Resumo: O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, chegou às favelas do Alemão, Manguinhos, Rocinha, Pavão/Pavãozinho e Preventório, todas na Cidade do Rio de Janeiro, sob o apelido de PAC-Favelas no ano seguinte. Em Manguinhos, em sua dimensão territorial ampliada, diversas obras de urbanização, construção de equipamentos públicos e unidades habitacionais foram anunciadas. Falta de transparência pública, ausência de participação social efetiva e uso eleitoreiro das obras são marcas da intervenção. Neste artigo, o foco será a análise em torno da produção do informal, de certa forma induzida pelo Estado, como regra nos conjuntos habitacionais construídos pelo PAC.
Palavras-chave:FavelasFavelas,UrbanizaçãoUrbanização,PACPAC.
Artigos
O Estado que produz a informalidade: o caso dos Conjuntos Habitacionais de Manguinhos no âmbito do PAC-Favelas
O Estado que produz a informalidade: o caso dos Conjuntos Habitacionais de Manguinhos no âmbito do PAC-Favelas
André Luiz da Silva Lima1
Resumo
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, chegou às favelas do Alemão, Manguinhos, Rocinha, Pavão/Pavãozinho e Preventório, todas na Cidade do Rio de Janeiro, sob o apelido de PAC-Favelas no ano seguinte. Em Manguinhos, em sua dimensão territorial ampliada, diversas obras de urbanização, construção de equipamentos públicos e unidades habitacionais foram anunciadas. Falta de transparência pública, ausência de participação social efetiva e uso eleitoreiro das obras são marcas da intervenção. Neste artigo, o foco será a análise em torno da produção do informal, de certa forma induzida pelo Estado, como regra nos conjuntos habitacionais construídos pelo PAC.
Palavras-chave
Favelas; Urbanização; PAC.
The State that produces the informality: the case of the Housing Set of Manguinhos within the ambit of the PAC-Favelas
Abstract
The Growth Acceleration Program (PAC), created in 2007, reached the favelas of Alemão, Manguinhos, Rocinha, Pavão / Pavãozinho and Preventório, all in the city of Rio de Janeiro, under the nickname PAC-Favelas the following year. In Manguinhos, in its enlarged territorial dimension, several urbanization works, construction of public equipment and housing units were announced. Lack of public transparency, absence of effective social participation and electoral use of the works are marks of intervention. In this paper, the focus will be the analysis around the production of informal, to some extent induced by the State, as a rule in the housing estates built by PAC.
Keywords
Favela; favelas upgrading; PAC.
Artigo recebido: abril 2018.
Artigo aceito: julho 2018.
Introdução2
No dia 24 de abril de 2018 o Jornal do Brasil, novamente3 na versão impressa, traz uma chamada na capa sobre o projeto do PAC em Manguinhos, que no corpo do periódico responde ao título “um sonho abandonado”. O jornalista responsável narra as promessas que chegaram com o PAC em 2008, contrastando o cenário inicial com o de dez anos depois: obras inconclusas e abandono do que foi construído – equipamentos públicos, quiosques e áreas de lazer – pelo Poder Público. Acrescente-se o fato de que existem centenas de famílias desalojadas, e outras centenas, em situação de vulnerabilidade habitacional – ainda que, recebendo o valor mensal de R$400,00 de auxílio aluguel. Neste cenário, identifica-se o aprofundamento do avanço do não legislado, do não institucionalizado metamorfoseando-se numa lógica que se estrutura a partir do território. As Unidades Habitacionais construídas pelo PAC Manguinhos são um belo exemplo que como o Poder Público, que suposta e seletivamente ataca o informal, o não regulamentado, acaba por criar condições favoráveis para sua expansão. Neste artigo, uma breve análise das condições de possibilidade para a emergência desta informalidade induzida pelo PAC.
Naturalização da atribuição da informalidade à favela
Constitui-se algo complexo, e nada simples, definir o que aqui se denomina como favela. Diversos estudos apontam que tais localidades têm suas histórias marcadas por narrativas estereotipadas, cuja enunciação se conecta indubitavelmente ao lugar de fala. Além de designar uma tipologia de localidade, também acaba por se personificar e adjetivar seus moradores, num complexo jogo estigmatizador. Afinal, quem mora num condomínio não é chamado de ‘condominiado’ como se vê com o ‘favelado’. A construção simbólica da descrição e conceituação da favela a partir do que lhe falta acompanha sua história em diversos momentos, conjugando-se em certos enunciados à ideia de um lugar carente de salubridade e local privilegiado das doenças, bem como a ausência da ordem cívica, constituindo-se assim o seio preferencial da criminalidade e do ilegal. Essa natureza diversa, mas centrada na ausência, no campo da representação do que seja favela entrelaça-se, portanto, nos discursos enunciados por governantes, parlamentares, empresários e reproduzido pelos veículos de imprensa em seu tempo.
