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O papel das redes para o desenvolvimento do turismo rural e da valorização dos produtos de origem
Giovanni Belletti; Andrea Marescotti
Giovanni Belletti; Andrea Marescotti
O papel das redes para o desenvolvimento do turismo rural e da valorização dos produtos de origem
The role of networks for the development of rural tourism and the valorization of origin products
El papel de las redes para el desarrollo del turismo rural y la valorización de los productos de origen
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Nas zonas rurais, o desenvolvimento é reorientado de forma a valorizar os recursos locais - físicos e socioculturais - com o objetivo de reter os benefícios na área o máximo possível. Os objetivos de desenvolvimento são definidos com base nas necessidades, capacidades e perspectivas dos agentes locais, enquanto a participação da população é um princípio fundamental e uma estratégia de ação. A pluralidade e heterogeneidade de agentes e interesses é, portanto, característica marcante da estratégia de qualidade territorial, cujo desenvolvimento e implementação costuma envolver a contribuição de diversas figuras econômicas. Neste ensaio, identificamos e discutimos a pluralidade de funções-chave que as redes podem desempenhar nos processos de desenvolvimento rural endógeno. A zona rural e seus processos de desenvolvimento endógeno, evidenciados pelos dois casos analisados - do agriturismo e da valorização dos produtos de origem - podem ser interpretados respectivamente como uma rede de redes, mais ou menos formalizada, resultantes de suas interações. Em particular, identificamos a função de construir conexões entre capitais para criar significados, ou seja, capital simbólico, caracterizado pelo desenvolvimento de funções econômicas / organizativas, pela criação e compartilhamento de padrões internos e gestão de bens comuns territoriais; soma-se a isso uma metafunção, uma governance eficaz da relação entre os agentes.

Palavras-chave: Desenvolvimento territorial, Sustentabilidade, Endógeno, Processos produtivos, Criação de valor.

Abstract: In rural areas, development is reoriented to enhance local resources-physical and sociocultural-with the aim of retaining the benefits in the area as much as possible. Development objectives are defined on the basis of the needs, capacities, and perspectives of local agents, while the participation of the population is a fundamental principle and strategy for action. The plurality and heterogeneity of agents and interests is therefore a defining characteristic of the territorial quality strategy, whose development and implementation usually involve the contribution of diverse economic figures. In this essay, we identify and discuss the plurality of key functions that networks can play in endogenous rural development processes. The rural area and its endogenous development processes, evidenced by the two cases analyzed - of agritourism and valorization of products of origin - can be interpreted respectively as a network of networks, more or less formalized, resulting from their interactions. In particular, we identify the function of building connections between capitals to create meanings, that is, symbolic capital, characterized by the development of economic / organizational functions, the creation and sharing of internal patterns and management of territorial commons; we add to this a metafunction, an effective governance of the relationship between agents.

Keywords: Territorial development, Sustainability, Endogenous, Productive processes, Value creation.

Resumen: En las zonas rurales, el desarrollo se reorienta para potenciar los recursos locales -físicos y socioculturales- con el objetivo de retener los beneficios en la zona en la medida de lo posible. Los objetivos de desarrollo se definen a partir de las necesidades, capacidades y perspectivas de los agentes locales, mientras que la participación de la población es un principio y una estrategia de actuación fundamentales. La pluralidad y heterogeneidad de agentes e intereses es, por tanto, un rasgo llamativo de la estrategia de calidad territorial, en cuyo desarrollo y aplicación suelen intervenir diversas figuras económicas. En este ensayo, identificamos y discutimos la pluralidad de funciones clave que las redes pueden desempeñar en los procesos de desarrollo rural endógeno. El espacio rural y sus procesos de desarrollo endógeno, evidenciados por los dos casos analizados -del agroturismo y de la valorización de los productos de origen- pueden interpretarse respectivamente como una red de redes, más o menos formalizadas, resultantes de sus interacciones. En particular, identificamos la función de construir conexiones entre capitales para crear significados, es decir, el capital simbólico, caracterizado por el desarrollo de funciones económicas/organizativas, la creación y puesta en común de patrones internos y la gestión de bienes comunes territoriales; a esto se añade una metafunción, una gobernanza efectiva de la relación entre agentes.

Palabras clave: Desarrollo territorial, Sostenibilidad, Endógena, Procesos productivos, Creación de valor.

Carátula del artículo

Territórios e transições para a sustentabilidade

O papel das redes para o desenvolvimento do turismo rural e da valorização dos produtos de origem

The role of networks for the development of rural tourism and the valorization of origin products

El papel de las redes para el desarrollo del turismo rural y la valorización de los productos de origen

Giovanni Belletti
Università degli Studi di Firenze, Italia
Andrea Marescotti
Università degli Studi di Firenze, Italia
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 30 Julio 2021

Aprobación: 26 Octubre 2021

1 A evolução da agricultura e do mundo rural

O desenvolvimento dos sistemas econômicos e sociais leva a diversificação de sistemas produtivos, nos quais o polimorfismo provoca uma crescente demanda de instrumentos de orientação para uma governance2 eficaz. As áreas rurais também vivenciaram uma transformação profunda, que as levou a diferentes configurações em termos de características dominantes, de dependência ou autonomia ou ainda de atraso ou desenvolvimento (Basile e Cecchi, 2001). Essa transformação foi condicionada pelas novas funções atribuídas pela sociedade às áreas rurais, cada vez menos associadas a zonas residuais e marginais ligadas a simples produção de alimentos, mas sempre mais vistas como áreas de assentamentos produtivos e residenciais, ligados também à proteção ambiental e à preservação das identidades locais.

