Dossiê
Resumo: Onomatopeias são formações de palavras para representar o barulho emitido no propósito de mostrar alguma ação, mesmo que esta seja propriamente um som. O texto aborda dois desses tipos de mimologismos existentes na escola, e conversa, de maneira compacta, sobre os fenômenos do funk e da piXação, por leituras com os impulsos corpóreos, muitas das vezes, criminalizados, reduzidos a “coisas” de bandido (FANON, 1968). Enxergar o alunato no lugar de vilão é negar a motilidade fatual de saberes analisados em investigações teórico metodológicos, como a “práxis sonora” (ARAÚJO, 2013) e a “etnografia da madrugada” (LIMA, 2018), acolhedoras de capacidades desafiadoras comumente reduzidas, mas de importância a serem pensadas. Questões étnico-raciais “resolvidas” são invocadas pela presente realidade problemática. A respectiva escrita é interessada em um futuro mais revelador do quotidiano genocida, intencionalmente para somar com as denúncias coloniais, sobretudo as racistas anti-negros (as). Enfrentando visões de uma “educação bancária” (FREIRE, 1987), anuladora da esperança escolar nascida dos conflitos manifestados no campo educacional, o texto se preocupa com a relação cultural cometida entre sussurros e gritos, presentes nas salas de aula, mas também fora dela. Assim, a cidade torna-se o lugar onde a característica do perfil paladino é incorporado por ambiguidades, após o oferecimento de outras histórias daquilo que achamos ter o total conhecimento.
Palavras-chave: Funk, Bandido, Práxis Sonora, PiXação, Xarpi, Etnografia da Madrugada.
Abstract: Onomatopoeias are formations of words to represent the noise emitted in order to show some action, even if it is a sound. The text addresses two of these types of mimologisms in school, and talks in a compact way about the phenomena of funk and piXação, through readings with corporeal impulses, often criminalized, reduced to “things” of bandit (FANON, 1968). To see alunato instead of villain is to deny the factual motility of knowledge analyzed in theoretical methodological investigations, such as the “sound praxis” (ARAÚJO, 2013) and the “ethnography of the dawn” (LIMA, 2018), welcoming the commonly reduced challenging abilities, but of importance to be thought. “Resolved” ethnic-racial issues are invoked by the present problematic reality. The respective writing is interested in a more revealing future of daily genocide, intentionally to add to the colonial denunciations, especially anti-black racists. Facing visions of a “banking education” (FREIRE, 1987), which abolishes school hope born of conflicts in the educational field, the text is concerned with the cultural relationship between whispers and screams, present in classrooms, but also outside it. Thus, the city becomes the place where the characteristic of the paladin profile is incorporated by ambiguities, after offering other stories of what we think to have total knowledge.
Keywords: Funk, Bandido, Praxis Sonora, PiXação, Xarpi, Etnografia da Madrugada.
Resumen: Las onomatopeas son formaciones de palabras para representar el ruido emitido en el propósito de mostrar alguna acción, aunque esto sea propiamente un sonido. El texto aborda dos de esos tipos de mimologismos existentes en la escuela, y charla, de manera compacta, sobre los fenómenos del funk y de la piXação, por lecturas con los impulsos corpóreos, muchas veces, criminalizados, reducidos a “cosas” de bandido (FANON , 1968). Enjugar el alunato en lugar de villano es negar la motilidad fatual de saberes analizados en investigaciones teórico metodológicas, como la “praxis sonora” (ARAÚJO, 2013) y la “etnografía de la madrugada” (LIMA, 2018), acogedora de capacidades desafiantes comúnmente reducidas, pero de importancia a ser pensadas. Las cuestiones étnico-raciales “resueltas” son invocadas por la presente realidad problemática. Su escritura está interesada en un futuro más revelador de la cotidiana genocida, intencionalmente para sumarse a las denuncias coloniales, sobre todo a las racistas anti-negros (as). Enfrentando visiones de una “educación bancaria” (FREIRE, 1987), anuladora de la esperanza escolar nacida de los conflictos manifestados en el campo educativo, el texto se preocupa por la relación cultural cometida entre susurros y gritos, presentes en las aulas, pero también fuera de ella . Así, la ciudad se convierte en el lugar donde la característica del perfil paladín es incorporado por ambigüedades, después del ofrecimiento de otras historias de aquello que creemos tener el total conocimiento.
Palabras clave: Funk, Bandido, Práxis Sonora, PiXação, Xarpi, Etnografía de la madrugada.
PRÁXIS SONORA E ETNOGRAFIA DA MADRUGADA PARA A ONOMATOPEIA FUNKEIRA E PIXADORA NA ESCOLA
Samuel da Silva Lima[1]
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
Onomatopeias são formações de palavras para representar o barulho emitido no propósito de mostrar alguma ação, mesmo que esta seja propriamente um som. O texto aborda dois desses tipos de mimologismos existentes na escola, e conversa, de maneira compacta, sobre os fenômenos do funk e da piXação, por leituras com os impulsos corpóreos, muitas das vezes, criminalizados, reduzidos a “coisas” de bandido (FANON, 1968). Enxergar o alunato no lugar de vilão é negar a motilidade fatual de saberes analisados em investigações teórico metodológicos, como a “práxis sonora” (ARAÚJO, 2013) e a “etnografia da madrugada” (LIMA, 2018), acolhedoras de capacidades desafiadoras comumente reduzidas, mas de importância a serem pensadas. Questões étnico-raciais “resolvidas” são invocadas pela presente realidade problemática. A respectiva escrita é interessada em um futuro mais revelador do quotidiano genocida, intencionalmente para somar com as denúncias coloniais, sobretudo as racistas anti-negros (as). Enfrentando visões de uma “educação bancária” (FREIRE, 1987), anuladora da esperança escolar nascida dos conflitos manifestados no campo educacional, o texto se preocupa com a relação cultural cometida entre sussurros e gritos, presentes nas salas de aula, mas também fora dela. Assim, a cidade torna-se o lugar onde a característica do perfil paladino é incorporado por ambiguidades, após o oferecimento de outras histórias daquilo que achamos ter o total conhecimento.
