tem-se o termo “manga” (em inglês, temos “mango”), que pode ser confundido com a palavra “manga” do âmbito do domínio de vestuário (manga de blusa), ou, ainda, com as histórias em quadrinhos de origem japonesa denominadas “mangá”, sem o acento. Assim, percebe-se que o conceito de manga, que estava tão claro na mente, adentra num confuso universo. Desse modo, se convencionamos que para a manga (fruta) se usa o código 10R, para a manga (vestuário), 20Y e para o mangá (revista), 40T, em qualquer lugar do mundo se poderá entender do que se está falando.

Nesta pesquisa, nós nos aprofundaremos no Plano das Ideias, para o qual Ranganathan apresenta postulados, princípios e cânones para orientar a organização de conceitos em um dado domínio visando à formação de um sistema de conceitos (CAMPOS; GOMES, 2008), o que será útil para subsidiar a análise da estrutura classificatória dos portfólios de projetos da Embrapa.

2.2 Categorias

O primeiro passo do classificacionista ao criar um esquema de classificação ocorre no Plano das Ideias, quando ele mapeia o Universo de Assuntos[3]. Para organizar esse universo, Ranganathan adota o Postulado das Categorias, segundo o qual o Universo de Assuntos é dividido em grandes categorias bastante abrangentes, que funcionam como o primeiro corte classificatório e que dão uma visão global do referido universo. Ranganathan utiliza as categorias para pensar sobre um domínio, mas elas, em si, não aparecem nos esquemas de classificação; o que aparece são as facetas, que manifestam tais categorias, como será visto mais adiante.

Ranganathan esclarece que o número de cinco categorias não é absoluto ou arbitrário: reconhece que poderão existir outras categorias relevantes para determinados domínios, mas afirma que, em sua experiência como bibliotecário, esse número pareceu suficiente. Para Broughton (2006), a contribuição de Ranganathan foi ver não apenas que havia conceitos recorrentes comuns a praticamente todos os assuntos, mas também que havia tipos comuns de conceitos dentro dos próprios assuntos. Para explicar cada uma das categorias, parte-se daquelas cujo entendimento mostra-se mais simples, o que leva à apresentação do conjunto de categorias Personalidade, Matéria, Energia, Espaço e Tempo (PMEST) em sua ordem inversa.

A categoria Tempo denota noções comumente utilizadas de periodização. São exemplos as seguintes ideias isoladas: anos, décadas, séculos, dia, noite, estações do ano, entre outras.

A categoria Espaço também não apresenta divergências quanto ao seu uso habitual. São exemplos: continentes, países, estados, a superfície da Terra e outros termos que reflitam o local onde ocorre determinado fenômeno.

A partir da categoria Energia se começa a notar um aumento na complexidade das categorias, sendo seu entendimento e seu próprio nome menos evidentes do que os do senso comum. Em síntese, ela expressa uma ação que pode ocorrer em qualquer entidade, seja ela animada, inanimada, conceitual ou intuitiva. São exemplos as facetas relativas a problema, método, processo, operação, técnica.

A categoria Matéria requer uma maior atenção. Tradicionalmente, suas manifestações poderiam ocorrer tanto nos materiais como nas propriedades intrínsecas aos objetos. O exemplo clássico fornecido por Ranganathan (1967) é o da mesa, que pode ser feita do material madeira e pode ter a propriedade de ter certa altura. Nota-se que tanto o material quanto a propriedade não são a própria mesa, mas são intrínsecos a ela e podem manifestar-se em muitos outros contextos. Ocorre que, em 1987, na sétima edição da Colon Classification[4], Ranganathan apresenta uma importante alteração na categoria: inclui o método como mais uma de suas manifestações.

Por fim, chega-se à última e mais complexa categoria fundamental: Personalidade. A própria recomendação de Ranganathan sugere sua peculiaridade: deve-se chegar a ela por meio da eliminação das outras facetas; aquilo que não for Matéria, Energia, Espaço ou Tempo é Personalidade. Trata-se do chamado Método de Resíduo. Segundo Broughton (2006), esta categoria se manifesta a partir dos conceitos centrais que representam o objeto primário de estudo dentro de uma disciplina, uma vez que representam a essência desta.

