Resumo: Este artigo discorre sobre a percepção que os/as profissionais do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) do estado do Tocantins possuem sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Foram realizadas entrevistas com profissionais de cinco CREAS e os dados foram submetidos à análise de conteúdo. Os resultados revelam que as dificuldades de apreensão são de ordem conceitual, mas, também de juízo de valores. O processo de ruptura requer um movimento não somente de reflexão, mas de busca por estratégias que materializem intervenções éticas, críticas e comprometidas politicamente com a superação da violência sexual.
Palavras-chave:Violência SexualViolência Sexual,Política de Assistência SocialPolítica de Assistência Social,Criança e AdolescenteCriança e Adolescente.
Artigos
Seção livre: As representações sociais da violência sexual infanto-juvenil em profissionais da política de Assistência Social
As representações sociais da violência sexual infanto-juvenil em profissionais da política de Assistência Social
Monique Soares Vieira1
Resumo
Este artigo discorre sobre a percepção que os/as profissionais do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) do estado do Tocantins possuem sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Foram realizadas entrevistas com profissionais de cinco CREAS e os dados foram submetidos à análise de conteúdo. Os resultados revelam que as dificuldades de apreensão são de ordem conceitual, mas, também de juízo de valores. O processo de ruptura requer um movimento não somente de reflexão, mas de busca por estratégias que materializem intervenções éticas, críticas e comprometidas politicamente com a superação da violência sexual.
Palavras-chave
Violência Sexual; Política de Assistência Social; Criança e Adolescente.
The social representations of child-juvenile sexual violence in Social Assistance policy’s professionals
Abstract
This article discusses the perception that the professionals of the Center of Specialized Reference of Social Assistance (CREAS) of the State of Tocantins possess on the sexual violence against children and teenargers. Interviews were conducted with professionals from five CREAS and the data were submitted to content analysis. The results reveal that the difficulties of apprehension are conceptual, but also of value judgment. The process of rupture requires a movement not only of reflection, but of a search for strategies that materialize ethical, critical and politically committed interventions to overcome sexual violence.
Keywords
Sexual Violence; Social Assistance Policy’s; Child and Teenager.
Artigo recebido: outubro de 2017
Artigo aceito: fevereiro de 2018
Introdução
As discussões deste artigo tem a intencionalidade de apreender as particularidades do enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Tocantins a partir das representações sociais que os/as profissionais dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) pesquisados2 possuem sobre essa expressão da violência.
A violência sexual contra crianças e adolescentes e suas múltiplas faces configura-se na sociedade contemporânea como uma grave violação aos direitos humanos. No entanto, o enfrentamento a esse fenômeno não pode ser permeado por condutas e valores moralistas ou de punição. Na atualidade, um dos grandes desafios prementes está em construir respostas efetivas e com impactos na vida dos sujeitos que sofreram a violência sexual (crianças e adolescentes), mas também para aqueles/as que cometeram a violência.
A acepção multidimensional da violência sexual, a ruptura com o padrão normativo de inferioridade e subalternidade da criança perante o adulto, assim como com valores machistas, racistas, patriarcais e sexistas são importantes elementos que, juntamente com a intersetorialidade e interdisciplinaridade, promoverão novas bases para a sociedade brasileira entender a violência sexual. Assim como para as instituições e políticas sociais da rede de proteção desenvolver estratégias interventivas que ampliem as possibilidades das crianças e adolescentes a viver uma vida longe das múltiplas expressões da violência.
Nesse sentido, o presente artigo assume um compromisso ético-político ao refletir sobre a realidade dos CREAS no estado do Tocantins e ao produzir conhecimentos que contribuam para o fortalecimento desse serviço. Os procedimentos metodológicos do estudo serão abordados no próximo item.
O Caminho Metodológico do Estudo
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no estado do Tocantins vem sendo implementado desde 2005, entretanto, no que se refere aos serviços da proteção social especial de média complexidade, em especial, a constituição dos CREAS, dos 139 municípios apenas 22 possuem o equipamento, ficando o restante dos municípios descobertos pela proteção social especial. Além disso, no que tange às Delegacias Especializadas à Criança e ao Adolescente, o Estado apresenta somente 01, localizada em Palmas, capital do Tocantins.
A análise da realidade dos CREAS tocantinenses fora norteada pelo método dialético-crítico a partir de quatro categorias: historicidade, totalidade, contradição e mediação que possibilitaram apreendê-la como sendo um processo “histórico, dotado de materialidade e movido pela contradição: afirmação-negação-nova afirmação” (MEKSENAS, 2002, p.88). Para a coleta de dados, realizaram-se entrevistas com aplicação de um formulário, contendo perguntas abertas com 15 sujeitos: 05 coordenadores, 05 assistentes sociais e 05 psicólogos de 5 CREAS.
