Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
O uso de substâncias psicoativas por crianças e adolescentes: a experiência de um acolhimento institucional no município do Rio de Janeiro
Joilson Santana Marques Junior
Joilson Santana Marques Junior
O uso de substâncias psicoativas por crianças e adolescentes: a experiência de um acolhimento institucional no município do Rio de Janeiro
O Social em Questão, vol. 20, núm. 37, pp. 37-54, 2017
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O presente artigo buscar realizar uma análise inicial acerca das políticas de ação afirmati- va, particularmente no que tange a seu processo de construção socio-histórico, particu- larizando alguns marcos como a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Xeno- fobia e Intolerâncias Correlatas, a criação da Secretaria Especial de Politicas de Promoção de Igualdade Racial (atualmente extinta) e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Para tanto, utilizamos revisão bibliográfica e análise documental, a fim de nos aproximarmos da discussão teórico/política que ensejou a construção desses instrumen- tos legais. Percebemos uma relação de retroalimentação entre luta anti-racista e políticas de ação afirmativa.

Palavras-chave:Ações afirmativasAções afirmativas,Conferência de DurbanConferência de Durban,RacismoRacismo.

Carátula del artículo

Iniciais

O uso de substâncias psicoativas por crianças e adolescentes: a experiência de um acolhimento institucional no município do Rio de Janeiro

Joilson Santana Marques Junior
Universidade Veiga de Almeida, Brasil
O Social em Questão, vol. 20, núm. 37, pp. 37-54, 2017
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Políticas de Ação Afirmativa para Negros no

Brasil: elementos para uma reflexão inicial no Serviço Social

Joilson Santana Marques Junior1

Resumo

O presente artigo buscar realizar uma análise inicial acerca das políticas de ação afirmati- va, particularmente no que tange a seu processo de construção socio-histórico, particu- larizando alguns marcos como a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Xeno- fobia e Intolerâncias Correlatas, a criação da Secretaria Especial de Politicas de Promoção de Igualdade Racial (atualmente extinta) e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Para tanto, utilizamos revisão bibliográfica e análise documental, a fim de nos aproximarmos da discussão teórico/política que ensejou a construção desses instrumen- tos legais. Percebemos uma relação de retroalimentação entre luta anti-racista e políticas de ação afirmativa.

Palavras chave

Ações afirmativas; Conferência de Durban; Racismo.

Affirmative Action Policies for Blacks in Brazil: elements for an initial re- flection in Social Work

Abstract

The present article seeks to carry out an initial analysis on affirmative action policies, particularly regarding its socio-historical construction process, particularizing some his- torical milestones in the Third World Conference to Combat Racism, Xenophobia and Related Intolerance, the creation of the Secretariat Special Policy on Promotion of Racial Equality (currently extinct) and the National Policy for the Promotion of Racial Equality. For that, we used bibliographical review and documentary analysis, in order to get closer to the theoretical / political discussion that led to the construction of these legal instru- ments. We perceive a feedback relationship between anti-racist struggle and affirmative action policies.

Keywords

Affirmative actions; Durban Conference; Racism.

Introdução

A institucionalização das políticas de ação afirmativa2 no Brasil para negros é um fato que caracteriza a direção proposta pelo movimento negro, de retirar a questão racial3 do domínio privado e pô-la como uma questão pública.

Ao mesmo tempo temos um movimento internacional simbolizado pela 3ª Conferência Internacional contra o Racismo, a Xenofobia e Intolerâncias Corre- latas4 que mobilizou e pressionou nacional e internacionalmente para que o Brasil adotasse as políticas de ação afirmativa. Nesse sentido, trazer um breve panorama do que foi esse processo nos ajuda a visibilizar a relação dialética representada pelos contextos nacional e internacional que se retroalimentaram na luta anti-racista

É importante frisar que tais políticas se materializam em programas, projetos e serviços onde, muitas vezes, assistentes sociais são chamados a atuar. Sabemos que o público-alvo do serviço social é a classe trabalhadora, isso nos leva à com- posição desta classe no Brasil, constituída majoritariamente por negros5 e 6 , logo a discussão racial é parte fundamental para o entendimento desta realidade.