Tal cenário, de tramas e relações sustentadas na carência e ausência, atribuídas inicialmente4 por agentes externos, constituem elementos do complexo jogo discursivo, e de certa forma, segregadores, existente no desenrolar do século XX na cidade do Rio de Janeiro. Uma verificação na literatura sobre a constituição das cidades capitalistas (BRESCIANI, 1992; CHALHOUB, 1996) no Ocidente e a incidência de mecanismos diferenciadores entre as populações subsidiariam a existência de um certo padrão de intervenção vertical e autoritário a partir de determinados pressupostos tidos como racionais/científicos, não ignorando, reconfigurações e ajustes dependentes do local/região/país a qual se referem. No Rio de Janeiro, por exemplo, as reformas urbanas ocorridas na cidade no início do século XX já expressavam essa modelação da cidade a partir do que seria importante e relevante a determinadas camadas/classes sociais. Estas reformas, sob a égide da ciência e da racionalidade técnica, acabaram por tentar setorizar as populações pobres, afastando-as sempre que possível dos logradouros centrais e mais valorizados da cidade. Essa racionalidade foi embasada na conceituação descritiva dos bairros e habitações populares a partir do que seria desviante em termos urbanísticos, afetando também os modos de experimentar a vida nestes locais. Os desvios, as faltas, as ausências chegam ao patamar da inteligibilidade produzida nos indivíduos. Inicialmente os moradores dos cortiços cariocas, e depois dos territórios de favela, são caracterizados pelo que lhes falta no nível da conduta, do caráter, da cultura cívica, entre outros, justificando assim o comportamento autoritário do Estado e de seus agentes (VALLADARES, 2005). Poderíamos assumir que esse suposto desvio da norma, em tese, seria o norteador do que poderíamos chamar de informal. Assim, em determinado momento da história, o processo de segregação e estigma, no patamar discursivo, possibilitou que a atribuição do adjetivo ‘favelado’ a um determinado fenômeno social para referenciar-se, de forma preconceituosa, a um evento informal.
No Rio de Janeiro, em específico, a segregação espacial teve seus limites, dentre outros aspectos, na própria ineficácia dos gestores públicos em ofertar possibilidades de habitação com acesso aos locais de labor. Deste modo, lavadeiras, empregadas domésticas, babás, trabalhadores da construção civil, entre outros, cujos locais de trabalho situavam-se na região central ou na zona sul, acabaram por instalar-se em terrenos sem uso nas proximidades de onde exerciam seus ofícios laborais (CARVALHO FILHO, 2005). Tal fenômeno incidiria na formatação de táticas, normativas e arranjos sociais, de base local, estruturados para garantir a sobrevivência destes grupos populacionais, e que em sua maioria, à margem do legislado, configurou-se no que poderíamos chamar de informal.
O uso do solo, a forma das construções das casas, o acesso à energia elétrica e agua potável, a gestão de comércio, serviços e indústrias para atender demandas locais, a forma de organização e gestão social do território, o mercado imobiliário, entre outros conformam setores em que o informal vigorou, mas aqui não postulado enquanto uma patologia, e sim, resultado pelo direito à vida na cidade.
A partir da construção coletiva, intersetorial, multidimensional de uma espécie de tipo ideal para se representar cognitivamente as favelas, com naturalização de certos adjetivos e da substantivação de atributos personificados de carência, estes territórios foram tratados pelo poder público e por agentes midiáticos como detentores de similaridades homogeneizantes. Por não se encontrarem dentro de uma suposta norma racional idealizada por certos setores da sociedade, as favelas adquiriram um caráter de suposta transitoriedade inconveniente , de algo que deveria ser eliminado, erradicado, tanto no nível da estrutura urbana como nas sociabilidades, ou seja, localidades que deveriam ser formalizadas.
As favelas no Rio de Janeiro são consequências na ordem da emergência fabricada das desigualdades sociais e opera na reprodução deste sistema, que não se relaciona apenas a mera localização espacial de determinadas6 famílias pobres7, como também nas dimensões da cidadania experimentada. O discurso recorrente, para além de algo situado entre o imaginário e a cognição, se constitui performático.
O Estado brasileiro assumiu em diversos momentos do século XX e nos primeiros anos do século XXI o discurso homogeneizante a respeito das favelas, e ainda que seus representantes em diferentes momentos estivessem, na esfera pública, reconhecendo possíveis inoperâncias do poder público, a ênfase na pobreza e numa suposta carência permaneceu. Neste sentido, assim como na ‘indústria da seca’8, políticos e seus aliados, em momentos históricos em que o voto foi facultado às populações moradoras de favelas, não se ocuparam em desconstruir os processos de vulnerabilização (social, econômico e político) existentes. A tutela política e a manutenção de serviços públicos, como moeda de troca9 em eleições, compõem um fenômeno que se metamorfoseou durante a história10.
