Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a precariedade habitacional em pequenas cidades paraenses. Para este estudo foram analisados os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS/PA) elaborados pelos governos municipais em parceria com a Companhia de Habitação do Estado do Pará. A abordagem teórico-metodológica desenvolvida nesta pesquisa fundamentou-se no método dialético da teoria social de Marx, tendo como procedimento metodológico levantamento bibliográfico e documental. Os resultados apontam que a situação de precariedade habitacional nas pequenas cidades paraenses investigadas está relacionada com a inserção da região na divisão socioterritorial do trabalho capitalista.
Palavras-chave:Política HabitacionalPolítica Habitacional,Precariedade habitacionalPrecariedade habitacional,ParáPará,Pequenos municípiosPequenos municípios,Assentamentos precáriosAssentamentos precários.
Artigos
Seção livre: Precariedade habitacional em pequenos municípios paraenses
O presente artigo tem como objetivo analisar a precariedade habitacional em pequenas cidades paraenses. Para este estudo foram analisados os Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS/PA) elaborados pelos governos municipais em parceria com a Companhia de Habitação do Estado do Pará. A abordagem teórico-metodológica desenvolvida nesta pesquisa fundamentou-se no método dialético da teoria social de Marx, tendo como procedimento metodológico levantamento bibliográfico e documental. Os resultados apontam que a situação de precariedade habitacional nas pequenas cidades paraenses investigadas está relacionada com a inserção da região na divisão socioterritorial do trabalho capitalista.
Palavras-chave
Política Habitacional; Precariedade habitacional; Pará; Pequenos municípios; Assentamentos precários.
Housing precariousness in small municipalities in Pará
Abstract
This article aims to analyze the precariousness of housing in small cities in Pará. For this study, the Local Plans of Housing of Social Interest (PLHIS / PA) were elaborated by the municipal governments in partnership with the Housing Company of the State of Pará. The theoretical-methodological approach developed in the research was based on the dialectical method of the theory Marxist social system, having as a methodological procedure a bibliographical and documentary survey. The results indicate that the situation of precarious housing in the small cities of Pará investigated is related to the insertion of the region in the socio-territorial division of capitalist labor.
Keywords
Housing politics; Housing Precariousness; Pará; Small Towns; precarious settlements
Artigo recebido: novembro de 2017
Artigo aceito: março de 2018
Introdução
As reflexões apresentadas neste artigo constituem parte dos resultados da pesquisa fruto da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará, a qual buscou analisar a questão da precariedade habitacional em pequenas cidades paraenses, com ênfase na análise de assentamentos precários, tomando por base os documentos do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS/PA) elaborados no ano de 2010, das seguintes cidades: Aveiro, Anapu, Senador José Porfírio, Curionópolis, Eldorado dos Carajás, São João do Araguaia, Faro e Placas.
A questão da habitação na Amazônia revela a lógica do modo capitalista de produção e está expressa nas desigualdades sociais e econômicas presentes nas cidades brasileiras. Segundo Cardoso (2012), a carência habitacional está no centro do problema urbano brasileiro, pois grande parte da população constituída de trabalhadores não tem reconhecida socialmente suas necessidades de consumo habitacional (moradia e serviços coletivos). Essa exclusão do mercado imobiliário formal pela qual passa grande parte da população tem levado ao processo de apropriação de áreas consideradas irregulares nas cidades.
Apesar dos recentes avanços legais e institucionais no que tange à política urbana no Brasil, não há como ignorar que são inúmeras as limitações quando se fala no enfrentamento dos problemas decorrentes do processo histórico de uso e ocupação do solo. Características geográficas, econômicas, sociais e políticas em sua grande maioria não são levadas em consideração no processo de elaboração das políticas habitacionais e de outros aspectos da política urbana, como saneamento, transporte regularização fundiária, deixando boa parte da população sem acesso a esses serviços.
A abordagem teórico-metodológica desenvolvida nesta pesquisa está fundamentada no método dialético da teoria social de Marx (1979), tendo como procedimento metodológico o levantamento bibliográfico e documental. Para o estudo da precariedade habitacional nas cidades de pequeno porte no Pará foi necessária à análise dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social/PLHIS/PA (Etapa II - Diagnóstico Habitacional) de vinte e duas cidades envolvidos com a ação PLHIS/PA, particularmente o Anexo 1 elaborados pelos governos municipais em parceria com a Companhia de Habitação do Estado do Pará (COHAB/PA), com enfoque nas áreas de assentamentos precários levantadas por cada município em seus respectivos planos.
A leitura dos referidos Planos foi orientada a partir do critério de que os documentos deveriam apresentar informações completas com relação às seguintes variáveis, previstas no Diagnóstico Habitacional que caracterizavam as áreas de assentamentos precários: a) total de assentamentos precários; b) zona urbana e rural; c) número de famílias na área; d) Fatores de risco; e) material de construção; e) uso do solo; f) abastecimento de água; g) energia elétrica; h) rede de esgoto; i) coleta de lixo e j) pavimentação.
Após, foram levantados nos Planos as áreas que possuíam o maior número de famílias e que apresentaram, no mínimo, quatro áreas de assentamentos precários. Ao final, os Planos Locais de Habitação de 08 (oito) cidades apresentaram os requisitos acima descritos, sendo que os dados foram sintetizados em tabelas e elaborados em forma de gráficos.
Desta forma, o texto está estruturado em duas seções. A primeira apresenta a discussão teórica sobre a questão da habitação e a atuação do Estado nessa questão. A segunda apresenta os resultados da pesquisa sobre a precariedade habitacional em oito cidades paraenses a partir do estudo nos Planos Locais de Habitação de Interesse Social. Na sequência serão apresentadas as considerações finais.
Habitação e a atuação do Estado na questão habitacional
A problemática da habitação da classe trabalhadora no sistema capitalista ganha destaque desde o processo de industrialização e urbanização das cidades europeias no século XIX com o advento da Revolução Industrial, quando trabalhadores das indústrias se amontoavam em cortiços insalubres.
Todas as grandes cidades têm um ou vários “bairros de má fama”, onde se concentra a classe operária. É certo ser frequente a miséria abrigar-se em vielas escondidas, embora próximas aos palácios dos ricos; mas, em geral, é-lhe designada uma área à parte, na qual, longe do olhar das classes mais afortunadas, deve safar-se, bem ou mal, sozinha. Na Inglaterra, esses “bairros de má fama” se estruturam mais ou menos da mesma forma que em todas as cidades: as piores casas na parte mais feia da cidade; quase sempre, uma longa fila de construções de tijolos, de um ou dois andares, eventualmente com porões habitados e em geral dispostas de maneira irregular [...]. (ENGELS, 2008, p.70).
Na Europa, o processo de industrialização é o motor das transformações na sociedade e o processo de urbanização, bem como as problemáticas do urbano são efeitos deste processo. “A cidade preexiste à industrialização” (LEFEBVRE, 1969, p.10), e quando a industrialização começa a cidade já possuía uma poderosa realidade.
Engels (2008) sinaliza que a indústria centraliza a propriedade em poucas mãos. Exige enormes capitais, com os quais cria grandes estabelecimentos, arruinando a pequena burguesia artesã. Esses grandes estabelecimentos industriais demandam muitos operários, que trabalham em conjunto numa mesma edificação; eles devem morar próximos e juntos – e, por isso, onde surge uma fábrica de médio porte, logo ergue-se uma vila. Assim, da vila nasce uma pequena cidade e da pequena, uma grande cidade.
Os trabalhadores denominados de operários concentram-se em um mesmo espaço produtivo, assistem as novas formas de exploração e de trabalho e a concentração do lucro nas mãos dos proprietários dos meios de produção, sendo que as condições de trabalho e moradia se caracterizam como precárias.
A exploração abusiva a que é submetido – afetando sua capacidade vital – e a luta defensiva que o operariado desenvolve aparecerão, em determinado momento, para o restante da sociedade burguesa, como uma ameaça aos seus mais sagrados valores, a “moral, a religião e a ordem pública”. Impõe-se, a partir daí a necessidade de controle social da exploração da força de trabalho (IAMAMOTO; CARVALHO, 2007, p 126).
