Recepção: 16/06/2020
Aprovação: 08/09/2020
DOI: https://doi.org/10.14210/alcance.v28n2(mai/ago).p242-257
Resumo: O estudo teve como objetivo investigar a relação entre a Síndrome de Burnout e a Qualidade de Vida Profissional nos colaboradores de escritórios contábeis. Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa, realizada por meio de levantamento junto a contabilistas que atuam em escritórios contábeis na região Sudoeste do Paraná. Foram utilizados os instrumentos CBI (Copenhagen Burnout Inventory) e QVP-35 (Qualidade de Vida Profissional). Ao analisar a correlação entre as variáveis, os resultados obtidos demostraram baixos índices de correlação: os constructos de Burnout demostraram correlação moderada significativa positiva entre si, entretanto, quando correlacionados com as dimensões da Qualidade de Vida Profissional, os resultados indicaram, em sua maioria, uma baixa correlação significativa negativa, destacando-se as correlações entre as três dimensões de Burnout e os fatores de Qualidade de Vida Profissional “Desconforto Relacionado ao Trabalho” e “Motivação Intrínseca”. O estudo contribui academicamente com o oferecimento de primeiras evidências sobre a relação entre as variáveis investigadas, tendo como enfoque os profissionais de escritórios contábeis no Brasil, contribuindo para a composição de uma agenda de estudos sobre o tema.
Palavras-chave: Síndrome de Burnout, Qualidade de Vida Profissional, Estresse, Escritórios Contábeis.
Abstract: This study investigates the relationship between Burnout Syndrome and Quality of Professional Life in employees of accounting offices. It is a descriptive study with a quantitative approach, through a survey with accountants working in accounting firms in Southwest Paraná. The Copenhagen burnout Inventory (CBI) and Qualidade de Vida Professional (QVP-35 – Quality of Professional Life) questionnaire were used. Analyzing the correlations between the variables, the results showed low correlation rates: the constructs of burnout showed a moderate significant positive correlation with each other. However, when correlated with the dimensions of Quality of Professional Life, the results indicated, in most cases, a low significant negative correlation, highlighting the correlations between the three burnout dimensions and the Quality of Professional Life factors "Work-Related Discomfort" and "Intrinsic Motivation". The academic contribution of this study is initial evidence of the relationship between the variables investigated, with a focus on accounting professionals in Brazil, contributing to the composition of a study agenda on the subject.
Keywords: Burnout syndrome, Quality of Professional Life, Stress, Accounting Offices.
Resumen: La investigación tuvo como objetivo averiguar la relación entre el síndrome de Burnout y la Calidad de Vida Profesional en los empleados de las oficinas de contabilidad. La investigación descriptiva con un enfoque cuantitativo se realizó a través de una encuesta con contadores que trabajan en oficinas de contabilidad en la región suroeste de Paraná. Se utilizaron los instrumentos CBI (CopenhagenBurnout Inventory) y QVP-35 (Qualidadede Vida Profissional). Al analizar la correlación entre las variables, los resultados obtenidos mostraron tasas de correlación bajas: los constructos de desgaste mostraron una moderada correlación positiva significativa entre sí, sin embargo, cuando se correlacionaron con las dimensiones de Calidad de Vida Profesional, los resultados indicaron, en la mayoría de los casos, una correlación negativa significativa baja, destacando las correlaciones entre las tres dimensiones del burnout y los factores de Calidad de Vida Profesional "incomodidad relacionada con el trabajo" y "motivación intrínseca". La investigación contribuye académicamente con la provisión de la primera evidencia sobre la relación entre las variables investigadas con un enfoque en los profesionales de la contabilidad en Brasil, contribuyendo a la composición de una agenda de estudio sobre el tema.
Palabras clave: Síndrome de Burnout, Calidad de vida profesional, Estrés, Oficinas de contabilidad.
1 INTRODUÇÃO
A profissão contábil vem passando, nos últimos anos, por diversas alterações em sua área de atuação, seja no âmbito legal e tributário, da contabilidade societária, ou até mesmo no perfil esperado de atuação deste profissional nas empresas, cada vez mais ligado à tomada de decisão gerencial, o que aumenta a percepção de necessidade de contínua capacitação e atualização em resposta a estas novas demandas (Almeida & Medeiros, 2017). Segundo Treter e Linn (2019), os contadores estão entre os profissionais mais predispostos à depressão e ao estresse, por fatores como a incessante atenção e concentração exigidas, além da alta pressão por cumprimentos de prazos.
Oliveira, Moura, Barbosa e Souza (2015) indicam que a Contabilidade exerce um papel importante dentro das organizações, fornecendo informações indispensáveis para a tomada de decisão. De acordo com os autores, as atividades contábeis podem provocar estresse naqueles que exercem a profissão, devido às mudanças que ocorrem constantemente em seu campo de atuação, dos curtos prazos para execução de algumas atividades, além da necessidade de que tais profissionais estejam em constante atualização.
O estresse, quando se torna crônico, é designado como Síndrome de Burnout. De acordo com Areias e Comandule (2006), esta síndrome se desenvolve a partir de um período prolongado de estresse no trabalho, sendo uma resposta à pressão e tensão crônica no ambiente laboral, gerada a partir do contato direto com outras pessoas, atenção concentrada e grande responsabilidade profissional. Para Galvão (2017), esta síndrome pode levar à perda total da capacidade ocupacional, e está associada a diversos tipos de disfunções psicológicas e físicas, tornando-se, por isso, um problema social. Neste contexto, Carlotto (2014) indica que a Síndrome de Burnout é uma preocupação mundial e está associada ao estresse no trabalho, sendo que diversos estudos vêm sendo realizados para melhor compreender seu conceito, suas causas e consequências, objetivando conter, lidar e combater sua ocorrência.
