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Hotelaria de Charme e os Desafios da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável no Turismo
Charm Hotels and the Challenges of Sustainable Development Agenda in Tourism
Rosa dos Ventos, vol. 10, núm. 1, pp. 39-58, 2018
Universidade de Caxias do Sul

Artigos



Recepção: 17 Julho 2017

Aprovação: 16 Novembro 2017

DOI: https://doi.org/10.18226/21789061.v10i1p39

Resumo: A hotelaria de charme representa um segmento do trade turístico que tem como propósito conciliar qualidade nos serviços oferecidos, o charme inerente ao hotel e ao seu entorno, além da preocupação com o desenvolvimento sustentável. No Brasil, a hotelaria de charme é capitaneada pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, que tem no seu Código de Ética e Conduta Ambiental [CECA] o principal instrumento para estimular os meios de hospedagem à empreenderem ações voltadas ao desenvolvimento sustentável. Assim, o presente artigo teve como objetivo analisar o modo como os estímulos provenientes da Associação de Hotéis Roteiros de Charme alinham-se com a agenda para o desenvolvimento sustentável no turismo. Além de consulta a documentos, relatórios e ao CECA, foram realizadas duas entrevistas em profundidade, com o presidente e o diretor de Sustentabilidade da Associação. De um modo geral, detectou-se a necessidade de ações voltadas ao desenvolvimento local e ao empoderamento de grupos em situação de vulnerabilidade social para que a hotelaria de charme seja, de fato, mais alinhada à agenda para o desenvolvimento sustentável no turismo.

Palavras-chave: Turismo, Hotelaria de Charme, Desenvolvimento Sustentável, Código de Ética e Conduta Ambiental [CECA].

Abstract: Charm hotels represent a tourism segment that aims to harmonize quality in the services offered to tourists, the charm inherent to the hotel and its surroundings, as well as the concern with sustainable development. In Brazil, the segment of charm hotels is captained by the Association of Hotels Roteiros de Charme, which has in its Code of Ethics and Environmental Conduct (CEEC, in English) the main instrument to stimulate the associated lodging facilities to undertake actions to promote sustainable development. In this sense, the present article aimed to analyze how the stimuli coming from the Association of Hotels Roteiros de Charme are aligned with the agenda for sustainable development in tourism. To this end, in addition to consulting documents, reports and the CEEC, two in-depth interviews were conducted with the president and the sustainability director of the Association of Hotels Roteiros de Charme. In general, we verified the need for actions to promote the local development and the empowerment of groups in a situation of social vulnerability, with the aimed that charm hotels will be aligned with the contemporary agenda for sustainable development in tourism.

Keywords: Tourism, Charm Hotels, Sustainable Development, Code of Ethics and Environmental Conduct [CEEC].

INTRODUÇÃO

A hotelaria de charme representa um segmento do trade turístico que tem como propósito ofertar serviços de hospedagem em hotéis ou pousadas que possuam as seguintes características: localização privilegiada, em espaços com recursos naturais, arquitetônicos, históricos e culturais os mais singulares possíveis; elevada qualidade no atendimento, maximizando as experiências disponibilizadas aos turistas; farto oferecimento de produtos gastronômicos regionais; além de respeito para com o meio ambiente, o patrimônio e a cultura das localidades receptoras (Cardoso, Alperstedt, Costa & Mondo, 2011; Silva & Mota, 2010). A ideia do ‘charme’, subjacente ao supracitado conceito, remonta ao encanto e fascinação experimentados pelos turistas, na medida em que eles se deparam com meios de hospedagem localizados em ambientes naturais, históricos e/ou culturais pitorescos (Kleinrichert , Ergul, Johson & Uydaci, 2012). Não obstante a isso, ainda há o esforço de conjugar conforto, exclusividade, além de alta qualidade e criatividade nos serviços ofertados, o que muitas vezes faz com que os turistas criem vínculos emocionais duradouros para com os empreendimentos hoteleiros nos quais se hospedam (Zambon, 2009).

A hotelaria de charme compõe um movimento que, internacionalmente, é capitaneado por empreendimentos hoteleiros conhecidos como ‘hotéis boutique’, ‘hotéis de design’ ou ‘hotéis de estilo de vida’ (Jones, Day & Quadri-Felitti, 2013). A despeito das particularidades conceituais dos supracitados termos, deve-se salientar que todos designam pequenos empreendimentos hoteleiros sediados em locais de rico patrimônio natural, histórico e cultural, que oferecem serviços de hospedagem à turistas que valorizam a qualidade e o caráter inovador, sustentável e informal dos locais (Lim & Endean, 2009; Aggett, 2007; McIntosh & Siggs, 2005). No Brasil, a hotelaria de charme é representada pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, uma entidade privada e sem fins lucrativos, fundada em 1992 e que, atualmente, congrega 69 hotéis, pousadas e refúgios ecológicos localizados em 16 Estados, de norte à sul do país (Roteiros de Charme, 2017a). No ano de 1999, a Associação em tela institucionalizou, em parceria com a Organização das Nações Unidas [ONU], um Código de Ética e Conduta Ambiental, tendo como propósito estimular os seus membros signatários a adotarem princípios de sustentabilidade nas suas práticas organizacionais quotidianas (Roteiros de Charme, 2017b).