O setor agrícola precisou enfrentar um importante processo de transformação que, por um lado, conduziu a uma forte contração do número de empresas agrícolas presentes no território e, por outro lado, levou a uma alteração na dimensão das atividades, bem como da natureza e da organização dos processos produtivos, com uma continua eliminação de fases do processo produtivo “tradicional” unida a aquisição de novas fases e funções em um processo de “fragmentação” e “recomposição” das atividades e um consequente rearranjo das relações entre empresas e a sociedade, tanto a nível local como global.

O conceito de multifuncionalidade expressa a diversificação das funções sociais que o setor agrícola desempenha hoje (Velasquez, 2001): manter a vitalidade e um certo nível de desenvolvimento socioeconômico das áreas rurais (especialmente naquelas marginalizadas e desfavorecidas), garantir a segurança alimentar da população, oferecer uma variedade de serviços e da própria produção de alimentos, preservar o ambiente físico (proteção hidrogeológica do território, paisagem, biodiversidade, etc.) e reproduzir o ambiente antrópico (culturas e tradições locais, gastronomia, etc.) (Belletti et al., 2002).

A dinâmica do desenvolvimento agrícola e do espaço rural se baseia, portanto, em um vasto leque de atividades econômicas, ligadas apenas em parte as atividades tradicionais de cultivo e criação, e que podem criar interessantes oportunidades ocupacionais capazes de envolver também as categorias consideradas mais "fracas”, dos jovens e das mulheres, que nessa perspectiva podem encontrar melhores oportunidades de valorização em comparação ao desenvolvimento tradicional. O resultado é uma reavaliação das capacidades autônomas do setor agrícola e do meio rural de desencadear processos virtuosos de crescimento e desenvolvimento econômico e social, além de uma multiplicação de oportunidades de empreendimento.

Assim, ainda que em níveis e ritmos diferentes entre tipologias empresariais e áreas territoriais, houve uma modificação das modalidades de conexão das empresas agrícolas, seja com outros operadores que contribuem em vários níveis para a criação de produtos agroindustriais destinados ao mercado final (setor fornecedor de insumos, transformação de produtos agrícolas, comercialização e distribuição, serviços, operador público), seja em relação as modalidades relacionais da empresa agrícola a nível territorial, devido a alteração das estruturas econômicas e institucionais das áreas rurais.

Essa etapa marca também a transição de um modelo de desenvolvimento agrícola e rural predominantemente "exógeno", ditado e dirigido por forças "externas" enquadradas em esquemas puramente setoriais e de top-down3, para um modelo do tipo "endógeno", que prevê a solicitação de recursos locais materiais, não-materiais e humanos através de uma estratégia marcada pela sustentabilidade (Brunori, 1994 e 2003).

As consequências são muitas. Nas zonas rurais, o desenvolvimento é reorientado de forma a valorizar os recursos locais - físicos e socioculturais - com o objetivo de reter os benefícios na área o máximo possível. Os objetivos de desenvolvimento são definidos com base nas necessidades, capacidades e perspectivas dos agentes locais, enquanto a participação da população é um princípio fundamental e uma estratégia de ação.

Na relação entre o meio rural e o cenário externo, por outro lado, a adesão ao modelo endógeno implica novas formas de governance funcionais para consolidar um novo protagonismo dos agentes a nível local, além de uma descentralização das intervenções, cuja filosofia vai de uma lógica individual e setorial para uma lógica territorial. A descentralização das intervenções implica que a parceria territorial (que inclui agentes públicos, empresas e suas associações, organizações expressivas da cidadania e defensoras de interesses diversos, etc.) assuma a responsabilidade direta pelo planejamento e pela implementação de iniciativas de desenvolvimento. Torna-se importante, nesse cenário, alcançar uma maior interação e coesão entre grupos sociais e categorias a nível local assim como realizar alianças estratégicas extra locais.

De acordo com essa perspectiva, os agentes locais (empresas, cidadãos e instituições) são chamados a desenvolver estratégias e caminhos para o desenvolvimento, que possibilitem potencializar os recursos locais e, em particular, os recursos locais específicos, ou seja, aqueles menos passíveis de reutilização em processos de produção padronizados e homologados que dificilmente podem ser transferidos para outros setores econômicos e / ou para outros territórios. Trata-se não apenas de recursos suscetíveis a utilização econômica direta pelas empresas, mas também daqueles recursos locais de caráter coletivo, com os quais cada empresa pode contar no processo de criação de valor, como os recursos naturais, paisagísticos e artísticos, mas também como as tradições regionais em toda sua diversidade de expressões.

Em linhas gerais, é possível definir a estratégia de qualidade territorial (Ray, 1998; Pecqueur, 2001) como um processo de conscientização dos agentes de um determinado território para o fato de que a "ligação em rede" de diferentes componentes e recursos desse território (produtos agroalimentares típicos e artesanato tradicional, serviços turísticos e pessoais, paisagem rural e locais de especial valor ambiental, cultura e folclore local, recursos artísticos e arquitetônicos, etc.) podem ter um efeito multiplicativo sobre o valor de cada um dos bens e serviços oferecidos no território. Deriva dessa tomada de consciência um processo de elaboração e gestão de ações de valorização que visam alavancar a integração entre agentes e potencializar a especificidade deste conjunto composto de bens e serviços.

O valor acrescentado que pode ser gerado no contexto da estratégia de qualidade territorial tem, portanto, um carácter conjunto e deriva do fato de que o cidadão adquire cada bem em um contexto definido pela coexistência de um conjunto de bens e serviços e de um complexo de recursos ambientais, culturais e paisagísticos. A apropriação pelos agentes do surplus conjunto tem caráter coletivo, pois se baseia em estratégias de rede fundamentadas não apenas em motivações econômicas, mas também na partilha de valores locais.