Palavras-chaves:Funk; Bandido; Práxis Sonora; PiXação/ Xarpi; Etnografia da Madrugada
SOUND PRAXIS AND ETHNOGRAPHY OF DAWN FOR ONOMATOPOEIA FUNKEIRA AND PIXADORA AT SCHOOL
Abstract
Onomatopoeias are formations of words to represent the noise emitted in order to show some action, even if it is a sound. The text addresses two of these types of mimologisms in school, and talks in a compact way about the phenomena of funk and piXação, through readings with corporeal impulses, often criminalized, reduced to “things” of bandit (FANON, 1968). To see alunato instead of villain is to deny the factual motility of knowledge analyzed in theoretical methodological investigations, such as the “sound praxis” (ARAÚJO, 2013) and the “ethnography of the dawn” (LIMA, 2018), welcoming the commonly reduced challenging abilities, but of importance to be thought. “Resolved” ethnic-racial issues are invoked by the present problematic reality. The respective writing is interested in a more revealing future of daily genocide, intentionally to add to the colonial denunciations, especially anti-black racists. Facing visions of a “banking education” (FREIRE, 1987), which abolishes school hope born of conflicts in the educational field, the text is concerned with the cultural relationship between whispers and screams, present in classrooms, but also outside it. Thus, the city becomes the place where the characteristic of the paladin profile is incorporated by ambiguities, after offering other stories of what we think to have total knowledge.
Keywords:Funk; Bandido; Praxis Sonora; PiXação/ Xarpi; Etnografia da Madrugada
PRÁXIS SONORA Y ETNOGRAFIA DE LA MADRUGADA PARA LA ONOMATOPEA FUNKEIRA Y PIXADORA EM LA ESCUELA
Resumen
Las onomatopeas son formaciones de palabras para representar el ruido emitido en el propósito de mostrar alguna acción, aunque esto sea propiamente un sonido. El texto aborda dos de esos tipos de mimologismos existentes en la escuela, y charla, de manera compacta, sobre los fenómenos del funk y de la piXação, por lecturas con los impulsos corpóreos, muchas veces, criminalizados, reducidos a “cosas” de bandido (FANON , 1968). Enjugar el alunato en lugar de villano es negar la motilidad fatual de saberes analizados en investigaciones teórico metodológicas, como la “praxis sonora” (ARAÚJO, 2013) y la “etnografía de la madrugada” (LIMA, 2018), acogedora de capacidades desafiantes comúnmente reducidas, pero de importancia a ser pensadas. Las cuestiones étnico-raciales “resueltas” son invocadas por la presente realidad problemática. Su escritura está interesada en un futuro más revelador de la cotidiana genocida, intencionalmente para sumarse a las denuncias coloniales, sobre todo a las racistas anti-negros (as). Enfrentando visiones de una “educación bancaria” (FREIRE, 1987), anuladora de la esperanza escolar nacida de los conflictos manifestados en el campo educativo, el texto se preocupa por la relación cultural cometida entre susurros y gritos, presentes en las aulas, pero también fuera de ella . Así, la ciudad se convierte en el lugar donde la característica del perfil paladín es incorporado por ambigüedades, después del ofrecimiento de otras historias de aquello que creemos tener el total conocimiento.
Palabras claves:Funk; Bandido; Práxis Sonora; PiXação/ Xarpi; Etnografía de la madrugada
SOBRE A PRÁXIS SONORA
“Tchutchatchatchutchutcha!”. Onomatopeia que, quando não sai das minis caixas de som replicadas[2] de JBL[3], são transmitidas pelas bocas ou palmas das mãos de corpos funkeiros. Mas não precisa fazer onomatopeia para o corpo funk provocar o ambiente de confusão no escutar, olhar, cheirar, degustar e tocar. Sua tenacidade compartilha íntimas relações afirmadoras, aprovadoras e deslocadoras, sem nenhuma vítima aparente, mas facilmente reduzida a algum apontamento. É registrada a permanência de um culpado oculto, revelado na ocorrência de alguma tragédia, geradora da figura marginalizada.
A radialista e (até então) deputada estadual Cidinha Campos, disse que DG “gostava de companhias pouco recomendáveis”[4].“Mesmo expondo-me ao ressentimento de meus irmãos de cor, direi que o negro não é um homem.”. (FANON, 2008, p. 26). Ela falava de Douglas Rafael da Silva Pereira, artista do funk, que atuava no “Esquenta!” (2011–2017), um programa televisivo que eternizou[5] seu pseudônimo. Jovem negro, morto aos 25 anos, DG mostrava identificações culturais negras, tal como é a favela, o funk, ou qualquer ação investida na diáspora, logo, que remeta as posições ontológicas conservadas na negligência histórica.