No que tange à ação do poder público junto às favelas cariocas, alguns estudos11 construíram um olhar cronológico com algumas etapas. Lícia do Prado Valladares (2005) aponta que Burgos (1998), Valla (1986) e Leeds e Leeds (2015), salvo algumas diferenças de recorte por alguns anos, definem que a história das favelas cariocas passou pelos seguintes ciclos:
1ª) anos 1903 – início do processo de favelização do Rio de Janeiro e reconhecimento da existência da favela pelo Código de Obras de 1937; 2ª) anos 1940 – a primeira proposta de intervenção pública corresponde à criação de Parques Proletários durante o período Vargas; 3ª) anos 1950 e início dos anos 1960 – expansão descontrolada das favelas sob a égide do populismo; 4ª) de meados dos anos 1960 até o final dos anos 1970 – eliminação das favelas e sua remoção durante o regime autoritário; 5ª) anos 1980 – urbanização das favelas pelo BNH (Banco Nacional de Habitação) e pelas agências de serviço público após o retorno à democracia; 6ª) anos 1990 – urbanização das favelas pela política municipal da cidade do Rio de Janeiro, com o programa Favela Bairro. (VALLADARES, 2005, p.23).
Uma complementariedade, a estes ciclos, seria um 7º (sétimo), após o ano de 2007, marcado pelas(os): implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em diversas favelas; vultosos recursos mobilizados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-Favelas); diversos remanejamentos de residências nas obras justificadas pelo poder público em torno dos grandes eventos (Copa do Mundo de Futebol e Olímpiadas), entre outros aspectos (LIMA, 2017).
E neste jogo, nesta disputa entre sentidos e, também, do agir político, as favelas seguiram desde sua gênese sendo tratadas como localidades da informalidade, do não regular, da excepcionalidade, e desta forma, nutrindo em diversos momentos, ações para sua erradicação. Observa-se que, salvo em momentos pontuais, os projetos e iniciativas para as favelas não foram concebidos para mitigar os processos vulnerabilizadores do viver na cidade capitalista periférica, e desta forma, operam num ‘enxugar’ gelo.
O informal acabou por se tornar algo recorrente e a regra na Cidade, mas com uma associação naturalizada às favelas cariocas, o que não significa, conforme já mencionado, de que não existiu algum tipo de regulação. Aqui será denominado como auto-regulação a possibilidade de governança sem o aparato jurídico-institucional formal, cuja juridicidade distinta já havia sido problematizada por Boaventura de Sousa Santos (2014), em “O Direito dos Oprimidos”, sua tese de doutoramento. Um dos exemplos, hoje ainda visível, é a compra e venda do direito à laje, ou ainda do permanente estado de construção dos imóveis, que em muitas circunstâncias avançam sobre áreas comuns.
A não formalidade das favelas opera em diversas ‘camadas’, e atua num primeiro nível – talvez o mais visível – no que tange à regulação do uso do solo. De fato, na história das favelas, não existiu uma política de Estado – ou ao menos de Governo – que incidisse de forma cidadã na questão fundiária. Ainda que lutas sociais, inclusive com a participação de movimentos organizados de moradores de favelas, tenham conseguido garantir – pelo menos no plano da letra – o direito à moradia, este nunca foi extensivo à propriedade.
Se considerarmos outras ‘camadas’ do informal na e da favela, teremos além do uso do solo, a auto-regulação se demonstra no recorte viário; no acesso à energia elétrica, internet, água, esgoto e TV a cabo; na organização produtivo-comercial; nas organizações religiosas; na governança territorial, entre outros. A questão postulada aqui se encontra na provocação reflexiva em torno de um certo incentivo, ou então, permissão velada da produção de relações informais num contexto da produção de habitação popular pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O PAC Favela em Manguinhos: sua gênese
Em diálogo com uma literatura12 que analisa as políticas públicas nas favelas cariocas de modo a reconhecer a potência dos moradores de favela, a narrativa sobre a emergência do PAC em Manguinhos prescinde de um recuo temporal que identifique na história deste território elementos das lutas sociais de seus moradores por melhorias de suas condições de vida, e consequentemente pelas políticas públicas.
No último quarto de ano, em 2004, uma agente comunitária de Saúde foi submetida à uma revista de forma inadequada e arbitrária por um Policial Militar dentro de uma das favelas de Manguinhos13. Naquele momento, Leonídio Madureira, que tinha acompanhado o processo do DLIS/Manguinhos14 enquanto ativista social na condição de coordenador da CCAP15, visitava o gabinete do secretário de segurança pública na condição de servidor público16 do CSGSF (SANTOS, 2013). Madureira mantinha relações de parceria com a direção da REDE-CCAP e de outros grupos associativos e de ativismo local, o que possibilitou a articulação de diversos atores sociais de Manguinhos para a construção da Agenda Redutora da Violência (ARV). A proposta de “agenda” seria por conta do caráter heterogêneo dos participantes da proposta que apresentavam calendários de atividades (e formas de atuação) distintos, mas que se devidamente comunicantes em redes na esfera pública, poderiam causar efeitos positivos e surtir novas articulações, promovendo assim uma sustentabilidade nesta ação coletiva. Além de uma sensibilidade para com o dinamismo em rede, a proposta da ARV construiu uma linha de ação em que o conjunto dos atores da sociedade civil organizada buscava aliar-se com membros de organizações estratégicas, e neste caso, a Fundação Oswaldo Cruz era tida como uma das principais. Como na tática ‘gramsciana’ de ‘ocupar os espaços’/‘guerra de posições’, os artífices da ARV analogamente se posicionaram em ocupar, não cargos públicos, mas os eventos (fóruns, seminários, audiências públicas, etc.) elencados como significativos.