Nesta pesquisa, a base classificatória da estrutura formada pelos portfólios da Embrapa é analisada à luz dessas categorias. Desse modo, torna-se possível identificar o princípio de ordenação utilizado, que pode ter naturezas diversas, conforme sinaliza Portugal (2018, p. 119):

O princípio de ordenação utilizado pode servir tanto como uma diretriz para determinar a forma pela qual a base classificatória será organizada, ou seja, por domínios do conhecimento, por objetos, por funções, entre outros, como também pode direcionar a forma de organização das classes − por exemplo, se a base classificatória é disciplinar, como na CDD, o princípio de ordenação no interior das disciplinas também será por subdisciplinas, ou no caso da Colon Classification, cuja base classificatória é disciplinar, no interior de cada disciplina o princípio de ordenação será por categorias.

Com esse exercício, é possível esclarecer e explicitar que tipos de categoria formam essa estrutura classificatória e, então, verificar o nível de consistência que se mantém no âmbito da base classificatória.

2.3 Facetas

Ranganathan (1967) define faceta como um termo genérico usado para denotar qualquer componente de um assunto composto. No âmbito das classificações especializadas, ela é definida como uma manifestação das cinco categorias fundamentais (VICKERY, 1980). La Barre (2010) destaca que, ao descrever uma faceta, Ranganathan recorre ao conceito de característica, refletindo seu conhecimento matemático:

Aqui, a característica é equivalente a um parâmetro matemático que apresenta uma gama de possíveis fatores, aspectos ou elementos que auxiliam na identificação de uma coleção de casos distintos. Na teoria das facetas, cada parâmetro cria uma dimensão ou um pequeno número de agrupamentos, e cada agrupamento representa uma faceta. Cada faceta tem potencialmente múltiplas dimensões. (LA BARRE, 2010, p. 246).

As facetas podem ser de dois tipos: facetas básicas ou facetas isoladas. As primeiras agrupam assuntos básicos (áreas do conhecimento), enquanto as segundas agrupam isolados.

A faceta básica é o primeiro elemento do contexto especificado. Um assunto simples tem somente uma faceta básica, e um assunto composto tem uma faceta básica e uma faceta isolada, por exemplo, Agricultura do Milho. O papel da faceta básica é dirigir o classificador para a área do conhecimento (Matemática, Literatura, História). Para classificar o documento, ele precisa de facetas isoladas que se encontram no interior da faceta básica. (CAMPOS, 2001, p. 53).

A noção de faceta possibilita um olhar mais flexível para a estrutura classificatória dos portfólios da Embrapa, uma vez que as categorias existentes se encontram num nível mais amplo e são, por conseguinte, mais genéricas. Após a identificação destas, é possível refiná-las através das facetas, tornando a estrutura mais clara, intuitiva e dinâmica.

2.4 Cânones para o trabalho no Plano das Ideias

Um esquema de classificação pressupõe o conceito anterior de um esquema de classes, o qual, segundo Ranganathan, envolve cinco conceitos inerentes: características, sucessão de características, renque de classes, cadeia de classes e sequência de filiação (KUMAR, 1988). A característica é definida por Ranganathan (1967) como um atributo a partir do qual é possível dividir um universo de entidades, determinando suas semelhanças ou diferenças. A sucessão de características diz respeito às regras a que se deve obedecer no que tange à escolha e à ordenação das características de divisão utilizadas como base para a classificação. O renque consiste numa série horizontal de conceitos resultante da aplicação de uma única característica de divisão. A cadeia corresponde a uma série vertical de conceitos gerada a partir de subdivisões sucessivas; cada conceito tem uma característica a mais ou a menos, conforme a cadeia ascendente (quando o conceito tem uma característica a menos) ou descendente (quando o conceito tem uma característica a mais). Por exemplo, macieira é um tipo de árvore frutífera, que, por sua vez, é um tipo de árvore. Assim, tem-se uma cadeia ascendente (CAMPOS, 2001). Por fim, a sequência de filiação diz respeito às regras a que se deve obedecer no que concerne às relações de subordinação e coordenação entre as classes.