Entre os séculos XV e XIX, uma das principais práticas para a construção do mundo moderno de hoje, foram os factuais roubos de corpos de homens e mulheres originários de África, feito no trânsito do tráfico pelo Oceano Atlântico, a principal rota da escravização desses mesmos corpos. (GILROY, 2012). A necessidade de chamar alguma música de “apologia” a atos “bandidos”, como procede no funk brasileiro, expõe esse histórico. DG não era morador do Pavão-Pavãozinho, ou de alguma outra favela da cidade do Rio de Janeiro. Visto que, por ser o (tipo de) lugar iniciador de seu batismo no funk[6], vide o percurso de tratamento nesse espaço pelo Estado, que mira e atira em crianças com roupa de escola[7], DG faz parte do infeliz exemplo vivido pela (in)constante maneira de fazer parte do corpo “popular-funkeiro-periférico”, o apontado como “um gênero associado à violência que estigmatiza o ‘outro’ jovem, negro e periférico” (TROTTA, 2016, p. 91).
Associado a discriminações, preconceitos e estereótipos, essa marginalização funkeira advém, muitas das vezes, de um racismo anti-negros (as). Ocorridos com ouvintes de músicas não selecionadas, “que não escolhemos ouvir”, o funk evidencia certo desagrado fragmentado sobre essas composições (TROTTA, 2016, p. 86). A universitária estudante de Administração Hayssa Alves, 21 anos, estava em uma festa (Campo Grande, bairro da cidade em foco), e foi assassinada apenas por querer dançar funk. Seu assassino, antes de fazer as 36 lesões por arma de fogo[8], disse que ali não aconteceria música de bandido. Interpretar os sons da cidade é observar as ameaças à paz, aparentemente garantida pelo Estado, mercado e a mídia. Grita-se sobre a violência e a ordem que, quando de fato são problematizadas na disposição das tormentas urbanas, os muros, as grades, os blindados, ou qualquer outro fomento a segregação, transformam-se em “sussurros ambivalentes das grandes negociatas à dor lancinante da vida perdida em vão”. (ARAÚJO, 2013, p. 30).
Comumente transmitidas entre lugares públicos e privados – do carro passando com o som alto à amplificação sonora dos cultos das igrejas -, a música funk brasileira provoca a“sonoridade. e .simbologias., ligadas por .repertórios que atrapalham nosso caminho, nosso sono, nossa viagem, nossa calma” (TROTA, 2016, p. 86-87). Como explicar para o filho de Pedro Henrique Gonzaga que vilãos não podem ser apreciados? Jovem negro de 19 anos, Pedro, também conhecido como MC Peter Oliver[9], foi asfixiado e assassinado em um supermercado. O motivo? Agiu por suspeita de furto. Busquei “Caso Supermercado Extra” no site Google, e o primeiro resultado é de defesa da empresa, onde a mesma explica a sua ação recomendada para furtos[10]. O vídeo que expõem toda essa situação, não enxerga o MC, o pai, o filho, o amigo... mas um possível furtador, alguém suspeito, merecedor da morte[11]. Então, repito a pergunta, de outra forma: como o corpo sonoro é construído como bandido?
Chamar algum gênero musical como algo de “bandido” parece ser brincadeira, mas não é, ainda que seja lembrado dessa forma. A exemplo das infelizes falas do cantor de música sertaneja César Menotti no programa “Altas Horas”, transmitido nacionalmente na televisão aberta no dia 2 de junho de 2018. Quando entrevistado, em um momento descontraído de história jocosa de seus shows, ele afirmou dizeres racistas, aparentemente, na crença de praticar um bom humor para quem o escutava: “- ... samba é música de bandido”. Sim, “todos/as” riram, mas o “tom” foi sem graça, pois em menos de 24 horas, o cantor volta com o assunto: “- Samba, essa música que admiro e respeito profundamente.”[12]. Essa foi a declaração de suas (estranhas) desculpas, mediante a toda confusão causada[13].O funk ou qualquer gênero musical ser considerado “música de bandido” é uma alegação simples, adquirida por uma complexa conexão.
Aquele que não é preciso ser identificado pela cor, é homem (branco). Mas existe o homem (negro), o corpo que segue sendo transmutado como “coisas animadas”, “dados digitais”, “códigos”, de caráter descartável (MBEMBE, 2016, p. 18). Sem a ontologia na recomendação do corpo branco ou embranquecido (de quem quer ser branco), tamanho investimento se dá na eliminação do “anti-negro”, “não para preservar ‘a originalidade da porção do mundo onde elas cresceram’, mas para assegurar sua brancura.”. (FANON, 2008, p. 57). Nesse sentido, no mundo de brancura, ser negro (a) é ser estranho (a), o estereótipo de anormalidade que precisa ser eliminado, de forma “metafórica” e/ou mortal. DG do Esquenta, Hayssa e MC Peter: mortos por terem sido considerados bandidos, ou por, de qualquer maneira, terem agido como ameaça as mediações coloniais anti-negra. Não é por menos que, duas das três vítimas das iniciativas genocidas brasileira citadas aqui, expõem esse perfil.
