Artigos
Recepção: 20 Maio 2019
Aprovação: 09 Fevereiro 2020
DOI: https://doi.org/10.18226/21789061.v12i2p350
Resumo: O desperdício de alimentos representa um grave problema social, ambiental e econômico. Em restaurantes comerciais, seu controle é fundamental para o sucesso financeiro da empresa, devendo ser criterioso. O objetivo desse trabalho foi o de analisar os dados da literatura referentes ao desperdício de alimentos em restaurantes comerciais e a sua relação com os indicadores de sobras e de resto-ingestão. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o desperdício de alimentos em restaurantes comerciais no Brasil, mensurado através dos indicadores de sobras e de resto-ingestão, entre os anos de 2000 e 2018. Observou-se que o desperdício de alimentos é um problema real em restaurantes comerciais e que o descarte das sobras é o fator crítico, diferente dos restaurantes institucionais, onde o maior problema se caracteriza pelos valores elevados de resto-ingestão. Sugere-se que sejam criadas ferramentas de acompanhamento e controle de sobras que sirvam de base para o planejamento da produção em restaurantes comerciais, além de serem estipuladas metas diárias individualizadas.
Palavras-chave: Gastronomia Sustentável, Restaurantes, Serviços de Alimentação, Desperdício de Alimentos, Brasil.
Abstract: Food waste represents a serious social, environmental and economic problem in commercial restaurants and their control is critical to the company's financial success. The objective of this study is to analyze the literature data on food waste in commercial restaurants and its relationship with indicators of leftovers and rest-ingestion. A bibliographic review of food waste in commercial restaurants in Brazil was carried out, measured through the leftover and rest-intake indicators between 2000 and 2018. It was observed that food waste is a real problem in commercial restaurants and that the disposal of leftovers is the critical factor, different from institutional restaurants, where the biggest problem is characterized by high rest-intake values. It is suggested that follow-up and control of leftovers be used as a basis for commercial restaurant production planning, in addition to stipulating individualized daily goals that estimate acceptable waste.
Keywords: Sustainable Cuisine, Restaurants, Food Services, Food Wastefulness, Brazil.
INTRODUÇÃO
O descarte de alimentos é um problema mundial, que exerce influência negativa em diversas áreas dos âmbitos social, econômico e ambiental, sendo um desafio para a sustentabilidade. Além de ser um dos principais fatores responsáveis pela fome no planeta, ele ainda compromete economicamente as empresas do ramo produtivo, industrial e comercial, visto que matéria-prima, capital e energia são descartados juntamente com o produto, além do lucro que se deixa de ganhar (FAO, 2013). A Organização das Nações Unidas divulgou, em 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo como meta específica a redução pela metade do desperdício alimentar per capita global no varejo e no consumo até 2030 (ONU, 2015).
Os serviços de alimentação fora do domicílio, denominados Unidades Produtoras de Refeições [UPR], incluem tanto os estabelecimentos comerciais [UPR comerciais], como bares e restaurantes, quanto as Unidades de Alimentação e Nutrição [UAN - UPR institucionais ou coletivas] (Popolim, 2007). Tratando-se de UPR comerciais, pode ser dado destaque ao setor de restaurantes comerciais que, no Brasil, apresentaram uma expansão após o processo de urbanização associado à saída da mulher do ambiente doméstico para o mercado de trabalho, contribuíram para o crescimento da procura por comida preparada pronta para o consumo (Bezerra & Sichieri, 2010).
As UPR comerciais são avaliadas, geralmente, de acordo com os mesmos parâmetros utilizados para UPR institucionais, utilizando-se os mesmos índices de qualidade; entretanto, há diversas peculiaridades que contribuem para a sua maior complexidade. Diferente dos restaurantes que possuem clientela cativa ou com baixas variações, como é o caso daqueles situados em universidades, escolas, indústrias e hospitais, os restaurantes comerciais têm como principal característica a inconstância da procura pelo serviço. Essa procura sofre a influência de fatores como a sazonalidade semanal, mensal e anual, visto que tende a aumentar nos finais de semana e feriados e nos meses de férias e recesso escolar [dezembro a fevereiro e em junho e julho], para aqueles frequentados em decorrência de lazer, ou o comportamento inverso, para aqueles localizados em centros urbanos e frequentados por trabalhadores. Isso gera uma maior dificuldade na realização da previsão de vendas fora destes períodos, o que torna mais complexo o planejamento da produção, contribuindo para um controle mais difícil do desperdício (Vaz, 2006).