Em suma, o Código de Ética e Conduta Ambiental da Associação de Hotéis Roteiros de Charme possui um conjunto de princípios e boas práticas, subdivididos em quatro dimensões [implementação de uma gestão voltada ao meio ambiente, energia, água e resíduos sólidos e efluentes], cujo objetivo fundamental é induzir os empreendimentos hoteleiros a, voluntariamente, serem artífices do processo de desenvolvimento sustentável das localidades turísticas nas quais estão inseridos (Roteiros de Charme, 2017b). Quando se pensa um pouco mais detidamente na agenda global para o desenvolvimento sustentável, nota-se que há um esforço contemporâneo para que os governos, sociedade civil e setor privado atuem de modo coordenado, com a definição de metas e princípios éticos claros e factíveis, tendo como propósito permitir com que as mais diversas atividades socioeconômicas aconteçam de modo a não inviabilizar o planeta para que as gerações futuras possam subsistir adequadamente (Brandi, 2017; Holden, Linnerud & Banister, 2017). Nesta perspectiva, em 2015 a ONU criou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, num esforço que conclama os mais distintos atores socioeconômicos a engajarem-se em torno dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável [ODS’s], que compreendem um total 17 princípios e 169 metas que servem como um verdadeiro framework para a promoção da sustentabilidade global nos próximos anos (United Nations, 2017).

A atividade turística, de um modo geral, e a hotelaria, em particular, possuem uma importância bastante singular para a implementação da agenda contemporânea para o desenvolvimento sustentável, sobretudo porque: (a) perfazem atividades que muitas vezes são empreendidas em localidades de delicado ecossistema e rica cultura; (b) são fontes geradoras de expressiva quantidade de emprego e renda e; (c) são responsáveis pelo deslocamento global de um número de pessoas cada vez mais expressivo – pessoas essas ávidas por conhecer os detalhes das localidades que visitam, distintas de seus territórios de residência habitual (Malta, Mariani & Arruda, 2013; Borges, Ferraz & Borges, 2015). Nesta perspectiva, nota-se que há a necessidade de que a atividade hoteleira seja planejada de modo ético e responsável, preservando o meio ambiente e a cultura locais, gerando um número cada vez mais expressivo de emprego e renda, além da conscientização aos visitantes, para que sejam multiplicadores dos desafios que garantam a sustentabilidade nas atividades socioeconômicas globais (UNWTO, 2016; Silveira, 2005).

De todo modo, considerando os aspectos acima pontuados, algumas questões de pesquisa que naturalmente surgem são as seguintes: de que modo o planejamento do turismo e da atividade hoteleira, em particular, estão alinhados à agenda contemporânea para a promoção do desenvolvimento sustentável? As iniciativas existentes para a difusão da sustentabilidade na hotelaria – tais como a capitaneada pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, por intermédio do seu Código de Ética e Conduta Ambiental – estão condizentes com os princípios da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável, mais especificamente com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS’s]? São relevantes os esforços de reflexão sistemática em torno de tais questões, principalmente para que hotelaria e o turismo nacional, por conseguinte, sejam [re]estruturados, tendo como base o efetivo engajamento com a agenda contemporânea para a propagação do desenvolvimento sustentável.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo analisar o modo como os princípios de sustentabilidade, difundidos pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, alinham-se com a agenda global para a promoção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS’s]. Explorar os aspectos que compõem o propósito deste estudo é salutar principalmente para que, após 25 anos de fundação e 18 da institucionalização do Código de Ética e Conduta Ambiental, a Associação de Hotéis Roteiros de Charme possa [re]pensar as suas práticas, tendo como meta engajar-se de modo mais efetivo aos desafios contemporâneos para a difusão da sustentabilidade em âmbito global. Não obstante a isso, deve-se ainda destacar que o estudo pode permitir com que outros setores e/ou associações representativas no segmento de turismo possam, à luz da experiência da Associação de Hotéis Roteiros de Charme, também difundir os princípios contemporâneos da sustentabilidade em seus respectivos segmentos de atuação.

TURISMO, HOTELARIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA CONJUGAÇÃO [IM]POSSÍVEL?

O turismo é uma das mais importantes atividades socioeconômicas do mundo moderno, que envolve mais de 1,2 bilhões de pessoas que se deslocam de um lugar a outro, seja por lazer, trabalho ou outro motivo mais particular (UNWTO, 2016). No ano de 2015 o setor de viagens e turismo foi o responsável pela geração de US$ 7,2 trilhões em receitas, o equivalente a 9,8% do PIB mundial (WTTC, 2016a). Além disso, no mesmo período, um total de 284 milhões de pessoas foram empregadas em atividades laborais direta ou indiretamente suportadas pelo setor em análise – o que equivale a um em cada onze empregos no mundo (WTTC, op. cit.). De todo modo, para que o segmento em questão continue ampliando a sua importância na economia mundial, é imperioso que sejam adotados princípios éticos pelas organizações do setor de viagens e turismo, condizentes com a lógica do desenvolvimento sustentável (Hugues & Scheyvens, 2016; UNWTO, 2016).