Manguinhos experimentava um acirramento da violência armada em seu território17, o que comprometia a integridade dos militantes pelos Direitos Humanos no território. Neste aspecto, num agir estratégico, a pauta da ARV elegeu em determinado momento a questão do saneamento básico como bandeira.
No seminário Redução da Vulnerabilidade Socioambiental na Região Maré Manguinhos18, em 18 de dezembro de 2006, na ENSP, um documentário foi exibido denunciando as obras mal executadas dos projetos PROSANEAR. Nesta ocasião, assinalado em depoimento oral, Leonídio Madureira destacou que as denúncias foram explanadas no evento por populares, que comparam19 as obras do PROSANEAR na localidade Vila Turismo com a de outras áreas de Manguinhos. Aliás, apesar da pressão do Presidente da Associação da Vila Turismo resultar em obras de melhor qualidade, e de ter sido eleito democraticamente, o constrangimento por parte do tráfico sobrevinha cotidianamente sobre o referido presidente de associação visto que a coordenação local do PROSANEAR estava a cargo de alguém alinhado com os interesses do poder paralelo20. Naquele seminário, Cezar Scherer, na condição de coordenador da Unidade Gestora de Projetos da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, inconformado com o que ouviu, anunciaria que em 2007 seria lançado um novo programa federal que contemplaria o saneamento em favelas. Comprometia-se diante dos presentes em alocar previsão orçamentária para obras de saneamento em Manguinhos21 (DIAS et al., 2008). Estava ali assentado uma das bases para o PAC em Manguinhos.
No ano seguinte, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva lançaria, em nível nacional, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que no Estado do Rio de Janeiro teria uma linha exclusiva para as intervenções em áreas de favelas. Em julho de 2007 a imprensa noticiava os vultosos recursos a serem destinados ao PAC-Favelas, que no caso de Manguinhos, seria uma implementação de financiamento dividido, parte do recurso em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro e o restante em parceria com o Governo Estadual. Para auxiliar no cumprimento das contrapartidas o Governo Federal liberou empréstimos22 aos respectivos governos, que no caso do Governo Estadual compreenderia 50% (cinquenta por cento) dos recursos23 investidos (G1, 2009).
No caso de Manguinhos, o processo de divulgação e a possibilidade de tornar as informações acessíveis aos moradores durante as obras do PAC-Favelas foram alvos de diversos trabalhos acadêmicos, tais como de Bruno Coutinho Oliveira (2011), João Batista de Oliveira Araújo (2011), Claudia Trindade (2012), Cátia Cristina Silva (2012), André Lima (2017), Tania Maria Fernandes e Renato Gama-Rosa Costa (2013), que são unânimes em constatar a ineficácia da provisão de informações à população por parte do ente público.
Mas, o que viria a ser o PAC-Favelas em Manguinhos?
O Jornal Extra, vinculado às organizações Globo, publicava em 14 de dezembro de 2010 que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) iria diminuir à informalidade das favelas impactadas. Quando se perscruta o texto observa-se que, a informalidade ali apontada diz respeito às relações de trabalho, especialmente da formalização da atividade empreendedora. Entretanto, documentos oficiais24 – especialmente do Ministério das Cidades no período estudado – dão conta que o termo ‘formalização’ é recorrente em diversas dimensões e que de alguma maneira, o termo está recorrentemente na esfera pública associado aos territórios empobrecidos, e que no Rio de Janeiro tem muita representatividade entre os que denominamos como de favelas.
O estado do Rio de Janeiro, naquele momento, detinha uma característica peculiar pela previsão de sediar algumas das atividades da Copa do Mundo de Futebol (2014) e das Olimpíadas (2016), eventos significativos para a compreensão da relação entre o Estado e a população favelada do Rio de Janeiro, bem como a dimensão simbólica construída em torno das obras em andamento. Na linha das ações de desenvolvimento social, previsto no referido programa, ações de intervenção urbanística foram propostas para alguns dos grandes conglomerados de favelas sob a sigla ‘PAC-Favelas’: Complexo do Alemão, Rocinha e Manguinhos, e no ano seguinte, extensivo ao Morro do Preventório em Niterói e as favelas do Pavão/Cantagalo. Para a execução de tal programa, os Governos Municipal e Estadual estavam alinhados como parceiros na implementação e no financiamento destas intervenções25.