Em se tratando de restaurantes, o descarte de alimentos pode ser observado em diversos pontos do processo, desde as etapas que envolvem o recebimento e armazenamento [como as avarias], pré-preparo [quando se descartam as partes não comestíveis ou não utilizadas na preparação, como cascas, sementes, talos, etc.] até a distribuição e consumo, visto que é recomendado que o alimento preparado e exposto para ser servido não seja reaproveitado, além daquele que o cliente deixa no prato. Estes dois últimos tipos de descarte, denominados de sobras e resto-ingestão, respectivamente, são utilizados para avaliar a eficiência do planejamento e da produção, no primeiro caso, e a qualidade e aceitabilidade das preparações, bem como a conscientização dos comensais, no segundo (Vaz, 2002).
Os valores de sobras e de resto-ingestão são avaliados de acordo com parâmetros preestabelecidos. Entretanto, estas referências se baseiam em valores obtidos e largamente utilizados naqueles restaurantes com clientela cativa, um dos motivos que contribuem para a predominância de estudos neste tipo de serviço, havendo um número expressivamente menor de trabalhos realizados em restaurantes comerciais. Portanto, dentre as diversas modalidades de comércio de alimentos e dos diversos pontos em que ocorrem perdas destes gêneros, este trabalho se destina a realizar um levantamento e sistematização dos dados disponíveis na literatura no que se refere ao desperdício de alimentos preparados e não consumidos ou parcialmente consumidos [sobras e resto-ingestão] (Vaz, 2006; Castro & Queiroz, 1998) em restaurantes comerciais no Brasil, visando demonstrar os fatores que contribuem para este problema e quais ações podem ser realizadas na tentativa de auxiliar no controle do desperdício neste serviço que possui diversas peculiaridades.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o desperdício de alimentos em restaurantes comerciais no Brasil, mensurado através dos indicadores de sobras [considerando as sobras limpas, que são representadas pelo alimento preparado mais não exposto ao consumo] e de resto-ingestão [alimento parcialmente consumido pelo cliente, os restos deixados no prato]. Tais valores foram comparados àqueles encontrados para outros estabelecimentos com alimentação coletiva [como restaurantes universitários, industriais, de hospitais e de escolas]. Para tanto, foram pesquisados artigos científicos sobre este tema nas bases de dados do Scielo, Lilacs e Bireme, sendo estes sistematizados de acordo com o tipo de estabelecimento tratado. Os descritores utilizados foram aqueles apresentados no Descritores em Ciências da Saúde [DeCS]: Alimentação Coletiva, Serviços de Alimentação, Restaurantes, Refeições e Desperdício de Alimentos. O período considerado foi ampliado, abrangendo entre os anos de 2000 e 2018, devido à escassez de estudos que continham todas as informações consideradas [índice de sobras e resto-ingestão representados em percentual].
Os valores de desperdício encontrados foram comparados com os valores preconizados por Vaz (2006) e Castro e Queiroz (1998), que recomendam um percentual de sobras de até 3%, considerando os valores ótimos de resto-ingestão quando atingem até 5%, bons de 5% a 10%, ruins de 10% a 15% e péssimos quando acima de 15%.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
Inicialmente, se faz necessário distinguir desperdício de alimentos de perdas de alimentos. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, “desperdício de alimentos se refere ao descarte intencional de itens próprios para alimentação, particularmente pelos varejistas e consumidores, e ocorre devido ao comportamento dos comerciantes e indivíduos”, enquanto que “perda de alimentos é a redução não intencional de alimentos disponíveis para o consumo humano que resulta de ineficiências na cadeia de produção e abastecimento”, de modo que esta última pode ser decorrente de problemas com infraestrutura e logística, tecnologia deficiente, insuficiência nas competências, conhecimentos e capacidade de gerenciamento, e ocorre principalmente durante a produção, a pós-colheita e o processamento, como quando o alimento não é colhido ou é danificado (FAO, 2013). Neste trabalho, por ser considerado apenas o descarte do alimento preparado e comercializado já pronto para o consumo, será tratado somente o desperdício dos alimentos, desconsiderando-se as perdas ao longo da cadeia produtiva.