Tanto Paixão (2003) como Theodoro (2014) vão colocar que os índices de desigualdade da população negra se expressam por meio da constatação empírica da precariedade das condições de vida dos afrodescendentes brasileiros, inclusive do ponto de vista da naturalização desse fenômeno.

Do ponto de vista do acesso às políticas públicas universais, a população ne- gra ainda se vê alijada de um ingresso equânime como prova o texto de Almeida (2014) ao relatar as diferenças de acesso e atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Por outro lado, é preciso reafirmar que as políticas sociais em geral assim como politicas de ação afirmativa, na maioria das vezes, são espaços privilegiados de inserção profissional, de modo que os assistentes sociais se encontram em con- tato direto e cotidiano com usuários que sofrem com as iniquidades do racismo. Nesse sentido nossa intenção com esse artigo é trazer alguns aportes iniciais sobre a discussão de políticas de ação afirmativa enquanto uma discussão necessária por conta das características já enunciadas anteriormente e por acreditarmos que o domínio teórico-metodológico só se completa e se atualiza pela pesquisa rigorosa das condições e relações particulares em que se vive. Requer o acompanhamento da dinâmica dos processos sociais, como condição inclusive da apreensão das pro-

blemáticas cotidianas pertinentes ao exercício profissional (IAMAMOTO, 2001). O artigo está dividido em duas seções: a primeira diz respeito ao breve res-

gate histórico da Conferência de Durban, colocando alguns pontos centrais na

sua relação com a implementação de politicas de ação afirmativa no Brasil e a segunda se refere à discussão das políticas de ação afirmativa em seu histórico de construção, com destaque para a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial7 e a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

A Conferência de Durban: uma relação dialética no debate étnico/ racial brasileiro

Entre agosto e setembro de 2001, realizou-se na cidade de Durban, na África do Sul, a 3ª Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial a Xenofobia e Formas correlatas, a última do ciclo de conferências mundiais da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa Conferência dá continuidade a um processo de conferências sociais em que se procurou discutir soluções e formas de enfrentamento dos problemas relacionados à discriminação em todas as suas formas, bem como a não efetivação dos direitos humanos, civis, políticos e so- ciais, e intolerâncias de variadas ordens. (SANTOS, 2005)

O processo de construção da Conferência remonta a luta contra o racismo desde o final da Segunda Guerra Mundial bem como ao processo construído a partir da Declaração Universal dos Direitos humanos. A ONU segue nessa luta, impulsionada pelos movimentos de independência e afirmação no continente Africano.

Em 1965 foi assinada a Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e que entrou em vigor em 1969.

Na intenção de concretizar as resoluções da convenção resoluções, a ONU instituição o ano de 1971 como o ano das Ações de Combate ao Racismo e à Discri- minação Racial.

Posteriormente institui o que chamou de Décadas para Ações de Combate ao Ra- cismo e a Discriminação Racial que se dividiram em três: a primeira década seria entre os anos de 1973 a 1982; a segunda entre anos de 1983 a 1992 e a terceira entre os anos de 1993 a 2002. (SANTOS, 2005 p.89)

As Conferências foram desencadeadas a partir do estabelecimento das dé- cadas de combate ao racismo, de tal modo que a 1ª Conferência Mundial para o Combate ao Racismo e a Discriminação Racial, realizada em Genebra, em 1978, e que deu início ao ciclo de Conferências, se traduziu no grande evento da pri-

meira década de combate ao racismo. E a 2ª Conferência Mundial para o Combate ao Racismo e a Discriminação Racial, também ocorrida em Genebra, em 1983, afirmava que a discriminação o racismo e outras formas de discriminação deviam ser extirpados como forma de garantir os direitos humanos, sociais, políticos e ci- vis. Ambas chamaram a atenção para o não cumprimento sistemático dos tratados anteriormente pactuados com os Estados membros e ressaltaram o importante papel da educação na prevenção e combate ao racismo. (SANTOS, 2005)

Este breve resgate mostra-nos um pouco da trajetória internacional até a 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo a Xenofobia e Into- lerâncias Correlatas. Outro aspecto relevante para a realização da Conferência de Durban foi o contexto dos anos de 1990, em que se percebe um aumento na discriminação em todas as suas expressões.