O bandido, no pensamento de Frantz Fanon, surge no contexto da ideia de ser de algum lugar, pois, nesse momento, acontece duas cidades em uma: a “cidade do colonizado”, o outro lado da “cidade do colono” (FANON, 1968, p. 29). Cometida de acordo com os conflitos causados no grau moderador das lógicas coloniais, as atitudes mais intensas, vigentes na vida coletiva, estão na cidade do colonizado, incorporadora de aspectos repugnados pelo colonizador, os atos vistos como qualquer coisa a ser dignificada. São os casos dos bandidos, figuras, muitas vezes, ponderadas como “heróis”, pois, “em combate singular, sucumbe depois de matar quatro ou cinco polícias”, e “se suicida para não denunciar os seus cúmplices”. (FANON, 1968, p. 52-53).
Lugar da “má fama”, fome, ausência de luz, carente de aceitações existenciais previsíveis (FANON, 1968, p. 29), a cidade colonizado manifesta práticas próprias do seu próprio tempo-espaço, relacionando-as no presente, passado e futuro. O funk no Brasil é coisa de bandido, assim como o samba, porque informar que seu corpo vive uma guerra anacrônica sobre seus corpos. Os bandidos seriam aqueles realizadores da “descolonização”, a ação instauradora dos últimos como os primeiros, “uma entrega completa da situação colonial” (FANON, 1968, p. 27). O corpo negro, do funk ou do samba aparecem, e são convidados ao sentimento de aniquilação do “tudo”, em troca de receber o “nada”, já que, de uma forma ou de outra, no fim, serão vistos como bandidos. E se ser funkeiro (a) é ser bandido (a), sobretudo, quando ocorrem casos mortais como os citados aqui, esses movimentos parecem preservar certa “capacidade revolucionária” (FANON, 1968, p. 52), posicionada no seu corpo primeiro, o de cor escura.
Os conflitos expostos na forma de trabalho acústico, implica desvelar dialogicamente as múltiplas relações estabelecidas entre seres humanos e o fazer música.Reconhecer toda essa predeterminação advinda no campo sonoro, interessa os estudos da etnomusicologia, a observação do além dito sobre o som, “das unidades mais simples de um determinado código musical aos instrumentos mais propriamente materiais de produção sonora.”. (ARAÚJO, 2013, p. 33). Por possibilitar o agir mais no aspecto político do que na política do aspecto, sobretudo, ao tornar-se algo investigativo multidisciplinar, a etnomusicologia executa, através de sonoridades cotidianas, a crítica sobre as formas “idealistas e conservadoras”, qualificada para “superar certa alienação política e desmobilização social”, resistente “à ordem instituída”. (ARAÚJO, 2013, p. 35-36). Na manifestação de interesse com essas relações, a “práxis sonora” (ARAÚJO, 2013), por exemplo, pode ser uma metodologia capaz de acolher contendas presentes nas diversas práticas rotuladas ou aceitas como musicais.
A proposta de práxis sonora realiza duas largas iniciativas:
1- enfoca estrategicamente o trabalho acústico, ou o aspecto sonoro da atividade prática humana em sua ligação orgânica com outros aspectos dessa mesma atividade geral, e, particularmente, sua dimensão política, isto é, de ação que propõe alianças, mediações e rupturas; e 2- integra o que aparece frequentemente no meio acadêmico, e notadamente em instituições que lidam de algum modo com matéria musical ou sonora, como categorias de conhecimento distintas ou mesmo estanques (teoria e prática, som e sentido etc.). (ARAÚJO, 2013, p. 35).
Isso se dá pela imersão nas mediações, alianças, rupturas – o macropolítica no controle do Estado e o micropolítica das diversas perspectivas cotidianas -, tudo de interesse imbricado nas instituições, grupos e indivíduos. A superação da alienação do próprio objeto, altera a noção qualitativa de tempo, diante das relações de “estabilidade político-econômica”; momento da interpretação limitada da audição “particular do ouvinte” perder espaço nas “práxis musical e sonora”, que segue por formas “neodesenvolvimentistas e pós-industriais”, o “eixo dominante e inquestionável do debate político sobre a cidadania”. (ARAÚJO, 2013, p. 33-35).
SOBRE A ETNOGRAFIA DA MADRUGADA
“Tec-tec-tec!”. Outra onomatopeia inicia. O barulho feito no balançar da tala, dialeto para lata, a tinta jetspray, o principal instrumento dos (as) piXadores (as). Sem catalogar, categorizar ou enxergar essas pessoas nas lógicas de paladino, não irei dizer o que a piXação ou o piXador (a) é, mas, quando fizer, será para invocar a aprendizagem adquirida em meu processo dissertativo. Através de estudos favorecedores para pesquisas sobre o inumano criado nas colonizações, pensei o letramento piXador como autêntico, por anular a sociedade grafocêntrica, até mesmo na “regra” de pertencimento da prática, que está longe do certo ou errado, ou de quem pode ou não participar. Independente de sexo, clero, faixa etária, ou algo que possa movimentar alguma fixação, ser piXador(a) recoloca conflituosas subjetividades em cena, as experiências mais sentidas e menos explicadas, quando mostra mais disposição para as “metáforas sensoriais” – para além da audição, do aguçar de visão, do olfato, do paladar e do tato (COELHO, 2016).
Diversos signos expositores de originalidades, sociabilidades, dentre outros movimentos que dão fundamentos para ressignificações próprias em cada território - rua, bairro, região, município, estado -, a piXação faz parte da estética cultural brasileira, entendida no cósmico coletivo de quem se sujeita ou se interessa por ela. Adquiri esse tipo de reflexão na jornada de cunho filosófico com o Xarpi - palavra piXar ao contrário, escrita sempre no singular, usada para denominar a prática da piXação e seus/ suas praticantes. É nessa conjuntura, que invoco os sujeitos de minha pesquisa: o corpo piXador/Xarpi masculino. Esta delimitação ocorre dentro da hipótese de que a maioria dos praticantes da piXação são de homens negros ou não brancos, jovens e periféricos, o mesmo perfil que encabeça as taxas de homicídios no Brasil. Crio essa hipótese para formular uma questão: será que a prática racista anti negros, e a violência que troca pessoas espancadas e/ ou mortas por muros limpos, se posicionam, em algum momento, no mesmo lugar?
Mesmo sabendo que alguns praticantes escrevem a palavra de maneira “correta”, aparentemente a maioria a escreve com “x”. Oficialmente com “ch”, escrevo com “X” maiúsculo propositalmente, para mostrar empatia com o livro “Deixa os Garotos Brincar” (2016) de Gustavo Coelho, que conduz sua ortografia pelo livro “Culturas eXtremas” (2005), do antropólogo italiano Massimo Canevacci; além de lembrar que tal execução transgride desde a escrita do nome, afinal, é um crime inegável por seus/ suas executores (as). Esses “pseudônimos”, apelidos, ou coisa do tipo, na piXação/ no Xarpi, seja com “x”, “ch”, ou outra diversidade letrada, evidenciam trajetórias presentes nas tensões ocorridas por questões “étnico-raciais”, os conflitos presentes“nos países da América marcados pela branqueidade.”. (NOGUERA, 2014, p. 41-42).
Presenciada por todo o Brasil, a piXação é vista comumente nos lugares onde a “liberdade” se dá em dramáticos ajustes envolvidos por dimensões institucionais. Com um pouco mais de 4 (quatro) décadas nas superfícies das cidades brasileiras, a piXação manifesta variadas relações do juvenil popular também enquadradas em leis de depredação do patrimônio público, particular ou ambiental, podendo levar o ato delituoso a uma pena de multa ou detenção (de três meses a um ano)[14]. Mas, como tudo indicou, a reputação da delinquência piXadora recebe uma pena oficial “leve”, em comparação com o resultado cometido no julgo histórico surgido “do ser da cidade, propagador das lógicas genocidas de uma pena capital”. (LIMA, 2018, p. 22). Anulada na sociedade anti-negros (as), a piXação me pareceu ser tratada, muita das vezes, pela “lógica” dos “23 minutos”, o tempo estimado para a morte de um jovem negro no Brasil[15]. É o caso do Xarpi CAIXA (1984*–2006+), jovem negro de 22 anos, assassinado em São Gonçalo após ter piXado uma casa.
Figura 1: CAIXA e seu Xarpi/ piXação.
Fonte:<http://nunodv.blogspot.com/2007/12/caixa-por-trs-da-fama.html>.
Ações facilmente descartadas na relevância do que não parece dispor importância, presente nas iniciativas estéticas ditas como inútil cotidiano, as piXações contrariam a linguagem, e troca o conforto sugerido por ela, pela liberdade de um devir sabido do perigo. Foi isso que descobri com “Xarpsicotrópicos: uma descolonização antirracista da rua na escola?” (2018), a parassíntese entre as palavras Xarpi e psicotrópico, o conceito para pensar a metáfora corpórea ordinária, causadora de instantes autênticos, desarranjadores e mortais.
Preferir ser um (a) Xarpi/ piXador (a), funkeiro (a), ou aceitar ser negro (a) no mundo racista, é abrir o acordo de deixar mais a paixão acontecer do que o comum. É a bem-dita/ maldita brabeza, o empenho entre a realidade e o prazer praticados sem a pretensão do fixo, ocasionado por movimentos de certa linguagem infindável, a prioridade corpórea elevada ao limite, para conseguir a liberdade necessária de (re)existir. Mediada por inteligências outras, a contextura “desletrada” e, infelizmente, plenamente negligenciadas, durante a redução que as classificam (apenas) como distúrbios, essas atitudes são capazes de eliminar o próprio corpo, talvez, não pelo corpo (interno), mas pelo mundo (externo), logo, surge esse maior aceitar da motilidade.
Quem, em toda sociedade, sociabilidade, ou sei lá o que mais, fomentado na base do racismo anti-negros, é tão considerado na provocação de distúrbios como o corpo negro? O “devir negro do mundo” (MBEMBE, 2014) parece aplicar essa dimensão Xarpsicotrópica efetiva pela brabeza, por trazer esse “tornar-se” no corpo de impossibilidade possível. O entrelaço racismo, brabeza e Xarpsicotrópico é capaz de oferecer leituras provocadoras para somar com observações sobre o processo escolar do oprimido, o corpo histórico na relação (des)humanizada. Posicionar o homem como “inconclusos e conscientes de sua inconclusão”, move a opressão e suas causas como objeto da reflexão dos (as) oprimidos (as) e, pedagogicamente, para os (as) engajados (as) em momentos necessários para a luta de libertação (FREIRE, 1987, p. 16-17).