Aspectos sociais, ambientais e econômicos do desperdício de alimentos - Em todo planeta, cerca de 805 milhões de pessoas sofrem com a fome (FAO, 2014a). Entretanto, os levantamentos estatísticos indicam que esta fome não está relacionada à produção ineficiente, mas à distribuição inadequada somada ao desperdício de alimentos. Estudos realizados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura [FAO, 2014b] indicaram que, em 1996, a produção mundial de alimentos era suficiente para o fornecimento diário de 2700kcal por habitante do planeta, quando a necessidade média é de 2000kcal/dia por indivíduo. Além disso, em 2014, somente na América Latina e no Caribe os alimentos perdidos e desperdiçados seriam mais que suficientes para satisfazer as necessidades das 47 milhões de pessoas que ainda sofrem de fome na região, quase 8% da população, e apenas com os alimentos que se perdem somente na venda no varejo [em supermercados, feiras livres, armazéns, entre outros] se poderia alimentar a mais de 30 milhões de pessoas, o que representa 64% das pessoas que sofrem de fome nesta região.
Estudos mostram que, somando-se as perdas e o desperdício, 1,3 bilhões de toneladas de alimentos produzidos são descartados anualmente em todo o mundo, representados por 30% dos cereais; entre 40 e 50% das raízes, frutas, hortaliças e sementes oleaginosas; 20% da carne e produtos lácteos; e 35% dos pescados, o que seria suficiente para alimentar dois bilhões de pessoas. Tal situação gera grandes perdas econômicas, que podem chegar a 750 bilhões de dólares anuais com custos diretos, sem considerar os custos relativos a peixes e frutos do mar, além de impactar os recursos naturais necessários à produção de alimentos e à sobrevivência da humanidade. Anualmente, os alimentos produzidos, mas não consumidos utilizam um volume de água equivalente ao fluxo anual do rio Volga, na Rússia, e são responsáveis pela emissão de 3,3 mil milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta (FAO, 2013; FAO, 2014b).
Os dados mais atuais indicam que, entre 1997 e 2000, a produção dos principais frutos frescos comercializados no Brasil era de aproximadamente 17,7 milhões de toneladas/ano, com perda estava calculada em 30%; a produção de hortaliças era de aproximadamente 16,0 milhões de toneladas, com perdas de 35%, de modo que cerca de 5,6 milhões de toneladas/ano de produto eram descartados, sendo que tais perdas se originavam principalmente durante o manuseio e transporte destes produtos. O desperdício representado pelo descarte de supermercados e consumidores somaram 10% (Soares, 2010). Dentro destes 10% de descarte de frutas e hortaliças encontra-se o desperdício de alimentos preparados, os não consumidos e os parcialmente consumidos, somando-se ainda os valores referentes a outros gêneros alimentícios não contabilizados, como carnes, cereais, leguminosas, alimentos processados, etc.
Neste sentido, são necessárias ações de redução do descarte de alimentos em toda a cadeia produtiva, incluindo também o preparo e consumo final. Considerando-se que os estabelecimentos fornecedores de alimentação para coletividades e estabelecimentos comerciais adquirem estes gêneros alimentícios e realizam a preparação final que antecede ao consumo, estes também incrementam as estatísticas sobre alimentos preparados e não consumidos ou parcialmente consumidos e, para se realizar ações efetivas para a redução deste desperdício de alimentos é imprescindível conhecer as peculiaridades desse fenômeno em cada tipo de estabelecimento.
Indicadores de desperdício de alimentos em restaurantes - Os indicadores de desperdício estão incluídos dentre os diversos processos de avaliação da qualidade de um serviço de alimentação, podendo ser citados o índice de sobras e de resto-ingestão, que estão associados ao descarte de alimentos prontos para o consumo, desconsiderando o descarte de partes não comestíveis ou não aproveitadas, que é representado pelo Índice de Parte Comestível [IPC] ou Fator de Correção [FC] dos alimentos (Philippi, 2014).