A pluralidade e heterogeneidade de agentes e interesses é, portanto, característica marcante da estratégia de qualidade territorial, cujo desenvolvimento e implementação costuma envolver a contribuição de diversas figuras econômicas (empresas agrícolas, empresas produtoras de bens agrícolas e não agrícolas de características locais, hoteleiros, estabelecimentos públicos, empresas de serviços, etc.), mas também associações representativas de interesses locais de carácter econômico ou cultural, associações não locais (de consumidores, etc.), bem como, obviamente, administrações públicas que podem utilizar um conjunto de ferramentas de planejamento territorial e de financiamento para contribuir com o fortalecimento da imagem geral da área.

Como parte do novo modelo de desenvolvimento, assistimos, portanto, ao surgimento de novas formas de articulação que se estabelecem entre as empresas agrícolas e a sociedade. Por um lado, estas envolvem e modificam a execução das atividades produtivas “tradicionais” e de troca de produtos no mercado; por outro, ampliam o espectro das “produções” empresariais para incluir o financiamento de serviços de tipo mais ou menos inovador.

Comparado ao modelo de agricultura homologado (Basile e Cecchi, 2011), existe também uma mudança radical das logicas operativas das empresas agrícolas; diante desse fato, torna-se necessária uma profunda transformação que pode fundamentar-se em uma transição direcionada a um novo modelo sociotécnico (Geels e Schot, 2007; Lamine et al. 2012; Belletti e Butelli, 2018). Os caminhos alternativos percorridos pelas empresas agrícolas dentro deste modelo são substancialmente três (Van der Ploeg, 1993; Van der Ploeg, Long, Banks, 2002): 1) um aumento do nível de diferenciação e da qualidade das produções realizadas pelas empresas agrícolas (qualidade); 2) uma crescente extensão da atividade agrícola em direção a novas atividades de produção de bens e serviços; 3) a recuperação dos canais de troca mais diretos com o consumidor final (cadeias de abastecimento curtas). Esses caminhos não representam formas alternativas de configuração estratégica da empresa. Pelo contrário, são inúmeras as sinergias que podem ser alcançadas entre as diferentes áreas. Basta considerar, por exemplo, o agroturismo, que oferece a possibilidade de conhecer os produtos de determinada fazenda e, de forma mais geral, do próprio território (através das Rotas do vinho e dos sabores4, por exemplo), além de ativar curtos canais de comercialização. As atividades educacionais podem ter um potencial parecido, assim como a ativação de cadeias produtivas curtas pode constituir um elemento de promoção dos negócios e do território.

A transformação de uma empresa agrícola monofuncional (ou seja, aquela concentrada na produção de bens agrícolas vendidos como matéria-prima indiferenciada no mercado) para uma empresa agrícola diversificada e multifuncional é, portanto, um processo complexo que envolve três frentes complementares da empresa: aquela das relações com o mercado, relativa a cadeia produtiva (análise aprofundada), a da extensão do tipo de atividade desenvolvida (ampliação) e a das relações com o meio rural em que a empresa está inserida, somada ao sistema de recursos e agentes presentes no território (reposicionamento).

A análise aprofundada se refere a todas as atividades relacionadas àquelas tradicionais. Trata-se de atividades de produção ou de serviços que visam principalmente a substituição e modernização dos elementos convencionais, assim como a produção interna desses elementos (fertilizantes, energia, rações, etc.), sua reorganização produtiva em modelos coletivos integrados, sua inovação do produto e o cuidado com seus aspectos qualitativos, à transformação da empresa e valorização da qualidade dos produtos, ao estabelecimento de relações mais diretas com o consumidor final no contexto das cadeias curtas de abastecimento.

A expansão diz respeito às atividades de produção e serviços paralelos a atividade agrícola propriamente dita. Estas destinam-se tanto a responder a novas necessidades de mercado (turismo, residencial, cultural, etc.) como a prestar serviços de interesse coletivo (ambiental, paisagístico, etc.). Essa última frente inclui atividades de agroturismo, as fazendas educacionais e sociais, centros de bem-estar, preservação paisagística e ambiental e defesa hidrogeológica, etc.

O reposicionamento, por outro lado, envolve a reestruturação do sistema de relações empresarias com o contexto local: a capacidade de ativar relacionamentos (networking) no meio rural torna-se um elemento central para o sucesso do modelo multifuncional, e muitas vezes representa uma condição essencial para estratégias de aprofundamento e expansão. No modelo de empresa monofuncional, as relações tendem a simplificação e são reduzidas ao contato com o sistema de fornecedores e clientes, muitas vezes desvinculados do contexto territorial. Basta considerar, por exemplo, o desenvolvimento de determinadas atividades turístico-recreativas que se beneficiam fortemente de estratégias coletivas definidas de acordo com o território, ou ainda a valorização coletiva de um produto típico através do instrumento de Denominação de origem protegida5, ou da articulação das relações de trabalho locais (part-time e pluri-atividade).

No contexto do novo modelo de desenvolvimento rural endógeno, as atividades tradicionais de produção e troca de produtos no mercado por parte da empresa agrícola sofrem alterações; além disso, o espectro da produção agrícola é ampliado para incluir o financiamento de serviços inovadores.

2 Os papéis das redes em modelos de desenvolvimento endógeno

A recuperação da dimensão territorial do desenvolvimento das zonas rurais se baseia no reconhecimento das características de endogeneidade (que valorizam as abordagens bottom-up6, centradas nos recursos locais), integração (entre diferentes atividades dentro do mesmo território / empresa, mas também entre os níveis local e global) e sustentabilidade em suas três formas: ambiental, econômica e social (Brunori, 2011). A dimensão territorial requer a presença de um capital social. O território é reconhecido como um elemento complexo, no qual surgem novas formas de ligação entre empresas agrícolas, empresas de outros setores, organizações representantes do mundo empresarial - mas também da sociedade de forma ampla e de instituições públicas que ali operam. Simultaneamente, as relações entre agentes locais e externos se consolidam a tal ponto que, muitas vezes, parece mais apropriado - em situações de forte intensidade relacional e comunicativa como aquelas que caracterizam a nova ruralidade - falar de modelos de desenvolvimento neo-endógeno (Ray, 2006).