Como algo sem fixação a ninguém faz presença na escola, mas emerge fora dela, poderia ser revelada apenas como crime? Não estou dizendo que o professorado não precisa aprender toda a dinâmica da linguagem disposta na escola. O que pretendo com complexa leitura é lembrar que ser Xarpi/ piXador (a), ou qualquer outra ontologia por universos particularmente observados em campos culturais, não nega a sua ânsia no sentido alunato. Ao invés de tentar explicar, ou “purificar” algo como a piXação, talvez seria melhor a realização de aproximação com o corpo que piXa, este angustiado, como insisto em dizer, aliás, tão angustiado, no tanto que piXa.
Compreender o alunato é protagonizar valores sociais em que vivem, junto as suas diferenças. O esforço anti-racista, ou qualquer indagação anti-colonial, em uma escola, causa conflitos em sua forma de gestão. Nessas situações, o lidar com as problemáticas resultantes das limitações encontradas nas lógicas que não são cabíveis na estrutura escolar, não ocorre por questões nítidas, mas sim em qualquer atitude de um corpo determinado a algum ato “não correto”. Conversar no momento de prestar atenção. Dizer um palavrão. Sair da sala sem avisar. Marcar um lugar que não poderia ser marcado.
NUNO DV criou sua relação piXadora dentro da escola: “todos os caras estavam comentando que um tal de Nuno... Pois é, Nunk, pensei, mas como a diretora estava querendo saber quem era, fiquei na minha, só ouvindo o burburinho.”. (DV, 2013, p. 38). “NUNO., na escola, era inicialmente o Xarpi NUNK, que foi lido como NUNO. E para manter sua existência piXadora, se dispôs a resposta do alunato sobre seu ato. Leram NUNO e ficou NUNO. Naquele momento, ninguém sabia quem era. Ninguém sabia o que era. Mas existia, pois falaram sobre.
Arrisco a dizer que é essa ordem sem ordem que parece trazer a piXação, o funk, ou qualquer intenção de mimologia, a disposição do corpo em causar barulhos, como elemento da trajetória do alunato de suma importância para a escola entrelaçar as divergentes convivências de uma aula. Essas múltiplas experiências sonoras/ corpóreas são capazes de suceder após a própria escola, ou seja, mais adiante, essa trajetória[16] serviu para expressar dinâmicas particulares nas aprendizagens quotidianas. Os questionamentos profundos sobre o que o corpo não sabe, influenciam o campo da vida, inclusive o institucional educacional, como a escola. A escola piXada é uma escola com piXadores (as), logo, um espaço com pessoas que se negam a não terem fruição em suas vidas, diante de circunstancias agressivas vividas por estes corpos. A presença da vida piXadora ensina sobre outros problemas, possivelmente mais questionadores do que uma parede suja, ou uma parede limpa, prestes a ser suja.
Mas, perceber o oferecimento proporcionado pelas onomatopeias de uma escola, exige um deslocar infernal difícil de lidar, onde apenas outros infernais são capazes de entender. Para tanto, é necessário a recusa do julgo já realizado pelo mundo. Como isso poderia ser feito, na prática? Não sei. Não existe uma forma. A primeira ação, antes de todas as outras, entre possíveis “erros e acertos”, deve ser a humanização. O que alunato faz dentro da escola, em toda a diversidade do espaço escolar? O que o alunato faz fora da escola? Qual o perfil e/ ou ações agradáveis para esse alunato? Responder essas e outras perguntas que podem acontecer, inquieta o campo educacional, pois exige a inquietude do corpo educador. Tive esse tipo de experiência em duas maneiras: na “etnografia da madrugada” (LIMA, 2018); e nos encontros, aulas e oficinas, em diferentes níveis de alunato, quando minha presença foi solicitada.
Na primeira, concebo um campo teórico metodológico político, produzido no investimento da elaboração crítica feita por referencial reflexivo, capaz de acolher outras profundidades em pesquisas no campo das aprendizagens. A disposição real com o interesse em algum fenômeno, exige o empenho original do conhecimento, formado entre acordos dinâmicos produtivos e reflexivos. O escutar muito mais do que o falar, causado no esforço observador, é umas dessas condições. Mas, muitas das vezes, essa característica perde-se no caminhar de uma pesquisa. A etnografia da madrugada é a metáfora entre o breu e o alfa pesquisador, para lembrar da escuridão seguida da alvorada, o princípio, que não se deixa clarear totalmente.
Trazer o “diferente” de “coisas” já “conhecidas” é o objetivo originário da trajetória pesquisadora. Isso ocorre durante a atração por algo expositor da disposição do interesse a ser pesquisado que, em início de conversa, é o bastante. Esse sentimento se dá em concomitância com outra característica, muitas das vezes, esquecida no ato de pesquisar: a empatia. Os laços feitos nos fios culturais provocam (in)constantes partes alimentadas na própria cultura. O momento da empatia pesquisadora seria aquele legitimador dos impasses capazes de desafiar o (im)pensado cultural. As complexas e negadas atitudes, para o (a) pesquisador (a), ganham uma nítida e importante aceitação. Sem “endeusar” ou “endiabrar” nenhum mecanismo pesquisador, quando surge o sentimento de empatia, a teoria é vista de forma intricada com a metodologia. E se pesquisar é seguir fora dos padrões do claro vespertino e da total escuridão noturna, a madrugada como etnografia, apesar de ser sem luz, é aurora, a antemanhã de dilúculo crepuscular, período para espaços da ambivalência da vida, logo, é a espaço reconhecer aprendizagens outras, antes, negadas como saberes.
Isso nos leva a segunda maneira interessante para relações educacionais e comunicacionais, a intervenção em conflitos percebidos pelo desenvolvimento da citada dimensão empática. Essa possibilidade será apresentada aqui através da lembrança de abril de 2017, quando realizei um dia de oficina com as temáticas “Insegurança Pública” e “Cultura de Rua”, no Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila[17]. Um homem com “cara de mau”, cigarro na boca, fuzil, rádio comunicador preso no cinto, roupas com as siglas “CV-RL”[18], as frases “É o bala”, “Só fé em Deus”, “Só tenta subi que vai conhece a revolta de um menor sofredo”, “Trem bala”, acompanhavam o “CV” marcado em um dos braços desse personagem.A conversa inicia a partir desse rebelde desenho, feito por cima de um papel de divulgação do próprio encontro, e cheio de simbologias explanadora de saberes juvenis periféricos.
Figura 2: Desenho feito por cima do cartaz de divulgação de uma oficina na escola.
Fonte: Imagem registrada pelo próprio autor.
No comum, tudo pareceu uma forma de afastamento e rejeição com a proposta do encontro. Nesse sentido, minha fala de abertura seguiu na relação cultural contida no desenho, sem questionar a qualidade, tão pouco saber quem desenhou. Na provocação, perguntei se o alunato presente se sentiam seguros na cidade em que vivem, e, em seguida, perguntei se o desenho evidenciava alguma comunicação associação com seus olhares. Alguns, aparentemente acanhados (as), tímidos (as), responderam que sim, pois, naquele dia, na parte da manhã, teria ocorrido uma intervenção policialesca, a terceira em menos de uma semana. “- Meu primo estava indo trabalhar, e teve que voltar. Ele mora no Mandela[19].”. “- Meu irmão estava indo trabalhar e foi esculachado, só porque já teve passagem[20]. Mas ele hoje é trabalhador. Mostrou a Carteira de Trabalho e liberaram ele.”. “- Uma bala bateu ano passado na sala lá de casa. Porra, muito ódio! Moro lá no Arará[21].”. O alunato respondia e trazia, mais à vontade, a fala de outros (as): “- Por isso que tem que mandar bala nesses vermes safado mesmo! Eles têm tudo que morrer! Eles esculacha muito a favela.”.
Após essas e outras falas, perguntei se a insegurança gera algum tipo de relação na vida de seus cotidianos - por exemplo, quando se manifestam em certos lugares ou momentos, e acabariam reprimidos por isso. “- Um dia eu estava andando, e a polícia me parou. Eu estava indo pra escola, tranquilão[22]. Quase perdi a prova.”. “- Fui ver um estágio, lá no Centro, junto com uma galera aqui da escola, daí, no elevador do prédio onde estávamos, umas pessoas olharam pra gente de maneira estranha.”. “- Direto! Um dia estava escutando funk no meu rádio de mão, daí o policial mandou desligar. E nem era proibidão[23].”. Uma das narrativas trouxe a síntese dos sentimentos transmitidos naquele momento: “Só porque a gente mora em um lugar onde tem coisas erradas? A gente pode agir certo ou errado, iremos continuar defendendo o que achamos bom pra gente. E o bom pra gente é a liberdade.”.
Apenas reconhece a liberdade quem prestigia com olhar ambíguo a revolta. Apenas conhece a liberdade aquele que se revolta. Apenas se revolta aquele que quer liberdade. Apenas se deseja a liberdade quando a enclausura é sentida. Essa foi a leitura obtida na citada escola, onde a intervenção no conflito, através da escuta de falas que seriam comumente reprimidas e negadas. Ficou evidente que essa “irrefreada ânsia” entendida por retalhos, agiu diferente da narração transmitida na intenção de formar conteúdos, aquilo que pode se esvaziar e tornar-se palavras ocas; um tipo de “verbosidade alienada e alienante”, capaz de explicar “mais som que significação” (FREIRE, 1987, p. 33).
Ir além de qualquer puritanismo idealista necessita da pedagogia do oprimido, a superação que entende a realidade opressora não mais como um “‘mundo fechado’ (em que se gera o seu modo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar”, logo, o “motor de sua ação libertadora” passa a ser reconhecida, através do “limite que a realidade opressora lhes impõe”. (FREIRE, 1987, p. 19). É nesse percurso que Freire pensa e critica a “visão bancária da educação”, prática onde:
a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador;
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, meros objetos;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. (FREIRE, 1987, p. 33–34).
O professorado que ignora e/ ou reduz a inserção, por exemplo, de um mundo piXador, funkeiro, ou qualquer ação presente como “marginal”, acaba por agir nessa educação bancária. Se o funk, por exemplo, resulta certa “interação com algo externo que produz uma sensação ruim, cuja duração e intensidade pode variar”, em outras palavras, vira um som incomodo na assiduidade do “Outro” por entrar em choque por convicções éticas e preferências estéticas (TROTTA, 2016, p. 94), esse fenômeno recebe da visão bancária o oferecimento de um ajustamento aos conteúdos transmitidos, sem desenvolver uma consciência crítica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Travar a luta por um projeto educacional político que traga uma escola acolhedora, mais humanista e menos civilizatória, faz com que o corpo educando não seja visto como aqueles (as) contra o corpo educador. O sistema histórico se contradiz como a-histórico, ao ignorar as iniciativas que insistem em oprimir as presenças esperançosas. A esperança no incerto, sejam em frases, símbolos ou apenas nas marcas, emitidas nos sons, odores ou qualquer expressão emitida pelo alunato, carregam informações emergentes de suma importância para o currículo escolar. Esperança nas desesperanças é perceber o corpo, educador e/ ou educando, como próprio letramento, aquilo diferente do entusiasmo, e que se coloca na inevitável perda de “distorção da necessidade ontológica.”. (FREIRE, 1992, p. 5).
