Edição Especial Nacional

Recepção: 17 Maio 2018
Aprovação: 30 Setembro 2018
DOI: https://doi.org/10.5585/bjm.v17i6.3785
Resumo:
Objetivo: identificar a percepção sobre corpo e sobre aparência
enquanto componentes do self de
recém-mães e as suas práticas de consumo voltados à beleza
Metodologia: Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com seis mães de pelo menos uma criança com até dois anos
de idade. Utilizou-se análise de conteúdo com o uso de categorias
temáticas.
Principais resultados: obteve-se
que a visão do self até a ideia
de self estendido das mulheres
que se tornam mães são alteradas. As preferências de compra e os cuidados
com a beleza são colocados em segundo plano diante do cuidado com o filho
e das demais atividades do lar e do trabalho. Verificou-se a cobrança ou a
expectativa pela volta ao corpo antes da gestação por pessoas do convívio
das mães, embora ocorra também a cobrança individual. Percebe-se que a
aparência requerida no processo da maternidade é influenciada em alguma
medida pelos padrões e comportamentos de consumo exigidos pela sociedade
no tocante à mulher.
Contribuições teóricas: Este estudo contribui para o corpo de
conhecimentos que envolve comportamento de consumo e self em suas diferentes transições ao longo da vida, aqui,
especificamente, com recém-mães. Relevância/originalidade: O estudo de mulheres mães é um público pouco
explorado na literatura. Elas são recorrentemente cobradas a seguir o
padrão de beleza legitimado socialmente, trazendo implicações na sua
autoestima e que vai, em alguma medida, influenciar no comportamento de
consumo.
Palavras-chave: Maternidade, Consumo, Beleza, Self.
Abstract:
Objective: This study aimed to identify the perception about body and about appearance as components of the self of mothers and their practices of consumption directed towards beauty.
Methodology: Semi-structured interviews were carried out with six mothers of at least one child up to two years of age. Content analysis was used with the use of thematic categories.
Results: The main results indicate that the vision of the self until the idea of extended self of women who become mothers are changed. Shopping preferences and beauty care are put into second plan in relation to children care and other activities at home and at work. It was verified the collection or the expectation of having the same body as before pregnancy by people of the mothers' relationship, although individual requirement also occurs. It is perceived that the appearance required in the process of motherhood is influenced to some extent by the patterns of behavior and consumption demanded by society in relation to women.
Theoretical contributions: This study contributes to the body of knowledge that involves consumption behavior and self in its different transitions throughout life, here, specifically, with new mothers.
Relevance / originality: The study of women mothers is a public little explored in the literature. They are routinely charged to follow the pattern of socially legitimated beauty, with implications for their self-esteem and that will, to some extent, influence consumer behavior.
Keywords: Maternity, Consumption, Beauty, Self.
1 INTRODUÇÃO
O estudo do comportamento de consumo no marketing é caracterizado por influências multidisciplinares com diversas abordagens de estudo onde o papel do indivíduo como consumidor está sob investigação (Macinnis & Folkes, 2010). Verifica-se que comportamentos de consumo podem ser direcionados por emoções, pelo que é valorizado pelo indivíduo ou visando transmitir uma mensagem para o grupo social ou até mesmo para comunicar significado cultural (Mccraken, 2007). De modo geral, bens e experiências de consumo podem produzir e representar a identidade de um indivíduo, de tornarem-se extensões do self (Belk, 1988).
Nessa perspectiva, as práticas de consumo voltados à beleza caracterizam-se pela relação com a identidade, com o cuidado e saúde, com a boa aparência, com bem-estar, e, por consequência, com a legitimação do dever social, muito pela influência da mídia que prega padrões de corpos perfeitos (Novaes & Vilhena, 2003; Siqueira & Farias, 2007). A mulher é a que mais se atém ao consumo em busca da beleza, por questões historicamente construídas na sociedade, criando-se o chamado mito da beleza. É assim que trata Wolf (1992), abordando uma discussão sobre como o padrão de beleza é aceito e cobrado das mulheres de modo que priva um senso de liberdade individual, agindo como instrumento de coerção social.
A concepção da indústria cultural de Adorno e Horkheimer de que as manifestações culturais seguem uma expansão da lógica do capitalismo (Costa, 2013) é coerente com a ideia de que a cobrança por padrões estéticos é promovida pelos avanços da influência do mercado na criação de necessidades e de desejos e pelo acompanhamento da lógica de valores que incentivam o consumo e o materialismo.
Na literatura, encontram-se estudos que abordam a relação da mulher com os cuidados com a beleza. Askegaard et al. (2002) ao investigarem a cirurgia estética em busca da beleza perceberam que tal procedimento é entendido como sendo parte da construção reflexiva de identidade do indivíduo, e leva a autodeterminação e autoestima. Campos et al. (2006) estudam a influência entre gerações no consumo de cosméticos relacionados a feminilidade e a beleza. Swami et al. (2015) verificam a relação entre as facetas do narcisismo e da imagem corporal das mulheres. Barak-Brandes e Lachover (2015) analisam discursos de mães e filhas sobre beleza corporal em uma campanha da Dove. Batinga et al. (2016) abordam o consumo de serviços de beleza por mulheres deficientes visuais e um dos aspectos verificados é que o consumo desse tipo de serviço tem relação com a realização pessoal, o enfrentamento de preconceitos e a diminuição de barreiras e com a ideia de que o belo ou a boa aparência é moralmente aceito. Percebe-se, assim, que a beleza é algo importante na sociedade, e, sobretudo, para as mulheres. Estas representam diversos papeis nos contextos sociais. São donas de casa, esposas, profissionais, mães e em todos estes, cobranças do ideal de belo estão presentes. Este estudo investiga a beleza da mulher exercendo o papel de mãe, mas especificamente a fase de transição em que a mulher se torna mãe.