Emerge, assim, uma visão de desenvolvimento territorial como projeto político de longo prazo, compartilhado pelos agentes de um determinado contexto local que interagem com agentes externos e construído a partir de conjunto de recursos locais (Brunori, 2006).

As zonas rurais, sobretudo as marginalizadas, caracterizam-se, frequentemente, pela fragmentação empresarial (com um número elevado de pequenos negócios) e pela policentralidade (ausência de um único "motor" econômico no território). Nesse contexto, surge de forma intensa a questão distrital, possibilitada pela economia industrial (Becattini, 1987) e expressa não apenas como uma forma peculiar de organização da produção dentro de um setor territorializado, mas também como um espaço de planejamento e governance ligado ao avanço de um sistema produtivo local ou, de forma mais ampla, de um território rural. O distrito como possibilidade de organização da produção - um distrito agrícola ou agroalimentar - propõe, como foi evidenciado por Iacoponi (1990 e 1995), um modelo de interação reticular entre uma pluralidade de empresas que compartilham entre si o pertencimento setorial e a proximidade regional, além de organizativa. Nessas redes, são gerados recursos (“economias”) externos às empresas, mas dentro do distrito, facilmente acessíveis para aqueles que fazem parte dessa rede territorializada. São recursos físicos, como infraestruturas e centros de formação, assim como imateriais, como o acesso à informação, conhecimento, know-how, capital de reputação. Na realidade, a interação social gerada graças a proximidade física (face-to-face) e cultural / de valores (pertencer a uma mesma comunidade local), facilita o diálogo contínuo entre os operadores, assim como a circulação de informações, os processos de aprendizagem e o acumulo de competências, a criação de um clima de confiança que reduz os custos de transação e permite especializar as empresas em fases específicas do processo produtivo ou em determinados tipos de atividade econômica.

A extensão do conceito de distrito ao "rural" é particularmente significativa. O distrito rural vai além das cadeias produtivas específicas e abrange o território como um todo, em suas diversas dimensões. Do ponto de vista conceitual (Pacciani, 2003; Belletti e Marescotti, 2007), a transição de distrito agrícola / agroindustrial para distrito rural é cheia de implicações. Devemos considerar uma série de atividades econômicas presentes no território, diversificadas, mas altamente integradas e interdependentes, e identificar o fundamento da competitividade nas suas complementaridades - segundo uma lógica de economias de finalidade. O território deve ser concebido na sua totalidade, como substrato da realização de atividades econômicas e como suporte de um conjunto articulado e complexo de funções sociais e ambientais, com a participação não apenas de empresas, mas também de cidadãos e forças sociais. O distrito rural possui uma especialização particular, que não reside em um bem específico nele produzido (como o vinho no Chianti), mas na capacidade de oferecer um conjunto integrado de bens e serviços que carregam em si próprios a caracterização de um determinado território. A lógica é a da “cesta de bens e serviços” (Pecqueur, 2001). É precisamente o caráter relacional dos produtos oferecidos que é decisivo: o valor de um bem depende da "qualidade" de todos os outros bens da cesta e da "qualidade" do próprio território, portanto, de um conjunto de recursos territoriais que possuem uma origem coletiva e representam bens comuns a serem mantidos e reproduzidos coletivamente (basta pensar em uma paisagem ligada à disposições agrícolas tradicionais, tradições culturais e à reputação do território).

Nesse contexto, fica evidente que os modelos de desenvolvimento endógeno necessitam de uma densa rede de conexões entre os elementos do sistema que compõem o território, tanto de agentes quanto de recursos. Essas redes podem desempenhar uma série de funções-chave dentro dos processos de desenvolvimento rural endógeno; entre elas, podemos identificar cinco em particular:

1. Estabelecer conexões entre capitais para criar significados

2. Funções econômicas / organizativas

3. Criação e compartilhamento de padrões internos

4. Gestão de commons territoriais

5. Buscar uma governance eficaz

A primeira função consiste em estabelecer conexões entre os diferentes capitais rurais presentes no território (ambiental, econômico, humano, cultural, social, institucional) (Berti, 2009) para criar significados relevantes tanto para os agentes internos quanto para as relações com o exterior. Conforme destacado por Belletti e Berti (2011) a partir do conceito de countrysidecapital introduzido por Garrod, Wornell e Youell (2006), os recursos presentes nas áreas rurais, tanto materiais quanto intangíveis, se adequadamente mobilizados, determinam uma vantagem competitiva para aqueles que vivem e trabalham nesse território. Esses recursos locais, em sua maioria fragmentados, podem ser transformados em um "capital rural territorial" (Dematteis e Governa, 2006), definido como o conjunto localizado de bens comuns que produzem vantagens coletivas não divisíveis e não apropriáveis de forma privada e que possuem três características: imobilidade, pois estão incorporados de forma permanente em determinados locais; especificidade, por serem difíceis de encontrar em outro lugar com as mesmas qualidades; e ativos, uma vez que se acumulam e se liquidam no médio-longo prazo e, portanto, não podem ser produzidos em um curto espaço de tempo. A rede entre os agentes permite mobilizar esses capitais, criar conexões entre eles e chegar a uma síntese que se manifesta no capital simbólico (Brunori, 2006), que representa, justamente, o conjunto de símbolos produzidos pela sociedade local, que devem ser compreendidos como representações dos capitais diversos, seja em temos de conceitualização interna, seja em termos de percepção externa (Belletti e Berti, 2011).