“O trabalho faz parte da natureza humana e, por meio dele, o homem constrói o mundo e se constrói, com identidade e subjetividade próprias” (Soares, 2008, p.19). Para Soares (2008), a execução do trabalho poderia ser compreendida previamente como prazerosa, contudo, em muitas circunstâncias, ainda é sentida como um sacrifício e desencadeadora de sofrimento e adoecimento, não pelo trabalho em si, mais pelo clima emocional e organizacional presente no ambiente do trabalho.
Com isso, visando o bem-estar do trabalhador, além dos estudos sobre o Burnout, diversos artigos vêm sendo realizados sobre a Qualidade de Vida no Trabalho ou Qualidade de Vida Profissional. Soares (2008) salienta que uma melhor qualidade de vida do trabalhador e da organização como um todo implica em uma melhor qualidade na prestação de serviços, o que também traz benefícios à comunidade. Assim, um trabalhador que se sente insatisfeito com seu trabalho não prestará um serviço de qualidade, o que acabará prejudicando não só a si, mas toda a organização e seus clientes, que por sua vez dependem dos seus serviços realizados de forma eficiente.
Para o profissional que atua na área contábil, então, a importância da Qualidade de Vida Profissional não seria diferente. Fatores como remuneração, esgotamento físico e mental, jornada de trabalho, imagem social da profissão (Sampaio, Rocha & Sampaio, 2011), oportunidade, justiça, uso de capacidades, condições de trabalho (Ayres, Nascimento & Macedo, 2016), motivação, satisfação pessoal e relacionamentos interpessoais (Soares, Rosa & Rosa, 2017), já foram identificados na literatura acadêmica nacional como relevantes para esses profissionais quanto à qualidade de vida no trabalho.
Diante deste contexto, ciente da importância dos temas da Síndrome de Burnout e da Qualidade de Vida no Trabalho, especialmente para os profissionais contábeis, tendo em vista as características da atuação profissional na área contábil que podem facilitar o desenvolvimento da síndrome e os fatores atenuantes ou facilitadores para o desenvolvimento da síndrome, a depender do ambiente do local de trabalho, esta pesquisa propõe a seguinte questão: qual a relação entre a Síndrome de Burnout e a Qualidade de Vida Profissional nos colaboradores de escritórios contábeis? O objetivo deste estudo, portanto, consiste em identificar a relação entre fatores ou dimensões da Síndrome de Burnout com fatores e dimensões da Qualidade de Vida Profissional nos colaboradores de escritórios contábeis, tendo o Sudoeste do estado do Paraná como área geográfica investigada.
Em primeiro lugar, justifica-se este estudo em face do estresse ocupacional, que, segundo Sá (2017), é uma preocupação mundial e vem aumentando em todo o mundo, causando danos à saúde e à economia. Uma pessoa com Burnout sente uma sensação de incapacidade, de alienação, insensibilidade, exaustão. Os afazeres não se desenvolvem, a produtividade cai, os erros aumentam. Ou seja, o Burnout incapacita as pessoas de forma que o simples fato de se levantar da cama rumo ao trabalho é convertido em um esforço hercúleo, levando até mesmo a um inevitável afastamento da atividade laboral (Sá, 2017). Portanto, é importante o estabelecimento de um ambiente de trabalho harmônico, que proporcione qualidade de vida e, por conseguinte, assegure o bem-estar do trabalhador (Mayer, 2006).
Na literatura brasileira não foram encontrados estudos que abrangessem a relação entre a Síndrome de Burnout (SB) e a Qualidade de Vida Profissional (QVP) nos profissionais contábeis em um só tempo, o que torna esta pesquisa importante e inovadora, ao mesmo que é contemporâneo, visto que tais temas tem sido foco de vários estudos (Estella, 2002; Mayer, 2006; Paiva, 2006; Barboza & Beresin, 2007; Carlotto, 2014). Então, do ponto de vista teórico, esta pesquisa têm o potencial de servir de apoio para a comunidade acadêmica, para que a relação da SB e QVP possa ser estudada de forma mais criteriosa e detalhada, especialmente junto aos profissionais contábeis, contribuindo para uma agenda de pesquisas com essa temática, como defendido por Ayres et al. (2016).
Em relação às implicações práticas, este estudo tem por intuito alertar os profissionais da área contábil para esta doença que é conhecida por poucos e incentivá-los a procurar ajuda de um profissional especializado, visando o seu bem-estar profissional e pessoal. Em termos mais amplos, estudos que contribuam para se conhecer a Qualidade de Vida no Trabalho de contabilistas e os fatores relacionados a ela podem motivar o desenvolvimento de políticas por entidades profissionais da área contábil (Ayres et al., 2016).
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 SÍNDROME DE BURNOUT
Burnout é fruto do estresse rigoroso, entretanto não é o mesmo que “muito estresse”: o estresse em geral envolve muitas pressões que exige muito do indivíduo, fisicamente e psicologicamente. Quando os indivíduos estão estressados, ainda podem imaginar que, se puderem controlar tudo, se sentirão melhor (Smith, Segal & Segal, 2012). Ou seja, o estresse é algo momentâneo: após o problema resolvido ele desaparece.
Já no Burnout, em contrapartida, a pessoa não se sente suficiente. Estar com Burnout significa sentir-se vazio, sem sentimentos, sem motivação. As pessoas com esta síndrome não veem nenhuma esperança de mudanças positivas: os problemas parecem insuperáveis, tudo parece sombrio, sendo difícil acumular energia para se cuidar e muito menos para fazer algo a respeito da situação. Se o estresse excessivo é como se sufocar de responsabilidades, o Burnout é como se tudo estivesse seco (Smith et al., 2012).
O termo “Síndrome de Burnout” surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos, desenvolvido pelo psicanalista Herbert J. Freunderberger. Ele notou que muitos voluntários com os quais trabalhava apresentavam por vezes um desgaste gradual no nível de humor e da motivação. Este processo perdurava por cerca de um ano, acompanhado de sintomas físicos e psíquicos que manifestavam um estado de exaustão (Guimarães & Cardoso, 2004).
Segundo Barboza e Beresin (2007), Burnout deriva do inglês e significa “queimar ou destruir-se pelo fogo”. É uma síndrome do trabalho, que se caracteriza pela cronificação do estresse laboral que, quando não tratada, traz consigo consequências negativas nos níveis profissional, individual, social e familiar. Maslach, Shaufeli e Leiter (2001) salientam que a Síndrome de Burnout está ligada com a alta carga de trabalho e pressão em relação à quantidade de tempo disponível do trabalhador para a realização das tarefas. De acordo com Maslach (2009), a Síndrome de Burnout é um construto de três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização ou eficácia profissional.
Segundo Freudenberger (1975), as pessoas mais dedicadas e comprometidas ao trabalho estão mais propensas ao Burnout. O trabalhador comprometido tende a assumir grandes tarefas para si, por muito tempo e com muita intensidade, sentindo pressões de vários lados: primeiro de si para realizar as tarefas e ter sucesso e segundo das partes que ele está tentando atender.
Ademais, Carlotto e Câmara (2008) complementam que a modalidade de trabalho atual tem exigido cada vez mais contatos frequentes e intensos. Assim, nota-se que, pela própria natureza e funcionalidade do cargo, há profissões de risco e de alto risco, tornando-se poucas profissões não propensas a ocorrência do Burnout. Diante de tal realidade, Carlotto e Câmara (2008, p. 156) citam que “a comunidade científica internacional já desenvolve estudos com advogados, juízes, auditores, vendedores, religiosos, executivos, atletas, músicos, taxistas, dentre outros”.
Em relação ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout, Carlotto (2002) relata que o processo é individual, seu surgimento é vagaroso, cumulativo, progressivo em severidade, em que o indivíduo acaba não percebendo em seus estágios iniciais, normalmente se recusando a acreditar que algo está errado. Smith et al. (2012) complementam que o Burnout é um processo gradual que ocorre por um longo período de tempo, ou seja, não acontece de uma noite para outra, sendo que os sinais e sintomas são sutis a princípio, mas pioram com o passar do tempo, o que requer que os indivíduos afetados tenham cuidado aos sinais da síndrome e, assim que identificados, procurem ajuda.
De acordo com Freudenberger (1975), uma das manifestações de personalidade que surgem com a Síndrome de Burnout é a rigidez: a pessoa fica mais teimosa, resistente e inflexível a mudanças, lutará contra qualquer mudança e empreenderá esforços para impedi-las. Outra manifestação é atitude negativa: qualquer coisa tentada ou sugerida por outros é vista de forma negativa, como algo que não dará certo.
Em suma, considera-se importante ficar atento aos sintomas da síndrome, pois, se reconhecida, os sintomas iniciais são possíveis de controlar, antes que causem danos na vida da pessoa afetada. Com isto, visando prevenir o aparecimento da síndrome, Freudenberger (1975) elenca algumas dicas para evitar o Burnout: praticar exercícios físicos, evitar atividades repetitivas, tirar alguns dias de folga, compartilhar experiências, trabalhar em equipe, evitar horas extras e trabalhos repetitivos.
Quanto a estudos anteriores, são aqui destacadas investigações que utilizaram o Copenhagen Burnout Inventory(CBI) como instrumento de identificação de níveis da Burnout. Em primeiro lugar, menciona-se o estudo de Fonte (2011) que, com o objetivo de validar este instrumento, realizou uma investigação junto a enfermeiros, sendo identificados junto a uma amostra de 228 indivíduos níveis baixos de Burnout para as três escalas do questionário (Burnout pessoal, Burnout relacionado ao trabalho e Burnout relacionado ao cliente).
Freitas, Pereira, Pinho, Zenha e Vieira (2015), também com base no CBI, efetuaram um levantamento junto a 42 residentes de anestesiologia de 15 hospitais portugueses. Na amostra, 30% dos inquiridos apresentados níveis de Burnout considerados elevados no aspecto do trabalho e 32,5% no aspecto pessoal. Fernandes (2016), por sua vez, realizou estudo semelhante junto a ortopedistas portugueses, tendo sido obtidas 108 respostas. Neste estudo, identificou-se que 42,59% dos profissionais apresentam nível elevado de Burnout. Por fim, Silva (2016) realizou uma investigação junto a 77 cuidadores de uma instituição hospitalar e de cuidado de idosos. Para estes profissionais, também com base no instrumento CBI, foram identificados baixos níveis de Burnout, sendo o maior resultado identificado (12,9%) para o Burnout associado ao trabalho.
2.2 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Existe diferença entre os termos Qualidade de Vida Profissional (QVP) e Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), entretanto o termo Qualidade de Vida no Trabalho tem sido usualmente utilizado para designar a Qualidade de Vida Profissional (Soares, 2008). Sendo assim, neste trabalho os termos QVT e QVP serão usados de forma indistintamente na abordagem referencial teórica.
O trabalho, no decorrer dos anos, vem ocupando cada vez mais o tempo do ser humano. Após a Revolução Industrial, o trabalho tornou-se um ponto central da vida do homem. A pressão por resultados, a concorrência e a dificuldade de ocupar espaço no mercado são alguns fatores que levam o homem a dedicar cada vez mais tempo, energia e força para a organização do que para sua família e amigos (Cavassani, Cavassani & Biazin, 2006).
As organizações, em contrapartida, têm compreendido a importância de implantar um ambiente de trabalho harmônico e respeitoso, que traga bem-estar, conforto, segurança ao trabalhador, contribuindo para uma melhor QVT (Cavassani et al., 2006). Considerando que são as pessoas que compõem as empresas e que, por isso, é importante que elas estejam motivadas e envolvidas, a QVT pode ser considerada primordial para que a empresa tenha condições de alcançar melhores resultados (Santos, Andrade & Woehl, 2015).
Na visão de Chiavenato (2014) a QVT é um resultado complexo e multidisciplinar que envolve diversos fatores, como salário percebido, relacionamento humano tanto na equipe quanto na organização, benefícios auferidos, liberdade de atuar e de tomar decisões, ambiente psicológico e físico de trabalho, engajamento, reconhecimento por resultados alcançados e possibilidade de futuro na organização.
Ademais, Chiavenato (2014) salienta que, para alcançar níveis elevados de produtividade e qualidade, as organizações necessitam de pessoas motivadas que participem ativamente do trabalho que executam e que sejam recompensadas de forma justa pelas suas contribuições. O autor enfatiza que a competitividade organizacional, a qualidade e a produtividade passam obrigatoriamente pela QVT, ou seja, para atender bem o seu cliente externo, a organização precisa antes satisfazer o seu cliente interno, pois as empresas que investem nos seus colaboradores estão investindo indiretamente no seu cliente.
A respeito de estudos anteriores que abordaram o tema, são aqui indicadas investigações que tomaram como referência o instrumento QVP-35. Mayer (2006) buscou identificar níveis de QVP e de Burnout de policiais militares da cidade de Campo Grande (Mato Grosso do Sul). Com base em uma amostra de 240 profissionais, foi identificada uma alta QVP, com resultados superiores para a dimensão de motivação intrínseca e resultados inferiores para a dimensão de apoio organizacional.
O estudo de Soares (2008) explorou as relações entre mobbing, Burnout e qualidade de vida no trabalho em uma amostra composta por 89 funcionários de uma universidade privada de Campo Grande, composta tanto por docentes quanto por técnicos administrativos. Também utilizando o QVP-35 como instrumento para identificação da QVP, identificou-se para esse grupo resultados negativos para as dimensões de carga de trabalho e apoio organizacional, enquanto resultados positivos foram identificados para a dimensão de motivação intrínseca.
Por fim, o estudo de Pereira Jr. (2013) teve como objetivo avaliar a QVP de médicos especialistas em medicina geral e familiar de uma instituição portuguesa. De forma semelhante ao observado no estudo de Mayer (2006), os resultados revelaram uma média superior para a dimensão de motivação intrínseca e média inferior para a dimensão de apoio organizacional, alcançando uma QVP percebida de 6,38 (zero a dez).
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 SELEÇÃO DA AMOSTRA
Esta pesquisa se classifica como descritiva e possui abordagem quantitativa, se enquadrando como survey. A amostra foi selecionada por conveniência, delimitada por profissionais que atuam em escritórios contábeis na região Sudoeste do estado do Paraná. Obtiveram-se 100 questionários respondidos, sendo que, destes, 93 foram considerados válidos para análise, pois haviam sido respondidos de forma completa.
3.2 COLETA DE DADOS
O questionário é composto de três blocos: o primeiro refere-se à Síndrome de Burnout, o segundo diz respeito à Qualidade de Vida Profissional e o terceiro é referente à caracterização dos respondentes.
No primeiro bloco foi utilizado o Copenhagen Burnout Inventory (CBI), ou Inventário de Copenhagen, do estudo de Melani (2016), o qual foi traduzido e validado no Brasil por Campos et al. (2013), a partir do estudo original desenvolvido no Centro Nacional de Pesquisa do Ambiente de Trabalho na Dinamarca por Tage S. Kristensen e Marianne Borritz. Vale ressaltar que o questionário CBI é de domínio público.
O CBI tem por objetivo detectar os níveis da Síndrome de Burnout, o qual é composto por 19 questões, sendo dividido em três dimensões. A primeira dimensão, com seis questões, diz respeito ao Burnout pessoal, que se refere ao grau de exaustão/fadiga física ou psicológica que o indivíduo está experimentando em longo prazo. A segunda dimensão é Burnout relacionado ao trabalho, com sete questões, que está ligado ao grau de exaustão/fadiga física ou psicológica relacionado ao trabalho, no qual o objetivo é saber como as pessoas interligam os sintomas de exaustão/fadiga com a sua atividade ocupacional. E a última dimensão é Burnout relacionado ao cliente, com seis questões, em que se analisa o grau de exaustão/fadiga com o trabalho relacionado ao cliente.
O CBI permite dois tipos de formato de resposta, sendo uma para frequência, com as seguintes opções de resposta: (1) sempre, (2) frequentemente, (3) algumas vezes, (4) raramente e (5) nunca; e outra para intensidade, sendo: (1) num nível muito alto, (2) num nível alto, (3) um pouco, (4) num nível baixo e (5) num nível muito baixo. Ou seja, por meio do CBI, quanto maior o valor atribuído na escala, menor o Burnout.
A frequência e intensidade de cada sentimento foram avaliadas nas três dimensões e pontuadas numa escala com cinco opções: ‘sempre’ ou ‘num grau muito elevado’ (100%), ‘frequentemente’ ou ‘num grau elevado’ (75%), ‘algumas vezes’ ou ‘um pouco’ (50%), ‘raramente’ ou ‘num grau muito baixo’ (25%), e ‘nunca’ ou ‘quase nunca’ (0%).
O CBI não define um ponto de corte, pois seus autores consideram que pode ocorrer Burnout em um nível muito alto até um nível muito baixo. Portanto, para fins de análise dos dados, neste estudo, considerou-se agrupar as categorias em categoria zero (0) para os itens relativos aos escores 0, 25 e 50% respectivamente, considerando esses os níveis mais baixos; e categoria um (1) para os itens relativos aos escores 75 e 100%, respectivamente, considerando esses os níveis mais altos.
No segundo bloco foi utilizado o questionário Qualidade de Vida Profissional (QVP–35) do estudo de Guimarães, Mayer, Bueno, Minari e Martins (2014), desenvolvido por Cabezas-Peña (1999) e validado para uso no Brasil por Guimarães e Cardoso (2004). A validação brasileira apresentou características satisfatórias de confiabilidade ao se obter um Alfa de Cronbach de 0,81 para os domínios e 0,89 para os quesitos. Tal instrumento permite uma medida multidimensional da QVP através de 35 questões fechadas relacionadas à percepção que o trabalhador tem das condições de seu trabalho. A autorização para utilização do questionário foi devidamente obtida junto aos autores.
As questões desse bloco são agrupadas em oito dimensões: (I) Desconforto Relacionado ao Trabalho (DRT) (D1, cinco itens); (II) Apoio Organizacional (AO) (D2, dez itens); (III) Carga de Trabalho (CT) (D3, cinco itens); (IV) Recursos Relacionados ao Trabalho (RRT) (D4, quatro itens); (V) Apoio Social (AS) (D5, três itens); (VI) Motivação Intrínseca (MI) (D6, quatro itens); (VII) Capacitação para o Trabalho (CRT) (D7, três itens); (VIII) Percepção sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) (D8, um item).
Posteriormente, essas dimensões são agrupadas em três dimensões, chamadas de dimensões resumidas de QVT (fatores): Apoio Organizacional (AO), Carga de Trabalho (CT) e Motivação Intrínseca (MI). Cada questão é respondida de acordo com o grau de concordância ou discordância, por meio de uma escala tipo Likert, de “1” a “10”, que abrange as categorias: “Nada” (valores 1-2), “Pouco” (3-4-5), “Bastante” (6-7-8) e “Muito” (9-10). O terceiro e último bloco é composto por 15 questões para caracterização dos respondentes. Para melhor visualização da estrutura do questionário, sua composição é apresentada na Tabela 1.

3.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
Para coleta dos dados, primeiramente, entrou-se em contato com os proprietários dos escritórios contábeis, via telefone, e-mail e Messenger®, para marcar uma data para aplicação do questionário. Assim, após o aceite, a aplicação do instrumento de pesquisa foi realizada, o que ocorreu durante os meses de agosto e setembro do ano de 2019.
O questionário foi administrado individualmente, no local de trabalho dos colaboradores, mediante a apresentação de um Termo de Livre Consentimento e Esclarecimento, com a finalidade de autorizar a utilização dos dados na referida pesquisa. Após a autorização, os participantes responderam o instrumento de coleta de dados composto pelos blocos CBI, QVP-35 e de caracterização do respondente.
Após os questionários respondidos, procedeu-se a tabulação dos dados, com propósito inicial de verificar as respostas válidas. Dos 100 questionários respondidos, 93 foram considerados válidos para a análise. Feito isto, foram calculados média e desvio-padrão para cada questão, este último a fim de verificar o grau de dispersão das respostas.
Para análise da Síndrome de Burnout, as questões foram separadas em uma escala de 100%, 75%, 50%, 25% e 0% e, após isso, somaram-se as escalas 100% e 75%, para descobrir o nível mais alto de Burnout, ao passo que, para descobrir o percentual do nível mais baixo de Burnout, somaram-se as escalas 50%, 25% e 0%.
Para análise da Qualidade de Vida Profissional, foi somada a pontuação referente a cada questão, chegando a um número total de pontos. Este valor foi dividido pelo número de questões de cada dimensão a fim de se descobrir a média, que representa o escore da dimensão. Assim, foi possível conhecer a classificação de cada dimensão analisada. Por fim, após realizar o teste de normalidade na amostra, foi aplicado o teste de correlação entre as dimensões da Síndrome de Burnout com as dimensões da Qualidade de Vida Profissional (QVP), a fim de verificar relação entre elas.
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
4.1 PERFIL DO RESPONDENTE
Em relação ao perfil dos respondentes, 75% pertencem ao sexo feminino, 77% possui idade entre 16 e 36 anos, 53% dos respondentes são solteiros enquanto 42% casados. Em relação à formação, 35% possuem ensino superior incompleto, 33% ensino superior completo e 28% pós-graduação no nível especialização. No que diz respeito à carga horária de trabalho, 62% trabalham acima de 40 horas semanais e 33% trabalham entre 20 e 40 horas semanais. Quanto ao tempo de atuação na empresa atual, 54% dos respondentes afirmaram pertencer ao quadro funcional empresa há no máximo cinco anos, enquanto 24% estão vinculados à empresa atual há um período entre seis e dez anos.
4.2 SÍNDROME DE BURNOUT
Na Tabela 2 são apresentados os resultados do questionário CBI do constructo “Burnout pessoal”. Como mencionado na seção de metodologia, a dimensão “Burnout pessoal” é definida como o grau de fadiga e exaustão física e psicológica vivenciado pela pessoa (Kristensen, Borritz, Villadsen & Christensen, 2005).

Observa-se, na Tabela 2, que na maioria das respostas (média de 44,3%) prevalece o escore 50% (algumas vezes ou um pouco), o qual, neste estudo, é considerado uns dos níveis baixos de Burnout. Em relação às perguntas, nota-se que, a que teve maior frequência de respostas no escore 50%, foi a pergunta 2, com 60,2%, seguida da pergunta 1 (58,1%). A Tabela 3 diz respeito ao Burnout relacionado ao trabalho, o qual é definido como o grau de fadiga e exaustão física e psicológica vivenciado no trabalho (Kristensen et al., 2005).

Na Tabela 3, observa-se que a maioria das respostas (39,90%) se centrou no escore 50%, da mesma forma como o ocorrido para o Burnout pessoal. Dentre as perguntas que ficaram com maior percentual na faixa de escore 50%, a que mais se destaca foi a questão 12, em que 53,8% dos participantes relataram que o seu trabalho lhe causa frustações de forma moderada. Na sequência, ressalta-se a questão 7, em que 50,5% dos respondentes declararam que algumas vezes se sentem esgotados ao final de um dia de trabalho. Por último, a Tabela 4 apresenta os resultados encontrados na dimensão Burnout relacionado ao cliente, o qual é definido como o grau de fadiga e exaustão física e psicológica percebida pela pessoa em seu trabalho com os clientes (Kristensen et al., 2005).

Percebe-se, na Tabela 4, que a maioria das respostas (31,5%) se concentra no escore 25%. Ao verificar as perguntas, nota-se que, em relação à questão 14, 46,2% dos participantes consideram um pouco difícil trabalhar com seus clientes e 40,9% acham, em um nível baixo, frustrante trabalhar com seus clientes.
Como citado no capítulo 3.2, o CBI não possui um ponto de corte, pois segundo seus idealizadores, o Burnout pode ocorrer de um nível muito baixo até um nível muito alto. Portanto, neste estudo, para fins de análise dos dados, optou-se em agrupar as categorias conforme exposto na Tabela 5.

Ao analisar a Tabela 5, verifica-se que, nos profissionais de escritórios de contabilidade pesquisados, 17% apresentaram um nível elevado de Burnout a nível pessoal; em relação ao Burnout associado ao trabalho, 21,4% dos profissionais apresentam um nível elevado; já na dimensão relacionado ao cliente, 10,6% estão com um nível elevado. Indica-se, portanto, que os profissionais respondentes se concentram majoritariamente em um nível baixo de Burnout nas três perspectivas investigadas, havendo maior concentração de nível alto de Burnout na perspectiva relacionada ao trabalho.
Com intuito de comparar os níveis baixos versus níveis altos de Burnout dessa pesquisa com estudos antecedentes sobre o tema que utilizaram o questionário CBI para avaliar a Síndrome de Burnout nos trabalhadores de serviços humanos, elaborou-se a Tabela 6, na qual consta a separação dos níveis elevados e baixos de cada pesquisa. Cabe citar que o estudo de Fonte (2011) foi realizado em enfermeiros portugueses; Freitas et al. (2015), em médicos; Fernandes (2016), em médicos ortopedistas portugueses; e Silva (2016), em cuidadores formais. Considerando que as amostras pesquisadas são diferentes, suas comparações são realizadas com a devida cautela.

Ao comparar os dados desta pesquisa com estudos precedentes de Silva (2016), Fernandes (2016) e Freitas et al. (2015), verificou-se os menores níveis de Burnout no constructo de Burnout relacionado ao cliente. Já no estudo de Fonte (2011), o menor nível se apresentou no constructo Burnout pessoal. Ao comparar os níveis mais elevados de Burnout, observa-se que, nos estudos de Silva (2016) e Fonte (2011), o percentual mais elevado está no constructo Burnout relacionado ao trabalho, com 13% e 42,5% respectivamente. No estudo de Fernandes (2016) e Freitas et al. (2015), o constructo com nível mais elevado é o Burnout pessoal com 55,6% e 32,5% respectivamente.
Portanto, ao analisar os estudos anteriores referentes aos níveis de Burnout, pode-se dizer que há resultados condizentes com esta pesquisa, já que o nível mais baixo encontrado está no constructo Burnout relacionado ao cliente e o mais elevado está no Burnout relacionado ao trabalho. Entretanto, também é possível notar que, em comparação aos estudos anteriores, a amostra da presente pesquisa apresentou os níveis mais baixos de Burnout, nas três categorias analisadas, em exceção ao estudo de Silva (2016).
4.3 QUALIDADE DE VIDA PROFISSIONAL
A Qualidade de Vida Profissional (QVP) depende de diversos fatores, alguns de natureza familiar ou pessoal, como estado civil, apoio familiar, idade, sexo, além de outros estritamente laborais, como remuneração e carreira profissional (Fernández, 2002). Para analisar a QVP foi aplicado o questionário QVP-35 nos profissionais contábeis. A Tabela 7 evidencia as classificações das oito dimensões do QVP-35 com suas médias e desvios-padrão.

Legenda: Desconforto Relacionado ao Trabalho (DRT); Apoio Organizacional (AO); Carga de Trabalho (CT); Recursos Relacionados ao Trabalho (RRT); Apoio Social (AS); Motivação Intrínseca (MI); Capacitação para Trabalho (CRT); Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).
Na análise da Tabela 7, percebe-se que a amostra estudada indica possuir muita Qualidade de Vida no Trabalho (média = 6,5), sugerindo que os profissionais estudados percebem o seu trabalho como um meio de se obter satisfação. Este resultado se dá principalmente pelos achados na dimensão Motivação Intrínseca (média = 7,6) e Apoio Organizacional (média = 6,1). De acordo com Martínez, Suárez, Cabrera, García e Tapia (2007), a satisfação em seu trabalho é uma das variáveis mais importantes relacionadas com o comportamento organizacional e qualidade de vida. Na Tabela 8, consta a classificação das três dimensões (fatores) do QVP-35 e a dimensão da QVT.

Ao analisar a Tabela 8, percebe-se que a dimensão que teve maior pontuação foi a Qualidade de Vida no Trabalho (média = 6,5), classificada como “muito”. Quanto às demais três dimensões do QVP-35, nota-se que o Apoio Organizacional e a Motivação Intrínseca também estão classificadas como “muito”, ou seja, levando ao entendimento de que estes fatores levam à percepção de alta qualidade de vida no trabalho.
Com o intuito de comparar os achados desta pesquisa com os resultados de estudos precedentes que utilizaram o questionário QVP-35 para avaliar a Qualidade de Vida no Trabalho, os dados estão apresentados a seguir na Tabela 9. Cabe citar que o estudo de Mayer (2006) foi realizado em policiais militares; Soares (2008) em trabalhadores de uma instituição universitária; e Pereira Jr. (2013) em médicos. Contudo, muito embora as amostras pesquisadas sejam diferentes, suas comparações são realizadas com a devida cautela.

Ao analisar a Tabela 9, referente aos estudos precedentes, percebe-se que os trabalhadores possuem muita motivação intrínseca, de modo que os resultados se assemelham com os resultados obtidos nesta pesquisa, apesar da média para a dimensão “Motivação Intrínseca” ser inferior ao observado em estudos anteriores. Em relação ao apoio organizacional, os achados dos estudos precedentes evidenciam que os trabalhadores expressam pouco apoio organizacional, diferentemente dos achados desta pesquisa na qual a média dessa dimensão é classificada como “muito”. Já referente à carga de trabalho, em todos os estudos precedentes esta dimensão ficou classificada como pouco, e os resultados encontrados se assemelham ao desta pesquisa. Por fim, em relação à qualidade de vida no trabalho, percebe-se nos estudos anteriores que a classificação foi “muito”, da mesma forma como o observado no presente estudo.
Sendo assim, ao contrastar este estudo com investigações precedentes que utilizaram o QVP-35, percebe-se que os achados precedentes se assemelham com achados desta pesquisa, sendo que a única dimensão que apresentou uma classificação diferente foi o apoio organizacional.
4.4 CORRELAÇÃO DO BURNOUT COM A QUALIDADE DE VIDA PROFISSIONAL
Para que fosse possível analisar as correlações entre as dimensões da Síndrome de Burnout com as dimensões da Qualidade de Vida Profissional (QVP), primeiramente foi necessário verificar a normalidade dos dados. Para isso, aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov (KS) nas variáveis BP (Burnout Pessoal); BT (Burnout Relacionado ao Trabalho); BC (Burnout Relacionado ao Cliente); DRT (Desconforto Relacionado ao Trabalho); AO (Apoio Organizacional); CT (Carga de Trabalho); RRT (Recursos Relacionados ao Trabalho); AS (Apoio Social); (MI) Motivação Intrínseca; CRT (Capacitação para o Trabalho); e Percepção sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).
Para as variáveis BP, BT, AS, MI e QVT, o teste KS indicou a não normalidade dos dados, em um nível de significância de 5%. Com isso, foi utilizado o teste de Spearman, não paramétrico, para avaliar a correlação entre as dimensões da Síndrome de Burnout com as do instrumento da Qualidade de Vida Profissional (QVP). Em um nível de significância de 5%, os resultados indicaram que existe uma relação significativa entre as variáveis, contudo, com base no coeficiente de correlação obtido (0,666), nota-se que a intensidade da maior correlação obtida é moderada e positiva. Segundo Pett, Lackey e Sullivan (2003), considera-se correlação moderada quando o coeficiente obtido for entre 0,50 e 0,69.
Os dados obtidos com a pesquisa permitem afirmar que existe, em sua maioria, correlação significativa negativa baixa em relação à Burnout e a Qualidade de Vida Profissional, ou seja, neste estudo notou-se que a Síndrome de Burnout não interfere de forma intensa na Qualidade de Vida no Trabalho. Na Tabela 10 constam os resultados da correlação entre as duas variáveis.

Na Tabela 10, em relação à correlação das dimensões da Síndrome de Burnout com as dimensões da Qualidade de Vida Profissional, os resultados apontam uma correlação significativa, em sua maioria, negativa baixa, significando que o Burnout não interfere de forma acentuada na Qualidade de Vida Profissional. Para essa interpretação, ressalta-se que o instrumento CBI fornece uma escala invertida a respeito de Burnout, ou seja, quanto maior o valor atribuído na escala, menor o Burnout em suas dimensões.
Dentre estas dimensões do CBI, a dimensão e constructo que demonstrou maior correlação significativa negativa baixa foi “Burnout Relacionado ao Cliente” e “Desconforto Relacionado ao Trabalho” (r. = -0,488; p = 0,000), ao passo que as dimensões e constructos que demonstraram maior correlação significativa positiva baixa entre si foram “Burnout Pessoal” e “Motivação Intrínseca” (r. = 0,436; p = 0,000).
Em termos gerais, destaca-se, nos achados, a existência de correlações significativas entre os três constructos de Burnout com os fatores: (i) “Desconforto Relacionado ao Trabalho” (correlação negativa, em que, considerando o CBI em escala inversa, quanto menor o Burnout, menor o escore do desconforto relacionado ao trabalho para a identificação da Qualidade de Vida Profissional, já que o desconforto relacionado ao trabalho contribui negativamente para a QVP); (ii) e “Motivação Intrínseca” (correlação positiva, em que, considerando a escala inversa do CBI, quanto menor o Burnout, maior o escore de motivação intrínseca para a identificação da Qualidade de Vida Profissional, já que a motivação intrínseca contribui positivamente para a QVP).
Ao analisar a correlação das três dimensões de CBI entre si, percebe-se uma correlação significativa positiva moderada. No que diz respeito à correlação entre as oitos dimensões da Qualidade de Vida Profissional, a dimensão “Desconforto Relacionado ao Trabalho” demonstrou uma baixa correlação significativa negativa com a “Motivação Intrínseca” (r. = -0,297; p = 0,004) e a “Qualidade de Vida no Trabalho” (r. = -0,204; p = 0,050), assim, quanto maior o “Desconforto Relacionado ao Trabalho”, menor é a “Motivação Intrínseca” e a “Qualidade de Vida no Trabalho”. A “Carga de Trabalho” demonstrou uma correlação moderada significativa positiva com o “Desconforto Relacionado ao Trabalho” (r. = 0,533; p = 0,000), significando que, quanto maior a “Carga de Trabalho”, maior o “Desconforto Relacionado ao Trabalho”. O “Apoio Organizacional” demonstrou uma moderada correlação significativa positiva com a “Motivação Intrínseca” (r. = 0,665; p = 0,000), assim, quanto maior o “Apoio Organizacional”, maior é a “Motivação Intrínseca”.
Em relação à “Carga de Trabalho”, esta demonstrou uma baixa correlação significativa positiva com os “Recursos Relacionados ao Trabalho” (r. = 0,275; p = 0,008), ou seja, quanto maior a “Carga de Trabalho”, maior os “Recursos Relacionados ao Trabalho”. A dimensão “Recursos Relacionados ao Trabalho” demonstrou uma moderada correlação significativa com a “Motivação Intrínseca” (r. = 0,633; p = 0,000), assim, quanto maior os “Recursos Relacionados ao Trabalho” maior é a “Motivação Intrínseca”. O “Apoio Social”, por sua vez, demostrou uma baixa correlação positiva com a “Motivação Intrínseca” (r. = 0,456; p = 0,000). Na mesma linha, a “Motivação Intrínseca” demonstrou baixa correlação significativa positiva com a “Qualidade de Vida no Trabalho” (r. = 0,482; p = 0,000), e a “Capacitação Relacionado ao Trabalho” demonstra uma moderada correlação positiva com a “Qualidade de Vida no Trabalho” (r. = 0,501; p = 0,000).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da relação entre a Síndrome de Burnout e a Qualidade de Vida Profissional em colaboradores de escritórios contábeis da região Sudoeste do estado do Paraná, foco do presente estudo, revelou baixos índices de correlação entre as variáveis pesquisadas. Os constructos do instrumento CBI, ao serem correlacionados com as dimensões da QVP, apresentaram, em sua maioria, baixa correlação significativa positiva, revelando que, na amostra estudada, não se demonstrou uma relação intensa entre a Síndrome de Burnout e a Qualidade de Vida no Trabalho. Todavia, a correlação entre Burnout e QVP revelou que, quanto maior a QVP, menor o Burnout, o que vai ao encontro do que poderia se pressupor a partir do referencial teórico levantado a respeito destes dois conceitos.
Em específico, a análise de dados revelou como principais correlações significativas as apresentadas entre os três constructos de Burnout e os fatores: “Desconforto Relacionado ao Trabalho”, indicando que, quanto maior o desconforto relacionado o trabalho, maior o Burnout; e “Motivação Intrínseca”, indicando que, quanto maior a motivação intrínseca, menor o Burnout, ambos relacionado à QVT.
Quanto ao Burnout, de forma isolada, são notórios os resultados obtidos nesta pesquisa em comparação a estudos anteriores que utilizaram o Inventário de Copenhagen (CBI) para sua identificação. Os achados revelaram que os níveis de Burnout dos profissionais que atuam em escritórios contábeis são inferiores para os três constructos à maioria dos estudos anteriores, sugerindo que estes profissionais possuem resultados favoráveis nesta perspectiva.
Todavia, os resultados apresentados devem ser observados com cautela, pois, como indicado no referencial teórico, por mais que o profissional tenha uma percepção de QVP alta, atribuindo alto apoio organizacional e alta motivação intrínseca, mesmo assim ele pode desenvolver a Síndrome de Burnout. Isso porque, de acordo com Freudenberger (1975), as pessoas mais motivadas e dedicadas ao trabalho estão mais propensas a desenvolver Burnout, pelo fato não só de exercerem uma pressão interna, mas também ao buscarem responder às pressões externas para cumprimento de seus objetivos. A correlação observada entre os fatores de Burnout e a dimensão de motivação intrínseca suporta essa ressalva.
Da mesma forma, vale ressaltar que o desenvolvimento da Síndrome de Burnout é vagaroso e cumulativo, portanto, nem sempre o indivíduo a percebe em seus estágios iniciais (Carlotto, 2002), sendo que algumas características da amostra de pesquisa, composta por sua maioria por pessoas de menor faixa etária e com tempo de empresa relativamente baixo, podem ter contribuído para este resultado. Por isso, não se deve afastar a atenção dos profissionais da área para esta síndrome, bem como dos seus empregadores, visto que foi identificado nesta pesquisa que o fator com maior nível de Burnout está relacionado ao trabalho.
Já em relação à QVP, os achados deste estudo se diferenciam a estudos anteriores que utilizaram o instrumento QVP-35 especialmente quanto ao fator “Apoio Organizacional”, em que, no estudo em tela, os respondentes indicaram que há muito apoio organizacional, em contraste aos estudos anteriores que revelaram o resultado “pouco” para a mesma dimensão.
Fernández (2002) cita que a QVP depende de vários fatores, alguns de natureza familiar/pessoal, outros estritamente laborais, estes por serem comuns em toda a organização, que só podem ser modificados por mudanças que dependem de âmbitos superiores. Portanto, diante desta notória diferenciação sobre o aspecto “Apoio Organizacional”, estudos futuros são sugeridos no sentido de explorar as características distintivas quanto ao apoio organizacional existente nos escritórios contábeis, de modo a possibilitar achados que possam contribuir para a melhoria na Qualidade de Vida no Trabalho em outros campos de atuação do profissional contábil ou até mesmo para outros campos profissionais, contribuindo inclusive para a realização de ações de fomento de qualidade de vida no trabalho por entidades profissionais da área contábil.
Diante da alegada importância de se estabelecer uma agenda de pesquisa envolvendo a QVT dos profissionais de contabilidade (Ayres et al., 2016), o presente estudo busca contribuir para o desenvolvimento de trabalhos acadêmicos que tenham este enfoque, incluindo como contribuição a esta agenda a investigação da relação entre QVT e SB. Entende-se, portanto, que esta agenda poderá se beneficiar com a realização de novos estudos relacionando tais variáveis em regiões geográficas distintas, de modo a verificar semelhanças e diferenças no comportamento desta relação, visto que os resultados aqui apresentados se limitam à realidade de uma única região (Sudoeste do Paraná), bem como ao explorar sua relação com variáveis sociodemográficas, também considerando possíveis limitações destes resultados por conta do perfil da amostra da pesquisa, composta principalmente por profissionais de menor faixa etária, tempo de empresa relativamente baixo e pertencentes ao gênero feminino.
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