Nos noticiários da época, pode-se afirmar que a principal concepção que norteou as intervenções propostas pelo PAC-Favelas foi o conjunto de obras e intervenções em áreas de favelas executadas pela prefeitura de Medelín, na Colômbia. Apesar de marcante, o ideário colombiano não foi simplesmente transplantado para Manguinhos, mas sim readequado com expressivas diferenciações. Outra questão que não foi devidamente explicitada durante os anúncios das intervenções foi a relação entre as obras e uma determinada política de segurança pública. Em relação ao território de Manguinhos, a idealização dos projetos seguiu os caminhos delineados pelo Plano de Desenvolvimento Urbanístico de Manguinhos26 (PDU Manguinhos), produzido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2004.
A implantação do PAC em Manguinhos foi marcada por uma cerimônia pública na Rua Leopoldo Bulhões, no dia 07 de março de 2008, com a presença do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, do Governador do Estado Sérgio Cabral e representantes de diversas secretarias e órgãos públicos. Apesar da envergadura da proposta, o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro Cesar Maia, não se fez presente, apesar de representado por assessores. Neste encontro, as autoridades explicitaram os compromissos das três esferas de governo – federal, estadual e municipal – para a construção de novas habitações, urbanização de vias e becos e construção de equipamentos públicos (FERNANDES e LIMA, 2013; 2016).
O conjunto de intervenções nestas localidades foi dividido em subprojetos, com contratações específicas para cada subprojeto, o que poderia sugerir uma preocupação do agente público na transparência do uso de recursos públicos fatiando as propostas e demonstrando os valores investidos. Ao contrário, essa divisão não veio acompanhada da devida transparência, especialmente pelo fato de que o PAC-Favelas tenha sido comumente denunciado por alguns órgãos de Imprensa e, também, por ativistas sociais, quanto à inexistência de projetos executivos. As localidades – Vila Turismo, CHPII, Conjunto Nelson Mandela e Conjunto Samora Machel – receberam intervenções oriundas da parceria entre os governos municipal e federal, enquanto outras – Parque João Goulart, Embratel e Vila União – foram fruto da cooperação entre os governos Federal e Estadual. Também existiram localidades que receberam intervenções de todas as instâncias, como é o caso do Mandela de Pedra e, ainda, outras que não foram incluídas no programa, como o Parque Carlos Chagas (Varginha) e Parque Oswaldo Cruz (Amorim). No decorrer da operacionalização, a Caixa Econômica Federal ficou responsável pelos aportes de recursos do Governo Federal e na corresponsabilidade de fiscalizar a execução dos projetos.
No período entre 2008 e 2012 diversas obras foram inauguradas, no âmbito do contrato entre o Governo Federal e Estadual: No antigo Quartel27 do Exército, os Conjuntos Habitacionais Desup (I e II), a Biblioteca Parque de Manguinhos (BPM), o Centro de Referência da Juventude (CRJ), a Casa do Trabalhador (CT), a Unidade de Pronto Atendimento de Manguinhos (UPA-Manguinhos), a Clínica da Família e a Casa da Mulher. Também foi edificado um Centro de Apoio Jurídico (CAJ)28 que se tornou, já em abril de 2010, a sede do Trabalho Social do PAC. No antigo terreno da Embratel foram construídas diversas Unidades Habitacionais, além da remodelagem da Rua Leopoldo Bulhões, e no antigo terreno da Cooperativa CCPL, 526 (quinhentas e vinte e seis) unidades habitacionais construídas (FERNANDES e LIMA, 2013).
As Unidades Habitacionais
No que tange a este artigo, o foco centra-se nas intervenções do PAC provenientes dos alinhamentos entre o Governo Federal e Estadual. No caso destas intervenções, as realocações de moradores se processaram por motivos distintos: habitações em áreas de risco (beira de rios e próxima a adutora de água); imóveis em locais onde seriam construídos os conjuntos habitacionais; e aquelas benfeitorias situadas no ‘caminho da obra29’. No processo de implementação do PAC, o Ministério das Cidades elaborou alguns estudos e mapeamentos que permitissem a caracterização do que foi denominado ‘Assentamentos Precários’30. As expressões “cidade legal” e “cidade formal” (BRASIL, 2010, pp. 23, 13) e a indicação da variável infraestrutura como a mais “funcional” (BRASIL, 2010, p. 23) para a identificação destes assentamentos se confunde com as expressões de informalidade presentes nos ditos territórios conforme os documentos citados.