Pensando na organização dos conceitos nos renques e nas cadeias, Ranganathan elabora uma série de princípios para permitir que esses conceitos sejam estruturados de forma sistêmica, de modo que as cadeias sejam estruturadas em classes abrangentes, as facetas, e estas últimas dentro de uma dada categoria fundamental. Para tanto, a partir dos cinco conceitos sinalizados, no âmbito do Plano das Ideias, estabelecem-se cânones que devem ser observados e seguidos nos esquemas de classificação. A utilidade destes princípios canônicos é reforçada por Gomes, Motta e Campos (2006), que destacam que eles também podem ser utilizados na atividade de análise e construção de uma taxonomia (GOMES; MOTTA; CAMPOS, 2006), o que evidencia a importância e a atualidade de estudá-los.

Dado que são muitos cânones (quinze) e que eles não são efetivamente aplicados em nossa análise (conforme já mencionado, a estrutura dos portfólios não se apresenta de forma sistemática e, portanto, não está organizada em renques e cadeias), esses cânones não serão descritos. Contudo, ressalta-se sua importância no contexto da modelização de domínios de conhecimento, pois eles fornecem orientações minuciosas, que sanam dúvidas recorrentes do profissional da informação e que possibilitam que um padrão seja seguido.

3 Procedimentos metodológicos utilizados para a avaliação dos portfólios de projetos da Embrapa

Fundada em 1973, a Embrapa é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento destinada à geração de conhecimento e tecnologia para a agropecuária brasileira. Sua missão consiste em viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira (EMBRAPA, 2019). Desde que foi criada, a Embrapa busca cumprir o desafio de desenvolver um modelo de agricultura e pecuária tropical genuinamente brasileiro, superando as barreiras que limitam a produção de alimentos, fibras e energia no Brasil.

Tida em vista a variedade de temáticas pertinentes às pesquisas desenvolvidas pela Embrapa, que pode ser justificada pela complexidade do domínio da Agropecuária, sua programação de pesquisa trabalha com dezenas de cadeias produtivas em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, que precisam ser organizadas de modo a facilitar a gestão dos projetos e a produção de novos conhecimentos. Desse modo, toda a programação de pesquisa está organizada em torno de projetos, os quais são reunidos nos chamados portfólios.

A Embrapa (2019) define os portfólios como instrumentos de apoio gerencial utilizados para organizar projetos segundo uma visão temática e para direcionar, promover e acompanhar a obtenção de soluções de PD&I e de resultados pretendidos. O portfólio pode ser definido, no âmbito do Gerenciamento de Projetos, como um conjunto de projetos, programas, portfólios subsidiários e operações gerenciado em grupo para alcançar objetivos estratégicos; ou seja, equivale a uma coleção de projetos ou programas e outros trabalhos feita para facilitar o seu gerenciamento eficaz diante dos objetivos estratégicos da organização (PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2008).

O processo de planejamento, elaboração, apresentação e acompanhamento de projetos de PD&I pode ser considerado o principal processo da gestão da pesquisa na Embrapa, impactando toda a empresa. Como a atividade de pesquisa constitui missão crítica da empresa e já que as pesquisas são desenvolvidas por meio de projetos, é necessário implementar e disponibilizar instrumentos de gestão da informação de PD&I – como é o caso dos portfólios – de forma a tornar a pesquisa cada vez mais ágil e eficiente (EMBRAPA, 2016). Logo, a importância estratégica dos portfólios na Embrapa justifica um esforço para organizá-los, aqui relacionado ao arranjo sistemático a partir do emprego das categorias ranganathianas. Essa organização dos portfólios e dos projetos tem relação direta com o acesso e com a recuperação dos projetos por parte seja de pesquisadores, seja de gestores, seja da própria sociedade.

Cumpre ressaltar que a organização dos projetos por meio dos portfólios pode ser observada no site da instituição (https://www.embrapa.br/), um importante canal de comunicação entre a empresa e a sociedade. Assim, através tanto da seção “Pesquisa e Desenvolvimento” quanto da seção destinada à busca de projetos, chega-se aos portfólios. A busca pode ser feita a partir de uma série de filtros: situação do projeto (concluído ou em andamento), região do país, ecossistema, entre outros, incluindo-se o filtro portfólio. É importante apontar esses aspectos porque o contexto de aplicação de uma estrutura classificatória deve ser conhecido, visto que ele interfere nessa aplicação, especialmente quando falamos de classificações no ambiente Web, cujos recursos de navegação propiciam uma forma dinâmica e flexível de busca.