A definição mais usual quanto ao que seja desenvolvimento sustentável remonta a 1987, quando em uma reunião da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento elaborou-se um documento intitulado ‘Nosso Futuro Comum’, que assinalava que o desenvolvimento sustentável representa o conjunto de processos socioeconômicos que permitem com que as pessoas tenham as suas necessidades básicas atendidas, de tal modo que não se comprometam os recursos e capacidades para que as gerações futuras também consigam suprir as suas necessidades fundamentais (WCED, 1987). Nota-se, a partir da dessa definição, que o conceito de desenvolvimento sustentável remonta à um verdadeiro pacto intergeracional, ou seja: as gerações atuais devem implementar ações que garantam as suas necessidades básicas e fundamentais, sem que se comprometam as capacidades para que as gerações futuras também possam dispor de meios para subsistir adequadamente (Hopwood, Mellor & O’Brien, 2005; Lélé, 1991).

Desde 1987, com a paulatina difusão do conceito de desenvolvimento sustentável, nota-se a emergência de uma preocupação da comunidade internacional em definir metas para que se garanta tal forma de desenvolvimento (Georgea, 1999). Nesse sentido, em 1992, ao longo da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, elaborou-se a chamada ‘Agenda 21’, um conjunto de princípios que tinham como propósito conclamar os vários agentes socioeconômicos globais a levarem em conta, nas suas mais distintas atividades produtivas, a necessidade de se proteger o meio ambiente, garantir justiça social, além de gerar renda, de modo economicamente eficiente (CNUMAD, 1995). Desde então, várias outras tentativas foram feitas no sentido de conclamar a comunidade internacional a comprometer-se com a lógica do desenvolvimento sustentável (Brandi, 2017): (a) em 1997 houve a criação do Protocolo de Kyoto, com o propósito de reduzir a emissão de gases poluentes na atmosfera (UNFCCC, 1998); (b) em 2002, elaboraram-se os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio [ODM’s], que reafirmaram a necessidade de se garantir o desenvolvimento sustentável, com a consequente criação de métricas quantitativas para o monitoramento das ações que seriam implementadas por vários países (UNDP, 2015); (c) em 2012, em mais uma Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, instituiu-se um acordo global intitulado ‘O futuro que queremos’, no qual foram traçados, em substituição aos ODM’s, um conjunto de propósitos – que mais tarde culminariam nos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [ODS’s] – que almejam incitar os vários agentes globais a, de modo objetivo, atuarem direta ou indiretamente em prol do desenvolvimento sustentável (UNCSD, 2012).

A despeito da automática associação do conceito de desenvolvimento sustentável à ideia de preservação do meio ambiente, deve-se destacar que a abordagem mais usual associa tal forma de desenvolvimento à um “tripé conceitual”, composto pelas seguintes dimensões (Elkington, 1997):

(a) Econômica: refere-se à geração de renda per se, de tal modo que os vários negócios existentes sejam viáveis, em termos econômicos, no longo prazo;

(b) Social: perfazem os esforços de minimização das desigualdades sociais e, por conseguinte, geração de oportunidades iguais às pessoas, sem qualquer distinção – seja por raça, gênero, crença religiosa e etc. Contemporaneamente, há um foco bastante particular nas comunidades tradicionais, de tal modo que os governos e demais atores socioeconômicos devem preocupar-se em preservar a cultura e modo de vida dessas comunidades, evitando qualquer forma de exploração e/ou mitigação de suas particularidades culturais;

(c) Ambiental: compreende as tentativas de conservação dos recursos naturais, com especial destaque aos recursos não-renováveis e indispensáveis à manutenção da vida na terra – tais como o ar, a água, as florestas naturais e afins.

Assim, deve-se salientar que o desenvolvimento sustentável é aquele que permite a conciliação das três dimensões supracitadas – geração de renda, garantia de equidade social, além da preservação do meio ambiente (Lélé, 1991; Kemp & Martens, 2007). Quando se insere o turismo nas discussões acerca dos desafios para a garantia do desenvolvimento sustentável, deve-se destacar que tal atividade, além do potencial de geração de emprego e renda que lhe são peculiares, também pode permitir a conservação do meio ambiente, já que os recursos naturais representam fatores sem os quais muitas modalidades de turismo [tais como o ecoturismo, o turismo de aventura e o de contemplação, por exemplo] tornam-se inviáveis (Buckley, 2012; Tao & Wall, 2009; Sampaio, 2001). Não obstante a isso, deve-se destacar ainda que muitos destinos turísticos se valem da cultura e das peculiares locais [tais como uma rica gastronomia, por exemplo] para atrair o turista e maximizar as suas experiências de consumo (UNEP/WTO, 2005; Sims, 2009). Portanto, nota-se que o turismo pode ser um importante meio para a promoção do desenvolvimento sustentável, desde que o seu planejamento seja feito de modo economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto (Saarinen, 2006).