A legislação estadual (Decreto Estadual n. 43.415 de 10 de janeiro de 2012) previa três modalidades de negociação para com os titulares dos imóveis a serem realocados: indenização, compra assistida e Nova Unidade Habitacional (NUH). Na modalidade indenização, o cálculo se orientava por parâmetros indicados na legislação, o que não considerava a localização do imóvel, e tampouco o aspecto mercadológico do território. As indenizações poderiam ser pagas ao mesmo titular sem limitação de imóveis pela qual ele respondesse. Entretanto, o valor poderia ser elevado se a mesma benfeitoria fosse avaliada sob os parâmetros da Compra Assistida, mas que tinha a limitação de uma única indenização nesta modalidade por CPF (cadastro de pessoas físicas da receita federal), e que, não poderia coexistir com negociações com aquisição de NUH. Na modalidade Compra Assistida, como o próprio nome sugere, o Estado – na figura do Trabalho Social – acompanha o processo de aquisição de um novo imóvel, inclusive dentro dos limítrofes da favela.
Nas negociações em torno do pagamento de indenização, ou ‘compra assistida’, o baixo valor em si só seria um transtorno às famílias, mas o tempo entre o momento em que o morador titular acatava o valor oferecido pela EMOP até o recebimento do cheque dificultava ainda mais o processo de compra da nova benfeitoria, que em média era de 7 a 8 meses, mas com relatos de até 2 anos (FERNANDES e LIMA, 2014). Neste sentido, o imóvel em vista, normalmente, só era comercializado quando do recebimento do cheque.
Essa demora no pagamento das indenizações, especialmente nos anos de 2009 e 2010, fez com que os indenizados não saíssem de seus imóveis até o pagamento dos referidos valores e do encontro de um novo imóvel. Essa situação foi contornada pela EMOP que passou a oferecer o Auxílio Aluguel, que inicialmente era destinado apenas aos optantes pela Nova Unidade Habitacional, aos que aderiram na negociação pela compra assistida ou indenização. Também se observou que diversos moradores, diante dos baixos valores pagos e da demora em seu pagamento, criaram uma rede de vendas fantasmas, sob a qual o negócio era meramente cartorial de modo que o indenizado fizesse jus ao montante um pouco maior, perfazendo uma comissão para aquele que informasse que estava ‘vendendo’ seu imóvel. Neste sentido, criou-se uma alternativa informal de valorização das benfeitorias a serem realocadas.
Este fenômeno contribuiu para que os valores dos aluguéis31 dentro das sublocalidades de Manguinhos aumentassem substancialmente, e na zona da auto-regulação territorial – ou da informalidade jurídico-normativa – imóveis fosse divididos em vários menores, do tipo quitinete, para aluguel. Ademais, cabe referenciar que o Governo Estadual, apesar de subvalorizar os imóveis nas indenizações – talvez pelo seu caráter informal, reconheceu imóveis não formalizados no Registro Geral de Imóveis para a consecução da Compra Assistida.
O processo de negociação somente avançaria quando da concordância do titular de um determinado imóvel, mas o Estado, conforme avançava com aqueles que acatavam de imediato, procediam com a descaracterização dos imóveis que em seguida seriam demolidos. O entulho que se acumulava nestas benfeitorias descaracterizadas contribuía para a proliferação de vetores de doenças, como ratos, e no Parque João Goulart, a rede de esgoto ficou obstruída em diversos momentos pelo entulho que acabava por parar nos canos de esgoto. A observação participante permite afirmar que com a circulação de máquinas e tratores, canos de fornecimento de água eram partidos, como também do rompimento dos fios da rede elétrica, num claro movimento de pressão, silencioso e deliberado para forçar a realocação. Esse modus operandi do PAC-Favelas no processo de realocação se repetiu no Complexo no Alemão e na Rocinha, por exemplo, mas no caso das obras do Metrô nos bairros nobres da Cidade do Rio de Janeiro, o cuidado com possíveis danos a reparação imediata de qualquer sinistro demonstrou o trato seletivo. Ou seja, o Estado que por anos permitiu-se que a informalidade tornasse regra, a usa como justificativa para arbítrios e violações de direitos.
Aos optantes por Novas Unidades Habitacionais, os seus imóveis eram designados por sorteio, com exceção das famílias com algum membro Portador de Necessidades Especiais (ou Pessoa com Deficiência), que tinha garantido a designação de apartamentos específicos por deter uma adaptação para locomoção em cadeiras de rodas. A prioridade dos imóveis do térreo também ficou com os mais idosos titulares, e os demais sorteados aleatoriamente. Essa aleatoriedade fez com que moradores que antes residiam em vizinhança há anos não mais estivessem lado a lado, descontruindo redes de solidariedade fomentada por anos. Neste caso, observa-se que logo após ocupação nas NUH, os seus moradores tratavam de instalar grades e portões reforçados, o que se explica em parte: a) por esta nova configuração de vizinhança, onde antes todos se conheciam e a sensação de segurança reinava; b) pelo fato de que é um mito a ideia das favelas enquanto um Elísio dos comuns, ausente de furtos e invasões domiciliares; c) pelo histórico da Polícia Militar em adentrar nas residências sem o devido rito jurídico. Das possíveis explicações, o que aqui interessa é que algumas ou todas combinadas produziram a informalidade quanto ao processo de ocupação de sua casa, inclusive, na justificativa para avançar nas construções em áreas comuns.