A Conferência também fez parte de um processo cíclico de conferências mun- diais8, na década de 1990, que tinham como elemento central a efetivação e uni- versalização dos Direitos expressos na Carta Internacional de Direitos Humanos9. Podemos perceber o movimento dialético propulsor da realização da Con- ferência de Durban, na medida em que esse evento, ao mesmo tempo em que responde ao aumento do racismo e da xenofobia em todo o mundo, também mostra como a resistência a esses processos vem buscando o intercâmbio global

para facilitar e potencializar suas ações.

Observando com preocupação a persistência dos casos violentos de racismo, da discriminação racial, da xenofobia e de intolerância correlata, e que as teorias de superioridade de certas raças sobre outras, promovidas e praticadas durante o pe- ríodo colonial, continuam a ser propagadas de uma forma ou de outra ainda hoje em dia (...)(DECLARAÇÃO DE DURBAN E PLANO DE AÇÃO, 2001, p13)

É importante lembrar que as conferências são reuniões governamentais e por princípio as Organizações da Sociedade Civil não tinham a legitimidade que atingi- ram no decorrer do processo de realização das Conferências da década de 199010.

Outro aspecto relevante em relação a Conferência de Durban é a sua dimensão, pois segundo Borges reuniram-se “150 delegações oficiais e cerca de 4 mil organizações não governamentais” (BORGES, MEDEIROS e DADESKY, 2001, p. 39-40).

Em 1997 foi tomada a decisão de ocorrer a 3ª Conferência. O que se pretendia era a construção de um compromisso concreto entre as nações que envolvessem a criação de políticas públicas para a eliminação de preconceitos e discriminações.

Além desses aspectos nos interessa entender qual a importância da Conferên- cia de Durban para as políticas de ação afirmativa e para o debate da desigualdade racial no Brasil. Para isso faz-se necessário retomarmos o processo preparatório para a participação do país na Conferência.

Este processo conseguiu agregar os diferentes grupos em torno da discus- são da discriminação, do preconceito e suas mazelas de modo que “entidades do movimento negro, indígena, de mulheres, de defesa e liberdade religiosa, mobi- lizaram-se intensamente nesse diálogo, com o governo [...]” (RELATÓRIO DO COMITÊ NACIONAL, 2001, p.1).

Ao construir um processo que mobilizou diferentes atores historicamente discri- minados, o Brasil conseguiu levar propostas avançadas no sentido de garantir a plenitu- de dos direitos, tais como a insistência de que fossem reconhecidos o conceito de dis- criminação sexual e a escravidão, como crime de lesa a humanidade (SANTOS 2005).

Para esse trabalho nos deteremos especificamente na vertente desse processo que diz respeito à questão racial com corte afro-brasileiro.

O fato de o Estado brasileiro ter reconhecido, em 1995, a existência do racis- mo e ter se comprometido com a luta pela sua eliminação, influenciado pela mo- bilização do movimento negro, colocou essa temática sob novas perspectivas no cenário nacional. Porém, a Conferência de Durban simbolizou uma oportunidade de pressionar tanto nacional quanto internacionalmente a tomada de decisões e ações concretas que viessem a eliminar as desigualdades raciais.

Seguindo o processo de preparação para a Conferência, foi lançado no dia 08 de setembro de 2000 um Decreto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que es- tabelecia a constituição do Comitê Nacional, sob a presidência, na ocasião, do Secretá- rio de Estado Direitos Humanos, Embaixador Gilberto Sabóia, que procurou abarcar todas as representações que pretendiam participar na Conferência. E Em setembro de 2000, em São Paulo, foi lançado o Comitê Impulsor que tinha por objetivo potenciali- zar a participação de um maior numero possível de entidades negras na Conferência, principalmente de organizações do movimento negro. (SANTOS 2005).

O Brasil [...] levantou questões polêmicas, como a necessidade de reparação pelas seqüelas da escravidão e do colonialismo. Os descendentes de escravos africanos reivindicaram cotas nas universidades (20% das vagas para afro-descendentes), no mercado de trabalho (20% funcionários públicos contratados por concurso e a mesma porcentagem nas empresas privadas com mais de 20 empregados) [...]. (BORGES, MEDEIROS e DADESKY, 2001, p. 39-40).