As “ideias e refrãos que invadem os ouvidos e entram em choque com nossos estilos de vida, códigos de conduta e preferências difusas” (TROTA, 2016, p. 87), posiciona o funk, e porque não, a piXação, como fenômenos causadores de conflitos ético-moral, advindo de traduções ruidosas. E se, em qualquer circunstância estética, falar é “existir absolutamente para o outro” (FANON, 2008, p. 33), essas ações posicionam-se como inconveniente, por ser um gênero musical e/ ou um letramento revelador das omissões feitas por quem os repugnam.
Os desprezos sobre essas vidas descolocados (as) a uma margem que, na movimentação da totalidade, são anuladas em seus conflitos esperançosos, no fim, negam a compreensão sobre a cidade e sua franca qualidade desigual e insegura. Os considerados desvios do corpo negro ou rebelde, no funk ou na piXação, efetivam, sem miséria, a apreciação da liberdade, mesmo que esta ocorra na angústia compreendida pela própria existência, geradora do ato cético que faz a vida.
REFERÊNCIAS
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CANEVACCI, Massimo. Do extremo ao eXtremo. In: CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 16-18.
COELHO, Gustavo. Deixa os Garotos Brincar. Ed. 1. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016.
DV, Nuno. Rio de Riscos. Ed. 1. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2013.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese em ciências humanas. Ed. 13. Lisboa: Editorial Presença, 2007.
FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Ed. 1. Salvador: Edufba, 2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança – um encontro com a pedagogia do oprimido. Ed. 42. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. 17. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. Ed. 1. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Ed. 2. São Paulo: Editora 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.
LIMA, Samuel da Silva. Xarpsicotrópicos: uma descolonização antirracista da rua na escola?. 322 f. Dissertação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas. (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Duque de Caxias, 2018.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Ed. 1. Lisboa: Antígona, 2014.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. Ed. 18. Petrópolis: Vozes, 2001.
NOGUERA, Renato. O ensino de filosofia e a Lei 10639. Ed. 1. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.
TROTTA, Felipe da Costa. O funk no Brasil contemporâneo - Uma música que incomoda. Latin American Research Review, v. 51, nº 4, p. 86-101, novembro/ 2016.
[1]Mestre em Educação, Cultura e Comunicação (UERJ/ FEBF) e Assistente Social (UNISUAM). Fundador da Fortaleceu Produções. Produtor Executivo da Lotação Records. E-mail: lotacaorecordslimas@gmail.com
[2] Vocábulo utilizado para denominar um produto feito com material mais barato, em comparação a outro comparável, afim de explicar “a mesma qualidade de uso”, por um preço mais barato.
[3] James Bullough Lansing, ou JBL, é a sigla do nome fundador (1946) de uma marca de equipamentos de áudio (caixas de som, fones de ouvido, home theater, etc.), hoje, aparentemente muito utilizado. Mais informações sobre a marca JBL
[4] “Ode a irresponsabilidade”.
[5] “Polícia concluí que tiro que matou DG, do ‘Esquenta’, foi disparado por PM”.
[6] No “Programa Fortaleceu”, DG foi o homenageado, através de uma leitura biográfica ocorrida em entrevista com sua mãe, Maria de Fátima.
[7] “Mãe de aluno morto diz dormir com a frase ‘Eles não viram o uniforme?’.
[8] Mais informações em “PM MATA universitária em festa com pelo menos 20 tiros por causa de uma música funk”.
[9] É o que diz na nomenclatura de seu canal no YouTube.
[10] Busca no Google por “Caso Supermercado Extra”.
[11] Mais informações em “Jovem morto por segurança, que sonhava em ser MC, deixou um funk gravado; ouça”.
[12] “Piada deu ruim: César Menotti pede desculpas por dizer que samba é coisa de bandido”. UOL, 3 jun. 2018.
[13] Muitos/as sambistas e artistas de outros gêneros musicais manifestaram repúdio as falas de César Menotti, como Leci Brandão, Zeca Pagodinho e Leoni.
[14]“Lei Nacional Anti Pichação” e na “Política Estadual de Antipichação”, respectivamente
[15]“Jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de ser morto, diz relatório”.
[16] A trajetória escolar se limita aqui entre o ensino fundamental e o ensino médio.
[17]A escola fica na Avenida Dom Hélder Câmara, nº 1184, no bairro de Manguinhos (Rio de Janeiro, RJ), acesso à favela de mesmo nome.
[18] Comando Vermelho – Rogério Lemgruber.
[19] Uma das favelas do Complexo do Manguinhos, a Nelson Mandela.
[20] Já foi preso, logo, hoje é egresso do sistema penal.
[21] Funk proibidão, que canta de forma mais íntima o olhar da favela, através da visão/ interpretação do próprio favelado.
[22] Confortável, calmo, estável.
[23] Uma das favelas do Complexo do Manguinhos, a Vila Arará.