A partir da percepção de uma aparente falta de clareza no que concerne à base classificatória dos portfólios de projetos de pesquisa da Embrapa (Como essa classificação foi construída? Qual foi o princípio norteador? Os portfólios abarcam que tipos de categorias?), além do fato de que na estrutura não há um arranjo sistemático, mas apenas uma ordenação alfabética, buscou-se analisar o nível de aderência dessa estrutura aos princípios da Teoria da Classificação Facetada. Entre os princípios anteriormente apresentados da referida teoria, na análise dos portfólios de projetos foi aplicado o princípio das categorias fundamentais (PMEST).

A categorização é um meio de organizar a informação (por generalização ou abstração e por discriminação) a partir da apreensão da realidade. Segundo Cuenca e Hilfert (1999), mediante a categorização, agrupamos elementos diferentes em conjuntos, o que nos permite pensar, perceber, agir e, inclusive, falar. Como explicam Gomes e Campos (2019), na elaboração de modelos de domínios, as relações categoriais são fundamentais, pois permitem uma primeira estruturação do conceito em um domínio. Para Dahlberg (1978, p. 34, tradução nossa), as categorias possuem uma capacidade de estruturação, fornecendo, “[...] ao mesmo tempo, os esqueletos, os ossos e os tendões para estruturar todo o conhecimento”.

Isto posto, através de uma abordagem qualitativa, foi realizado o exercício de categorização dos portfólios. Lembramos que são trinta e quatro os portfólios existentes. Contudo, esse conjunto resultou de uma reestruturação feita pouco tempo antes do período em que foi desenvolvida esta pesquisa; por isso, não havia, no momento da análise, na seção “Busca de projetos” do site da instituição, a lista atual dos portfólios com os projetos a eles vinculados, permanecendo a lista antiga. Isso foi um fator determinante para a decisão de trabalhar com uma amostra, porque era preciso conhecer o conteúdo dos portfólios, o que seria possível através da análise dos projetos vinculados. Por esse motivo, foi selecionada uma amostra de onze portfólios – cerca de 30% do total – que existiam antes da reestruturação, mas se mantiveram na lista atual e que, portanto, disponibilizavam a lista de projetos vinculados.

Cabe ainda destacar que não foi permitido o acesso integral aos projetos de pesquisa, que, como dito, seria importante porque esses documentos expressam as temáticas abordadas no interior do portfólio. Apesar disso, foi possível ter acesso aos seus títulos e descrições, os quais forneceram uma visão resumida sobre o seu conteúdo. Além disso, para ter uma ideia básica de cada portfólio analisado, foram consultadas as definições de cada um deles, presentes no site, bem como documentos institucionais – os “Documentos Síntese” dos portfólios – que continham informações básicas acerca do conteúdo conceitual do portfólio e sua finalidade, e que foram fundamentais para embasar e possibilitar a análise. Também foram feitas pesquisas em fontes de informação variadas sobre as temáticas abordadas.

Após o exercício de categorização, procedeu-se à verificação do nível de consistência lógica na proposição das classes/portfólios, à luz da referida teoria, a partir das categorias fundamentais (PMEST), buscando identificar a existência de um princípio norteador para a elaboração da referida estrutura classificatória.

4 Análise dos portfólios de projetos da Embrapa à luz dos princípios classificatórios da Teoria da Classificação Facetada

Nesta seção, inicialmente é descrita a categorização do princípio de agrupamento dos portfólios analisados à luz das categorias fundamentais de Ranganathan, demonstrando o passo a passo do que foi feito e apresentando um quadro que sintetiza os resultados da análise. Em seguida, são feitas algumas considerações resultantes dessa avaliação.

4.1 Categorização do princípio de agrupamento dos portfólios

Com base nas fontes anteriormente descritas – os títulos e descrições dos projetos de pesquisa, os documentos-síntese de cada portfólio e as outras fontes de informação consultadas –, cada portfólio da amostra foi analisado no intuito de compreender o seu conteúdo conceitual, para, então, determinar as categorias correspondentes. Nos parágrafos que seguem, os portfólios foram reunidos pelas categorias determinadas ao final do exercício e a escolha em cada caso foi explicada e justificada de forma resumida.

Os portfólios “Agricultura Irrigada”, “Aquicultura”, “Convivência com a seca”, “Inovação social na Agropecuária”, “Manejo racional de agrotóxicos” e “Mudanças climáticas” foram associados à categoria Energia, uma vez que todos eles se referem a ações, processos e atividades que se desdobram no tempo, em constante movimento. A seguir, destacamos as informações que foram determinantes para a escolha da categoria em cada caso, lembrando que outras fontes já mencionadas foram consultadas para a tomada de decisão em todos os casos; por questões de espaço, selecionamos as mais relevantes.

A “Agricultura Irrigada” pode ser definida como a “atividade econômica que explora culturas agrícolas, florestais e ornamentais e pastagens, bem como atividades agropecuárias afins, com o uso de técnicas de irrigação ou drenagem” (BRASIL, 2013). Desse modo, o diferencial dos projetos de pesquisa desse portfólio consiste na utilização desse tipo de técnica no âmbito das atividades agrícolas, sendo a técnica uma ação. “Aquicultura” significa o “cultivo de seres vivos aquáticos, plantas e animais (algas, peixes, crustáceos e moluscos etc.)” (ORMOND, 2006, p. 33). Nesse caso, a própria etimologia do termo (aqui- + -cultura) também evidencia o aspecto contínuo, pois o cultivo (independente do ente cultivado) consiste numa atividade. A “Convivência com a seca”, embora não especifique quem ou o que convive com a seca, indica que se trata de uma ação em movimento (o ato de conviver com algo – o fenômeno da seca). Nesse caso, o conceito se enquadra na categoria sob a forma de um processo. A “Inovação social na agropecuária” tem como cerne a inovação – “ação ou efeito de inovar” (HOUAISS, 2009, p. 1087), sendo o aspecto – social – e o contexto – a agropecuária – qualificadores desse processo, não alterando a essência do conceito, de ser algo em constante movimento. O “Manejo racional de agrotóxicos” tem como foco a maneira como são utilizados os agrotóxicos, minimizando impactos negativos nos ecossistemas; ou seja, trata-se de uma ação que se desdobra no tempo, uma atividade contínua. As “Mudanças climáticas” representam um fenômeno climático em constante movimento, que se desdobra no tempo e é contínuo. Nesse caso, o conceito se enquadra na categoria sob a forma de um processo que impacta diretamente o desenvolvimento da agropecuária.

Os portfólios “Integração lavoura, pecuária e floresta”, “Pastagens” e “Sistemas de produção de base ecológica” foram associados à categoria Personalidade. Cumpre ressaltar que se chegou a esta categoria a partir da aplicação do Método de Resíduo de Ranganathan, depois de verificar que tais conceitos não são Tempo, Espaço, Energia ou Matéria, como poderá ser observado na descrição que segue sobre o procedimento realizado para a identificação das categorias destes portfólios.

O primeiro deles, “Integração lavoura, pecuária e floresta”, foi de mais complexa análise. Balbino, Barcellos e Stone (2011) a conceituam como o “sistema que integra os componentes lavoura, pecuária e floresta, em rotação, consórcio ou sucessão, na mesma área”. Inicialmente, foram descartadas as categorias Tempo, Espaço e Matéria, respectivamente, por claramente não representarem o conceito em questão, sem maiores dificuldades. Após isso, houve dúvida entre as categorias restantes, Energia e Personalidade. Se fôssemos guiados somente pela forma verbal, pararíamos na categoria Energia, já que integração se refere a um processo. Contudo, como foi adotada uma abordagem onomasiológica[5] no processo de análise, consideraram-se as características do conceito, e não o termo, como o ponto de partida. De fato, é sabido que a denominação, por vezes, apresenta problemas que dificultam o entendimento correto de um conceito: é o que se percebe neste caso.

Constatou-se, com base nos projetos de pesquisa vinculados ao portfólio e nas informações pesquisadas, que o conceito, na verdade, diz respeito a sistemas de integração entre a lavoura, a pecuária e a floresta, o que mudou nossa percepção inicial e nos fez associar o conceito à categoria Personalidade. No dicionário Houaiss (2009, p. 1753), sistema é definido como um “conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados”; ou seja, como um todo integrado. Portanto, ainda que haja a integração entre a lavoura, a pecuária e a floresta, o que constitui uma ação, percebe-se que predomina entre os projetos de pesquisa o uso do termo “sistemas de integração...”, o que leva à eliminação da categoria Energia. Logo, através do emprego do Método de Resíduo, já que as demais categorias foram descartadas, chegou-se à categorização do conceito como Personalidade, sob a forma de um sistema de produção que integra os três sistemas de produção distintos.

O portfólio “Pastagens” também foi associado a essa categoria. Cabe ressaltar que a pastagem é vista tanto como alimento para o gado quanto como a vegetação onde os animais criados encontram alimento, o que, no momento de atribuir uma categoria, causou dúvida. Inicialmente, a categoria Tempo foi descartada, sem maiores dificuldades. Na sequência, tendo em vista a explicação sobre o conceito, não foi descartada a categoria Espaço; partiu-se, então, para Matéria, descartada por não se tratar de parte ou propriedade de algo. Restaram, da aplicação do Método de Resíduo, as categorias Espaço (onde ficam os animais) e Personalidade (uma vegetação específica que serve de alimento aos animais). Com base nos projetos de pesquisa vinculados ao portfólio, considerou-se a categoria Personalidade mais adequada, pois esta englobaria as demais, e entendeu-se a pastagem como uma entidade com características próprias e estudada a partir de diferentes perspectivas no contexto da Embrapa. Conforme sinaliza Broughton (2006, p. 53, tradução nossa), “[...] os membros da faceta Personalidade são muitas vezes (embora não exclusivamente) entidades de um tipo ou de outro: plantas, animais, compostos químicos [...] e assim por diante”. Portanto, foi seguindo esse raciocínio que o referido conceito foi enquadrado nessa categoria, o que não exclui ou invalida a possibilidade de outras interpretações e pontos de vista.

O portfólio “Sistemas de produção de base ecológica” também foi associado a essa categoria. Um sistema de produção é composto pelo conjunto de sistemas de cultivo e/ou de criação no âmbito de uma propriedade rural, definidos a partir dos fatores de produção e interligados por um processo de gestão (HIRAKURI et al., 2012). Já a base ecológica diz respeito à adoção de princípios agroecológicos por parte desses sistemas. Assim, foram descartadas, sem maiores dificuldades, as categorias Tempo, Espaço, Energia e Matéria, respectivamente, por claramente não representarem o conceito em questão. Cumpre ressaltar que a categorização do portfólio anterior, “Integração lavoura, pecuária e floresta”, tornou mais rápido este raciocínio, tendo em vista a similaridade dos conceitos (ambos constituem sistemas).

Os portfólios “Sanidade animal” e “Sanidade vegetal” foram associados à categoria Matéria. Ambos dizem respeito a uma propriedade de algo: a sanidade (propriedade) encontrada nos animais e nos vegetais. Lembremos que a propriedade é uma das manifestações dessa categoria. Portanto, os conceitos se enquadram nessa categoria sob a forma de uma propriedade.

Após esse exercício, procedeu-se à elaboração do Quadro 1, onde é apresentada uma síntese dos resultados encontrados.

Quadro 1 –
Categorização do princípio de agrupamento dos portfólios

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Conforme se pode notar, coexistem diferentes princípios de agrupamento no domínio em questão, uma vez que não foi observada uma homogeneidade em relação às categorias existentes, como será visto na próxima seção.

4.2 Considerações acerca da análise

Através do exercício com as categorias estabelecidas por Ranganathan, pode-se afirmar que não há clareza em relação ao princípio norteador da base classificatória dos portfólios de projetos de pesquisa da Embrapa, na medida em que coexistem categorias diversas no referido conjunto. Do ponto de vista das teorias de classificação, o princípio norteador da base classificatória deve estar explícito e ser homogêneo numa estrutura classificatória, o que não ocorre neste caso.

Portanto, percebe-se que, no âmbito das atividades de PD&I da Embrapa, são diversos os campos de interesse da instituição, que se refletem nos portfólios de projetos da empresa. Pode-se notar que as pesquisas desenvolvidas têm como foco produtos, como carnes e grãos (estes portfólios não foram analisados por não apresentarem os projetos vinculados, mas representam conceitos de fácil entendimento e assim servem bem como exemplo); áreas de conhecimento, como a nanotecnologia (outro portfólio não analisado pelo mesmo motivo); propriedades intrínsecas aos seres, como as sanidades animal e vegetal; técnicas, como a agricultura irrigada e a aquicultura; processos, como as mudanças climáticas, dentre outros.

Isto posto, percebe-se que as classes – os portfólios – não são mutuamente exclusivas: o foco recai ora sobre um produto, ora sobre uma técnica, ora sobre uma área de conhecimento, etc., que não se excluem e que podem, eventualmente, coincidir num mesmo projeto; afinal, é possível que um projeto contemple a produção de grãos com o auxílio da agricultura irrigada, por exemplo. Em outras palavras, existem portfólios que tratam de um produto e de variados aspectos desse produto, os quais, por sua vez, podem ser objeto de outros portfólios. Isso explica por que um projeto pode ser vinculado a mais de um portfólio. Embora isso não seja recomendado do ponto de vista da teoria da classificação, no meio digital isso deixa de ser um problema, como poderemos observar mais adiante.

Em síntese, ora observamos que são coisas (objetos, personalidades: o vegetal, o animal, a pastagem...) o princípio da base classificatória dos portfólios e, dentro dessas coisas, encontramos procedimentos que ocorrem sobre elas (processos, técnicas); ora notamos outro princípio sendo utilizado, segundo o qual existem os procedimentos que podem ser aplicados a diversas coisas. Tal inconsistência da base classificatória provoca certa confusão, que pode acarretar problemas para a gestão das atividades de PD&I da Embrapa. Para que isso seja evitado, é necessário o desenvolvimento de ferramentas de gestão que possam “entender” os diversos aspectos tratados no âmbito dos portfólios e o modo como eles estão dispostos numa estrutura classificatória.

Nesse sentido, como os documentos estão em meio digital, poder-se-ia pensar numa representação que atendesse às diversas formas de busca, a partir de um arranjo sistemático, com a explicitação dos diferentes princípios de divisão utilizados. Ainda que os portfólios não sejam mutuamente exclusivos, isso não representaria um problema: já que eles se encontram em meio digital, eles apenas seriam “virtualmente exclusivos”. Logo, uma classificação sistemática seria útil ao evidenciar as diversas formas possíveis de classificação dos projetos de pesquisa da Embrapa, através dos portfólios, organizados de uma maneira facetada, que facilitaria sua busca e sua recuperação para fins diversos.

Uma vez realizada a categorização, torna-se mais fácil agrupar os portfólios recorrendo às facetas (uma categoria pode comportar inúmeras facetas), que formam classes com similaridades. Por exemplo, seria possível reunir os portfólios “Grãos” e “Hortaliças” na classe “Produtos agrícolas” (faceta Produtos) e os portfólios “Fruticultura Temperada” e “Fruticultura Tropical” numa nova classe, denominada “Fruticultura” (faceta Atividade), que por sua vez poderia estar subordinada a uma classe mais abrangente e pertinente ao universo em questão.

Além do Postulado das Categorias, os cânones estabelecidos por Ranganathan podem ser utilizados para orientar a organização dos conceitos. Dando continuidade à exemplificação, observamos o atendimento a dois cânones: por um lado, o cânone da permanência, que determina que a característica de divisão escolhida seja permanente, sempre que possível (grãos e hortaliças são produtos de origem vegetal, e esta é uma característica estanque, permanente); por outro lado, o cânone da diferenciação, que indica que a característica de divisão escolhida deve gerar ao menos duas classes (a fruticultura pode ser dividida, pelo clima, em fruticultura temperada e tropical).

Vale destacar que, para fins de exemplificação, consideramos tais portfólios mais inteligíveis do que aqueles da amostra do exercício anteriormente descrito, o que não interfere na aplicabilidade da proposta para todo o conjunto de portfólios. Além disso, estes exemplos são apenas ilustrativos; as escolhas sobre a classificação do domínio, de fato, devem partir dos interesses da instituição, que, respeitando o cânone da relevância, determinará quais características de divisão serão utilizadas no contexto. Por fim, destaca-se ainda que esta pesquisa (ROCHA, 2019) não contemplou a construção de uma proposta de organização sistemática dos portfólios com base na Teoria da Classificação Facetada, mas demonstrou sua viabilidade, o que nos levou a apresentar esses exemplos.

6 Considerações finais

A utilidade e a importância da Teoria da Classificação Facetada foram reconhecidas nas áreas de Biblioteconomia e Ciência da Informação, e até os dias atuais, essa teoria é bastante estudada e aplicada em diferentes domínios de conhecimento, para atender a propósitos variados. Sua versatilidade se afirma, inclusive, quando aplicada ao ambiente da Web, que se distingue de qualquer outro contexto de produção, disseminação e uso de informação por sua dinamicidade e por seus recursos específicos. Apesar da peculiaridade desse ambiente, a necessidade de recorrer à classificação para a organização dos conteúdos disponíveis cada vez mais se evidencia. No âmbito dos projetos de pesquisa da Embrapa, foi visto que o conjunto de portfólios figura como um filtro para a busca dos projetos no site da empresa, o que reforça a necessidade de uma estrutura classificatória ancorada em princípios lógicos, capaz de agilizar e otimizar a pesquisa e, por conseguinte, a recuperação da informação.

Neste artigo, evidenciou-se a aplicabilidade da Teoria da Classificação Facetada como um mecanismo que é capaz de nortear o olhar do profissional da informação para a classificação e que, portanto, é útil à construção de modelos de domínios de conhecimento. Assim, direcionamo-nos ao contexto da organização dos portfólios de projetos de pesquisa da Embrapa, aos quais aplicamos o Postulado das Categorias, no âmbito do Plano das Ideias. Vale destacar que grande parte dos demais princípios teóricos poderia ser aplicada numa eventual reformulação da estrutura classificatória dos portfólios; contudo, para o presente artigo, este desdobramento não foi explorado.

Quanto ao exercício de categorização realizado, cabe ressaltar que nem sempre é fácil determinar a categoria de um conceito: é preciso considerar contextos e pontos de vista para a escolha mais adequada. Logo, vale reforçar que tal exercício serve para dar uma visão do todo, possibilitando a identificação dos tipos de coisas que existem num domínio, para, então, raciocinar sobre ele. Em suma, o PMEST permite enxergar num nível amplo a variedade de aspectos existentes. Dada a relevância da teoria para a prática do profissional da informação, devemos salientar que se espera menos ter a certeza absoluta de que cada conceito pertença a dada categoria do PMEST, o que poderia levar um considerável tempo, dependendo dos conceitos, do domínio, da equipe, etc., do que seguir um método de raciocínio a partir das categorias; foi isto que buscamos fazer neste estudo.

Conclui-se que a referida teoria se mostra extremamente relevante e útil para a construção de modelos de domínios, sendo importante destacar que seus princípios devem ser ajustados aos propósitos e contextos nos quais se aplica. A Embrapa e os seus portfólios de projetos são um exemplo dos diversos campos de aplicação possíveis. Assim, as características e demandas dessa instituição, bem como dos próprios portfólios e do contexto no qual se inserem, nortearam a seleção dos princípios. Considera-se que somente dessa forma é possível manter viva essa fundamentação teórica, formulada num outro contexto, com vistas a atender outras necessidades. Desse modo, o profissional da informação deve estar atento ao contexto e ao propósito de uma classificação, adequando a estes o arcabouço teórico e as ferramentas que possui.

Material suplementar
Referências
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Notas
Notas
1 DAVIS, H. et al. Towards an integrated information environment with open hypermedia systems. In: THE ACM CONFERENCE ON HYPERTEXT, 1992, Milan. Proceedings […]. Milan: [s. n.], 1992. p. 181-190. Apud Campos (2001).
2 Cunha e Cavalcanti (2008, p. 295) definem esse profissional como aquele que “[...] coleta, processa e difunde informação”, como um “mediador da informação”, que tem habilidades e conhecimentos para lidar com ela e que gera valor agregado para atingir os objetivos de uma organização.
3 O Universo de Assuntos se baseia nos assuntos dos livros, o que só é possível a partir de uma garantia literária: nesse universo, os assuntos já estão formados, a partir das obras publicadas.
4 Tabela de classificação para a organização do acervo da Biblioteca da Universidade de Madras
5 Esta abordagem considera o conceito o ponto de partida, não o termo; chega-se a este a partir do entendimento do referente no âmbito de um domínio de especialidade, numa perspectiva extralinguística, levando à formulação do termo e à determinação do conceito. A abordagem contrária é a semasiológica, baseada numa perspectiva linguística que parte do termo para o conceito, considerando aquele a unidade lexical a partir da análise de textos (CAMPOS, 2017).
Autor notes
1 Mestre; Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil;

laurarocha@id.uff.br

2 Doutora; Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil;

maria.almeida@pq.cnpq.br

Quadro 1 –
Categorização do princípio de agrupamento dos portfólios

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).
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