As políticas de inclusão na educação para afro-brasileiros tornaram-se a pauta aglutinadora das exigências do movimento negro. Pauta esta centrada nas reivindi- cações de aumento da inserção de negros no nível superior de ensino, de valorização da história dos afro-brasileiros e da africanidade por meio de disciplinas que viessem a dar conta da produção e socialização desse conhecimento. (SANTOS, 2005)

A partir da constatação da necessidade de o Estado sair de sua posição de neutralidade em relação à discriminação e que efetivamente executasse ações que concretizassem os direitos para a população negra, (RELATÓRIO DO COMITÊ NACIONAL, 2001), pode-se inferir que a Conferência de Durban funcionou tanto para aglutinar forças internacionalmente em nome do combate à discriminação, quanto reforçar o papel do Estado como ente privilegiado na execução de políticas de ação afirmativa.

Por fim, temos o Plano de Ação de Durban que estabeleceu as diretrizes e possíveis estratégias que deveriam ser adotadas pelos países signatários na imple- mentação de medidas que viessem a combater o racismo e suas consequências. (DECLARAÇÃO DE DURBAN E PLANO DE AÇÃO, 2001)

Politicas de Ação Afirmativa no Brasil: premissas iniciais

A Constituição Federal de 1988, considerada avançada, institui o Estado de- mocrático de direito no Brasil sobre uma perspectiva multirracial e multiétnica, bem como a não discriminação como um princípio.

Embora o escopo legal que devesse balizar a luta pela concretização da igualdade nas condições de vida entre brancos e negros não tenham sido sufi- cientes para reverter o quadro histórico de desigualdades raciais, foi somente com o reconhecimento por parte do Estado do racismo como mantenedor de relações de opressão e inferiorização da população negra, em 1995, e o aconte- cimento da Conferência de Durbanque ações concretas de combate ao racismo e a desigualdade foram adotadas. (WERNECK, 2005)

Criou-se um grupo de trabalho interministerial a fim de elaborar políticas governamentais de combate ao racismo. É a partir deste grupo que surgem as primeiras propostas de políticas de ação afirmativa de corte racial dentro do Estado. Antes, porém, de darmos continuidade a esta aproximação, é neces- sário elucidar o conceito de política de ação afirmativa em torno do qual se organizaram essas ações no Brasil.

Este conceito está sustentado pelo ideal de justiça distributiva que busca a reparação dos preconceitos vividos nos dias atuais, procurando dividir de

forma igual direitos, deveres e riquezas da sociedade e ainda pela concepção de justiça compensatória que busca uma reparação para os grupos historica- mente discriminados. (SANTOS, 2004)

O que Osório (2003) coloca é que o princípio étnico/racial tem que ter su- premacia na política de ação afirmativa ante a questão da pobreza. Contudo, a grande maioria de pretos e pardos é pobre e é evidente que isso não justifica a im- posição de um viés puramente socioeconômico para a política, mas sim que, em algumas situações, seja necessário observar esse dado como uma condicionante importante na definição das políticas de ação afirmativa.

Por sua vez, Faleiros (1997), ao trazer as políticas públicas de base universalis- ta, coloca que estas são fundamentais para o fortalecimento de pessoas e grupos em sua relação com o Estado. No entanto, a operacionalização de tais politicas possui efetivação muitas vezes, estratificada por classe, gênero, raça e idade. Tal fato cria uma segunda zona de cidadania. Nesse sentido estas políticas podem na verdade contribuir com as desigualdades sociais.

Dessa maneira, mesmo as políticas de ação afirmativa, devem levar em consi- deração a sobreposição de preconceitos e discriminações, ainda que o autor não discorra sobre elas, especificamente.

Faleiros (1997) chama a atenção sobre outro aspecto a cidadania de segunda classe onde ficam relegados todos aqueles que não conseguem uma inserção plena nas políticas sociais e na efetivação de direitos. E é nesta problemática em que se insere a política de ação afirmativa. As tradicionais políticas sociais universais não são capazes de resolver as disparidades criadas por um modelo de estratificação social sustentado por uma estrutura de discriminação.