As cidades começam a ser modificadas fisicamente e terão que ser adaptadas à nova indústria; é necessário que as ruas sejam alargadas, novas ruas sejam abertas para que no meio delas passem ferrovias. Para tanto, é necessária a demolição das habitações operárias, o que dificulta o acesso à habitação por parte dos trabalhadores. Engels (2008) coloca a aguda falta de habitações como um sintoma da revolução industrial.
Este processo trará consigo sérios problemas para a vida humana, uma vez que é na cidade que se constroem toda a lógica do capital que se faz visível no processo de alienação, isto é, a alienação do homem que será um mero manipulador das máquinas perdendo o controle sobre seu trabalho. Amplia-se o processo de exploração do trabalhador em troca da maior concentração de renda e bens por parte dos detentores do capital.
Lefebvre (1969) afirma claramente que a urbanização capitalista expressa às consequências da divisão social do trabalho no âmbito da vida cotidiana, em que a sociedade passa a incorporar um modo de vida que ele definiu como sociedade urbana. Nesta perspectiva, o autor sinaliza que as cidades foram dotadas de toda a infraestrutura necessária ao desenvolvimento da acumulação capitalista, materializada em equipamentos coletivos, dinheiro e força de trabalho.
Lojkine (1997) afirma que a cidade capitalista não pode ser definida sem referência aos meios de consumo coletivos e aos meios de circulação material. A cidade “não é de modo algum um fenômeno autônomo sujeito a leis de desenvolvimento totalmente distintas das leis de acumulação capitalista” (LOJKINE, 1997, p.159). Em sua hipótese afirma que as formas de urbanização são formas da divisão social e territorial do trabalho que estão no centro das exigências do capitalismo para o progresso científico. A cidade será o lócus de produção do capital e da força de trabalho.
A cidade é o espaço de socialização, da produção das relações sociais e, também, da reprodução do capital, uma vez que nela estão contidos todos os requisitos para sua existência e manutenção. A cidade capitalista é a expressão territorial da socialização contraditória das forças produtivas no modo de produção capitalista. A socialização não se restringe à fábrica, estende-se às condições gerais da produção e aos próprios meios de consumo coletivo, tais como o ensino, a cultura, habitação (LOJKINE, 1997).
Nesta perspectiva, a cidade capitalista é planejada para atender às necessidades do capital, ou seja, é uma expressão e exigência do modo de vida capitalista e caracteriza-se pela existência de classes opostas. Isto implica dizer que ao mesmo tempo em que constitui espaço de reprodução do capital, é também o espaço da reprodução da classe trabalhadora.
Ao analisar o processo de produção capitalista do espaço, Harvey (2005) deixa claro que as estratégias utilizadas pelas frações de classe dominante para aumentar o seu processo de acumulação estão localizadas e pautadas no interior dos grandes centros urbanos, alterando as formas de organização do espaço das cidades, que se transformarão a partir de então em lugar de conflito e de disputas.
Engels (1988) afirma que não é a solução da questão da habitação que imediatamente resolve a questão social, mas é a solução da questão social, isto é, a abolição do modo de produção capitalista que resolve a questão da habitação. Não é possível resolver a questão da habitação mantendo as grandes cidades modernas. As grandes cidades modernas só serão eliminadas, porém, com a abolição do modo de produção capitalista e, “quando essa abolição estiver em marcha, se tratará de outras coisas antes que arranjar para cada trabalhador uma pequena casa própria que lhe pertença” (ENGELS, 1988, p.45).
O resultado é que os trabalhadores vão sendo empurrados dos centros das cidades para as periferias, no qual as residências dos trabalhadores e as pequenas residências, em geral, vão se tornando cada vez mais custosas e de difícil acesso. Como evidencia Santos Júnior (2011, p. 67):
O problema fundamental na economia capitalista é que a moradia e o solo urbano são mercadorias e, como mercadorias, são bens comercializáveis, podem ser vendidas e compradas. Por essa razão, o acesso à moradia e ao solo urbano passam a ser mediados pelas regras que definem o acesso e o uso da propriedade privada, e como qualquer mercadoria no capitalismo, a moradia e o solo urbano têm valor de uso e valor de troca.
Neste contexto, o Estado assume o papel de garantir as condições para efetivação da acumulação capitalista, favorecendo e subsidiando sua expansão, assim como retirando os empecilhos aos empreendimentos capitalistas. Lojkine afirma que as políticas urbanas do Estado capitalista são “contratendências produzidas pelo próprio modo de produção capitalista para regular, atenuar os efeitos negativos da segregação e da mutilação capitalista dos equipamentos urbanos” (LOJKINE, 1997, p.191). Ou seja, as políticas urbanas apresentam um caráter contraditório uma vez que reduzem a intervenção estatal a um instrumento de regulação da estrutura capitalista e sua atuação ficará ao largo de reduzir a contradição entre a reprodução do capital e os meios de reprodução da força do trabalho, mas contribuirá para acentuá-las, uma vez que irá selecionar os equipamentos urbanos conforme o grau de utilidade e rentabilidade para o capital. Maricato (2001) reforça este argumento ao afirmar que o Estado acaba por expressar a influência das classes dominantes, que desejam um espaço particular para sua reprodução social, daí a dificuldade da efetivação do planejamento democrático.
A questão da habitação no Brasil, bem como as respostas do Estado via implementação das políticas urbanas e habitacionais expressam a contradição e as disputas de interesses diferenciados na apropriação do solo urbano. A literatura especializada no debate sobre a política urbana brasileira demonstra que a classe trabalhadora criou e cria, historicamente, alternativas de reprodução social de moradia em locais insalubres e inadequados. Entretanto, os estudiosos tendem a registrar que, em termos históricos, houve uma breve inflexão na condução da política urbana em favor dos interesses dos trabalhadores, a partir do governo petista de Luís Inácio Lula da Silva, a partir de 2002, considerando que esse governo expressava naquele momento, uma articulação de forças políticas importantes consubstanciando uma proposta de planejamento urbano e de elaboração de políticas públicas em favor dos trabalhadores. Segundo Santana e Holanda (2012, p.225):
A ascensão do governo Lula da Silva e a criação do Ministério das Cidades, em 2003, fortaleceram as expectativas dos setores progressistas (movimentos sociais, intelectuais militantes da Reforma Urbana, dentre outros) de que, nesse momento, haveria a possibilidade de reversão – ainda que limitada pelos limites do próprio Estado – da enorme desigualdade no acesso à cidade no Brasil. Passados alguns anos da formulação do Ministério, grande parte das expectativas (especialmente pelos setores engajados no movimento de Reforma Urbana) foram diminuídas face aos rumos tomados pelo Governo Lula, que optou por uma política conservadora de natureza neoliberal, especialmente em seu primeiro governo.
A criação do Ministério das Cidades, em 2003, representou um marco para a Política Habitacional, uma vez que a habitação, juntamente com outras áreas compondo a Política Urbana, ganhou “status” de ministério e não mais de banco como o antigo Banco Nacional de Habitação (BNH) no âmbito do Sistema Federal de Habitação. Esta mudança foi importante, porque conferiu à habitação, na medida em que tem como órgão gestor um ministério, o caráter de interesse social e merecedor de um tratamento diferenciado no que concerne ao atendimento das demandas populares.
A Política Nacional da Habitação (PNH) atual tem como componentes principais a Integração Urbana de Assentamentos Precários, a Provisão da Habitação e a Integração da Política de Habitação à Política de Desenvolvimento Urbano, que definem as linhas de sua atuação. A PNH conta ainda com um conjunto de instrumentos, quais sejam: o Sistema Nacional de Habitação (SNH), o Desenvolvimento Institucional, o Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação e o Plano Nacional de Habitação (BRASIL, 2005).
Cabe ainda destacar outros três momentos importantes para a institucionalização da política urbana, notadamente para a Política Nacional de Habitação (PNH), a saber: a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), em 2005; a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), em 2006, como parte construtiva do SNHIS, e a criação do Conselho Gestor do FNHIS, em 2005, regulamentado em 2006. A partir dessa estrutura de financiamento e regulação da política habitacional de interesse social no país, todos os entes da federação que aderirem ao SNHIS ficam obrigados a constituir os Fundos Locais de Habitação de Interesse Social e seus respectivos Conselhos Gestores, além de elaborarem os Planos Locais de Habitação de Interesse Social. (CARDOSO, 2012, p. 40).
Santana e Holanda (2012, p. 226) demonstram que, no caso do estado do Pará, as análises sobre o planejamento urbano e a produção habitacional expressam um dilema, pois:
Historicamente, os municípios, especialmente os mais pobres, tem pouquíssima tradição no planejamento e execução de política habitacional, além de escassos recursos e frágil capacidade administrativa. Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social elaborados em 22 municípios do estado do Pará demonstram que na Amazônia, a questão habitacional se agrava pelo alto índice de pobreza e pelo pouco conhecimento do governo federal em relação à realidade desses municípios. O dilema se apresenta na seguinte questão: ter absoluta clareza dos limites da política habitacional brasileira no cenário atua e ao mesmo tempo valorizar os espaços de planejamento e, particularmente, os recursos possíveis para a implementação de políticas de moradia nesses municípios, como o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).
Alguns estudos têm tratado de evidenciar a situação habitacional no estado do Pará, demonstrado os avanços e recuos em relação ao planejamento urbano e habitacional após a criação do Ministério das Cidades, tomando por base a particularidade regional nesse estado. Sakatauskas e Santana (2016), afirmam a esse respeito:
[...] as análises sobre as pequenas cidades da Amazônia apontam, sinteticamente, mas não se esgotam aí, os seguintes elementos constitutivos da peculiaridade da dimensão urbana dessas pequenas cidades: a) baixa densidade populacional; b) precário acesso à infraestrutura física e social, devido à pouca atratividade aos empreendimentos capitalistas, considerando o lugar dessas cidades na divisão social e territorial do trabalho e a priorização do Estado em infraestrutura que redunde em lucros para essas empresas; b) existência de modo de vida diferenciado, pelos aspectos culturais indígenas, quilombolas e ribeirinhos que compõem a complexa rede urbana/rural; c) difícil acesso a algumas cidades, devido às distâncias geográficas entre as mesmas, inclusive, com acesso pelos rios; d) reprodução dos elementos universais da desigualdade econômica e social, expressos pela dificuldade de acesso ao trabalho, pelo baixo nível salarial dos habitantes e pelo frágil acesso às políticas públicas e sociais, agravados, enormemente, pela falta de conhecimento/priorização, por parte do governo federal, das particularidades regionais; e) baixa capacidade administrativa municipal, com frágil arrecadação e fraca proposição ao planejamento governamental; f) registro de resistência dos povos indígenas pelo direito à permanência em seu lugar, diante dos grandes empreendimentos capitalistas (a exemplo da construção da Hidrelétrica de Belo Monte), e das comunidades ribeirinhas e quilombolas, pelo modo de viver, o que imbrica elementos da vida urbana e rural, com atividades produtivas baseadas na pesca, extrativismo, agricultura, dentre outros. (SAKATAUSKAS; SANTANA, 2016, p. 167-168).
Considera-se que a análise da habitação enfocando as peculiaridades que estes têm nas pequenas cidades na Amazônia, é indispensável para apontar a necessidade de incorporar as diversidades regionais, municipais e urbanas como dados para a formulação de políticas públicas voltadas para o atendimento das necessidades habitacionais nesta Região.
Precariedade habitacional em oito cidades paraenses a partir dos planos locais de habitação de interesse social
Este tópico discute a precariedade habitacional em pequenas cidades paraenses, com ênfase na análise de assentamentos precários tomando como fonte os documentos do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS/PA) elaborados no ano de 2010, de oito cidades (Aveiro, Anapu, Senador José Porfírio, Curionópolis, Eldorado dos Carajás, São João do Araguaia, Faro e Placas).