É preciso levar em conta que a natureza e as peculiaridades culturais dos destinos são importantes ativos para que a atividade turística, como um todo, seja implementada e difundida (Lara, 2001). Nesta perspectiva, de modo contrário à visão maniqueísta de que as atividades produtivas só podem crescer a custas da degradação do meio ambiente e extermínio das culturas locais, entende-se que o crescimento do turismo e, por conseguinte, a difusão de seus impactos positivos pode se dar de modo compatível com a lógica do desenvolvimento sustentável (Buckley, 2012; Neto, 2003). Ao se avaliar o modo como a atividade hoteleira insere-se na supracitada discussão, faz-se necessário registrar que os hotéis podem ser importantes atores no processo de desenvolvimento sustentável das localidades em que estão inseridos – especialmente quando tais localidades compreendem áreas de delicado e raro ecossistema (Malta, Mariani & Arruda, 2013).

Como forma de mitigação de impactos socioambientais [e, portanto, em adequação à preceitos do desenvolvimento sustentável], nota-se que os empreendimentos hoteleiros normalmente empregam em sua gestão organizacional as seguintes estratégias: (a) reciclagem de materiais; (b) racionalização do uso de água e energia (com o emprego de mecanismos de reuso da água, além de fontes alternativas de energia – tais como a energia solar, por exemplo); (c) utilização de produtos recicláveis; (d) uso de insumos provenientes da localidade na qual o hotel está inserido, como forma de valorização da cultura local; (d) oferecimento de emprego às pessoas da própria localidade; (e) treinamento dos funcionários quanto à importância da implementação de processos de gestão sustentável na organização e; (f) conscientização destinada aos hóspedes quanto à sustentabilidade inerente ao empreendimento, e quanto à importância de se preservar os recursos naturais e culturais da localidade (Molina-Azorín et al., 2009; Malta, Mariani & Arruda, 2013). Portanto, com base nos argumentos expostos, pode-se depreender que é possível conjugar a atividade turística, além da hotelaria, em particular, com os desafios inerentes ao desenvolvimento sustentável – desde que tais atividades sejam planejadas adequadamente (Kemp & Martens, 2007).

De todo modo, quais os desafios contemporâneos para a difusão do desenvolvimento sustentável no âmbito da atividade turística? Quais aspectos devem ser levados em conta para que o planejamento do turismo e da hotelaria seja condizente com a atual agenda do desenvolvimento sustentável no turismo? Em suma, o tópico que segue tem como escopo lançar luz nas supracitadas questões.

A AGENDA 2030 E OS ODS’S: COMO O TURISMO PODE SER PROPULSOR DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?

Os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável [ODS’s] representam um conjunto de 17 princípios e 169 metas que compõem a agenda para a promoção do desenvolvimento sustentável no período de 2015 até 2030 (United Nations, 2017). Em suma, pode-se dizer que os ODS’s contemplam propósitos bastante desafiadores, que focam na capacidade das pessoas, das organizações e das entidades não-governamentais de, conjuntamente, empreenderem mecanismos práticos e factíveis que, direta ou indiretamente, contribuam para a garantia do desenvolvimento sustentável (Deacon, 2016). Os princípios que compõem os ODS’s são: (1) erradicação da pobreza; (2) fome zero e agricultura sustentável; (3) saúde e bem-estar; (4) educação de qualidade; (5) igualdade de gênero; (6) água potável e saneamento; (7) energia limpa e acessível; (8) trabalho decente e crescimento econômico sustentado; (9) industrialização inclusiva e sustentável, inovação e infraestrutura resiliente; (10) redução das desigualdades, dentro dos países e entre eles; (11) cidades e comunidades sustentáveis; (12) consumo e produção responsáveis; (13) ação contra a mudança global do clima; (14) vida na água, com a consequente conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos; (15) vida terrestre, com o uso sustentável dos ecossistemas terrestres e das florestas; (16) paz, justiça e instituições eficazes e; (17) parcerias e meios de implementação da agenda global para o desenvolvimento sustentável (United Nations, 2017).

Quando se levam em conta as 169 metas que corporificam o programa dos ODS’s, observa-se que a atividade turística recebe três menções diretas: (a) no ODS 8 [trabalho decente e crescimento econômico], há uma referência à concepção e implementação de políticas que promovam o turismo sustentável e criem trabalho, além da promoção da cultura e dos produtos locais; (b) no ODS 12 [consumo e produção responsáveis] pondera-se a necessidade de desenvolver e implementar ferramentas para monitorar o desenvolvimento sustentável do turismo que cria empregos e promove a cultura e produtos locais; e, (c) no ODS 14 [vida na água], há referência ao aumento dos benefícios econômicos aos pequenos Estados insulares e aos países menos desenvolvidos, tendo como meta a gestão sustentável dos recursos marinhos, principalmente através da gestão sustentável da pesca, da aquicultura e do turismo. (UNWTO, 2016). De todo modo, à despeito das supracitadas referências diretas à atividade turística nas metas dos ODS’s, deve-se destacar que o turismo, por ser uma atividade holística, tem a capacidade de impactar uma série de outras atividades e setores econômicos, perpassando, não raro, pelos vários princípios que compõem os ODS’s (Prudhomme & Raymond, 2016). No Quadro 1 há a ponderação de uma série de mecanismos a partir dos quais a atividade turística, como um todo, pode impactar de modo direto ou indireto os 17 princípios que compõem os ODS’s:

Quadro 1
Estratégias a partir das quais o turismo pode impactar nos vários ODS’s

Elaborado pelos autores. com base em UNWTO (2016) e em United Nations (2017)

Assim sendo, com base nos meandros expostos no quadro acima, a partir dos quais as organizações do setor de turismo podem engajar-se na consecução dos ODS’s, resta, por ora, a seguinte questão: de que modo os empreendimentos hoteleiros capitaneados pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme são incitados a implementarem ações condizentes com os ODS’s e, por conseguinte, com os princípios da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável? Com base nesta indagação, no próximo tópico há a apresentação dos procedimentos metodológicos a partir dos quais o presente estudo objetivou lançar luz neste aspecto.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo possui uma abordagem qualitativa, que se refere ao tipo de investigação que tem como propósito, a partir de procedimentos de pesquisa interpretativos e flexíveis, revelar as motivações profundas a partir das quais determinados fenômenos sociais acontecem (Flick, 2009). Em suma, entende-se que a abordagem qualitativa foi a mais apropriada ao presente estudo principalmente pelo fato de que a investigação dos princípios de sustentabilidade preconizados pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme exigiu um conjunto de procedimentos metodológicos flexíveis o bastante para que se conseguisse dialogar constantemente com os gestores da associação em tela; e para que se analisasse um conjunto expressivo de documentos e relatórios de gestão que foram fornecidos aos pesquisadores.

Quanto aos fins, pode-se classificar a pesquisa como sendo exploratória. De um modo geral, a pesquisa exploratória tem como propósito fundamental lançar luz em um determinado fenômeno social ainda pouco explorado pela literatura técnico-científica, auxiliando, inclusive, na delimitação mais acurada dos próprios problemas de pesquisa a envolver uma temática ainda pouco estudada (Stebbins, 2001). Basicamente, justifica-se o caráter exploratório do presente estudo principalmente em função do seguinte motivo: as temáticas dos ODS’s, de um modo geral, e da hotelaria de charme, em particular, ainda são pouco exploradas pela literatura técnica nas áreas de turismo, hotelaria e gestão sustentável de organizações, o que exigiu estratégias para se desnudar os meandros entre ambos os construtos teóricos – a hotelaria de charme e os desafios contemporâneos para a consecução dos ODS’s.

Por fim, no que tange aos meios, a presente investigação caracteriza-se como um estudo de caso, que se refere a um tipo de pesquisa que, além de primar pelo emprego de abordagens qualitativas, tem como premissa fundamental explicar os detalhes de um caso específico em seu contexto real de funcionamento, com todas as complexidades a ele inerentes (Stake, 2000). Já que o estudo se debruça nos princípios de sustentabilidade propostos pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, em específico, nota-se que o estudo de caso perfaz uma estratégia bastante evidente para o presente estudo. Como estratégia de coleta de dados, foram realizadas duas entrevistas em profundidade com os seguintes atores: o presidente e fundador da Associação de Hotéis Roteiros de Charme [denominado E_1 ao longo do estudo]; e o diretor de sustentabilidade da associação em análise [designado como E_2]. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, em dezembro/2016, na sede da Associação de Hotéis Roteiros de Charme, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, e totalizaram, conjuntamente, 1h 38min de diálogo efetivamente gravado. Não obstante, vale destacar ainda que as entrevistas foram individuais, e contaram com a utilização de um gravador de voz, que captou o diálogo do pesquisador com o entrevistado, de tal modo que o áudio foi posteriormente transcrito.

Ao longo das entrevistadas em profundidade, os pesquisadores utilizaram um protocolo com questões norteadoras, que permitiram focar a entrevista em aspectos de interesse ao estudo, principalmente relacionados ao(s): (a) histórico do surgimento da Associação de Hotéis Roteiros de Charme; (b) modo como a temática da sustentabilidade mostrou-se como uma preocupação da Associação; (c) mecanismos a partir dos quais a Associação capta seus associados, e como são propagados os princípios de sustentabilidade defendidos pela Associação e; (d) métodos de controle e avaliação das práticas de sustentabilidade que são aceitas e implementadas pelos empreendimentos hoteleiros signatários da Associação. Além das entrevistas em profundidade, o presente estudo também utilizou informações provenientes de documentos da Associação de Hotéis Roteiros de Charme. Em suma, os documentos obtidos pelos pesquisadores foram os seguintes: (a) o Código de Ética e Conduta Ambiental da Associação (CECA), que prevê uma série de princípios éticos e de gestão sustentável aos hotéis signatários; (b) relatórios de gestão e de monitoramento das ações de empreendimentos hoteleiros que pertencem à associação.