As políticas de padrão universalista, embora muito importantes, conseguem, no máximo, manter os atuais níveis de desigualdade, isso porque elas mesmas acabam por reproduzir a lógica de discriminação vigente, vide discussão empre- endida por autoras como Werneck (2013)11 acerca do racismo institucional.

Logo, a política de ação afirmativa é uma política que pode ter suas ações arti- culadas ou por dentro das demais políticas sociais que visem garantir a equidade12 dentro da universalidade, e que a diversidade existente na sociedade seja contem- plada de maneira igual nos acessos a políticas, serviços, mercado de trabalho, etc. Em outras palavras, é a garantia que a diversidade não signifique desigualdade.

Isso não significa dizer que ela deva estar submetida do ponto de vista orga- nizacional às demais políticas sociais, ou mesmo que não tenha sua própria ope- racionalização, mas sim que este atravessamento ocorra de forma mais intensa.

Cabe lembrar que segundo a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial,

A transversalidade pressupõe que o combate às desigualdades raciais e a promo- ção da igualdade racial passam a constar como premissas, como pressupostos a se- rem considerados no conjunto das políticas de governo. (POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 2003)

Ainda com respeito ao que sejam as políticas de ação afirmativa, pode-se consi- derar que são estratégias que buscam a primazia do principio de equidade, ou seja, que haja equivalência, entre todos os segmentos e que os direitos estejam distribuí- dos igualmente. Podemos recorrer a Boschetti (2003) quando a autora expressa que a focalização é necessária para garantir foco sobre determinadas situações dentro de um grupo. Embora a autora não trate do tema sobre o qual versa esse texto, sua abordagem nos parece útil para a compreensão de que grupos historicamente discriminados precisam de foco dentro das politicas universais, justamente para que a política possa ter uma perspectiva universal de atendimento.

Após dialogar com conceitos que erigem as políticas de ação afirmativa, pode- mos prosseguir conhecendo alguns de seus principais momentos.

Podemos dizer que de um modo geral essa política vem se organizando por meio de duas linhas de ação, a saber:

a) Ação socioeducativa, que visa a reeducação da sociedade para a valori- zação, o respeito da cultura negra, e ao mesmo tempo,busca forjar uma educação para a diversidade racial, bem como rediscute a questão racial no que diz respeito à cultura de discriminação que se reproduz no Brasil.

b) O outro viés é a ação de combate às desigualdades raciais. Nessa linha de atuação encontram-se as estratégias e medidas visando ao combate às disparidades de acesso a bens e serviços, assim como a redução do abismo existente entre as condições de vida de negros e brancos.

Retomando a nosso breve histórico, podemos dizer que as primeiras me- didas relacionadas à ação afirmativa se iniciaram com a instauração do Grupo de Trabalho Interministerial para a valorização da população negra em 27 de fevereiro de 1996. Este Grupo pretendia discutir e formular ações que viessem a combater as desigualdades raciais (SANTOS, 2004). Esta foi à primeira ini- ciativa em âmbito do Estado para pensar o racismo e elaborar medidas para a correção das injustiças geradas pelo mesmo.

O GTI tinha como um de seus objetivos elaborar políticas de combate ao racismo, que viessem a consolidar os direitos da população negra “como expectativa ao longo deste governo (Fernando Henrique Cardoso), inscrever definitivamente a questão do negro na agenda nacional...” (GTI 1998 apud SANTOS, 2004, p. 22).

É no GTI que se gesta o primeiro conceito oficial de política de ação afirmativa:

[..] medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, es- pontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades histo- ricamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater efeitos acumulados em virtude das discrimi- nações ocorridas no passado. (GTI 1998 apud SANTOS, 2004, p. 22).

Este conceito norteou a elaboração das medidas que viessem a corroborar com o enfrentamento do racismo, porém, esse primeiro passo, em direção a uma política de ação afirmativa para a população negra, não se concreti- zou como o esperado. As medidas elencadas pelo GTI estavam distantes das aspirações do movimento negro e, no que tange a sua organização enquanto uma política pública, oque se observou foram uma fragmentação e uma não institucionalização em termos de corpus político e técnico-operativo. O que ocorreram foram medidas isoladas que não conseguiram atingir o cerne da questão (WERNECK, 2005).