Uma segunda categoria inclui as funções econômicas / organizacionais das redes, pelas quais a sistematização de um conjunto de agentes e recursos pode permitir a busca de economias de rede (vinculadas ao compartilhamento de padrões, ver o próximo ponto), escala e de gama. Um exemplo eficaz é o das economias de escala na realização de campanhas de marketing coletivo, destinadas à promoção do território: o custo unitário de produção do serviço (o custo do "contato" com o cliente em potencial) diminui à medida que aumenta o volume de investimento realizado, graças à junção dos recursos de diferentes áreas.

A terceira categoria consiste na criação e compartilhamento de padrões7 internos, ou padrões compartilhados entre os agentes do território. A relevância desses padrões é dupla. Por um lado, a presença de um padrão partilhado é um estímulo para que os agentes incluídos no sistema busquem aumentar a qualidade dos seus bens / serviços e garantir a coerência geral da oferta proveniente daquele território específico. Desta forma, é mais provável e menos dispendioso coordenar os agentes do sistema e consequentemente ativar a ação coletiva.

A quarta categoria diz respeito à gestão de commons8 territoriais. Muitos dos recursos territoriais utilizados, tanto materiais (por exemplo, água, infraestrutura) e intangíveis (por exemplo, a paisagem e até mesmo a reputação ligada ao nome do território) representam a essência de um bem comum e estão, portanto, sujeitos a fenômenos de superexploração e de exploração não regulamentada, o que pode comprometer sua sustentabilidade e funcionalidade ao longo do tempo. Formas adequadas de redes entre os agentes podem evitar ou, pelo menos, reduzir esses fenômenos. Uma justa distribuição dos recursos e dos benefícios dos processos de desenvolvimento rural entre os agentes do sistema é um dos resultados mais esperados desse tipo de gestão.

Por fim, a quinta função da rede nos processos de desenvolvimento rural endógeno é a de buscar uma governance territorial capaz de ativar e administrar o movimento de alinhamento dos agentes rurais em torno de uma visão compartilhada dos objetivos e do modelo de desenvolvimento (Iacoponi, 1995), mas também a de responder as exigências de gestão das políticas públicas, especialmente por parte da União Europeia. Trata-se claramente de um conjunto de funções transversais e, de certa forma, preliminares às quatro categorias anteriores. Vale frisar a importância dos modelos de governance que visam formas de interação e colaboração público-privada, capazes de estabelecer um controle local sobre os processos de desenvolvimento, além de manter os benefícios no território e garantir a sua sustentabilidade ao longo do tempo, com o objetivo de estimular a inovação contínua e garantir que o sujeito (empresa, instituição ou cidadão) se sinta parte de um sistema orientado por relações.

Quanto a rede, nos referimos mais às funções gerais que esta pode desenvolver, e não tanto às formas concretas individuais que a rede pode assumir. Nessa segunda perspectiva, diferentes ferramentas tornam-se possíveis, variando de redes informais a formas codificadas como, por exemplo, associações ou os contratos de rede mais recentes (L.33 / 2009)[9], que podem seguir modelos específicos viabilizados por normas específicas de setores, como aquelas da Rota do vinho, dos distritos ou biodistritos.

Nos próximos dois parágrafos, o papel das redes nos processos de desenvolvimento rural será brevemente discutido tendo em vista o turismo rural e a valorização dos produtos de origem.

3 Redes no turismo rural

Nos últimos anos, o turismo rural tornou-se uma ferramenta de grande interesse para enfrentar os problemas socioeconômicos do meio rural e do setor agrícola (Guarino e Doneddu, 2011). É especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial que o turismo é percebido como um recurso importante para muitas zonas rurais europeias, em particular aquelas que ficaram às margens do processo de modernização agrícola e de desenvolvimento industrial. As comunidades rurais percebem no desenvolvimento do turismo uma oportunidade para diversificar a economia do meio rural e revitalizar territórios que já não eram competitivos diante da dinâmica do mercado global e da evolução das políticas agrícolas. A atividade é também promissora para a agricultura, visto que o turismo rural oferece a oportunidade de diversificação de atividades em uma perspectiva multifuncional (Belletti, 2010).

A diversidade do turismo rural tem se acentuado progressivamente, com a transição da fase pioneira para a atual fase de crescimento subsidiado. A relação entre ruralidade e turismo é muito complexa e articulada, devido às múltiplas ligações que existem entre os diferentes componentes da ruralidade e do fenômeno turístico; este último passa de fator pioneiro para um dos motores da economia local, ou pelo menos um dos polos de estratégias para o desenvolvimento territorial.

O processo de criação de valor através do turismo rural se baseia na combinação - operada por um agente ou, mais frequentemente, por uma pluralidade de agentes - de um conjunto de recursos, alguns genéricos e outros específicos do patrimônio rural local; este processo ocorre através do exercício de atividades destinadas à produção e comercialização de um ou mais serviços turísticos e recreativos. Os recursos da ruralidade que podem ser potencialmente incorporados pertencem aos diferentes tipos de capitais territoriais anteriormente mencionados (ambiental, cultural, social, econômico e humano), sendo que o capital simbólico representa um elemento fundamental, tanto para garantir a coerência da oferta em torno de uma percepção comum do território, quanto para a comunicação com o mercado. No entanto, o papel real desempenhado pelos recursos rurais varia de acordo com a situação. Alguns recursos rurais são utilizados de maneira direta no processo produtivo (propriedades rurais utilizadas para hospedagem, áreas naturais utilizadas para oferecer passeios e excursões, etc.), enquanto outros representam atributos que contextualizam o produto turístico (por exemplo, a qualidade da paisagem, a reputação dos produtos típicos da região) e que podem ser determinantes na decisão do consumidor (Belletti, 2010).

Um aspecto relevante é o caráter coletivo e não privado de alguns dos recursos rurais utilizados no processo de criação de valor turístico. Ou seja, são recursos produzidos e mantidos com a contribuição de inúmeros agentes, muitas vezes por meio de processos duradouros. Em muitos casos, a contribuição dos agricultores é decisiva, devido ao fato de que as empresas agrícolas administram a maior parte do solo nas zonas rurais. Muitos recursos rurais têm a natureza de um bem público, ou seja, podem ser utilizados livremente por uma pluralidade de agentes que organizam esses recursos em um processo de produção que tem o turismo como fim. Nesse cenário, o valor gerado pelo turismo nem sempre recompensa quem de fato contribui para a manutenção do capital rural, prejudicando, portanto, a multiplicação desses capitais e consequentemente a própria sustentação do processo de desenvolvimento turístico. Um caso emblemático é o dos bens públicos gerados pela atividade agrícola, como as paisagens culturais, a conservação da biodiversidade agrícola e a cultura material local, muitas vezes valorizados turisticamente sem que as empresas agrícolas participem na repartição dos benefícios.

Enquanto o território rural possuir vitalidade econômica e social próprias, a agricultura e os demais protagonistas que utilizam o solo e contribuem para o tecido cultural rural irão produzir e regenerar espontaneamente os capitais rurais como um subproduto da sua atividade principal, a produção de bens. No momento em que isso não ocorrer mais, ou quando a evolução técnica e econômica disponibilizar novos métodos de produção (por exemplo, modelos de agricultura superintensiva), que impactam de forma negativa os capitais ligados ao desenvolvimento do turismo, surge o problema de como garantir e orientar a reprodução do capital rural. O risco de erosão do capital rural se intensifica quando o processo de desenvolvimento do turismo é liderado por sujeitos fora do contexto rural da região, especialmente quando se trata de grandes grupos que compram burgos10 rurais inteiros para transformá-los em algum tipo de vila de férias. Mesmo sem essas situações extremas – que, na realidade, são frequentes nas zonas rurais de maior atração e desenvolvimento turístico, como na Toscana - muitas vezes a iniciativa turística é ativada por elementos não agrícolas ou de origem local, o que pode dificultar a conquista do equilíbrio entre a produção e a utilização do capital territorial rural.

Para compreender as formas organizativas que permitem gerar dinâmicas de diferenciação, pelas quais são traçadas determinadas configurações turístico-rurais em cada território rural, convém citar os conceitos de network e integração. A network é uma forma organizativa resultante das conexões estabelecidas entre uma variedade de agentes heterogêneos em busca de interesses próprios (Green et al., 1999). O conceito de integração refere-se às conexões em rede de recursos - econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc - entre os diferentes agentes, bem como ao produto final gerado por essas associações (Saxena e Ilbery, 2008). No que se refere ao turismo rural, as redes permitem que os agentes busquem, obtenham e compartilhem recursos, participem de ações cooperativas para benefício mútuo e desenvolvam visões comuns, além de divulgar ideias e mobilizar recursos. Porém, para construir o produto-território, não basta a interação entre agentes, mas torna-se necessário o reconhecimento da complementaridade e a necessidade de ativar processos integrativos com todos os demais agentes presentes no território (Belletti e Berti, 2011).

O agroturismo é uma atividade que, pelo menos em alguns aspectos e se cuidadosamente regulamentada por normas regionais, poderia assegurar a complementariedade entre a atividade agrícola e o benefício turístico – para uma empresa agrícola individual, não a nível do território rural. O agroturísmo isolado dificilmente consegue se relacionar de forma eficiente com o mercado, devido aos limites dimensionais impostos pelas regulamentações. É evidente que abordagens puramente restritivas (como regras de controle sobre a produção e práticas de uso da terra) não representam a solução para o problema, especialmente em áreas marginalizadas onde o processo de abandono seria apenas acelerado - ainda que o uso dessas abordagens faça parte de uma estratégia territorial. O essencial é, na realidade, a capacidade de promover mecanismos de coordenação local, que permitam não apenas incluir agentes regionais envolvidos na atividade turística no desenvolvimento de projetos compartilhados (de forma a construir coerência na oferta territorial e garantir visibilidade perante a demanda), mas também que possibilitem o subsidio de percursos colaborativos e intersetoriais voltados para a manutenção e valorização dos recursos rurais. O turismo rural representa apenas uma componente coordenada dentro de modelos integrados de desenvolvimento rural, específicos de cada território, que tem capacidade de garantir o equilíbrio entre o consumo e a reprodução dos recursos rurais coletivos através da participação das diversas categorias interessadas nas decisões estratégicas e no recebimento dos benefícios gerados pela atividade.

As rotas temáticas, incluindo a Rota do Vinho e dos Sabores (com várias denominações nas diversas regiões italianas), representam uma forma de rede específica e institucionalizada com a função de sustentar o desenvolvimento do turismo rural, estreitamente ligado a valorização da produção. O objetivo geral das Rotas do vinho é a valorização das zonas vitícolas junto de sua história e cultura, para criar um enoturismo de qualidade, atento às tradições e que respeite o ambiente e sua paisagem. Este tipo de iniciativa testemunha o envolvimento de produtores, processadores, distribuidores, guias turísticos, operadores administrativos e públicos no processo de valorização dos produtos – portanto não mais apenas o vinho – nos quais se baseia o itinerário.