Como técnica para a análise de dados, empregou-se a análise de conteúdo, que se refere à uma técnica que tem como propósito permitir ao pesquisador a organização das informações em torno do problema de pesquisa do estudo, possibilitando a categorização dos materiais empíricos obtidos, e a consequente realização de interpretações e inferências em torno das categorias produzidas (Krippendorff, 2004). Em síntese, as categorias do estudo são aquelas constantes no quadro 1, de tal modo que, ao longo da análise de conteúdo do material empírico obtido ao longo da pesquisa, pretendeu-se detectar de que modo a Associação de Hotéis Roteiros de Charme alinha-se (ou não) ao modo como a atividade turística engaja-se na consecução dos vários ODS’s.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A Associação de Hotéis Roteiros de Charme e a Preocupação com a Sustentabilidade - No ano de 1992, ao longo das discussões em torno da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento [popularmente conhecida como Eco-92], realizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, um grupo de empresários brasileiros do ramo de hotelaria decidiu, conjuntamente, criar uma associação que congregasse empreendimentos hoteleiros caracterizados como uma “hotelaria artesanal, mas que tivesse a veia de preservação do meio ambiente” (E_2). Foi neste ínterim que surgiu a Associação de Hotéis Roteiros de Charme. A princípio, a ideia fundamental da Associação era congregar empresários que se dispusessem a adotar uma série de boas práticas em seus negócios, sobretudo relacionadas à economia de energia, conservação da água e preservação do meio ambiente – sem que se perdesse, no entanto, o charme subjacente ao empreendimento hoteleiro. Essas boas práticas, quando do surgimento da Associação, não eram plenamente sistematizadas, e surgiram da troca de experiências entre os vários empresários que se reuniram para fundar a Associação.

Com o passar do tempo, percebeu-se que as ações desenvolvidas pelos empresários que compunham a Associação eram muitas vezes dispersas, de tal modo que não havia, até então, um conjunto de procedimentos que norteasse a tomada de decisão dos empresários dos hotéis de charme. Diante disso, em 1998 decidiu-se criar o Código de Ética e Conduta Ambiental [CECA] da Associação de Hotéis de Charme, numa tentativa de “ordenar as ações de sustentabilidade desenvolvidas pelos hotéis membros, e colocá-las em formato mais cartesiano” (E_1). Basicamente, a criação do CECA foi protagonizada pelo próprio presidente e um dos fundadores da Associação (Entrevistado E_1) que, após conhecer pessoas ligadas ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente [PNUMA], foi impulsionado a estruturar o CECA a partir de diálogos e contatos com a equipe do supracitado órgão das Nações Unidas. Desde 2003 a Associação de Hotéis de Charme possui um acordo formalizado de cooperação com a ONU, que por sua vez corrobora com os postulados inerentes ao CECA e à própria atuação da Associação em análise. O próprio E_1, ao comentar a conjuntura à época criação do CECA, pontuou o seguinte: “[o CECA] era para ser feito em conjunto com os associados que eram mais bem formados, graduados, mas no final ninguém tinha tempo, então nunca sobra para ninguém, acabou sobrando para o presidente. Então eu fui para Paris, na França [onde fica uma das sedes da ONU] e consegui elaborar o código com todo o material que tinha disponível, e usando o bom-senso”.

Assim, nota-se que o CECA, muito embora tenha cristalizado princípios e boas práticas que já eram desenvolvidas pelos hotéis, acabou sendo institucionalizado a partir da ação individual de um único membro (o próprio presidente e um dos fundadores da Associação), visto como “uma pessoa determinada, que quando pega para fazer uma coisa vai até o fim” (E_2). Outro detalhe importante é que o CECA, que é composto por um total de 55 princípios, subdivididos em quatro dimensões [implementação de uma gestão sustentável nas organizações, energia, água e resíduos sólidos e efluentes], reflete de maneira bastante acentuada uma preocupação com economia de recursos [e, por conseguinte, minimização dos custos operacionais dos empreendimentos hoteleiros], além de um cuidado para a preservação do meio ambiente nos locais onde os hotéis associados estão localizados. Os próprios entrevistados E_1 e E_2, ao comentarem essa constatação, pontuam que à época da criação do Código era essa a “preocupação da comunidade internacional”, de tal modo que os princípios propostos pelo CECA refletem esse momento.

Quando se avalia o modo como o CECA é difundido entre seus associados, o E_2 salientou que o código é voluntário e, portanto, é passível de ser implantado na medida das possibilidades [sobretudo financeiras e técnicas] de cada empreendimento hoteleiro. Muito embora haja o compromisso do hotel associado à Roteiros de Charme em implantar o CECA, o E_1 observou que “o código não é estático, ele foi construído com a ideia de ‘recomendações éticas’ e não ‘obrigações éticas’. A construção dele [CECA] permite que os hotéis adaptem essas recomendações da forma que preferirem. Não é obrigado também, mas a gente incentiva muito”. Dentre as formas de incentivo da Associação para que os hotéis implementem efetivamente as recomendações do CECA estão: (a) o monitoramento constante das ações relacionadas à sustentabilidade empreendidas pelos hotéis; (b) criação de um ambiente intranet, em que são disponibilizadas informações e boas práticas dos hotéis signatários da Associação – essas boas práticas servem como benchmarking para outros hotéis eventualmente as adotem; (c) impressão de materiais informativos [folders], que são disponibilizados aos hotéis, aos colaboradores e aos próprios hóspedes.

De todo modo, quais os detalhes das iniciativas propostas pela Associação de Hotéis Roteiros de Charme, e como elas alinham-se com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS’s)? No tópico que segue há um esforço de se lançar luz nos aspectos acima pontuados.