A importância do GTI está em ser a primeira proposta em termos de Estado de pensar a desigualdade racial, ainda que ele não tenha chegado a estruturar uma política para esta população, o seu mérito está no fato do Estado admitir a existência do racismo e se comprometer em buscar formas de eliminá-lo.

Em 2003, foi eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua vitória foi em- blemática e significativa para os movimentos sociais, e de forma singular para o movimento negro, afinal tratava-se de um candidato não-branco, nordestino e de baixa escolaridade, o que sinalizava a existência de algum tipo de sensibiliza- ção para as propostas do movimento negro.

Em março de 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que dá status de ministra à sua secretária. A secre- taria foi criada, segundo a lei n. 10.678, para formular, coordenar, e avaliar as políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial. (WERNECK,2005).

Após a criação da SEPPIR, veio a elaboração da Política Nacional de Promo- ção da Igualdade Racial. Estes dois eventos demonstram que o governo havia encampado o combate à discriminação racial, diferente de momentos anteriores em que a questão da desigualdade racial nunca havia sido tomada como questão a ser resolvida com a criação de uma Secretaria em nível nacional, ou com a pro- mulgação de uma política de Estado.

No entanto, o estabelecimento de uma Secretaria (mesmo que sua secretá- ria tenha status de ministra), não significa a instituição de um Ministério. Esse pode ser considerado o primeiro sinal de que, embora comprometido com o combate ao racismo, o governo tinha prioridades mais essenciais. Desse modo, os parcos recursos de que dispunha a Secretaria e as dificuldades enfrentadas pela mesma para realizar seus objetivos, principalmente no que se refere à pro- moção da igualdade racial, confirmam as observações feitas sobre a atuação concreta do Estado brasileiro. Outro aspecto singular da Secretaria é que ela foi instituída como um órgão de coordenação e não de execução, isso tornou seu raio de atuação muito mais restrito.

As ações da SEPPIR centraram-se, principalmente, na atuação junto aos qui- lombolas, onde a Secretaria teve papel mais executivo. Nas outras áreas sua atua- ção foi mais no sentido de promover convênios e acordos que viessem a garantir futuras medidas. Devemos lembrar que a Secretaria foi criada com o signo da promoção das políticas de ação afirmativa, e não da execução, o que se traduz em limitações práticas a sua atuação.

Já no que se refere à Politica Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a mesma ratifica o papel do Estado na Promoção da Igualdade Racial e estabelece a necessidade da redefinição dos serviços públicos para alcançar a igualdade de oportunidade e tratamento equânime para grupos racialmente discriminados. (POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL, 2003)

A questão é que o cenário de retração do Estado no seu papel frente às polí- ticas sociais e a efetivação de direitos torna esta primazia um desafio. E, segundo Behring (2001), o corte de gastos na área social combinado com a privatização e a (des)universalização das políticas sociais, cria uma perspectiva residual para a po- lítica social. Em decorrência disso, embora o Estado seja um ente fundamental na efetivação das políticas de ação afirmativa, isso se torna mais complexo na medida em que sua atuação na promoção de políticas sociais está cada vez mais reduzida e posta sob os auspícios da iniciativa privada.

ciais. Mais uma vez nos confrontamos com algumas questões, pois embora esses objetivos exponham uma visão progressista e demonstrem uma forte inclinação à garantia dos direitos, por outro lado vivenciamos um processo de ataque aos direitos o que torna a efetivação desses objetivos um desafio.

Nesse sentido, a pergunta que nos parece mais emergente, é como consolidar os direitos sociais da população negra tendo em vista que os próprios direitos para a população em geral estão em retração, seja pela privatização, despolitização e/ou terceirização dos mesmos? Analisando os objetivos propostos pela Política percebemos a necessidade de articular as políticas de ação afirmativa com a luta pelos direitos sociais a partir da compreensão de que não existe uma oposição binária entre a perspectiva univer- salista dos direitos e a equidade colocada como princípio pelas ações afirmativas. Em nosso entendimento não há universalidade sem equidade e nem mesmo equidade sem universalidade. É preciso, no entanto, uma articulação não só das ações, mas também da luta política em torno da manutenção e ampliação dos

direitos sociais e ao mesmo tempo pela cidadania “real” dos negros no Brasil.