Antes de ocupar sua nova casa, os moradores, que receberiam as chaves, passariam por oficinas denominadas “encontros de integração” com o objetivo de debater os aspectos de uma moradia em condomínio. Esta é uma etapa obrigatória, e caso o titular não pudesse participar, poderia designar alguém de sua célula familiar a participar. Esse é um aspecto que merece ainda a devida atenção dos estudiosos, pois permeia entre a possibilidade de construção de consensos, entre os futuros moradores destes conjuntos e a ideia-chave de um processo disciplinar para ajustar dos moradores favelados a uma lógica formal.
Para Wellington Silva (2014), pesquisador sobre os condomínios populares do Programa Minha Casa Minha Vida e do PAC, um dos sentidos dos encontros de integração seria disciplinar o futuro moradores das NUH, o que se aproximaria da perspectiva de formalização. Ou seja, seus futuros moradores, dotados de comportamentos, códigos e leituras informais, deveriam ser submetidos a um processo de normatização. Numa mesma direção, os encontros de integração podem significar:
a criação de um espaço de sociabilidade, mas por outro simboliza a tentativa de mudança de comportamento frente ao espaço social que ignora as experiências dos moradores e apresenta soluções higiênicas para a ocupação do local e fórmulas de convivência, que representam hábitos, não necessariamente experimentados pela população envolvida. Além disso, alguns moradores assinalaram a presença (obrigatória para o recebimento das chaves) de pessoas que não iriam morar nos novos prédios, pois uma parcela dos apartamentos já apresentava destinação paralela para aluguel, o que o PAC a princípio não permite, mas que ocorre com muita frequência. (FERNANDES e LIMA, 2013, p. 11).
Leeds e Leeds (2015) chamavam-nos atenção para a racionalidade e destreza pelas quais os moradores das favelas operavam politicamente e, neste sentido, acabam por mapear as redes de poder e, enfrentá-las de múltiplas formas, para obtenção de seus interesses, ainda que reconhecidas as relações desiguais. Deste modo, o contexto social que reverbera um discurso de estereotipado das populações favelas, sugere que haja um espírito comunitário, isento de disputas pela situação social em que se encontram. Nada mais enganoso, sendo a lógica de acúmulo vivenciada pela sociedade capitalista brasileira também presente entre os moradores das favelas. Neste sentido, é muito comum que alguns de seus moradores tenham construídos e/ou adquiridos benfeitorias para alugá-las. Assim, nas áreas em que o PAC operou com processos de remanejamento das famílias, o decreto que a norteava, impedia a concessão de mais de uma Unidade Habitacional ou Compra Assistida por indivíduo, o que na prática não aconteceu. De modo a preservar seu patrimônio, estes titulares recorreram ao uso de ‘laranjas’, ou seja, no processo de cadastramento pelo Trabalho Social, os detentores de mais de um imóvel na área de realocação atribuíam a terceiros a titularidade da segunda benfeitoria em diante. Afinal, se a informalidade, ou melhor, uma nova juridicidade sustentou há décadas as relações imobiliárias nas favelas, não seria um projeto pontual que a modificaria, ou melhor, pelas fontes acessadas, seus representantes nem tentaram inibir o uso de ‘laranjas’.
Os conjuntos DSUP e Embratel foram inaugurados em 2010 e 2011, respectivamente, e em 2012, a primeira parte da Nova CCPL, cujos moradores foram realocados nas situações descritas, e se apresentavam enquanto uma solução para as moradias informais e tidas como precárias. Nestes conjuntos, o discurso oficial trazia diversos elementos de formalização, regularização, o que seria melhor para os moradores que ali residiriam. A informalidade, entretanto, nunca deixou de ser uma prática e regra na vida destes moradores: a entrega das NUH jamais esteve acompanhada da formalização fundiária, ou seja, ainda hoje, em 2018, centenas de moradores residem sem nenhum tipo de instrumento jurídico que lhes garanta a posse, propriedade ou moradia. Na observação participante, pode-se assertoar que fica o sentimento entre os moradores de que o ‘governo não mexerá conosco’, ou seja, da manutenção da informalidade na resolução de conflitos e mediações na esfera pública local. Essa informalidade se aprofunda na regulação das áreas comuns, visto que o instrumento jurídico ‘condomínio’ nunca pudera ser regulamentado pela não regularidade das NUH no Registro Geral de Imóveis. São vistas desde o início da ocupação dos imóveis as construções do tipo ‘puxadinho’, instalação de trailers em locais destinados à circulação de pessoas e veículos; uso das benfeitorias enquanto templos religiosos e comércios; ligações clandestinas de água e luz; entre outros.