4 As redes de valorização dos produtos de origem11

A valorização dos produtos de origem - produtos cujos atributos específicos de qualidade decorrem da ligação com determinados territórios - é uma atividade particularmente complexa devido a algumas características destes produtos, principalmente quanto a dimensão coletiva e a forte ligação com o território. Esses elementos fazem com que os sujeitos interessados na valorização do produto sejam numerosos, incluindo as empresas produtoras que operam as diversas fases do processo produtivo, mas também a sociedade local, as instituições, os consumidores e as suas organizações. Esses sujeitos estão interessados não apenas nos aspectos empresariais da valorização do produto típico, mas também nos efeitos que recaem sobre o sistema de produção local e sobre o território de origem do produto, sobre a identidade da população, a cultura local e os agroecossistemas conhecidos graças ao produto de origem.

A dimensão coletiva dos produtos de origem pode ser analisada através duas óticas: a dos recursos locais específicos, no qual se baseia a peculiaridade do produto de origem, e a da indicação geográfica, ou seja, o nome associado ao produto.

Os recursos territoriais específicos, assim como a reputação associada a indicação geográfica, representam commons territoriais baseadas em um conjunto de capitais territoriais que requerem uma governance territorial eficaz para não comprometer o seu valor (ver parágrafo 2).

As particularidades fruto da vinculação entre produto e território de origem são, na realidade, o resultado de um processo evolutivo articulado entre os produtores locais e depois entre esses produtores e a comunidade local, bem como, ao longo do tempo, quando o sistema se abre a mercados mais distantes, entre os mesmos produtores com consumidores e cidadãos não locais. O produto de origem é, portanto, o resultado dessa interação, e incorpora um conhecimento construído ao longo do tempo e compartilhado no interior de uma comunidade territorializada.

O produto de origem representa, portanto, um recurso para a comunidade local, na medida em se criam ao seu redor dinâmicas agregativas e projetos, ambos idealizados por agentes territoriais que buscam a criação de valor entorno do próprio produto.

A dimensão coletiva do produto de origem tem implicações importantes no que diz respeito aos métodos de aproveitamento econômico da reputação do produto, ligada à origem territorial. Em outras palavras, o fato do nome geográfico associado ao produto de origem ser um patrimônio coletivo local traz um problema ligado ao direito de propriedade sobre o bem de “indicação geográfica” e a identificação de limites para a sua utilização.

Nas iniciativas de valorização baseadas na regulamentação da localização geográfica (marcos geográficos coletivos, DOP e IGP), a presença de uma associação representativa de produtores é, de acordo com a legislação em vigor, obrigatória: tanto no caso de marcos geográficos coletivos como no caso do DOP / IGP, ligados a regulamentação UE 1151/2012; na realidade, o pedido de registro deve obrigatoriamente ser apresentado por uma associação de produtores. No caso do DOP e IGP, a fase de entrega da documentação com as especificações de produção e regras (sobre o processo de produção, sobre a qualidade do produto final e sobre a área geográfica) que os produtores devem respeitar para ter o direito de usar o nome da localização geográfica para a comercialização dos seus produtos é especialmente delicada.

Normalmente, alcançar um acordo torna-se mais complexo quando as fases da cadeia produtiva são mais numerosas e quando a heterogeneidade das empresas localizadas na área de produção é maior - do ponto de vista das zonas de reabastecimento e da qualidade da matéria prima, das técnicas de produção utilizadas, dos canais comerciais utilizados, das dimensões econômicas da atividade, além do grau de especialização das atividades e, portanto, da importância do produto no portfólio da empresa, do nível de profissionalismo e do próprio cultivo do produto (Belletti, Marescotti e Brazzini, 2014).

A definição de um regulamento permite o desenvolvimento de políticas de inclusão e exclusão para as empresas locais. A definição de critérios mínimos de qualidade, por exemplo, pode excluir da utilização da indicação geográfica algumas empresas que, por escolha estratégica ou impossibilidade técnica, não cumprem os requisitos.

Tudo isso remete para o difícil equilíbrio entre os direitos de propriedade (reputação corporativa, marca empresarial) e os direitos coletivos de propriedade (indicação geográfica), o que condiciona a própria evolução estrutural do sistema produtivo local e o grau de coesão entre as empresas. Caso o acordo sobre a especificação do produto identifique um baixo nível mínimo de qualidade, por exemplo, haverá mais espaço para as estratégias individuais empresariais e, consequentemente, será atribuída uma maior importância à imagem empresarial individual e às suas marcas, limitando a regulamentação12 a um papel marginal em troca da garantia de um padrão mínimo de qualidade e, assim, reduzindo seu potencial catalisador para uma ação coletiva.

Mesmo após a obtenção do registro, a ação coletiva é de fundamental importância para a ativação e gestão de iniciativas que valorizem os produtos de origem no mercado; nelas se desenvolvem métodos de integração e network que podem ser classificados em dois tipos:

· integração setorial e de cadeia, ou seja, no interior do universo da produção do artigo de origem; portanto, ocorre entre as empresas agrícolas e empresas agroalimentares de pequeno e médio porte, mas também com as empresas de distribuição comercial, assim como as que atuam no setor de alimentação e diretamente com os consumidores finais;

· Integração intersetorial, aquela entre o universo da produção e os operadores de outros setores (por exemplo, o turismo) e os agentes institucionais que atuam em torno do processo produtivo do artigo de origem e / ou estão envolvidos nas iniciativas de promoção (as diversas associações e agências, entes públicos locais).

Neste segundo caso, a rede entre empresas é importante não só para a ativação e gestão de iniciativas de valorização com base na utilização de indicações geográficas, mas também no âmbito de iniciativas que visam aproveitar as sinergias que podem ser ativadas por outros capitais culturais, como por exemplo as referidas Rotas do vinho, e de uma forma mais geral, a ativação de roteiros e pacotes turísticos temáticos ou integrados que saibam articular os diferentes tipos de recursos presentes na área.