Por sua vez, seus princípios demonstram a intencionalidade de se construir uma política calcada num viés que ultrapasse os limites de um órgão da ges- tão governamental com vistas à transversalidade. Nesse sentido, pressupõem a integralidade das ações, o que significa que a política deve ser elaborada sob uma perspectiva de totalidade, como única forma de alcançar a cidadania da população negra.

Já as Diretrizes da Política expressam o objetivo de traçar um combate ao racismo, de modo a ultrapassar a perspectiva conjuntural e atingir as estruturas nas quais ele atua.

Efetivamente existe hoje uma base legal para a atuação contra discriminação e as desigualdades raciais, contudo, as atuais mudanças do ponto de vista gover- namental, deixam claro que a existência da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, assim como outros instrumentos, não serão tornados efetivos sem a luta dos movimentos sociais, particularmente do movimento negro.

Finalmente destacamos ainda que, após longas batalhas, foi aprovado o Es- tatuto da Igualdade Racial em 2010 por meio da Lei 12.288 de julho de 2010. O Estatuto, em que pesem as críticas aos muitos cortes que sofreu para a sua aprovação, é um instrumento de discussão acerca da efetivação do combate ao racismo no Brasil.

Registramos, ainda, abaixo, com base em Amaro (2005), as ações afirmativas nas seguintes áreas:

Na educação: inclusão da temática racial nos currículos dos estabelecimen- tos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, por meio da Lei nº 10.639/0313; criação de cotas raciais de ingresso nas universidades públicas14, graduação e mais recentemente nos programas de pós-graduação15; programas de permanência de alunos cotistas nas universidades;programas de incentivo de pesquisa acadêmica sobre relações raciais (UNIAFRO),

No trabalho: Apoio a programas de diversidade étnica nas empresas, públi- cas e privadas; Incentivo à contratação e a promoção de funcionários afrodescen- dentes; programa de erradicação do trabalho infanto-juvenil (PETI) com ênfase nas famílias afro-brasileiras; estabelecimento de cotas raciais em concursos públi- cos, criação do sistema de reserva de vagas em concursos públicos através da Lei 12.990 de junho 2014.

Na questão agrária: Regulação das terras quilombolas; desenvolvimento das comunidades quilombolas.

Na Cultura: Investimentos na valorização do patrimônio cultural afro-brasi- leiro privilegiando ações que venham revitalizar e preservar os acervos bibliográ- ficos, cinematográficos e fotográficos.

Na saúde: Implementação da Política Nacional De Combate Anemia Falci- forme, incremento a debates e produções científicas acerca da saúde da população negra, criação da Politica Nacional de Saúde Integral da População Negra, que busca basicamente a promoção de equidade em saúde para a população negra.

Na comunicação social: observância das campanhas publicitárias, das pro- gramações, no sentido de garantir o respeito à cultura, à aparência e à vivência da população negra.

Considerações finais

É preciso olhar diretamente para o problema da desigualdade racial e deixar de escamoteá-lo como questão decorrente apenas da desigualdade socioeconômi- ca. Isso porque, se o único problema de desigualdade no Brasil se remetesse ape- nas ao fosso entre pobres e ricos, que, convenhamos, é um abismo, haveria uma representação paritária de negros tanto nas classes populares quanto nas classes dominantes. Não se trata de meramente repetir o slogan da igualdade bastante propalado, mas sim da busca por igualdade de direitos.

Queremos que a miséria e a pobreza sejam desnaturalizadas, mas queremos que em sua desnaturalização seja percebido que sua face é negra e, por conseguinte que isso é visto como “normal”, na medida em que negros ou são considerados natu-

ralmente inferiores ou eternos escravos. Ou seja, é no reconhecimento de negras e negros como sujeitos que conseguiremos reaver o nosso lugar como humanos.

Tal fato deixa clara a necessidade de se pensar políticas sociais que venham a atender essa questão, já que apenas o modelo clássico de políticas sociais não tem revertido o quadro de desigualdade entre brancos e negros. Há uma urgência em se focalizar este segmento da população, pois o processo de produção e reprodu- ção do racismo continua a destituir essa população dos acessos mais básicos. É, então, no bojo desta questão que se faz necessária a incorporação da discussão das políticas de ação afirmativa no meio profissional.