A Sustentabilidade Promovida pela Associação de Hotéis de Charme e os ODS’S - Ao longo dos diálogos com os entrevistados E_1 e E_2 foi possível depreender que o principal instrumento usado pela Associação de Hotéis de Charme para a difusão dos princípios de sustentabilidade entre seus membros é o Código de Ética e Conduta Ambiental [CECA]. Quando se comparam os princípios previstos no CECA com os desafios para que o turismo e a hotelaria auxiliem na consecução dos ODS’s, é possível notar que o Código ainda apresenta algumas lacunas em relação à agenda contemporânea para a promoção do desenvolvimento sustentável. O Quadro 2 apresenta, portanto, o modo como o CECA alinha-se [ou não] aos princípios para que o turismo e a atividade hoteleira sejam instrumentos para a consecução dos ODS’s:

Quadro 2
Os princípios contemplados no CECA em relação aos ODS’s

Elaborado pelos autores, com base no CECA – Roteiros de Charme (2017b)

De um modo geral, a partir de uma análise cuidadosa do Quadro 2, é possível depreender as principais lacunas do CECA, em relação aos desafios impostos pelos ODS’s, residem nos seguintes aspectos:

(a) Ausência de uma orientação diretamente voltada para o desenvolvimento dos locais nos quais os hotéis signatários da Associação de Roteiros de Charme estão inseridos. Muito embora existam sugestões pontuais para que os empreendimentos hoteleiros usem produtos vegetais produzidos na região; e respeitem as especificidades da cultura local, ainda assim há que se contemplar, de modo direto e efetivo, um conjunto de ações para o desenvolvimento local, especialmente das regiões agrárias, com uma economia pouco dinâmica e com baixos índices de desenvolvimento;

(b) Não há a indicação de medidas para a prevenção de acidentes – incluindo os acidentes de caráter ambiental. Ademais, inexistem ações que prevejam a não ocorrência de problemas de saúde entre empregados, hóspedes e comunidade local;

(c) Há uma lacuna importante quanto à recomendação para que os empreendimentos hoteleiros tenham uma postura proativa no sentido de incluir grupos em situação de vulnerabilidade (tais como jovens, idosos e pessoas com necessidades específicas), tanto em seu corpo de colaboradores quanto entre seus hóspedes potenciais. Não obstante, inexistem incentivos para que os hotéis sejam protagonistas em ações que objetivem a igualdade de gênero – melhorando a qualidade e quantidade dos postos de trabalho destinados às mulheres, por exemplo;

(d) Não constam estímulos para que os empreendimentos hoteleiros atuem de modo efetivo na melhoria da capacidade tecnológica dos destinos turísticos. Além disso, nota-se uma ausência de incentivos para que os hotéis contribuam com a revitalização e (re)significação dos espaços públicos dos destinos em que se encontram instalados;

(e) Inexistem estímulos para que os empreendimentos hoteleiros façam parte de alianças e instituições que melhorem a gestão e os sistemas de governança dos destinos turísticos, que além de atuarem no combate à degradação ambiental, também contribuam com o empoderamento de grupos em situação de vulnerabilidade social, e na luta contra a corrupção.

De todo modo, a despeito dos aspectos acima apresentadas, deve-se salientar que ao longo dos diálogos com os entrevistados E_1 e E_2 obteve-se o relato de que, muito embora Código de Ética e Conduta Ambiental apresente lacunas, há incentivos muitas vezes indiretos, por parte da Associação, para que o empreendimento hoteleiro efetivamente engaje-se com a temática da sustentabilidade. Segundo o E_2, nos últimos há um trabalho de visita aos hotéis, de tal modo que dois monitores à serviço da Associação de Hotéis de Charme elaboram relatórios de conformidade [ou não] da gestão dos empreendimentos em relação aos princípios de sustentabilidade. A partir de tais relatórios, “a gente faz uma sessão de recomendações para cada tema daqueles [do CECA], ou seja, são boas práticas de sustentabilidade do hotel, e dessas a gente realça algumas práticas que são destaque, para colocar para o próprio associado, tipo assim: ‘Olha, aqui o que você está fazendo, certíssimo, vamos divulgar’ [para os outros associados, por intermédio do sistema de intranet], porque a ideia, a intenção é dizer: ‘Olha, vamos divulgar, você tem que divulgar isso’”.