Exemplos de criação de uma forte sinergia entre o produto local e o território são todos os projetos de desenvolvimento baseados na valorização dos recursos locais, nos quais a produção e valorização de produções agroalimentares típicas desempenham um papel central. São bem conhecidas as iniciativas de promoção coletiva, geralmente coordenadas por uma entidade institucional (Regiões ou Agências regionais, Províncias, Comunidades de Montanha, consórcios entre entidades públicas e privadas locais, Grupos de Ação Local, etc.), voltadas para a valorização de cestas de produtos locais ou, de forma ainda mais completa, de todos os bens do território (produções eno-gastronômicas, o artesanato, o patrimônio ambiental, a cultura e as tradições locais). São inúmeros os exemplos de territórios que promoveram, através do estabelecimento de marcos coletivos, a implementação de iniciativas de comunicação, criação de roteiros temáticos e produções de alto padrão.

Por meio dessas formas de interação, a integração entre o produto de origem e o território é plenamente alcançada; ou seja, os vínculos entre o produto de origem, a comunidade local e os demais recursos do território são fortalecidos ou tornam-se perceptíveis.

Outras iniciativas que se potencializam pela integração territorial e que assumem uma importância cada vez maior no sentido de valorizar os produtos locais são as rotas dos sabores. Neste caso, trata-se de “construir” no território uma rede de alianças entre os diversos agentes locais, envolvidos com o processo de valorização em diferentes níveis: produtores (empresas agrícolas e agroturísticas, empresas de transformação), os vários tipos de “distribuidores” (lojas, adegas, restaurantes, etc.), operadores ligados ao sistema de recepção turística, gestores públicos e organismos envolvidos na valorização dos recursos locais, etc.

Esse conjunto de disciplinas unidas com o objetivo de criar valor no território através da oferta "conjunta" de bens e serviços centrados em determinado tema (ex: vinho), desenvolve "princípios estruturantes" que criam externalidades materiais e simbólicas que, ao permitirem a diferenciação do território específico dos mercados "globais", levam os produtores a obtenção de uma vantagem com base na reputação; ao mesmo tempo, geram também externalidades de rede pelas quais os produtores percebem, por exemplo, efeitos positivos nos custos da estrutura empresarial, como a possibilidade de utilização de serviços de marketing coletivo, aprendizagem através da interação com outros parceiros e inovações organizativas e técnicas para a redução dos custos de organização e de transação.

5. Considerações finais

As redes, sistemas de conexões estruturadas entre a multiplicidade de agentes e recursos presentes no meio rural, desempenham um papel cada vez mais importante nos processos de transição da agricultura homologada para modelos de desenvolvimento territorial endógeno centrados na agricultura multifuncional, caracterizada pela diferenciação qualitativa das produções, pela extensão em direção a novas atividades de produção de bens e serviços, e pela recuperação dos canais de troca mais diretos com o consumidor final.

Neste ensaio, identificamos e discutimos a pluralidade de funções-chave que as redes podem desempenhar nos processos de desenvolvimento rural endógeno. Em particular, identificamos a função de construir conexões entre capitais para criar significados, ou seja, capital simbólico, caracterizado pelo desenvolvimento de funções econômicas / organizativas, pela criação e compartilhamento de padrões internos e gestão de bens comuns territoriais; soma-se a isso uma metafunção, uma governance eficaz da relação entre os agentes.

A zona rural e seus processos de desenvolvimento endógeno, evidenciados pelos dois casos analisados - do agriturismo e da valorização dos produtos de origem - podem ser interpretados respectivamente como uma rede de redes, mais ou menos formalizada, resultantes de suas interações. O papel das políticas em diversos níveis é cada vez mais o de acompanhar e apoiar o desenvolvimento das redes.

Material suplementario
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Notas
Notas
1 Artigo publicado originalmente em: BELLETTI, G.; MARESCOTTI, A. Il ruolo delle draw per lo sviluppo del turismo rurale e la valorizzazione dei prodotti di origine. In: MELONI, B.: PULINA, P. (Eds.). Turismo Sostenibile e sistemi rurali locali. Multifunzionalità, aposentado da tipografia, percorsi. Rosenberg & Sellier: Torino, p.135-154, 2020. ISBN 9788878858237.
2 Governança territorial, conceito amplamente utilizado pelo autor. Por definição, um sistema/ método de organização utilizado para fins de administração e monitoramento, que envolve diversos tipos de relação entre os sujeitos/agentes/empresas/instituições envolvidos.
3 Abordagem de cima para baixo.
4 Strade dei vini o dei sapori, conhecido mundialmente por “Roads of Wines and Tastes”, é o nome dado a um conjunto de rotas ao redor da Itália que têm o intuito de promover áreas regionais produtoras de vinho e alimentos específicos.
5 Denominazione di origine protetta (DOP), ou “Denominação de origem protegida”, em tradução livre, é um marco/selo alimentício baseado em indicações geográficas definidas pela União Europeia para identificar e proteger alimentos que possuem características qualitativas peculiares, que dependem essencialmente ou exclusivamente do território em que foram produzidos.
6 Abordagem de baixo para cima.
7 O autor usa a palavra “standard” do inglês, que neste contexto pode ser entendido como um padrão de referência para garantir semelhança na qualidade da produção.
8 Bens comuns, em tradução livre.
9 Decreto-Lei 33/2009, 11 de abril de 2009: “Medidas urgentes para apoiar setores industriais em crise, bem como disposições sobre a produção de leite e reembolso de dívidas no setor de laticínios”.
10 Subdivisão geográfica; área por vezes delimitada por alguma barreira física. Em termos administrativos, o burgo responde a comuna (município) no qual se encontra.
11 Produtos que possuem o certificado de origem.
12 A regulamentação, neste caso, é a Denominazione di Origine Controllata (DOC), marco/selo que indica a zona específica em que o produto foi produzido, visto que o local garante as suas especificidades.
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