Deste modo, a produção da informalidade, consentida e até mesmo incentivada, se mistura com outros elementos simbólicos e discursivos e, assim, a população dos conjuntos habitacionais que residem claramente em benfeitorias que destoam do restante do território, acabam por permanecer dentro dos limites estereotipados da informalidade, que por sua vez evoca uma suposta ausência de ordem e, por conseguinte, identificando-se na linha preconceituosa do que venha a ser uma favela.
Seja na condução de projetos urbanísticos ou sociais, o fato é que a presença do Estado nas favelas “jamais se deu de maneira efetiva, em que o Estado tratasse como parte integrante da cidade, digna de direitos e deveres”, e neste caso, complementa-se a assertiva afirmando que esse mesmo Estado também operou na produção da informalidade dentro de um jogo de dominação e controle social (BRUM, 2011, p. 29).
Conclusões
O suposto abandono e falta de efetividade do poder público neste distinto cenário, também, são identificáveis em outros conjuntos habitacionais construídos pelo Poder Público destinado a moradores advindos de remoções. A informalidade que, em tese, deveria ser a exceção tornou-se, na cidade do Rio de Janeiro, a via de regra em diversas situações, e não apenas nas favelas. Há uma longa duração neste aspecto que precisa ser aprofundada noutros ensaios, mas se pode retomar a histórica desmontagem do cortiço Cabeça de Porco, no final do século XIX, na qual “o prefeito Barata, num magnânimo rompante de generosidade, mandou ‘facultar à gente pobre que habitava aquele recinto a tirada das madeiras que podiam ser aproveitadas’ em outras construções” (CHALHOUB, 1996, p. 17), ou seja, o mesmo Prefeito que para os jornais advogava pelo formal, ali, abria caminhos para que outros eventos informais se sucedessem. Neste modus operandi, os processos de produção do informal não são atacados de maneira à incorporação destes ao formal, ao legal, mas ao contrário, mantendo-os à margem, no limbo, em constantes negociações pontuais de modo a se manter o controle social de determinados grupos indesejáveis pelas elites de seu tempo.
Um olhar mais ampliado identifica-se que no subúrbio, por exemplo, logradouros são fechados à revelia da Prefeitura para festas, áreas de lazer e festas religiosas. Em toda cidade é possível identificar bares e restaurantes que ocupam calçadas, transporte não regulamentado de linhas de vans e kombis, mototaxis, pontos de prostituição, ambulantes em locais oficialmente não permitidos, entre outros. A diferenciação marcante nas favelas, sem dúvida, se assenta na não regularidade fundiária que acaba por incidir na produção de outras informalidades. Entretanto, as intervenções que supostamente deveriam conter ou romper com cenários informais, adquirem nas favelas, um caráter comumente violento, descontinuado e verticalizado em sua forma de atuação.
Este texto ocupou-se, especificamente, em lançar luz sobre alguns dos aspectos que conformam essa regularidade, permanência e indução da informalidade sob a qual, moradores das favelas de Manguinhos, submetidos às políticas de ‘formalização’ são alvos.
O caráter informal, na leitura deste paper, se assenta não numa mera incapacidade técnica do Poder Público em prover mecanismos para formalização, mas sim num projeto silencioso de segregação urbana pautada na inviabilização proposital do gozo ao Direito à Cidade, que se estrutura numa lógica de controle negociado num contexto de escassez de cidadania (MACHADO DA SILVA e LEITE, 2006). Se por um lado essa permissividade enquanto projeto político de afastamento de certos grupos populacionais ao gozo da cidade opera, do outro, quando necessário, faz-se uso da força para contenção destes sob a ótica de que estão à margem da lei, sob códigos não formais.
No caso de Manguinhos, o Estado induziu – ainda que de maneira silenciosa – os moradores que assumissem a governança territorial nos conjuntos habitacionais, e resolvessem questões que o Estado deixou de lado. Entretanto, a presença de grupos armados locais em conjunto com ‘cabos eleitorais’ mediadores junto ao poder público fragilizou a emergência de espaços públicos democráticos de participação e governança, criando assim mecanismos informais que também gerassem lucros (monetários ou não) concentrados nas mãos de alguns. Não foi explorado aqui analiticamente, mas um processo de militarização da vida urbana está em andamento já há alguns anos, o que de certa forma interage fortemente nos limites e possibilidades do existir informal normativo existente na Cidade do Rio de Janeiro.
Por fim, advoga-se que tal lógica, que de forma permissiva e negociada regulam o que seria formal ou não, estabelecendo hierarquias e produzindo desigualdades, contribuem para o limbo criado pelo próprio agir parcial e segregador do Estado brasileiro, que alinhado com grandes grupos econômicos, se assenta num mecanismo social que impede que alguns segmentos – em especial os subalternizados – acessem a Cidade, no seu sentido pleno de participação, do gozo de direitos e deveres do Estado Republicano de Direito.