Para a escolha dos sujeitos que participaram da pesquisa, levou-se em consideração o seguinte aspecto: os sujeitos deveriam ser coordenadores/as e profissionais vinculados/as aos CREAS e ao Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) dos 05 municípios, na perspectiva de trazer à luz os desafios presentes nas ações destinadas às crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violência sexual.
No formulário constaram perguntas com a finalidade de obter uma maior apreensão acerca da configuração da violência sexual, bem como a percepção que os sujeitos possuem desse fenômeno e como vem sendo desenvolvida as ações para a proteção das crianças e adolescentes e, também, para a prevenção às situações de violência sexual. Optou-se, no formulário, por questões abertas, pois estas diferentemente das perguntas fechadas que possibilitam apenas um conhecimento superficial da realidade, as questões abertas permitem um nível de profundidade durante o diálogo. Nesse sentido, as perguntas abertas contribuíram para uma apreensão mais ampla da vivência dos sujeitos entrevistados no enfrentamento à violência sexual, proporcionando-lhes maior liberdade de resposta e interação no momento da entrevista.
Para analisar os dados coletados na pesquisa, optou-se pela técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977). A análise das ações ofertadas pelos CREAS às crianças, adolescentes e suas famílias fora realizada a partir de uma perspectiva histórica, social, crítica e de totalidade dos elementos que permeiam a sua incidência na sociedade contemporânea, visando contribuir com subsídios teóricos para a apreensão desse fenômeno como expressão da questão social. A pesquisa foi aprovada pela comissão científica da Unidade acadêmica e pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número do protocolo CAEE 31121214.2.0000.5336, respeitando todos os princípios éticos que regem a pesquisa conforme resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
As Percepções dos Sujeitos acerca da violência contra crianças e adolescentes
O plano das ações sociopolíticas de enfrentamento à violência sexual exige que as crianças, adolescentes e famílias sejam transformadas em sujeitos políticos havendo, portanto, um intenso estímulo e acessibilidade para a participação dessa população na construção das ações interventivas da rede de proteção. A promoção dos direitos humanos deve ser um movimento que considere as particularidades que giram ao entorno da violência sexual, considerando suas nuances e fundamentalmente as suas artimanhas que a perpetuam no cotidiano das famílias tocantinenses.
As respostas foram bastante diversificadas no que se refere ao entendimento sobre o que é a violência sexual e como ela se manifesta nas demandas que chegam até o CREAS, constatando-se, por meio da análise das falas dos/as entrevistados/as, as seguintes categorias: não materialidade da violência sexual, invisibilidade e naturalização da violência:
Eu posso perceber que é muito velado, é uma violência muito velada, as pessoas não gostam de falar muito, é muito, é muito difícil [...], aqui por ser uma cidade de 12 mil habitantes a gente tem enfrentado muito esse problema. [...] a gente sabe que existe, mas às vezes é difícil a gente provar que ela existiu, entendeu, a gente sabe que tá acontecendo. A dificuldade que nós temos é essa no CREAS, a gente denuncia e tudo, mas na hora que chega mais lá na frente não se consegue provar, e acaba ficando às vezes impune, a impunidade é o que me constrange bastante aqui, e me deixa um pouco, como é que eu posso dizer, sem saber o que fazer porque as pessoas esperam alguma coisa de nós, e a gente não consegue, não consegue chegar mesmo na pessoa e provar3 que realmente aconteceu aquilo. (P2D).
Eu tenho pra mim que tem muitas pessoas que estão caladas e não tem coragem de falar. Igual teve 2 semanas de campanha contra abuso sexual e trabalho infantil, dentro dessa campanha teve palestras com as crianças nas escolas a gente foi para zona rural apresentar, só que teve denúncias não de abuso, sabe ainda não chegou essa parte, teve denúncias de trabalho infantil, de negligência familiar que o que mais a gente atende no CREAS, de negligência familiar, o abandono, às vezes mãe usuária de droga, filho usuário de droga, que o mais atende aqui, mas em questão de abuso sexual não teve nenhum a partir do dia que eu entrei não teve nenhuma denúncia. (P1D).
Evidencia-se, na fala do/a P2D, que a violência sexual contra crianças e adolescentes encontra-se recoberta por mitos e tabus que obstaculiza o seu desvendamento e, consequentemente, a realização da denúncia e o rompimento da violência. Ressalta-se que a violência familiar revela o uso exacerbado do poder, seu monopólio e domínio que impedem aos demais membros o gozo da autonomia e liberdade, resultando em relações assimétricas.
Por isso, o silêncio nas situações de abuso sexual é um fator que a literatura especializada vem referindo como proeminente para a perpetuação da violência sexual intrafamiliar, em que se destacam os estudos de: Azevedo e Guerra (2007, 2009); Arpini et al. (2012); Azambuja (2004, 2011); Gabel (1997); Ferrari e Vecina (2002); Furniss (1993); Sanderson (2008). A separação histórica entre público e privado incide para que a violência em suas mais diversas expressões não ultrapasse as paredes domésticas num continuum de vitimizações cotidianas. Watarai e Resende (2009, p. 60) refletem que:
A dificuldade de uma família, para reconhecer a existência do problema, deixa-a predisposta a negar. Esse contexto gera as condições que criam, sustentam e reproduzem situações de abuso, uma vez que a vítima geralmente desacreditada é silenciada diante as ameaças do agressor. Assim, o incesto permanece velado dentro do pacto de silêncio, durante anos, sem que seja identificado ou denunciado (Watarai e Resende, 2009, p. 60).
O silêncio em torno da violência sexual, conhecido também como Complô do Silêncio ou Pacto do Silêncio, incide impreterivelmente para o não desvelamento da dimensão que o fenômeno assume na realidade. Para Magalhães (2005, p. 45) o silêncio que encobre a violência contribui para que a família permaneça como uma instituição intocável, dessa forma, “no âmbito privado tudo pode acontecer, não devendo os órgãos públicos e a sociedade combater ou vigiar os fatos ocorridos dentro do lar”.
A análise das falas possibilitou apreender que o abuso sexual é uma violência enevoada, ou seja, um fenômeno não oculto, mas sim ocultado no interior das relações interpessoais, em especial, as familiares. A invisibilidade da violência sexual contra crianças e adolescentes, assinalada pelos/as entrevistados/as em suas falas, revela três aspectos: a presença de uma cultura conservadora que escamoteia a violência sexual no interior da família, a não materialidade da violência, pois, conforme os sujeitos, “não deixa marcas visíveis”, impondo diversas dificuldades para sua comprovação e a ausência de informação da população para identificação e denúncia do fenômeno.
É interessante observar, em relação à presença de uma cultura conservadora, que a racionalidade formal-abstrata típica da sociabilidade burguesa, conforme Guerra (2009) e Tonet (2009), aparece como ápice de um conservadorismo que obscurece a realidade, manipulando-a em benefício do capital e das classes dominantes. Importante salientar que, no atual estágio do capitalismo, a investida neoconservadora utiliza-se de múltiplas estratégias para ocultar e deturpar a realidade, passando a influir nas diversas esferas da vida social.
Os valores, sob a ótica conservadora, incutem nas relações interpessoais a indiferença perante o sofrimento do outro, o individualismo, a naturalização e banalização da violência, a moralização da questão social, a mercantilização das relações sociais e a personificação das coisas, o abandono da essencialidade do ser humano e das formas de sociabilidade que conduzam a emancipação humana. Por isso, Ianni (2004) refere que “a sociedade é uma fábrica de violências, mutilando ou destruindo coisas, gentes e ideias, subjetividades e formas de sociabilidade, modos de ser e estilos de vida”. Em processo análogo, ao se destruir a subjetividade, destrói-se também as possibilidades de rupturas com esse continuum de barbárie, efemeridade e desumanização.
No que se tange a categoria “não materialidade da violência sexual”, diversos estudos internacionais e nacionais vêm evidenciando que nem todos os abusos sexuais deixam marcas explícitas no corpo da criança e/ou adolescente, pois nem todo o abuso sexual implica em agressões físicas. Devido à manipulação psicológica por meio de jogos de sedução, chantagens e ameaças, existe a concepção de um “falso consentimento da vítima” uma vez que não se constata marcas físicas, dificultando ainda mais a perceptibilidade da violência.
A naturalização da violência e coisificação da criança e do adolescente encontram-se presentes nas falas dos/as entrevistados/as, evidenciando a face perversa dessa violência, que, não raro, torna-se parte do cotidiano das vítimas, agravando os traumas e as sequelas cada vez mais. A naturalização da violência sexual é observada nas falas dos/as profissionais, destacando-se a seguir:
A maioria sim, consegue identificar que foi violência sexual, mas existem casos que não, acha que aquilo é normal. [...] a maioria das vezes por denúncia são casos que acontecem dentro da família e algum vizinho, algum parente que fica sabendo daquilo, e as vezes não é nem a família que nos procura, são pessoas tentando ajudar aquela criança, porque está vendo o que está acontecendo dentro daquela casa. E com isso eu trabalho com a família dessa forma, conscientizando mesmo, é conversando, é levando conhecimento das coisas, mas as pessoas às vezes não têm aquela malícia, de que forma aquilo pode acontecer, confia muito nas pessoas [...] deixa mesmo os filhos com os outros quando sai para trabalhar, deixa com outras pessoas que até então são confiáveis, de confiança, e a maioria dos casos são pessoas mesmo de dentro da família. (P1E).
No seguinte trecho da fala “mas existem casos que não, acha que aquilo é normal” é possível apreender que a violência sexual é concebida como algo natural, rotineiro e inerente às relações interpessoais e familiares. Quando a violência é naturalizada, somente resta aprender a conviver com ela, não se tornando necessário o seu enfrentamento, uma vez que faz parte das relações e dos comportamentos entre os indivíduos.
Ao se naturalizar qualquer que seja a expressão da violência, à sua produção e reprodução no cotidiano incidirá para a desumanização das relações interpessoais uma vez que os indivíduos passam a serem concebidos como coisas, em especial, as crianças e adolescentes, pelo estereótipo e estigma histórico de inferioridade.
Arpini et al. (2012), em um estudo sobre percepção dos/as adolescentes em relação ao abuso sexual, revelam a existência de uma ideia compartilhada acerca da inocência da criança, ainda que muitas vezes o relato da criança sobre a violência não receba a devida credibilidade por “estar vivendo uma fase de fantasia”. Mesmo diante da não credibilidade dos relatos é contundente o reconhecimento desta enquanto vítima, devido a sua ingenuidade. Contudo, as autoras reportam uma posição diferente aos/as adolescentes que sofrem abuso sexual, inferindo que o/a mesmo/a não é reconhecido/a como vítima dessa violência.
Uma vez que há o pressuposto, que “tendo abandonado a fase infantil, já conheceria as ‘regras do jogo’ e possuiria condições de avaliar as consequências de uma aproximação sedutora” (ARPINI et al., 2012, p. 28). As considerações apresentadas pelas autoras foram identificadas nas falas de dois entrevistados/as em que há uma desresponsabilização dos/as autores/as e uma culpabilização das adolescentes pela violência.
[...] meninas um pouco maiores, que acabam se envolvendo com homens mais velhos, no caso, consentidas, existe bastante também. É o que nós temos descoberto são esses. Além dos relacionados ao uso de drogas, crianças, adolescentes, são homens mais velhos e que têm relacionamentos com crianças menores de 14 anos, nós temos aqui em nosso município sim. (P2D).
[...] o adolescente está num momento descoberta e aí essas descobertas, termina sendo nessa área também da sexualidade, está se descobrindo [...] O adolescente ô, ô [...] ainda mais nos dias de hoje que o trem já está tão moderno, eu acho que assim, não é tanto, porque vem só se você permitir, mas a criança [...]. (P3A).
Em ambos os relatos, são identificados que há um processo que se poderia denominar de des-vitimização, ou seja, as adolescentes não são reconhecidas na situação de vítimas da violência, ao contrário, o abuso ou a exploração sexual somente acontecera devido a sua fase “de descoberta da sexualidade” e pelo seu consentimento, não havendo, portanto, uma relação entre autor e vítima da violência. Nessa perspectiva, é possível inferir que:
Tal visão da sexualidade, presente em nossa cultura, além de poder ser considerada uma motivação para a ocorrência dos abusos, também acaba por servir de justificativa e/ou acobertamento às agressões sexuais que transformam crianças e adolescente em objetos de posse, uso e desejo por parte de adultos que abusam sexualmente. (FERRARI; VECINA, 2002, p.119).
A discussão sobre o falso consentimento das crianças e dos adolescentes tem ampla produção e discussão, entretanto, há de se perceber que a violência sexual é um fenômeno caracterizado por relações desiguais de poder e de desenvolvimento físico, mental e sexual engendrando relações de dominação, coerção e sofrimento.
Não obstante as diversas mudanças no contexto cultural que transpassaram os séculos, a imagem socialmente construída sobre a mulher, contribui para a objetalização da mesma, em que há uma legitimação da dupla moral sexual entre homens e mulheres. A percepção acerca da vitimização sexual sofrida por crianças e adolescentes pelos/as profissionais requer considerar que estes sujeitos são coagidos fisicamente ou psicologicamente pelos adultos a participarem das práticas sexuais e, portanto, a responsabilidade pelo abuso ou exploração sexual será sempre do adulto.
No processo dialético da história das relações sociais e interpessoais é possível visualizar um processo de rupturas e continuidades, mudanças e permanências. Vavassori (2006, p.559) refere que “entre as permanências, aparece a dupla moral sexual que incentiva a multiplicidade de parceiros para os homens e restringe os parceiros sexuais para as mulheres”. As relações desiguais de poder e de geração aparecem nas falas dos/as entrevistados/as como fatores que contribuem para o acometimento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Na minha concepção, a violência sexual contra crianças e adolescentes é o envolvimento destes em atividades sexuais com um adulto, ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, nas quais haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto sexual para gratificação das necessidades ou dos desejos do adulto, sendo ela incapaz de dar um consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder ou de qualquer incapacidade mental ou física. (P3C).
A fala do/a P3C traz elementos importantes para se refletir sobre a dinâmica da violência sexual nas relações interpessoais. O sujeito entrevistado, ao afirmar a existência de relações desiguais de poder e de geração, traz implicitamente a desigualdade de espaços sociais sexuais, entre homens e mulheres. A violência de gênero, a qual é um elemento que consubstancia a violência sexual, para Saffioti e Almeida (1995) é produzida no interior das relações de poder, visando ao controle e domínio do outro, exercendo uma relação de poder e de exploração-dominação, por meio do não-consentimento do outro sujeito que sofre a violência.
Uma questão bastante complexa, mas amplamente discutida pela literatura especializada, diz respeito à internalização pelas mulheres dos valores machistas e sexistas, que acarretam na reprodução da violência contra crianças e adolescentes. Não são raras as situações em que as mulheres (mães, avós, tias, etc.) negam ou se omitem diante dos abusos sexuais, desse modo, não acreditam nos relatos das crianças e adolescentes ou mesmo culpabilizam-as pelo acometimento da violência sexual. O trecho extraído da entrevista com o/a P1B revela que:
[...] as mães não aceitam que aquela criança foi violentada, para elas virem para o atendimento aqui é difícil, você tem que está indo atrás, o que gera uma violação que eu acho assim da própria mãe, o próprio familiar se omite a trazer a criança aí já começa a criar desculpas é muito complicado. Então, para mim como profissional, isso já é uma violência, o próprio familiar ao invés de estar protegendo ele tá se omitindo, eles negam sempre tem uma desculpa, eles viajam ou a criança não está querendo vir. Outra coisa, a gente já percebeu de uma avó que não acreditou no abuso sexual, inclusive essa criança até parou de vir porque a mãe achava que não havia necessidade [...] aí quando a criança falou que o tio tava brincando, o avô tava brincando de médico tal, a avó não acreditou chegou a colocar dentro do carro e falar você vai desmentir, você tá mentindo, lá na frente de todos são pouco os casos só foi esse relato que eu já escutei até assim desde quando estou aqui só foi um. (P1B).
A fala do/a profissional evidencia que as mulheres, muitas vezes, não acreditam nos relatos das crianças e adolescentes sobre os abusos sexuais, existe nesse comportamento vários elementos de ordem social, cultural e psicológica que complexificam o processo de negação, omissão e culpabilização das vítimas. Ao negar a violência, as mulheres dificultam o acesso ao atendimento das crianças e adolescentes, propiciando, conforme o relato do/a P1B, na evasão e na obstaculização da superação do abuso sexual. Saffioti e Almeida (2007, p.52) ao analisarem a reprodução da violência sexual intrafamiliar infere que:
A educação que se dá à mulher não é menos machista que aquela oferecida ao homem [...] é difícil dizer quem é mais machista, pois homens e mulheres são frutos de uma mesma sociedade que ensina os primeiros a dominar e as mulheres a se sujeitarem, a obedecer às ordens do macho (Saffioti e Almeida, 2007, p.52).
O trecho da fala revela que, a avó ao saber que tanto seu filho quanto seu marido – respectivamente tio e avô da criança – estavam abusando sexualmente da neta, não somente negou a situação como culpabilizou à menina obrigando-a “desmentir” o abuso sexual. Para Araújo (2002, p.07) “negar, desmentir a filha ou culpá-la pela sedução é uma forma de suportar o impacto da violência, da desilusão e da frustração diante da ameaça de desmoronamento da unidade familiar e conjugal”.
Nessa perspectiva, a criança e ou adolescente, na ótica da mãe, são vistas como rivais e uma ameaça à unidade conjugal. Desse modo, as mães não conseguem entender a existência de uma relação desigual de poder entre a criança e o adulto (pai, padrasto, avô, tio, etc.), mas visualizam uma relação que é de sedução e traição por parte da filha. A presença de relações assimétricas, o abuso do “pequeno poder” e de uma educação machista e sexista, são fatores que atuam como forças propulsoras para o acometimento do abuso sexual e também da sua negação, omissão e culpabilização das crianças e adolescentes.
Além disso, o processo de coisificação da criança consiste em torná-la um objeto de satisfação sexual e de exacerbação do pequeno poder que possui “consequências nefastas para as pessoas atingidas” (SAFFIOTI; ALMEIDA, 2007, p.19). Nesse sentido, as autoras referem que a destruição do modelo patriarcal, machista e sexista coibiria a coisificação da mulher e da criança, logo os abusos. Salienta-se que o modo de produção capitalista, fortalece as relações assimétricas e os abusos, uma vez que:
No mundo dominado pelos interesses do capital, os vínculos morais foram se deteriorando, pela substituição dos valores humanos pelos valores próprios da coisificação e mercantilização das relações: o individualismo, o egoísmo, a competição, a propriedade privada. Nessa lógica, o indivíduo tem valor pelo que tem. Assim, todo o sujeito é transformado em comerciante, uma vez que no contexto capitalista as relações sociais entre as pessoas têm como base o valor de troca – a força cega que as domina. (VINAGRE, 2013, p.110).
A tríade composta pela simbiose capitalismo-racismo-patriarcado forja historicamente os valores que regem as relações sociais. Desse modo, mulheres, negras e pobres são mais suscetíveis à violência, quando crianças e adolescentes, a suscetibilidade é ainda maior. Nas falas analisadas, percebe-se que o segmento infanto-juvenil pertencente às classes menos favorecidas são vitimizados sexualmente com maior incidência. Todavia, os relatos revelaram uma vinculação mecânica entre violência/pobreza, retomando a perspectiva de “classes perigosas” e reduzindo a violência sexual somente ao aspecto econômico.
Principalmente assim nos setores mais afastados, naqueles setores onde assim, a população tem uma é economia mais baixa, o poder aquisitivo, econômico mesmo ele é menor, não que, no centro não há e seja menor o índice de violência, a gente não tem isso constatado, mas assim, lá na periferia é maior, porque são vulneráveis, não tem acesso muitas vezes às muitas coisas, nem oportunidade. Então assim são pessoas que não tem valores, e eu acho que é assim em todo lugar, mas lá é maior, lá é onde a causa começa. [...] por não ter o que comer, por não ter como morar bem, então assim muita coisa, e isso também permite que as pessoas, acabem de certa forma surtando em relação, assim, se tornam mais agressivas, porque aí tem outras séries de coisas, que entra aí, a questão da bebida, da droga, do acesso fácil a isso, porque é lá onde eles escondem mais, não que no centro, não tô dizendo que aqui no centro não tenha mais é que assim na periferia isso é mais visto. (P2C).
Os casos de violência sexual que a gente atendeu são mais de crianças de classes bem pobres mesmo, mais humildes mesmo, mais vulneráveis, os casos que a gente acompanha também na instituição você percebe que são de famílias muito vulneráveis. (P1B).
O trecho da entrevista do/a profissional P2C revela uma ambiguidade, ao passo que considera que a violência acomete de forma quase que majoritária as classes empobrecidas devido à falta de oportunidades e de condições básicas de vida, também atrela a essa classe a produção e reprodução da violência, “são pessoas que não tem valores, e eu acho que é assim em todo lugar, mas lá, é maior sabe, lá é onde a causa começa” (P2C).
Ainda que a vitimização sexual seja um fenômeno multidimensional e transversal acometendo a todas as classes sociais, as situações de pobreza corroboram para que esse fenômeno expresse-se de forma mais intensa com crianças e adolescentes pertencentes às famílias empobrecidas. Nesse sentido, assevera-se que a:
[...] a família está inserida numa realidade político-sócio-econômica, enfim está mergulhada no caso brasileiro, numa sociedade capitalista extremamente excludente, espoliadora, que nunca se ocupou de forma lúcida, real, sem fetiches, da questão social. Não se trata de uma genérica erradicação da pobreza, mas de uma verdadeira política de pleno emprego, de saúde, moradia e principalmente de educação. (VERONESE, 1999, p.123).
As falas de ambos os/as profissionais trazem que as crianças e adolescentes que são atendidos/as pelo CREAS encontram-se em situação de pobreza e, portanto, estariam mais vulneráveis ao acometimento da violência sexual. No entanto, Vivarta (2003) considera ainda outros fatores que dificilmente são pontuados: as atitudes e comportamentos inerentes a esse crime, a fragilização da vítima, situações de violência (física e psicológica), negligência, o consumo de drogas pelas crianças e adolescentes, que veem, na possibilidade de venda do corpo, um meio para a obtenção da substância química, o apelo ao consumismo, como alguns aspectos que podem incidir no envolvimento de crianças e adolescentes de classes médias e altas.
É arriscado, por exemplo, citar a pobreza como principal causa de todas as situações de Abuso e Exploração Sexual praticadas contra crianças e adolescentes. Segundo os especialistas, ainda é muito pequena a parcela de casos que chegam ao conhecimento da polícia. (VIVARTA, 2003, p.46).
A pobreza não é o único fator que contribui para a vitimização sexual, mas incide para o seu acometimento. Além disso, é importante ressaltar que são diversas determinações que culminam para a produção e reprodução da violência sexual. Lidchi (2011, p.45), em palestra realizada no Brasil sobre a relação entre abuso sexual e condições socioeconômicas precárias, lembra que:
[...] em uma das primeiras palestras que fiz no Brasil, uma pessoa me perguntou “então você está dizendo que nas famílias pobres existe mais abuso e maus tratos?” Não é isso que estou afirmando, mas o que acontece é que existe maior vulnerabilidade nessas famílias porque elas têm mais problemas para enfrentar. Sabemos que o número de fatores de risco aumenta a vulnerabilidade de uma família no sentido de não poder cuidar bem de seus filhos (Lidchi, 2011, p.45).
Outro fator importante, de acordo com Ianni (2004) que corrobora para a tríade globalização/urbanização/violência urbana, compreende a segregação espacial e social de indivíduos, em territórios com altos índices de violência, pobreza, elevação do índice de desemprego, com baixo ou nenhum acesso às condições básicas de vida. Assis e Avanci (2009, p.80) consideram que a “pobreza afeta a população infanto-juvenil por meio do impacto no comportamento parental e na deterioração de infraestrutura físicas e sociais da comunidade”.
Outro ponto elencado nas falas diz respeito à moralização da violência sexual expressa no seguinte trecho: “são pessoas que não tem valores, lá é onde a causa começa” (P2C), ao relacionar de forma mecanicista e acrítica pobreza/violência. Ressalta-se, ainda, que as condições de miserabilidade a que estão expostas diversas famílias tocantinenses, frutos das condições degradantes a que a classe trabalhadora vem sofrendo desde a adoção na década de 1990 das medidas neoliberais que impactaram profundamente na reorganização do mundo do trabalho, do orçamento e financiamento das políticas sociais e na destruição dos direitos sociais.
A criminalização da pobreza não é um fenômeno recente, data do século XVII com as Leis dos Pobres (Poor Law) na Inglaterra, agravando-se a partir da década de 1970 com a crise orgânica do capital que intensificou as formas de controle social. Wacquant (1999) ao analisar a emergência de um Estado Penal em substituição ao Estado de Providência ou Social, que atinge a todas as esferas da vida social, considera que a criminalização dos indivíduos e populações acontece apenas com aqueles que não são funcionais a ordem do capital.
O atendimento das necessidades sociais básicas via Estado vem tornando-se um verdadeiro engodo, pois ao atender as demandas do capital por meio da utilização dos recursos do fundo público, consequentemente, reduz os gastos sociais acarretando na formulação de políticas sociais seletivas, meritocráticas e focalizadas estritamente na pobreza, não concedendo os indivíduos em sua totalidade. Nessa perspectiva, conforme Brisola (2012, p.134) é possível apreender que:
O Estado social que se consolidou, sobretudo nos países centrais, pautou-se pelo princípio da universalidade e pela desmercadorização dos direitos sociais e pleno emprego, sobretudo após o segundo pós-guerra. Contudo, a partir dos anos 80/90 do século XX, assume a forma de Estado penal, preocupado agora em garantir a segurança das classes dominantes em relação às “classes perigosas” (Brisola, 2012, p.134).
No atual contexto, a questão social, apreendida como a contradição entre capital e trabalho, adquire status de objeto de um intenso processo de criminalização, que atinge essencialmente as classes empobrecidas. Para Iamamoto (2012) está presente, nesse violento processo, a reciclagem da concepção de “classes perigosas”, ou seja, não mais laboriosas, e, portanto, alvo da repressão, retomando-se a concepção de pobreza enquanto “caso de polícia”. Nesse retorno ao passado, às protoformas das políticas sociais que se destinavam não a garantia de direitos, mas sim a garantir por via da repressão as condições plenas para a acumulação do capital, vislumbra-se na atualidade sua retomada, por meio da construção de respostas imediatas de caráter assistencialista e fiscalizatório para o atendimento das demandas sociais.
Ianni (1992) e Iamamoto (2012) são contundentes ao inferir que hodiernamente existe uma forte tendência a naturalizar as desigualdades socais, que têm sido enfrentadas “seja por meio de programas focais de combate à pobreza, seja pela violência dirigida aos pobres, articulando repressão e assistência focalizada” (IAMAMOTO, 2012, p.48). Assim, conforme Iamamoto (2012) o enfrentamento da questão social e suas múltiplas expressões acontecem por meio do binômio assistência focalizada/repressão, com o reforço do braço coercitivo do Estado em prejuízo da constituição do consenso necessário ao regime democrático.
Nessa perspectiva, torna-se perceptível a presença de juízos de valores acerca da violência sexual contra crianças e adolescentes nas falas analisadas. Alguns/algumas entrevistados/as realizaram uma vinculação mecânica entre pobreza e violência o que acarreta na moralização da violência sexual, no reforço ao estigma à discriminação das classes subalternas. Considerando que essa expressão da violência que assola cotidianamente milhares de crianças e adolescente é um fenômeno complexo, o vínculo estrito com a pobreza reduz as possibilidades de apreender tal fenômeno em sua essência e totalidade.
A violência sexual é perpassada por uma multiplicidade de determinações que são de dimensão social (desigualdades, discriminação, preconceito), cultural (machismo, patriarcado e sexismo), econômica (violência estrutural, condições precárias de vida, desemprego, subemprego), ética (internalização de valores de consumo e de coisificação do corpo da criança que se transforma em mercadoria) e política (ausência e/ou ineficácia dos mecanismos de proteção, atendimento integralizado, responsabilização do Estado, etc.).
Ainda que a violência sexual contra crianças e adolescentes seja transversal em toda a sociedade, as classes mais empobrecidas apresentam uma vulnerabilidade maior para o seu acometimento. As falas dos/as profissionais revelam que a maioria das famílias atendidas pelo CREAS são pertencentes aos estratos socioeconômicos mais vulneráveis, expressando assim a população alvo das ações da Política de Assistência Social.
Os trechos das entrevistas corroboram com os dados obtidos na análise dos prontuários, onde 70% das famílias atendidas pelo CREAS possuem renda mensal de até ½ salário mínimo, 20% vivem com uma renda aproximada de até 1 salário mínimo e apenas 10% possuem uma renda superior a 2 salários mínimos mensais.
Apesar de não existir um consenso sobre o entendimento da violência sexual contra crianças e adolescentes entre os sujeitos entrevistados, categorias importantes para análise desse fenômeno emergiram das falas analisadas. A apreensão da realidade e dos fenômenos que se materializam no seu movimento não acontece recoberta pelo manto da neutralidade, ao contrário, são atravessadas por valorações que desencadeiam a forma de perceber as relações interpessoais na sociedade contemporânea.
Considerações finais
As reflexões, dispostas neste artigo, trouxeram à luz uma extensa e intensa gama de aspectos e significações que possibilitam o nosso mergulho a uma realidade perversa que escamoteia as múltiplas determinações e fatores que incidem para a produção e reprodução da violência sexual infanto-juvenil no contexto contemporâneo.
A proeminente reprodução de valores calcados no machismo, patriarcado e sexismo foram evidenciados nas falas dos/as entrevistados/as como fatores diametralmente interligados e conexos para o acometimento da violência sexual contra crianças e adolescentes. As históricas, porém, não naturais relações assimétricas entre homens e mulheres e entre adultos e crianças expressam-se nas relações interpessoais e familiares por meio de uma educação baseada em perspectivas adultocêntrica (superioridade do adulto sobre a criança), falocrática (relações desiguais de gênero dentro da família) e androcêntrica (supervalorização do homem).
As falas dos/as profissionais, ao relatarem as situações atendidas no CREAS ou mesmo o entendimento que possui sobre a dimensão, as características e as formas de manifestação da violência sexual na realidade local evidenciam a presença da conjugação desses valores calcados na cultura educativa baseada na desigualdade socioeconômica, étnico-racial, de gênero e geração. Em diversos trechos, encontram-se presentes aspectos que confirmam a presença da simetria entre relações desiguais e reprodução da violência sexual.
A busca por entender qual era a percepção dos/as profissionais sobre a violência sexual não teve o intuito de sobrepor saberes, mas ao contrário, evidenciar a riqueza da realidade e a diversidade na conformação sociocultural de cada profissional. Por isso, descrever o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes, por meio da percepção dos/as entrevistados/as, propiciou a apreensão de suas particularidades no movimento dialético da realidade social.
Os sujeitos pesquisados revelaram, em suas falas, dissensos sobre o entendimento acerca da violência sexual. A dificuldade em conceituar e apreender a violência sexual contra crianças e adolescentes, evidenciadas pelos/as profissionais, advém da predominância histórica de uma cultura moralizadora da sociedade, que calcifica o movimento da realidade em valores conservadores, não considerando a dinâmica social dos fenômenos.
A violência sexual é a face oculta e banalizada da violência, uma vez que atinge sujeitos, que na sua grande maioria, não conseguem verbalizar suas apreensões, seus sofrimentos, revelando assim as situações que violam seus direitos e degradam a condição humana. Por ser um fenômeno complexo, com raízes macroestruturais, existe dificuldade na abordagem e apreensão do ponto de vista conceitual, uma vez que tal expressão de violência incide nas relações sociais, culturais e políticas.
As múltiplas apreensões possibilitaram, também, ampliar o olhar sobre o fenômeno, uma vez que a diversidade de saberes torna-se um aspecto de extrema importância para a construção de estratégias no âmbito da média complexidade. Ressalta-se que as ações de enfrentamento, diante à complexidade da violência sexual constituem um constante desafio aos/as pesquisadores/as, profissionais, gestores/as e à sociedade em geral, uma vez que implica na articulação das dimensões conceituais com as operacionais, das qualitativas com as quantitativas, das relacionadas à pesquisa com as de intervenção.
Em alguns relatos, fora possível identificar que as dificuldades de apreensão são de ordem conceitual, mas também de juízo de valores, o que é um fator considerável para se analisar os processos interventivos e como tais posturas interferem para a garantia dos direitos. Importante reflexão, as falas trazem no sentido de buscarmos desconstruir com o estigma criado em torno das adolescentes vitimizadas sexualmente, que não raro passam a ser consideradas como as principais responsáveis pelo crime sexual.
A influência histórica da tríade machismo-patriarcado-sexismo que vem delineamento as relações sociais, interpessoais e familiares na sociedade brasileira, ainda em pleno século XXI, encontra solo fértil e evidencia nefastos frutos geradores da reprodução das desigualdades sociais, étnico-raciais, geracionais e de gênero. A ruptura de tais valores e posturas requer um movimento não somente de reflexão, mas principalmente de se buscar estratégias na materialidade do cotidiano para a educação crítica, trazendo à tela, a discussão acerca das desigualdades e das suas consequências na vida dos sujeitos.