A maternidade é uma fase em que a mulher passa por inúmeras mudanças, onde seu self está em transição, e, por sua vez, sua identidade em reconstrução (Schouten, 1991). Os mil dias, período compreendido entre o começo da gestação até os dois anos de idade, guardam um intenso processo de transformação para as mulheres. Em primeira instância, porque agora seus corpos e suas vidas passam a ser compartilhados e demandados por outro ser. Junto com a gestação, surgem uma série de hábitos, cuidados e restrições em função do feto. Mais tarde, com o nascimento do filho, as mudanças físicas e emocionais continuam a ocorrer, podendo gerar alterações em todos os seus padrões de comportamento, inclusive no consumo.
Winnicott (1958, p. 165) postula que “isso que chamam de bebê não existe”. Para o teórico ao nascer o indivíduo é completamente dependente do ambiente, mas o autor ressalta ainda que a mãe representa neste primeiro momento a mãe-ambiente, a mãe e bebê formam, portanto, uma unidade. “Unidade esta que é dual, isto é, constituída por um recém-nascido absolutamente dependente dos cuidados maternos e por uma mãe que se encontra em um estado de preocupação materna primária” (Klatau & Salem, 2009, p. 35). Por isso, mudam as prioridades e a figura da mulher parece ficar esquecida. Por essa razão, pretende-se com este artigo identificar a percepção sobre corpo e sobre aparência enquanto componentes do self de recém-mães e as suas práticas de consumo voltados à beleza.
O artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente faz-se uma revisão teórica sobre aspectos da beleza e do corpo, maternidade e consumo, em seguida detalha-se os procedimentos metodológicos; no item 4 apresenta-se os resultados da pesquisa e sua discussão; ao final, no item 5, tem-se as considerações finais.
2 REVISÃO TEÓRICA
2.1 O corpo e a Identidade
Entender o comportamento do consumidor envolve, em outros contextos, entender o significado das posses como componentes formadores do self. Assim, os bens têm o papel de definir, fortalecer e transmitir o senso de identidade. Belk (1988) ao tratar sobre self e self estendido traz aspectos subjetivos que formam a imagem de como o homem se enxerga a partir de suas posses.
O self é visto como a soma das posses do indivíduo, ou seja, tudo o que lhe pertence forma conjuntamente o seu “eu”. Já o self estendido é a representação daquela posse como extensão do seu corpo e identidade; não diz respeito apenas a bens/objetos, mas envolve lugares e pessoas, posses coletivas e o próprio corpo. Perceber as posses de um indivíduo como extensões do seu self mostra a importância dada a elas, de modo que é possível causar impressões aos outros e formar memórias individuais e coletivas (Belk, 1988), ou seja, o que representa o indivíduo revela ao outro quem ele é.
O corpo é um dos aspectos mais centrais do self estendido e na psicanálise é chamado de cathexis. Catexizar o corpo envolve o grau de sensação de satisfação ou insatisfação com as várias partes do corpo e está relacionada com a auto aceitação e o autoconceito, e por consequência, o indivíduo investe tempo e dinheiro para cuidar de seu corpo, como por exemplo o consumo de produtos cosméticos. Nesse aspecto, as mulheres parecem dar maior importância ao corpo e a cathexis ocorre em níveis mais altos (Secord & Jourard, 1953). A justificativa para tal diferença é a elevada importância do corpo feminino na cultura socialmente construída (Secord & Jourard, 1953; Wolf, 1992).
Sabendo que a extensão do self é um processo (SANDERS, 1990) e que o corpo compõe um dos aspectos dessa extensão, percebe-se que a maneira como o indivíduo entende o seu corpo influencia a sua autoimagem e sua identidade. O corpo parece ter esse poder de ser capaz de comunicar o “quem somos”. Ao olhar o espelho se vê o “eu” e o corpo indica ter esse poder de comunicação e formação de identidade (Belk, 1988; Featherstone, 1999).
A imagem do corpo e de sua beleza tem forte relação com a cultura e a exposição aos padrões da mídia (Siqueira & Faria, 2007; Prieler & Choi, 2014). Ao longo da história, os padrões estéticos se alteram passando de corpos mais arredondados e volumosos, para corpos magros e definidos. Com o avanço das mídias virtuais, tais padrões estão mais expostos, cobrados, e por consequência, há um aumento do desapontamento ou insatisfação com o próprio corpo por, muitas vezes, não se conseguir chegar ao padrão ideal de beleza, acarretando, inclusive, o aumento de distúrbios alimentares (Andsager, 2014) e a realização de cirurgias estéticas, onde o proprietário do corpo cada vez mais se vê como o gerente deste organismo, assumindo a responsabilidade pela sua aparência (Schouten, 1991; Askegaard & Gertsen, 2002).
Assim, a auto-imagem e a satisfação com o self está atrelado, em parte, à beleza exterior, ao corpo (Secord & Jourard, 1953). Diante das mudanças físicas ocorridas na mulher pela gestação, possivelmente a imagem de si muda, o seu self se transforma, a beleza anterior é refeita ou desfeita diante dos processos emocionais, culturais e físicos enfrentados.
Ser mãe é um status que passa a ser caracterizador da mulher, mesmo após sua morte. O forte elo emocional, físico e social que a maternidade traz pode deixar despercebido significados essenciais para o entendimento de como esta mulher se comporta como consumidora e responde às normas institucionalizadas de uma sociedade materialista, que supervaloriza o belo.
2.2 A Beleza e a Maternidade
A mulher foi organicamente formada para dar à luz. “O ciclo vital feminino é constituído por diversas fases (...) e, entre estas, (...) a gravidez, entendida como um conjunto de fenômenos fisiológicos que evolui para a criação de um novo ser. Esse momento pode ser considerado (...) um período de mudanças físicas e psicológicas” (COSTA et al., 2010, p. 87). Do mesmo modo, Araújo et al. (2012, p. 553), destacam que no período gestacional a mulher passa a perceber transformações no seu corpo e a conviver com estas mudanças. “Essas mudanças estão relacionadas aos ritmos metabólicos e hormonais e ao processo de integração de uma nova imagem corporal. Essas alterações têm repercussões tanto na dimensão física, quanto na emocional”.
O padrão de beleza incentivado fortemente na mídia e a necessidade subjetiva da mulher de acompanhá-los segue também na fase da maternidade, desde o período da gestação até o pós-parto, podendo ser reforçado pela exposição de celebridades que em pouco tempo após dar à luz, apresentam corpos perfeitos (Chae, 2014). Muitas vezes a realização do sonho de ser mãe pode tornar-se uma grande frustração e insatisfação com a autoimagem e com a saúde física e mental da mulher. O estudo de Chae (2014) mostra que recém-mães sul coreanas que tem interesse nos corpos pós-parto das celebridades tem ligação com o comportamento de comparação social e por sua vez está relacionado positivamente a insatisfação com seus corpos.
A primeira experiência da mulher com a gestação por si só já envolve inúmeras incertezas sobre o futuro, como dúvidas com o cuidado com o bebê, conciliação entre trabalho e família, ajustes financeiros, além das mudanças que virão no seu próprio corpo. Se algumas mulheres podem ver a vida de mãe como libertadora no sentido da obrigação de manter o peso, por exemplo, para outras torna-se um desafio voltar ao antigo corpo.
Em estudo sobre suporte social, depressão e ansiedade na gestação, Baptista, Baptista & Torres (2006, p. 40) descrevem os possíveis sentimentos vivenciados pela mulher com relação ao seu corpo e psique durante a gestação. “No segundo trimestre a gestante (...) poderá apresentar preocupação quanto às alterações do corpo (sentir medo de não voltar à forma natural antes da gestação), medo de ficar modificada como pessoa, isto é, perder a sua identidade e se tornar outra pessoa”. Araújo et al. (2012), evidenciam também a preocupação com a permanência destas mudanças no corpo. Preocupadas com as mudanças corporais, as entrevistadas referem-se ao retorno destas mudanças com a expressão “corpo voltar ao normal”, em outras palavras, voltarem a ter o corpo que tinham antes da gestação.
A forma como a indivíduo constrói a imagem de seu corpo é algo complexo e envolve percepções, sentimentos e pensamentos sobre ele, como forma, peso, atratividade e engloba dimensões cognitivas (atitudes) e afetivas. Um exemplo da dimensão cognitiva é a comparação que se faz da autoimagem com as imagens ideais para verificar a satisfação com o corpo. Muitos dos estudos que tratam da imagem corporal abordam a sua insatisfação e o consequente surgimento de comportamentos não saudáveis, como a ocorrência de distúrbios alimentares, até a realização de cirurgias estéticas desnecessárias. Sabe-se, ainda, que a força dos modelos socialmente construídos em nossa cultura corrobora a influência da mídia, da família e dos pares com a existência da satisfação com o corpo, sobretudo com a pressão sobre as mulheres (Grogan, 2006).
Como diz Wolf (1999, p. 17), “o mito da beleza na realidade sempre determina o comportamento, não a aparência”. Assim, por a beleza ter se tornado uma questão de comportamento, ou seja, a escolha de ter um corpo bonito e uma boa aparência, pressupõe que o alcance dos padrões impostos na sociedade depende do comportamento de consumo.
O consumo como uma ação corriqueira do dia a dia representa mais do que satisfação de necessidades utilitárias, sobretudo quando se fala em beleza. Dos diversos significados que o comportamento de compra pode ter, como busca por status, melhor bem-estar, busca por pertença a um grupo, as compras e hábitos de consumo praticados para alcançar um corpo mais belo diz muito sobre o indivíduo, mas principalmente a cultura a que pertence. Afinal, valores, crenças e todo o funcionamento dos arranjos institucionais põe em evidência o valor material como central na sociedade, como aponta Baudrillard (1998), uma mentalidade coletiva voltada para o consumo.
2.3 Maternidade, Consumo e Beleza
A inserção da mulher no mercado de trabalho trouxe um rearranjo em seus papéis exercidos na sociedade, inclusive o de ser mãe. Com a maternidade, a mulher passa por um momento de mudança, em que as circunstâncias e as atividades do dia-a-dia são adaptados à nova realidade de ter um novo membro da família. Tais adaptações envolvem o orçamento familiar, compras para o abastecimento do lar, relacionamentos sociais, programações de lazer (Horne et al. 2005; Burningham et al. 2014).
Na literatura, encontram-se estudos que mostram as mudanças que as novas mães enfrentam para administrar suas múltiplas funções. Carrigan & Szming (2006) investigaram o consumo de produtos de conveniência por mães e a reconstrução da auto identidade. Percebeu-se que o consumo de produtos de conveniência pode facilitar e dar mais autonomia a vida de mães ocupadas, deixando de lado a ideia de que elas não podem ser boas mães por não se dedicarem prioritariamente as tarefas do lar e aos cuidados com os filhos. Cria-se um processo de empoderamento, com a melhora da autoestima.
Um outro estudo revelou como jovens mães, de baixa renda, são capazes de criar estratégias de consumo para garantir que seus filhos tenham o que necessitem, inclusive sacrificando necessidades e desejos de consumo individuais (Ponsford, 2014). Geralmente, o consumo na vida das mães é relacionado ao cuidado, ao amor e a proteção dos filhos, além de existir a responsabilidade de fornecer os recursos materiais e emocionais para que a criança se conecte à sociedade por meio das práticas de consumo (Takahashi, 2014).
Mas, o que as recém-mães consomem? Em estudo exploratório realizado por Levy et al. (2011, p. 13), identificaram que com a chegada de um filho as mulheres mudam seus hábitos de consumo, principalmente no que tange aos cuidados pessoais, que deixam de ser prioridade. A principal alegação das entrevistadas é que precisando cuidar de um filho pequeno, falta tempo a elas para consumirem produtos voltados a sua beleza. Contudo, segundo o estudo alguns cuidados conseguem ser mantidos. “As atividades mais frequentemente relatadas incluem os cuidados com as unhas, o cabelo e a pele (cremes e filtro solar); muitas vezes utilizam alguma maquiagem; há um cuidado geral com a alimentação”.
Um outro olhar é considerar as práticas de anti-consumo. Em um estudo com gestantes e novas mães verificou-se que essas mulheres alteram hábitos de consumo em função dos possíveis danos que podem ser gerados para o bebê dentro ou fora de seus ventres. O não-consumo muitas vezes está relacionado a produtos potencialmente arriscados ou para mostrar aos outros que são mães competentes e responsáveis. Nesse contexto, o anticonsumo não está relacionado a um protesto moral ou político, como em alguns estudos ele é tratado. Por receberem muitos conselhos, opiniões e expectativas de parentes e amigos, tais mulheres consideram e renegociam seus padrões de consumo devido às exigências sociais desde a gestação até os cuidados com o bebê. Assim, as mulheres mudam seus comportamentos evitando, minimizando, modificando ou balanceando o uso de determinados produtos. Quanto aos aspectos de cuidados com a beleza, identificou-se os conflitos de opiniões e as situações irritantes que a mulher passa sobre a aprovação ou não se é permitido pintar o cabelo na gestação e durante os primeiros meses do bebê. Outros produtos que tiveram seus usos modificados foram o uso de perfume, maquiagem e loções corporais (Gram et al. 2017).
As mulheres passam a perceber que se tornar mãe vai além de mudanças no que se pode ou não consumir, mas envolve uma transformação na identidade e no papel social. Muita atenção é dada pelos outros a barriga e a condição da gravidez, e outras áreas de suas vidas são colocadas de lado, como o ser mulher e profissional. Tornar-se mãe coloca a mulher em um espaço público e a ocorrência do não-consumo muitas vezes põe de lado os hábitos próprios de consumo que caracterizam a feminilidade e os ideais de beleza para priorizar a saúde, a segurança do filho gerado ou atender expectativas externas (Gram et al. 2017).
A mulher como mãe se transforma como consumidora? A literatura mostra a ocorrência de hábitos de consumo diferentes diante do cuidado com o novo ser gerado, mas sendo o consumo algo presente e caracterizador do estilo de vida atual, e, especificamente, a maternidade trazer mudanças não apenas físicas, mas emocionais, o interesse posto é investigar o consumo voltado à beleza e o corpo como um extensor do self da mulher em processo onde a sua identidade é reconstruída.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Considerando-se o exposto e que poucos estudos como este foram desenvolvidos no país, e, portanto, que a temática carece de informações, a abordagem qualitativa configura-se como indicada, uma vez que seu foco se encontra na busca por significados. O interesse é entender como foi a experiência das participantes no processo de ser mãe e as mudanças vividas no tocante a percepção do corpo e os cuidados dedicados a elas para se sentirem belas.
Considerando a natureza da pesquisa qualitativa, esta pesquisa em seu processo foi flexível no sentido da ocorrência de volta ao campo para buscar mais participantes visando a melhora na qualidade das informações coletadas. Ainda, não se busca generalizações, mas entender o fenômeno investigado com foco nos significados, visões, percepções e experiências das participantes (Creswell, 2013).
Ponderando-se ainda que este estudo busca conhecer e descrever o fenômeno proposto, quanto aos seus objetivos, trata-se de uma pesquisa descritiva. Segundo Gil (1991), as pesquisas descritivas, têm como principal característica a descrição de determinado fenômeno.
Os sujeitos de interesse da pesquisa foram mulheres e mães de pelo menos uma criança com até dois anos de idade (período que compreende os mil dias). A escolha por este recorte foi realizada por entendermos que é o período onde o corpo da mulher sofre as maiores modificações, bem como também se verificam as mudanças em seus papéis sociais e uma maior dependência dos filhos.
A escolha das participantes ocorreu por conveniência, considerando a possibilidade de acesso às entrevistadas que atendessem o perfil específico que foi proposto. Os dados foram obtidos por meio da realização de entrevistas semiestruturadas, que permitiram que as pesquisadoras adequassem as questões quando julgassem necessário. Foram entrevistadas seis mulheres, residentes em duas capitais nordestinas e a duração de cada entrevista variou entre 20 e 30 minutos. Todas foram gravadas, ocorreram no mês de junho de 2016 e foram feitas via skype.
Na análise dos dados obtidos pelos procedimentos citados anteriormente, foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (Bardin, 1977). Os dados coletados foram tratados utilizando o procedimento metodológico exposto através da análise categorial, uma das técnicas da análise de conteúdo.
Bardin (1977) postula que a categorização pode empregar dois processos inversos: pode-se fornecer o sistema de categorias e repartir-se da melhor maneira possível os elementos pesquisados, à medida que vão sendo encontrados; ou o sistema de categorias não é fornecido, antes resultando da classificação analógica e progressiva dos elementos. Nesta pesquisa, o primeiro processo foi o mais adequado, tendo o roteiro semi-estruturado sido construído com o objetivo de nos fornecer os dados para atendimento das categorias estabelecidas. Apresentamos os questionamentos e trechos que
exemplificam a escolha das categorias, para uma melhor compreensão no quadro 01.

4 RESULTADOS
Para a realização desta pesquisa foram entrevistadas seis mães com pelo menos um filho com até dois anos de idade. O perfil das participantes mostrou-se bastante homogêneo em alguns aspectos como a idade – todas as entrevistadas tinham entre 29 e 32 anos. Além disso, duas entrevistadas não possuíam o nível superior completo e todas afirmaram terem tido filhos de forma planejada. Questionadas sobre sua renda familiar, algumas entrevistadas preferiram omitir esta informação. As principais características das entrevistadas estão descritas no quadro 2:

No tocante a profissão, as participantes apresentaram profissões diversas, e, por consequência, estilos de vida e rotinas diferenciadas entre si. Apenas uma das entrevistadas tem mais de um filho, as demais são recém mães.
4.1 Beleza
As participantes da pesquisa demonstraram ter conceitos diversos sobre a beleza e os achados desta pesquisa de certa forma corroboram com a visão de Wolf (1999, p. 17) de que a beleza “sempre determina o comportamento, não a aparência”. Para parte das entrevistadas, a beleza se conecta com a sensação de bem-estar com o “eu”. O ser autêntico às características pessoais e sentir-se bem com quem é predominou nas definições, demonstrando uma valorização da autoafirmação em contraposição à beleza física. As entrevistadas mencionaram inclusive, não serem reféns dos estereótipos criados em torno da beleza do corpo feminino.
(...) é você ser você mesma. (E1)
Pra (sic) mim beleza é eu me sentir bem. (E2)
É a pessoa que se sente bem consigo, independente dos padrões colocados (...) (E6).
Contudo, o aspecto físico, a vaidade e a autoimagem, bem como a imagem construída, também foram citadas por uma das entrevistadas como um aspecto determinante da beleza. Tais achados corroboram com a importância atribuída ao corpo e a cathexis em níveis mais altos verificado no público feminino segundo Secord & Jourard (1953).
Eu acho que varia pra (sic) cada pessoa. Essa beleza pode ser não só a personalidade da pessoa, mas pela imagem né? (E3)
Beleza é um conjunto de artefatos que a mulher tem pra se sentir melhor (...) (E4)
Beleza eu acho que (pausa) tá muito associado a vaidade (E5)
O sentir-se bela durante a gestação foi uma das questões abordadas junto às entrevistadas e quase todas afirmaram que se sentiam belas durante a gestação. Apenas uma afirmou que somente se sentiu bela no final da gestação e outra que se sentiu “igual”.
Eu só me senti bonita no último mês, quando eu estava com um barrigão de grávida, mas até então eu não me achava não, porque muda muito, né (sic)? (E4)
Me senti igual. (E6)
Em alguns momentos sim, em alguns momentos eu me sentia porque eu gostava de me maquiar, me arrumar, agora porque gravidez a gente tem altos e baixos né? (E1)
Sempre me senti linda grávida, desde o primeiro momento (...) (E5)
4.2 Mudanças Corporais e Identidade
Conforme apregoado por Schouten (1991) a maternidade é uma fase de inúmeras mudanças, onde o self da mulher está em transição, e, por sua vez, sua identidade em reconstrução. O corpo feminino passa por muitas alterações durante o processo gestacional. Essas alterações perpassam questões hormonais, psicológicas e físicas, como as alterações no formato do corpo (quadris se alargam, ganho de peso e o crescimento da barriga, por exemplo).
As entrevistadas demonstraram vivenciar estes aspectos em suas respostas. O ganho de peso foi a principal causa de desconforto apontado por elas que afirmaram terem se sentido desconfortáveis durante a gestação. Uma das entrevistadas, destacou ainda como uma mudança negativa, o aparecimento de estrias, que segundo ela não desapareceram após a gestação e continuam lhe gerando desconforto.
Depois foi que piorou mesmo. Eu engordei muito. (E1)
Agora, como tem a retenção de líquido e tudo, a gente aumenta o peso (...), mas a única coisa que me incomodou foi esse aumento de peso. (E3)
(...) aí veio a questão das benditas estrias, e aí foi o pior de tudo, porque ficou. (E1)
Esta entrevistada, tocou num ponto interessante. Perguntada se teria disposição a se submeter a algum tipo de tratamento estético, ela afirmou que se tivesse condições financeiras faria procedimentos para retirada das estrias, para voltar a ter a pele que tinha antes. Esses achados corroboram com os achados de Askegaard et al. (2002) que mostram que a cirurgia estética em busca da beleza é entendida como sendo parte da construção reflexiva de identidade do indivíduo.
Entretanto, parte das entrevistadas, alegou que esse ciclo não gerou desconforto e mesmo para as que responderam terem se sentido desconfortáveis em alguma medida com as mudanças ocorridas na gestação, ainda houve menção a fatos positivos como melhoria nos aspectos de cabelos e pele.
Não me incomodei com nenhuma mudança. (E5)
Meu cabelo ficou muito bonito, a pele também. (E3)
Partindo do pressuposto de Secord & Jourard (1953) que atribuem a autoimagem e a satisfação com o self, em parte, à beleza exterior, ao corpo, questionamos as entrevistadas sobre o pós-parto imediato. Corroborando com as ideias defendidas pelos autores, as mudanças no corpo percebidas nesta fase, geraram desconforto em praticamente todas as entrevistadas. Apenas uma delas, alegou que não se sentia desconfortável, apenas curiosa em saber como seu corpo ficaria após este período.
Horrível! Me senti muito feia, muito sem jeito e como você tá amamentando, você não pode fazer nada. (E4)
Um terror né? Gente. Um terror até hoje. (...) Eu vou ser bem sincera, é como eu me vejo assim, depois que eu tive minha filha, eu não consigo mais me enxergar, tipo, é tudo exagerado demais, é peito demais, é tudo demais. (E5).
As declarações das entrevistadas corroboram com o defendido por (SIQUEIRA & FARIA, 2007; PRIELER & CHOI, 2014). O pós-parto é marcado por uma série de novas modificações no corpo da mulher que não se ajustam rapidamente. Nesta situação, as mulheres que neste momento não tem o corpo de antes da gestação e nem o da gestação se sentem desconfortáveis por não conseguirem ter um corpo que atenda ao proposto pelos padrões culturais estabelecidos.
4.3 O Cuidado com o Corpo e o Consumo de Produtos de Beleza
O cuidado com o corpo durante o período da gestação evidenciou-se através da adoção de alguns hábitos como o controle do ganho de peso, adotado por praticamente todas as entrevistadas. Apenas uma delas, informou ter ganho peso acima do considerado normal para o período gestacional. Três entrevistadas informaram que já engravidaram acima do seu peso ideal, mas conseguiram engordar na gestação apenas o considerado “normal”.
Como a minha gravidez foi planejada, antes de eu engravidar eu fui em uma nutricionista pra perder peso, preocupada principalmente com a minha saúde...com a preocupação de eu aumentar muito de peso e não conseguir fazer minhas atividades (E2)
Uma das estratégias utilizadas pelas entrevistadas para controlar o ganho de peso e por consequência as mudanças corporais foi melhorar a alimentação. Todas as mães que participaram deste estudo, informaram que alteraram sua alimentação durante a gestação em alguma medida, passando a consumir produtos mais saudáveis para elas e para o bebê, corroborando com os achados do estudo de Levy et. al. (2011, p.13), que afirma que entre os cuidados mais frequentemente relatados pelas mães estão o cuidado com a alimentação. Consideramos que tal aspecto evidencia uma mudança de consumo substancial, tendo em vista, que a alimentação é um componente que representa parte das nossas preferências de consumo.
(...) a gente aumenta o peso e aí tem que ter um cuidado constante com a alimentação, pra que a gente não exagere e passe além do que é conveniente e saudável (...) (E3)
Eu fui pra nutricionista, porque eu estava com o peso bem acima e o meu bebê não tava com o peso adequado (...) pra eu me alimentar melhor. (E4)
Eu tirei coisas que, antes eu comia abusivamente e na gestação, eu diminui muito. O refrigerante, a fritura, o chocolate, eu comi tudo isso, mas numa quantidade menor (E5)
Eu tentei me educar no que eu estava comendo, para comer melhor (E6).
No tocante ao consumo de produtos de beleza durante o período da gestação, a preocupação em prevenir mudanças ou danos as suas estruturas corporais, especialmente as que são colocadas como de difícil recuperação ou retorno ao aspecto anterior, como o aparecimento de estrias, por exemplo, mostrou-se presente entre as entrevistadas. Desta forma, todas afirmaram fazer uso de pelo menos um produto de beleza durante a gestação, um hidratante corporal, ainda que em alguns casos, o produto não fosse utilizado diariamente.
Algumas entrevistadas alegaram que este era um hábito pregresso à gestação, outras informaram que somente com a gestação passaram a fazer uso desses produtos, indicando mudanças no comportamento de consumo dos produtos de beleza, em parte das entrevistadas. Além do hidratante, outro produto foi citado pelas entrevistadas como de uso durante a gestação: a maquiagem, o que também corrobora com o estudo de Levy et. al. (2011).
Usei apenas hidratante e óleo corporal (E1)
(...) eu passei a utilizar, que até então eu nunca tinha utilizado, creme hidratante. Não tinha o hábito de usar, e na gravidez eu utilizei. (E2)
Como tem a questão da estria, eu passei bastante creme e óleos no corpo. (E3)
Passava base, pó, blush, (risos), não saia de casa sem, não saio de casa sem a base e o pó, nem que eu não passe batom, mas a base e o pó eu tenho que passar. (E5)
Quando questionadas a respeito de comportamentos de consumo de produtos na gestação, além da adoção de alguns produtos como já mencionamos anteriormente, algumas entrevistadas reportaram que precisaram mudar alguns hábitos e produtos utilizados, em razão da gestação, tendo em vista, que algumas substâncias ativas dos principais produtos cosméticos são contraindicadas no período gestacional, o que as levou a parar de consumir alguns produtos. Assim, como mencionado no estudo de Gram et al. (2017), o não-consumo sob este aspecto parte do interesse de proteção do bebê que está sendo gerado.
Eu usava (...) uma espuminha de lavar o rosto, esfoliante, porque a minha médica disse que eu deixasse de usar tudo, não usasse mais nada, apenas um sabonete líquido para lavar o rosto e pronto. E até hoje eu nem encontrei mais para usar de novo.(E1)
Eu fazia foto depilação e parei de fazer. Que eu me lembre, só isso. Ah, e o creme pra (sic) oleosidade da pele que tive que mudar. (E2)
Após o período gestacional, com os bebês nascidos, as mães não continuaram a se cuidar. As entrevistadas alegaram falta de tempo, má gestão do tempo e outras prioridades, como o bebê, a casa e o trabalho no pós-licença maternidade para não estarem conseguindo se cuidar e por consequência para não retomarem seus comportamentos de consumo pregressos. As declarações das entrevistadas corroboram com os achados de Carrigan & Szmigin (2006) e de Levy et al. (2011). Contudo, todas consideram que é uma fase passageira e acreditam que a medida que os filhos cresçam, elas terão mais tempo para cuidar delas mesmas.
(...) Para eu parar para cuidar de mim é difícil, isso não está acontecendo. Então assim, tá bem corrido. (E1)
(...) Eu gostaria de ter tido maiores cuidados, porém quando a gente tem um bebê a gente é bastante solicitada e exige a hora toda. Não foi por falta de vontade, mas por falta de tempo mesmo. Eu não pude me cuidar como eu fazia antes. (E3)
Queria ter mais tempo, porque ou você trabalha ou você tá em casa tomando conta do seu filho, então você opta por estar em casa com seu filho do que ir cuidar de você, muitas vezes, né? (E4)
Até hoje eu não consigo nem lavar os cabelos direito.(E5)
Eu não consigo me cuidar agora. Porque está puxado. Está exigindo mais o cuidado (E6).
O retorno ao corpo de antes da gestação, relacionada a permanência das mudanças no corpo mostrada na pesquisa de Araújo et al. (2012) também foi questionado. Embora a maioria delas não conseguiram adequar às suas novas rotinas cuidados constantes com o corpo, uma mãe relata a experiência de realizar um procedimento estético para perda de peso. Percebe-se na fala destacada da participante (E4) o alcance de um objetivo e a satisfação com o corpo.
Com 5 meses do meu filho e ao parar de amamentar fiz o tratamento estético. Eu tava me cuidando mais até chegar no resultado que eu cheguei (E4).
Neste ponto, procurou-se identificar se as recém-mães receberam alguma pressão social para voltar a forma de antes da gestação. A possível pressão social sofrida pelas mulheres nesta fase, corrobora com a ideia de Secord & Jourard (1953) e Wolf (1992) sobre a elevada importância do corpo feminino na cultura socialmente construída.
Neste tópico, as percepções se dividiram, com indicações de divergências dos achados de Chae (2014). Algumas entrevistadas alegaram que se sentiram pressionadas em algum momento, pela sociedade ou pela mídia, mas não pela família. Outras informaram que mesmo com alguns comentários/cobranças elas não se sentiam pressionadas, encaravam mais como uma preocupação das pessoas com o bem-estar delas e uma entrevistada informou ainda que recebeu muita solidariedade de outras mães, que sempre a consolava dizendo que em algum momento ela conseguirá voltar ao seu corpo.
Chama a atenção o posicionamento de uma das entrevistadas que disse não ser pressionada para voltar ao corpo de antes da gestação, mas para atender a um estereótipo do corpo feminino culturalmente imposto.
Em algumas vezes sim, não das pessoas que estão ao redor, mas da própria mídia, né? As redes sociais que diz “venha ver como você faz para ter seu corpo sarado em 8 dias” (risos) aí você fica assim, caramba (sic), eu não acredito não que eu tô assim. (E1)
Ontem mesmo eu recebi uma visita que ficou me questionando porque eu não estava usando cinta, porque eu ia ficar barriguda e minha barriga ia ficar flácida e nunca ia voltar ao normal. (E2)
Eu concordo que há muita pressa pra (sic) pessoa voltar ao corpo. Mas não me sinto pressionada não. Eu sei que com o tempo eu vou voltar. Mas é normal com os amigos e familiares, (...) falarem que o corpo tá (sic) diferente, mas não que isso seja recebido com alguma crítica ou alguma exigência, sabe? Comigo foram só comentários de tá (sic) acima do peso. (E3)
Não de antes da gestação, não. De um corpo que a sociedade impõe. Eu sempre fui gordinha, mas eu não tenho nenhum problema com isso, as pessoas é que têm (E6).
Contudo, mesmo as entrevistadas que se disseram pressionadas em algum momento a atender aos padrões de beleza da sociedade, demonstraram certa tranquilidade em lidar com as mudanças no corpo. Há nelas, a crença de que mais cedo ou mais tarde, elas conseguirão voltar a se cuidar e recuperarão a forma.
Percebe-se, ainda, a mudança de prioridades e um sentimento de doação pela vida gerada, fazendo com que o papel de mãe se torne preponderante sobre os demais, levando-as a abrir mão de cuidar de si mesmas, embora, em algum momento, haja insatisfação com o corpo (Secord & Jourard, 1953). Embora tenha ocorrido, e, em alguns casos, permanecido as mudanças provenientes da gestação, as mulheres parecem carregar um sentimento de resiliência, aguardando o momento em que suas vidas voltarão à um ritmo menos atarefado e elas consigam gerenciar melhor o tempo.
Talvez a auto aceitação notada nos relatos possa vir de um mecanismo de justificação devido à própria gravidez, mas, em contramão, a experiência de serem cobradas pelos seus pares quanto ao corpo, as façam lembrar de quem elas eram e que, de algum modo, jamais serão as mesmas fisicamente, socialmente e emocionalmente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo contribui para o corpo de conhecimentos que envolve comportamento de consumo e self em suas diferentes transições ao longo da vida, aqui, especificamente, com recém-mães. O estudo de mulheres mães é um público pouco explorado na literatura. Elas são recorrentemente cobradas a seguir o padrão de beleza legitimado socialmente, trazendo implicações na sua autoestima e que vai, em alguma medida, influenciar no comportamento de consumo. A realização deste estudo mostra que a chegada de um filho causa muitas alterações nos padrões comportamentais femininos. Desde a visão do seu self até a ideia de self estendido das mulheres que se tornam mães são alteradas. As mães enfrentam um intenso processo de reconstrução de identidades forçado pelas modificações físicas, hormonais e sociais que vivenciam desde a concepção até o nascimento de suas crias.
Parece clichê afirmar que um filho modifica consideravelmente a vida de uma mulher, mas os achados desta pesquisa reforçam essa máxima socialmente disseminada. As preferências de compra e os cuidados com a beleza são colocados em segundo plano diante do cuidado com o filho e das demais atividades do lar e do trabalho. Podemos perceber ainda, que este processo é influenciado em alguma medida pelos padrões e comportamentos de consumo exigidos pela sociedade no tocante à mulher.
Contudo, apesar das inúmeras modificações percebidas pela mulher, ela parece continuar a mirar-se num padrão de “belo” culturalmente aceito pela sociedade que muitas vezes é inatingível nas condições vivenciadas. Os achados desta pesquisa apontam para a necessidade de que mais estudos sejam realizados com relação ao comportamento de consumo deste público, incluindo estudos de caráter quantitativo.
Faz-se necessário considerar ainda que possivelmente aspectos como a classe social da qual a mãe faça parte, bem como seu lifestyle sejam características fortes na composição e manutenção das mudanças vivenciadas pelas mães. Outro ponto destacado, é que os sujeitos deste estudo se caracterizaram por mães de crianças até dois anos de idade. Contudo, um novo estudo comparativo poderia verificar se mães de crianças maiores mantém esses comportamentos ou se com o tempo, realmente esses padrões se alteram como os achados dessa pesquisa evidenciaram que as mães acreditam que ocorrerá. Entendemos que olhar a beleza da maternidade com “outros olhos” pode contribuir para uma sociedade mais empática com as mães e para um mercado que melhor atenda a este público.
Referências
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APÊNDICE
Roteiro de questões
Aspectos Sócio demográficos
Idade
Profissão
Renda (estimada)
Escolaridade
Quantos filhos tem?
Idade do filho mais novo.
Perguntas
1) O que é beleza pra você?
2) Sua gravidez foi planejada?
3) Durante a gestação seu corpo mudou. Algo a incomodava durante este processo ou você se sentia confortável com as mudanças no seu corpo?
4) Você se sentiu mais bonita durante a gravidez?
5) Quais os cuidados (estéticos) você tomou durante o período da gestação?
A) Controlou ganho de peso?
B) Melhorou alimentação?
C) Utilizava cremes ou cosméticos para prevenir aspectos como as estrias?
D) Realizou tratamentos estéticos (drenagem, entre outros)?
6) Você deixou de realizar algum procedimento ou de usar algum cosmético porque estava grávida?
7) Se sim, como isso afetou sua auto-imagem durante a gestação?
8) Como você se sentiu em relação ao seu corpo nos primeiros dias após o parto?
9) Neste período, você conseguiu se cuidar de alguma forma? Quais foram os cuidados?
10) Como é sua rotina diária? Você está de licença, já voltou a trabalhar?
11) E hoje, você mantém os hábitos que tinha antes ou durante a gestação quando o assunto é cuidar de você? (se sim, quais? Se não, por que não? E acha que um dia conseguira voltar?)
12) Você se sente confortável com seu corpo pós-gestação ou há algo que gostaria de mudar?
13) O que você estaria disposta a fazer para mudar? Há algo que você gostaria de fazer para melhorar a sua aparência?
14) Quais os produtos de beleza que você continua consumindo mesmo após a gestação?
15) Você sente ou já sentiu alguma pressão social para ter o corpo de antes da gestação? Você poderia lembrar de alguma situação vivida?
Notas
Ligação alternative