Material suplementar
Referencias
ALMEIDA, M. da S. . Saúde da população negra e equidade no Sistema Único de Saúde. In: Duarte, M. J. et.al (Org.); Política de Saúde hoje: interfaces & desafios no tra- balho de assistentes sociais. 1ed.Campinas: Papel Social, 2014, v. 1, p. 271-294.
AMARO, S. A questão Racial na Assistência Social: um debate emergente. Serviço Social e Sociedade, n. 81. São Paulo: Cortez, 2005.
BEHRING, E. R.. Principais Abordagens Teóricas da Política Social e da Cidadania. In: CFESS; ABEPSS; CEAD/UnB. (Org.). Capacitação em Serviço Social e Política Social. 1 ed. Brasília: CEAD/UnB, 2001, v. 3, p. 18-40.
BORGES, Edson, d´ADESKY, Jacques, MEDEIROS, Carlos Alberto. Racismo, pre- conceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002.
BOSCHETTI, I. Assistência social no Brasil: um direito entre originalidade e con- servadorismo. Brasilia: GESST/SER/UnB, 2003.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Políti- ca Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Brasília: Seppir, 2003.
. Ministério da Educação. Portaria Normativa nº 13, de 11 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/ legislacao/12052016-PORTARIA-NORMATIVA-13-DE-11-DE-MAIO-DE-2016- E-PORTARIA-N-396-DE-10-DE-MAIO-DE-2016.pdf> Acesso em: 20 ago. 2016
. Constituição Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 20 ago. 2016
. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm> Acesso em: 20 ago. 2016
. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Disponível em:. <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm> Aces- so em: 20 ago. 2016
. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm> Acesso em: 20 ago. 2016. . Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Disponível em:
CARNEIRO, M. E. R.. Editorial. Caderno Espaço Feminino - Uberlândia-MG - v. 29, n. 1 – Jan./Jun. 2016.
CORRELATA 3. Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da participação bra- sileira na III Conferência Mundial Das Nações Unidas Contra O Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, Ministério da Justiça,2001.
GERARDI, D. A., ESPINOZA, F.. O recrutamento dos ministros da área social em tempos de impeachment. In: Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do brasil. v. 3, n.9. 2016.
IAMAMOTO, M. V.. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 4ª edição. São Paulo:Cortez, 2001.
OSORIO, R. G.. “Ações Afirmativas no Brasil: experiências recentes” In: Políticas de Ajuste x Políticas de Inclusão: gênero e raça nas políticas públicas. São Paulo: Brasil, 2003.
PAIXÃO, M. J. P. Desenvolvimento humano e relações raciais. Rio de Janeiro: DP&A; LPP/UERJ. 2003.
SANTOS, Márcio André de Oliveira. “A persistência dos movimentos negros brasileiros: Processo de mobilização à 3ª Conferência Mundial das nações Unidas contra o racismo”. Dissertação de Mestrado. IFCH: UERJ, Rio de Janeiro, 2005.
SANTOS, S. A. dos. Ação afirmativa e mérito individual. In: Negro e Educação: Identida- de Negra e Pesquisas sobre o Negro. (org) ANPED. Ação Educativa, ANPED, 2004.
SPOSATI, A.. Mapa da exclusão/inclusão social eqüidade. Com Ciência – Políticas Pú- blicas, proteção e emancipação, Revista Digital. 2002. Disponível em: <http:// www.comciencia.br/reportagens/ppublicas/pp11.htm>. Acesso em: 06 fev. 2007
THEODORO, M.. Relações raciais, racismo e políticas públicas no Brasil contemporâneo. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, v. 8, n. 1, p. 205-219, 2014.
WERNECK, J.. A luta continua: O combate ao racismo no Brasil pós-Durban. Re- vista do Observatório da Cidadania, n. 55, 2005. Disponível em: <http://www. dialogoscontraoracismo.org.br/forms/saibamais.aspx>. Acesso em: 01 jun. 2007.
WERNECK, J. et al. Racismo institucional: uma abordagem conceitual. -Rio de Janeiro: Geledes, 2013.
Notas
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc