Resumo: Estudo transversal, com abordagem quantitativa, realizado em residências da zona urbana da cidade de Uberaba – MG, como parte do Inquérito de Saúde da Mulher, em 2014, cujo objetivo foi analisar a prevalência de Transtorno Mental Comum (TMC) e sua associação com as características sociodemográficas. Compuseram a amostra, 1540 mulheres, com idades variando de 18 a 94 (49,53±17,17) anos, com média de 8,30 (±5,13) anos de estudos e renda per capita média de 774,48 (±775,67) reais. A prevalência de indicativo de TMC entre as mulheres foi de 34,2% (n=526). A maioria se encontrava em união estável (51,7%), 55,1% se auto declararam brancas, 41,6% se consideraram chefes de família e 36,2% realizavam trabalho remunerado. Houve associação de TMC com menor escolaridade (p=0,001), menor renda per capita (p=0,001), menor satisfação com o local de moradia (p=0,001) e maior número de pessoas na residência (p=0,018), assim como com a insuficiência de dinheiro para satisfazer as necessidades (p=0,001). O indicativo de TMC em mulheres está relacionado com as características sociodemográficas e indicadores de qualidade de vida, revelando o impacto das vulnerabilidades sociais acerca da população feminina e a relação com desenvolvimento de adoecimento mental.
Palavras-chave:Transtornos mentaisTranstornos mentais,MulheresMulheres,Inquéritos epidemiológicosInquéritos epidemiológicos.
Abstract: Cross-sectional study with a quantitative approach, carried out in residences located in the urban area of the city of Uberaba - MG, as part of the Women's Health Survey (Inquérito de Saúde da Mulher), in 2014, that sought to analyze the prevalence of Common Mental Disorder (CMD) and its association with sociodemographic characteristics. The sample consisted of 1,540 women, with ages ranging from 18 to 94 (49.53 ± 17.17) years, with an average of 8.30 (± 5.13) years of education and average per capita income of 774.48 (± 775.67) reais. The prevalence of CMD signs among women was 34.2% (n = 526). Most were in civil unions (51.7%), 55.1% declared themselves white, 41.6% considered themselves to be the heads of their family and 36.2% had a paying job. There was an association of CMD with less years of education (p = 0.001), lower per capita income (p = 0.001), less satisfaction with current living accommodations (p = 0.001) and a greater number of people living in the residence (p = 0.018), as well as insufficient money to meet needs (p = 0.001). The indicative of CMD in women is related to sociodemographic characteristics and quality of life indicators, revealing the impact of social vulnerabilities on the female population and its relation to the development of mental illness.
Keywords: Mental disorders, Women, Health surveys.
Resumen: Estudio transversal, con un enfoque cuantitativo, realizado en residencias de la zona urbana de la ciudad de Uberaba - MG, como parte de la Encuesta de Salud de la Mujer, en 2014, cuyo objetivo fue analizar la prevalencia del Trastorno Mental Común (TMC) y su asociación con las características sociodemográficas. La muestra fue compuesta por 1540 mujeres, con edades comprendidas entre los 18 y los 94 (49,53±17,17) años, una media de 8,30 (±5,13) años de estudios y un ingreso medio per cápita de 774,48 (±775,67) reales. La prevalencia del indicativo de TMC entre las mujeres fue del 34,2% (n=526). La mayoría estaba en una pareja de hecho (51,7%), el 55,1% se declararon blancas, el 41,6% se consideraba la cabeza de la familia y el 36,2% realizaba trabajo remunerado. Hubo asociación de TMC con menos escolaridad (p=0,001), menos ingresos per cápita (p=0,001), menos satisfacción con el lugar de habitación (p=0,001) y mayor número de personas en la residencia (p=0,018), así como con la insuficiencia de dinero para satisfacer las necesidades (p=0,001). El indicativo de TMC en las mujeres está relacionado con las características sociodemográficas y los indicadores de calidad de vida, lo que revela el impacto de las vulnerabilidades sociales en la población femenina y la relación con el desarrollo de enfermedades mentales.
Palabras clave: Transtornos mentales, Mujeres, Encuestas epidemiológicas.
Artigos originais
Aspectos sociodemográficos e transtorno mental comum em mulheres de um município mineiro*
Sociodemographic aspects and common mental disorders in a town in the state of Minas Gerais
Aspectos sociodemográficos y trastornos mentales comunes en las mujeres de un municipio de Minas Gerais

Recepção: 13 Janeiro 2020
Aprovação: 15 Junho 2020
Os adoecimentos mentais estão incluídos no quadro de doenças crônicas não transmissíveis, sendo um desafio e preocupação para saúde global, devido ao impacto sobre o bem-estar físico e social da população01. Estudos apontam que cerca de 20 a 25% da população sofrerá com algum transtorno mental em algum momento da vida. No mundo, 322 milhões de pessoas estão vivendo com transtorno mental02 e no Brasil tem-se uma estimativa de 32 a 50 milhões de pessoas03.
Segundo o último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2017, a depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015, atingindo 5,8% da população brasileira (11.548.577) e os distúrbios relacionados à ansiedade afetam 9,3% (18.657.943) das pessoas que vivem no Brasil02.
O Transtorno Mental Comum (TMC) são sintomas não psicóticos, caracterizados por sintomas depressivos como estado de ansiedade e um conjunto de queixas somáticas inespecíficas04.
A ocorrência do TMC têm maior prevalência nas mulheres, em especial, as que apresentam baixo nível de escolaridade, não moram com seus respectivos companheiros ou possuem uma relação “ruim” com o mesmo05, têm baixo rendimento salarial ou trabalho doméstico sem remuneração, têm filhos, são chefes de família06 e vivem em moradia emprestada ou doada07. A falta de atividade física e lazer também são fatores contribuintes para o desenvolvimento do TMC assim como a questões relacionadas a saúde reprodutiva05.
Na população idosa a prevalência de TMC continua sendo maior entre as mulheres08, assim como entre a população adulta de 18 a 59 anos, condição que se relaciona com aspectos os aspectos sociodemográficos07.
Compreender as condições de saúde-doença do indivíduo é de total relevância, uma vez que estas se desenvolvem mediante a um conjunto de “processos críticos”, que podem ser benéficos, levando a estado de saúde destrutivos e deteriorantes e, à condições insalubres e de vulnerabilidade09
Considerando as mulheres como população mais vulnerável às condições sociodemográficas e socioculturais em que estão inseridas e a magnitude de adoecimento psíquico entre as mesmas, a identificação da relação dos fatores associados com o TMC são de grande relevância para planejamento e execução de ações de promoção de saúde e prevenção do adoecimento.
O objetivo desse estudo foi analisar a prevalência de Transtorno Mental Comum (TMC) e sua associação com as características sociodemográficas em mulheres.
Estudo transversal, com abordagem quantitativa, parte de um projeto designado Inquérito de Saúde da Mulher em Uberaba - MG (ISA MULHER Uberaba - MG), realizado em residências da zona urbana da cidade em 2014, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), sob CAAE nº 1826.
As mulheres participantes foram selecionadas a partir de uma amostragem probabilística em múltiplos estágios10. Foram incluídas mulheres acima de 18 anos, que aceitaram participar da pesquisa, leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram excluídas as que não responderam os questionários completamente.
As características sociodemográficas foram autorrelatadas e indicadas por idade, anos de escolaridade, renda per capita, estado civil (sem união estável - solteira, separada ou viúva e em união estável, casada ou vivendo com companheiro), chefiar a família e exercer trabalho remunerado.
Para avaliação do TMC utilizou-se como instrumento o Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20). Essa é uma versão que aborda aspectos psicoemocionais, proposta para triagem dos transtornos mentais comuns (TMC) 11. Este tem sido utilizado para rastreamento de transtornos mentais não-psicóticos. É um instrumento autoaplicável, com 20 perguntas com respostas categóricas (sim/não), sendo que cada resposta afirmativa soma um ponto ao escore final, calculado pelo somatório de todos os valores04. O resultado tem relação com a probabilidade de presença de TMC, sendo que no ponto de corte 7/8 são verificadas uma sensibilidade de 86,3% e especificidade de 89,3%12.
Ainda, foram analisados indicadores como: números de pessoas vivendo na residência e número de pessoas contribuinte para a renda; além de duas questões do questionário WHOQOL-bref13 que é um instrumento utilizado para avaliar a qualidade de vida global e percepções de saúde geral, contendo 26 questões que avaliam quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente14,15. No presente estudo foi utilizada a questão que avalia “satisfação com o local onde mora” e se “tem dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades”.
Para análise estatística descritiva foram utilizadas medidas como frequência, porcentagem, média e desvio-padrão A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Kolmogorov Smirnov e posteriormente realizada a análise bivariada, empregando-se os testes Qui quadrado e Mann Whitney, com nível de significância estatística de 5%.
Das 1556 mulheres de 18 anos ou mais entrevistadas, compuseram essa amostra, 1540 participantes. A exclusão ocorreu devido a incompletude de informações em algumas questões. A idade variou de 18 a 94 (49,53±17,17) anos de idade, com média de 8,30 (±5,13) anos de estudos e renda per capita média de 774,48 (±775,67) reais. A prevalência de indicativo de TMC entre as mulheres foi de 34,2% (n=526) (Tabela 1).
A maioria das mulheres se encontrava em união, correspondendo a 51,7% (n=796), 55,1% (n=849) se auto declararam brancas, 41,6% (n=641) e se consideraram chefes de família. Apenas 36,2% (n=557) realizavam trabalho remunerado (Tabela 1).
Com relação às condições de moradia, a média de pessoa em cada residência foi de 3,28 (±1,48) pessoas e de contribuinte para a renda familiar foi de 1,81 (±0,83) pessoas. Quanto a satisfação com as condições do local de moradia 80,6% (n=1242) das mulheres afirmaram estar “muito” e “completamente” satisfeitas com o local atual, no entanto ao serem questionadas se possuíam dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades, 36,6% (n=563) afirmaram estar “nada” ou “muito pouco” satisfeitas (Tabela 1).
O indicativo de TMC apresentou associação com menor escolaridade, menor renda per capita, nada/muito pouco satisfação com o local de moradia e com o maior número de pessoas em uma mesma residência, assim como nada/muito pouco dinheiro suficiente para satisfazer as necessidades (Tabela 1).

A prevalência de TMC foi de 34,2% (n=526). Esses números podem ser considerados altos, quando comparado aos dados da Organização Mundial de Saúde16 que apontam prevalências de 24% para a população, com os de uma revisão sistemática sobre a prevalência dos transtornos mentais na população feminina brasileira, que foi de 19% a 34%17, com o de uma meta-análise, que avaliou pessoas de 16 a 65 anos em todo o mundo e mostrou que 19,7% das mulheres apresentaram algum transtorno mental comum no último ano18 e com a encontrada em mulheres adultas no município de Campinas que foi de 18,7%04. O presente estudo mostra a TMC como um importante problema de saúde pública no município para essa população.
No presente estudo, exercer ou não trabalho remunerado não foi indicativo de TMC. Estudo19, revelou que o trabalho improdutivo/reprodutivo, falta de autonomia pessoal e financeira, invisibilidade social das atividades realizadas, vivência restrita ao espaço privado, relacionamentos conjugais disfuncionais e aprisionamentos ao papel materno foram alguns dos elementos identificados que circundavam a vida das mulheres donas de casa, moradoras do Distrito Federal e favoreceram a manifestação de desequilíbrios afetivos, sociais e emocionais. Por outro lado, no exercício do trabalho remunerado, o estresse ocupacional tem sido um dos grandes problemas do mundo moderno, pois ocasiona diversos problemas de saúde20.
Segundo o IBGE21, em 2016, no Brasil, as mulheres se dedicaram aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos, caracterizada como atividade reprodutiva, cerca de 73% a mais de horas do que os homens (18,1 horas contra 10,5 horas) e quando realizaram trabalhos remunerados, recebiam menos. Assim, mulheres empregadas e donas-de-casa apresentam fatores distintos que podem produzir adoecimento psíquico que, no entanto, geraram níveis similares de TMC nos dois grupos. Dessa maneira, outros fatores sociodemográficos, que não o trabalho remunerado, parecem ter influenciado o indicativo de TMC no presente estudo.
As mulheres com indicativo de TMC apresentaram renda per capita significativamente menor. A baixa renda é um dos fatores que colaboram para o desenvolvimento desse adoecimento, já que o aparecimento do mesmo tem relação com as condições de vida associadas com a pobreza, eventos estressantes, recursos sociais e econômicos limitados e outras desvantagens demográficas22. Estudo. traz o debate sobre o TMC e a pobreza, na qual a baixa renda, estando associada a condição de pobreza, possibilita determinar o meio em que vive o indivíduo, fazendo-o passar por situações de humilhação, violência, sentimento de inferioridade e impotência, contribuindo assim para o desenvolvimento do transtorno.
Houve maior prevalência de TMC em mulheres com maior número de pessoas por domicílio, e com menor satisfação com o local de moradia. Esse fenômeno pode ser explicado pelo fato de que quanto maior a precarização da moradia, maior é a sobrecarga doméstica, além das vulnerabilidades acerca do entorno do ambiente de residência23.
Menor escolaridade apresentou relação significativa com o TMC. Pesquisas apontam que mulheres com oito anos ou menos de estudos, apresentam alta prevalência para esse adoecimento04,24. Estudo transversal de base populacional realizado em Campinas/SP identificou que mulheres com até 8 anos de estudos apresentavam prevalência de TMC 2,67 vezes mais elevada do que aquelas com 13 anos ou mais, verificando que quanto maior a escolaridade menor a é prevalência de TMC04.
Essa associação pode acontecer pelo reflexo do processo educacional na vida do indivíduo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, assertividade e de capacitação para tomar decisões, que contribuem com a independência, a qualidade da alimentação e o bem-estar econômico, influenciando na saúde física e mental. Ainda, os recursos financeiros individuais proporcionados pelo trabalho remunerado tem interferência do nível educacional e, são fundamentais na associação entre educação e saúde25,26.
Identificou-se número significativamente maior de mulheres com TMC entre as que referiram “nada/muito pouco” dinheiro suficiente para satisfazer as necessidades (n=273, 48,5%). Esses resultados apontam, que as ações e estratégia em combate ao adoecimento mental das mulheres vão além do setor saúde, passando por melhores condições de escolaridade, moradia e renda adequada.
Esses fatores influenciam negativamente a saúde mental da população, estando relacionados aos sentimentos ligados à depressão e outros transtornos mentais em função de situações como fome, dor, trauma, violência doméstica e de sentimentos como humilhação, inferioridade, vergonha, falta de reconhecimento, percepção de falta de controle e impotência sobre o meio, vividos por categorias subalternizadas, caracterizam o ‘sofrimento social’ que estariam, possivelmente, na origem dos transtornos mentais27,28.
O indicativo de TMC em mulheres está relacionado a menor escolaridade, menor renda per capita, menor satisfação com o local de moradia, maior número de pessoas em uma mesma residência e insuficiência de dinheiro para satisfazer as necessidades, revelando o impacto das vulnerabilidades sociais acerca da população feminina e a relação com desenvolvimento de adoecimento mental.
A despeito das limitações metodológicas, por tratar-se de um estudo transversal e não evidenciar uma relação de temporalidade e utilização de medidas autorreferidas que podem conduzir a um viés de resposta, este estudo aponta a importância do SRQ-20 em avaliar o TMC, para o rastreamento da saúde mental. Identificar a presença destes agravos e dos seus fatores de risco na comunidade na busca de meios para atenuar ou eliminar as dificuldades e prestar melhor assistência a esta população.