Sobras são todos os alimentos que foram preparados, mas não servidos, sendo classificadas como sobras sujas aquelas que foram expostas à distribuição e sobras limpas aquelas que não foram expostas e que podem ser reaproveitadas, desde que tenham permanecido dentro dos limites de temperatura de segurança por um tempo determinado. Já o resto-ingestão é o índice que mede quanto de alimento servido não foi consumido pelo cliente. Vaz (2006) e Castro e Queiroz (1998), recomendam um percentual de sobras de até 3% ou de 7 a 25 g per capita, considerando os valores de resto-ingestão ótimos quando atingem até 5%, bons de 5% a 10%, ruins de 10% a 15% e péssimos quando acima de 15%. As fórmulas para o cálculo do percentual de sobras e do índice de resto-ingestão são apresentadas nas Equações 1 e 2, respectivamente, com o objetivo de demonstrar como tais indicadores são obtidos (Vaz, 2006; Castro & Queiroz, 1998).

Legenda: PAPNS: peso dos alimentos preparados e não servidos; PTAP: peso total dos alimentos preparados

Legenda: IR: índice de resto-ingestão; PRR: peso da refeição rejeitada; PPNC: peso das partes não comestíveis ou ossos; PTAP: peso total dos alimentos preparados
(Eq 2)
A variação nos valores de sobras e de resto ingestão se relacionam a variados fatores, como a qualidade do cardápio, o cálculo da produção com base no número de comensais e a conscientização do cliente sobre a importância de reduzir o desperdício de alimentos. Entretanto, estas justificativas, que são as mais comumente utilizadas, se aplicam de modo mais eficaz quando se trata de clientela confinada das UPR institucionais [estabelecimentos fornecedores de refeições para coletividades, como presidiários, funcionários de uma empresa ou pacientes de um hospital] ou aquela que é fixa em alguma medida [como no caso de UPR de restaurantes universitários]. Quando se trata de restaurantes comerciais, outros fatores como a sazonalidade semanal, mensal e anual, bem como preço e concorrência, acrescentam certa peculiaridade a este ramo. Devido à singularidade do trabalho em restaurantes comerciais frente aos demais serviços de alimentação coletiva, mais estudos devem ser realizados para a elaboração de indicadores de qualidade neste setor (Oliveira & Silva, 2016).
Desperdício de alimentos em unidades produtoras de refeições - O termo Unidade Produtora de Refeições [UPR] tem sido proposto para designar os diversos tipos de estabelecimentos fornecedores de alimentos prontos para o consumo, sejam eles do ramo de alimentação coletiva ou institucional ou comerciais. Apesar de este termo abranger ambas as situações, deve-se atentar para as singularidades que distinguem estas duas modalidades de serviços, que incidem diretamente sobre diversos aspectos das mesmas, como é o caso da avaliação do desperdício de alimentos.
Os índices utilizados atualmente nesta avaliação foram elaborados, inicialmente, para a realidade observada em UPR institucionais, sendo a sua utilização posteriormente estendida aos estabelecimentos comerciais. Por este motivo, observa-se que, embora sejam boas ferramentas para uma gestão de custos mais eficiente e para a elaboração de campanhas de redução de desperdício destinada aos clientes, tais indicadores não se adequam à realidade dos restaurantes comerciais. Os valores de desperdício representados pelos índices de sobras e de resto-ingestão variam consideravelmente de acordo com o tipo de estabelecimento avaliado, sendo estas divergências mais marcantes quando se trata de estabelecimentos comerciais. Na Tabela 1 são apresentados os resultados da avaliação destes índices nos diversos tipos de serviços institucionais e comerciais de alimentação.

Para a elaboração da Tabela 1, comparativa, foram pesquisados artigos científicos que apresentavam valores de percentual de sobras e índice de resto-ingestão em estabelecimentos do tipo restaurante, tanto institucionais quanto comerciais. Foram desconsiderados os estudos de intervenção sobre os valores destes índices, como aqueles em que eram realizadas ações de Educação Alimentar e Nutricional ou de Educação Ambiental para reduzir o desperdício de alimentos, de modo a se evitar a apresentação de resultados tendenciosos e a padronizar o critério de seleção (pois não haveria um critério claro para a escolha de resultados antes ou após as intervenções). Além disso, foram considerados apenas os valores referentes a refeições distribuídas no almoço e se considerou como sobras todos os alimentos produzidos, mas não servidos (incluindo aqueles que foram disponibilizados para distribuição), ou seja, não foi feita distinção entre sobras sujas e sobras limpas.
Além de serem escassos os estudos referentes ao desperdício de alimentos em restaurantes comerciais, aqueles existentes, por vezes, não traziam esta avaliação expressa em índice percentual de resto-ingestão e de sobras ou apresentavam apenas os valores absolutos destes parâmetros sem apresentar os valores absolutos da produção dos alimentos, o que inviabilizou ao cálculo do percentual destes índices e comprometeu a sua utilização para fins de comparação. Entretanto, os estudos encontrados indicaram as sobras como um fator crítico para restaurantes comerciais, sendo observado um valor muito superior de sobras em restaurantes comerciais quando comparados aos restaurantes institucionais, apresentados na Tabela 1.
Em estudo realizado num restaurante comercial em Santa Maria-RS, as sobras apresentaram valores 71,58% acima da meta de desperdício estipulada (Saurim & Basso, 2008). Do mesmo modo, as sobras de pratos quentes servidos no buffet de um hotel em Florianópolis-SC foram de 20,9% (Rolim & Ilha, 2012). Outro estudo, realizado com responsáveis pela gestão de restaurantes em São Paulo, demonstrou que 50% dos gestores afirmaram haver sobras diárias de alimentos em seus estabelecimentos (Bello & Spinelli, 2011). Estes resultados indicam que o índice de sobras em restaurantes comerciais, no geral, encontra-se muito acima do valor preconizado pela literatura, que é de até 3%3. Destaque-se que, de acordo com Ribeiro (2002), quando as sobras apresentam percentuais acima de 3%, mas abaixo de 10%, estas são consideradas aceitáveis, pois durante o planejamento dos cardápios é costumeiro que se adicione um percentual de 10% de cada item a ser produzido, como margem de segurança. Esta informação condiz com os valores encontrados para os restaurantes institucionais apresentados, reforçando a ideia de que as sobras não são um fator tão crítico de desperdício nestes estabelecimentos quanto são em restaurantes comerciais, reforçando o ponto de vista apresentado neste trabalho. Vale salientar que a escassez de estudos referentes ao controle do desperdício de alimentos em restaurantes comerciais foi uma importante limitação deste trabalho, indicando a necessidade de mais estudos nesta área.
Fatores relacionados ao desperdício de alimentos em unidades produtoras de refeições - Diversos fatores podem estar relacionados ao expressivo valor de sobras observado em restaurantes comerciais, mas deve ser destacada a flutuação da clientela nestes estabelecimentos, que impossibilita a determinação do número exato de refeições a serem produzidas diariamente, gerando uma produção superestimada e um nível elevado de sobras. Este fato é uma singularidade dos restaurantes comerciais, visto que nas UPR institucionais a clientela é basicamente fixa, o que torna o controle das sobras mais fácil de ser executado. Por outro lado, o controle do resto-ingestão é mais efetivo em restaurantes comerciais, pois o cliente tem uma tendência a desperdiçar menos aquilo que ele paga diretamente, o que não é observado em restaurantes institucionais, onde as campanhas de conscientização são de fundamental importância para o controle do resto-ingestão, que é mais problemático.