Em um levantamento a que se teve acesso ao longo deste estudo, realizado internamente pela Associação de Roteiros de Charme com uma amostra de 15 hotéis, foi constatado que todos os empreendimentos hoteleiros analisados, em alguma medida, colocam em prática os princípios de sustentabilidade apregoados pela Associação por intermédio do CECA. Não obstante a isso, no supracitado relatório consta ainda que boa parte dos hotéis, além de se esforçarem na preservação do meio ambiente e na minimização de custos operacionais desnecessários, também adotam práticas de responsabilidade social, dentre as quais: contratar mão de obra local; adquirir produtos [sobretudo de origem vegetal] provenientes da própria localidade; permitir, nas próprias instalações do empreendimento, que artesão e produtores locais revendam os seus produtos aos hóspedes; incorporar, nos serviços gastronômicos ofertados no hotel, um conjunto de elementos da culinária regional; além de outras ações pontuais, a depender da particularidade de cada empreendimento hoteleiro. Portanto, os aspectos acima pontuados levam a crer que muito embora o CECA não contemple, de modo direto e efetivo, um estímulo à um maior engajamento dos empreendimentos à temáticas relacionadas ao desenvolvimento local e empoderamento de grupos das comunidades típicas, ainda assim há ações que são empreendidas isoladamente pelos hotéis, o que demonstra a necessidade de se repensar a estrutura do CECA, com o propósito de que o Código, como um “bússola” para guiar as ações futuras dos empreendimentos hoteleiros, engaje-se de modo mais estreito aos desafios da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Associação de Hotéis Roteiros de Charme, por intermédio de seu Código de Ética e Conduta Ambiental (CECA), que é o principal instrumento para a difusão dos princípios de sustentabilidade entre seus membros, apresenta alguns desafios para engajar-se de modo efetivo na agenda contemporânea para a promoção do desenvolvimento sustentável. Dentre tais desafios, conforme se observou ao longo deste artigo, estão: (a) a ausência de direcionamentos mais efetivos para que os empreendimentos hoteleiros signatários da Associação sejam protagonistas do desenvolvimento das localidades em que estão inseridos; (b) a carência de ações que induzam os hotéis a combaterem a desigualdade de gênero, e a incorporarem grupos em situação de vulnerabilidade social, tanto em seu corpo de funcionários, quanto entre seus hóspedes potenciais; (c) além da inexistência de ações que estimulem os hotéis a atuarem na revitalização dos espaços públicos das localidades nas quais estão sediados, não raro empoderando e [re]significando a condição de grupos e comunidades locais.

Ficou patente, ao longo das reflexões deste estudo, que os estímulos provenientes do CECA induzem os hotéis à preocuparem-se sobretudo com a preservação do meio ambiente e com a economia no uso de recursos escassos [com implicações na minimização dos custos operacionais do empreendimento], de tal modo que há certa negligência quanto à inserção das comunidades locais, empoderamento de grupos em situação de vulnerabilidade e desenvolvimento das localidades nas quais os hotéis se localizam. Portanto, a principal implicação das reflexões deste estudo reside na sugestão para que a Associação de Hotéis Roteiros de Charme empreenda esforços para reformular seu Código de Ética e Conduta Ambiental, incorporando, de modo mais direto e efetivo, aspectos relacionados ao desenvolvimento das localidades e estímulo às comunidades e grupos tradicionais.

Muito embora tenha se constatado ao longo do estudo que os hotéis aparentemente desenvolvem ações que resultam em benefícios aos locais onde estão situados, ainda assim entende-se que é necessário que esses aspectos apareçam institucionalizados nos documentos que norteiam a ação dos empreendimentos que fazem parte da Associação de Hotéis de Charme, até mesmo para que a preocupação com o desenvolvimento local seja facilmente reconhecida como uma marca da hotelaria de charme no Brasil. Além disso, entende-se como recomendável que o exercício de reformulação do CECA ocorra de modo dialogado com os empreendimentos que corporificam a Associação de Hotéis de Charme, até mesmo para que esse processo não reflita a dinâmica que ocorreu à época da criação do CECA, em que um único membro e fundador da Associação, protagonizou a institucionalização das diretrizes que compõem o Código por ora em análise. Faz-se necessário salientar que as reflexões realizadas neste artigo podem servir como base para que outros segmentos do trade turístico (tais como os setores de transporte, agências e operadoras de turismo, além de bares, restaurantes e equipamentos de lazer, de um modo geral) reflitam em torno da necessidade de se associarem para o desenvolvimento de ações em prol do desenvolvimento sustentável preconizado pelos ODS’s e pela agenda 2030 da ONU, não raro elaborando instrumentos que norteiem a ação sustentável dos empreendimentos – instrumentos estes nos moldes do CECA, da Associação de Hotéis Roteiros de Charme, por exemplo.

Por fim, deve-se registrar que o presente estudo não empreendeu esforços no sentido de investigar o modo como os hotéis, os hóspedes e a comunidade local ‘entendem’ as diretrizes do CECA, e as implementam efetivamente (o estudo resumiu-se meramente na análise dos estímulos desencadeados pela Associação de Hotéis de Charme, na promoção da agenda contemporânea para o desenvolvimento sustentável). Assim sendo, percebe-se que profícuas investigações futuras podem ocorrer nessa direção, envolvendo reflexões em torno das percepção e atitudes dos empreendimentos hoteleiros, dos hóspedes e da comunidade no entorno dos hotéis de charme brasileiros.

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Notas

[1] Maria Caroline Moron Urt – Mestra em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2972819931927667. E-mail: m.carol.urt@gmail.com
[2] Dyego de Oliveira Arruda – Doutor. Professor no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Valença-RJ, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/5222976964204691. E-mail: dyego.arruda@gmail.com
[3] Milton Augusto Pasquotto Mariani – Doutor. Professor e pesquisador na Escola de Administração e Negócios, no Programa de Pós-Graduação em Administração e no Mestrado Profissional em Estudos Fronteiriços, todos na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/0935409945176042. E-mail: miltmari@terra.com.br


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