Concordando com este ponto de vista, Marques, Coelho e Horst (2008) apontam que a grande flutuação no número de comensais é um fator que dificulta o planejamento adequado da quantidade de alimentos a ser preparado diariamente, de forma que o conhecimento dos hábitos alimentares da clientela é fundamental para a elaboração do cardápio, visando reduzir o desperdício dos alimentos. Do mesmo modo, os resultados obtidos por Augustini, Kishimoto, Tescaro e Almeida (2008) sugerem a necessidade de planejar corretamente o número de refeições, saber o rendimento de cada matéria-prima, envolver toda a equipe para traçar metas de controle de sobras, realizar treinamentos e campanhas de conscientização da equipe, preparar os alimentos aos poucos [por batelada] sempre que possível e manter a qualidade sensorial e apresentação dos pratos durante todo o período de distribuição como formas de se reduzir o desperdício de alimentos referentes às sobras. Quanto à redução do índice de resto-ingestão, esses autores recomendam a valorização dos aspectos sensoriais dos pratos [principalmente a apresentação visual e o sabor], além da realização de campanhas com os clientes para a redução do desperdício de alimentos.
Em estudo realizado numa UPR institucional em São Paulo, foi realizada uma campanha informativa através da exposição de cartazes com dados referentes ao desperdício de alimentos na unidade. Evidenciou-se que, antes da realização da campanha, o percentual médio de resto-ingestão foi de 13,6%, enquanto que após a intervenção, esse índice chegou a 7,4% (Fujii, Lepique & Faria, 2010). Outro estudo, realizado por Falci, Anastácio, Ferreira, Milagres e Toledo (2007), numa UPR institucional de pequeno porte em Contagem-MG, o desperdício de alimentos per capita médio durante campanha de conscientização dos comensais caiu em 58,81%, em relação aos dias anteriores à campanha.
Um outro trabalho, realizado numa UPR institucional que fornecia as refeições para os funcionários de um hospital na cidade de Santo André, SP, foi desenvolvida uma campanha de conscientização dos comensais para a redução do desperdício de alimentos, utilizando-se cartazes que eram trocados diariamente, contendo as seguintes frases:
1º dia, ‘Evite o desperdício de alimentos, sirva-se apenas do que irá consumir’;
2º dia, ‘A quantidade de alimentos jogados no lixo diariamente no Brasil, poderia alimentar cerca de 10 milhões de pessoas. Não jogue comida no lixo!’;
3º dia, ‘Cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de fome e subnutrição. Enquanto isso, toneladas de alimentos são jogadas no lixo... evite o desperdício’;
4º dia, ‘Se pensarmos que existem cerca de 32 milhões de brasileiros em situação de miséria, descobrimos que jogar comida no lixo é falta de respeito aos que passam fome. Seja um consumidor consciente, evite o desperdício de alimentos’;
5º dia, ‘Comida no lixo é água desperdiçada porque produzir comida demanda água e cada pedaço de carne ou salada que acaba no lixo significa que, junto com a comida, estamos também jogando água fora. Segundo estudo realizado pelo Instituto Internacional da Água de Estocolmo, na Suécia, 50% da comida produzida no mundo, por ineficiências na cadeia de produção ou ganância de consumidores, acaba no lixo e com isso além da comida, a água também é desperdiçada. Não jogando comida no lixo também economizamos água!’.
Os valores de resto-ingestão foram avaliados antes, durante e após a realização da campanha, e observou-se uma redução de desperdício igual a 43,24% durante a campanha e de 27,20% após a campanha, quando comparados aos valores encontrados antes da realização da exibição dos cartazes (Silva, Silva & Pessina, 2010). Estes resultados indicam a eficiência das campanhas educativas destinadas aos clientes e comensais para a redução dos valores referentes ao índice de resto-ingestão.
Impactos do desperdício de alimentos em unidades produtoras de refeições - O excesso de sobras em restaurantes comerciais, além de gerar impactos sociais e ambientais, gera um importante impacto econômico. Em avaliação realizada em oito UPR institucionais por cinco meses, pesquisadores identificaram que o custo mensal com sobras atingiu entre 2,2% e 3%, representando um custo que variou de 80 a 108 salários-mínimos para as empresas, algo extremamente elevado (Soares, Silva, Priore, Ribeiro, Pereira & Pinheiro-Sant’Ana, 2011).
Por sua própria finalidade, restaurantes comerciais visam ao lucro, e ao se descartar as sobras, descarta-se matéria-prima, o trabalho de equipamentos e colaboradores empregados na sua produção, energia elétrica, gás, água, enfim, todos os componentes dos custos diretos e indiretos de produção. Este fato se configura num problema de gestão muito mais grave que o excesso de resto-ingesta nestes estabelecimentos, pois, neste último, o cliente pagou por aquilo que ele próprio desperdiça, enquanto que as sobras são pagas pela empresa. Além disso, o turismo e a gastronomia sustentáveis são um mercado em ascensão, de modo que os clientes atribuem uma qualidade percebida superior a estabelecimentos comprometidos com as questões ambientais e sociais. Esse fato demonstra a necessidade de compreender melhor as associações entre produção de alimentos e impacto ambiental, para se explorar de maneira mais efetiva esse nicho de mercado (Binz & De Conto, 2019).
SUGESTÕES DE MEDIDAS DE CONTROLE DO DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS EM ESTAURANTES COMERCIAIS
As observações realizadas ao longo deste trabalho mostram a importância de cada restaurante definir suas próprias metas de desperdício, tentando se aproximar progressivamente daquilo que é preconizado pela literatura. Para tanto, é de fundamental importância que estes estabelecimentos desenvolvam ferramentas de gestão e acompanhamento do desperdício que viabilizem o planejamento, execução e avaliação de ações de combate ao mesmo. Do mesmo modo, sugere-se que o foco destas ações seja a redução das sobras, visto que elas são um fator crítico do desperdício de alimentos em restaurantes comerciais, sem, no entanto, negligenciar as ações de conscientização da clientela para a redução do índice de resto-ingesta.
Concordando com o exposto, Abreu (2013), defende que as sobras sejam mensuradas ao longo do tempo, devendo ser estabelecido um parâmetro próprio para cada estabelecimento. Para a definição deste parâmetro deverá ser considerada a margem de segurança empregada no planejamento da produção considerando o número de clientes atendidos num dia, de modo que um mesmo percentual de sobras poderá ter significados diferentes caso o restaurante tenha operado com o pico mínimo ou máximo de clientes naquele dia. Deste modo, caso a margem de segurança tenha sido estabelecida em 10% e o número de clientes esteve no limite mínimo, uma sobra de 10% é considerada aceitável; entretanto, se o restaurante operou no limite máximo de clientes, essa sobra indica necessidade de reavaliação, pois neste caso as sobras deveriam se aproximar dos até 3% preconizados pela literatura. Dada a relativa complexidade desta avaliação, sugere-se o desenvolvimento de planilhas de controle diário de sobras, que considerem estes limites mínimo e máximo de clientes atendidos diariamente e faça o cruzamento destas informações para determinar o resultado final desta avaliação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desperdício de alimentos é um problema social, ambiental, administrativo e econômico de ordem mundial. Ele se manifesta em diversos pontos da cadeia produtiva até o consumo final pelos indivíduos. No Brasil, para avaliar e controlar o descarte de alimentos no âmbito da alimentação coletiva são utilizados índices de sobras e de resto-ingestão. Entretanto, estes indicadores se aplicam de forma mais pertinente a UPR institucionais, onde o fluxo de clientes não sofre alterações consideráveis. Apesar de ser um tema de grande relevância, a escassez de estudos sobre o descarte de alimentos em restaurantes comerciais brasileiros limitou a quantidade de artigos analisados. Outra dificuldade diz respeito à ausência de indicadores internacionais para o descarte de alimentos nesses estabelecimentos, o que impossibilitou a ampliação da pesquisa para outros países e em outras línguas com os critérios pré-estabelecidos.
A revisão dos estudos sobre o desperdício de alimentos no Brasil mostrou que esse é um problema real em restaurantes comerciais. Diferente dos restaurantes institucionais, onde o maior problema se caracteriza pelos valores elevados de resto-ingestão, o descarte das sobras é o fator crítico em estabelecimentos comerciais, ficando muito além dos valores preconizados pela literatura. Deste modo, sugere-se que sejam criadas ferramentas de acompanhamento e controle de sobras que sirvam de base para o planejamento da produção em restaurantes comerciais, além de serem estipuladas metas diárias individualizadas. Além de reduzir o impacto financeiro do descarte de alimentos no orçamento das empresas, as ações de combate ao desperdício de alimentos estão inseridas no contexto da gastronomia sustentável, um mercado em ascensão nos dias atuais.
REFERÊNCIAS
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