Conforme sinalizado na introdução desse artigo, a pesquisa contou com a análise dos PLHIS/PA (Etapa II - Diagnóstico Habitacional), especialmente os que apresentaram dados completos sobre as áreas de assentamentos precários4 de cada cidade. Registra-se que, para efeito de apresentação dos dados, as oito cidades foram agrupadas por mesorregiões, Sudoeste Paraense (Aveiro, Anapu, e Senador José Porfírio) Sudeste Paraense (Curionópolis, Eldorado dos Carajás e São João do Araguaia) e Baixo Amazonas (Faro e Placas).
Apesar da gravidade do problema habitacional na grande área urbana do Pará, a maior parte do déficit habitacional do Estado encontra-se nas pequenas cidades paraenses, nos municípios com até 50.000 habitantes (HOLANDA, 2011).
Assim temos no Pará quatro importantes características que podem contribuir para a compreensão do alto nível de carência habitacional constatada neste Estado: a) um processo de formação de rede urbana, por meio de uma urbanização incompleta, precária para oferecer condições adequadas de moradia à classe trabalhadora, mas suficiente para permitir os fluxos que interessam ao capital; b) um Estado central que interfere, promove e estimula a urbanização, objetivando viabilizar os fluxos que interessam ao capital, atuando de maneira seletiva no território estadual; c) governos locais, inclusive o estadual, com baixa capacidade e estrutura, com pouquíssima condição de fazer frente ao enfrentamento do problema habitacional e ainda diante de uma estrutura fundiária bastante complexa; d) políticas nacionais, particularmente a habitacional. (HOLANDA, 2011, p. 101-102).
No estado do Pará, a análise realizada sobre os diagnósticos habitacionais dos municípios estudados nos referidos planos municipais5 reforçam, segundo Santana (2012), a clássica concepção de Lojkine (1997), de que a cidade capitalista não pode ser compreendida fora das leis de acumulação do capital, permitindo a afirmação de que as pequenas cidades amazônicas, dado seu alto nível de pobreza refletem uma inserção regional na produção do espaço capitalista.
O déficit habitacional6 foi calculado a partir dos componentes de domicílios improvisados7, famílias conviventes8, cômodos cedidos ou alugados e domicílios rústicos9. Nas cidades analisadas, observa-se que o componente domicílio rústico, que corresponde às moradias que necessitam de reposição do estoque, é o que mais se destaca e principalmente na área rural. Conforme o gráfico 01, em Eldorado dos Carajás dos domicílios rústicos existentes, 94,5% encontra-se na área rural, em Curionópolis 85,5% e em Placas corresponde a 95,1%.
Gráfico I - Total de Domicílios na Área Rural, Déficit Habitacional Rural e Domicílios Rústicos na Área Rural nas cidades analisadas.
Fonte: Elaborada a partir dos dados obtidos nos Diagnósticos habitacionais de 8 cidades do Pará a partir dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social.
A inadequação dos domicílios é generalizada tanto no espaço rural como urbano (Tabela 1), no entanto, a carência de infraestrutura é o principal componente, pois são 80% em média de domicílios com carência na área urbana e mais de 90% no rural. No município de Curionópolis, por exemplo, os domicílios na área urbana e rural que apresentam inadequação, apresentam 100% de carência de infraestrutura, seguido dos municípios de Eldorado dos Carajás, São João do Araguaia e Faro com domicílios rurais com 100% de carência de infraestrutura (Gráfico 2).
Tabela 1 - Componentes da Inadequação Habitacional em oito cidades paraenses.
Fonte: Elaborada a partir dos dados obtidos nos Diagnósticos habitacionais de 8 cidades do Pará a partir dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social.
Gráfico 2 - Carência de Infraestrutura na área urbana e na área rural nas cidades analisadas.
Fonte: Elaborada a partir dos dados obtidos nos Diagnósticos habitacionais de 8 cidades do Pará a partir dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social.
O elevado déficit habitacional nos municípios analisados que estão concentrados na população de baixa renda, mesmo depois de décadas de política habitacional impulsionada pelo Governo Federal, “evidencia o fracasso dos programas públicos e a incapacidade dos mecanismos de mercado para o enfrentamento do problema” (BONDUKI, 2009, p. 82). A situação ressalta a absoluta e imediata necessidade de se formular estratégias mais eficazes para atender às faixas de menor poder aquisitivo.
Os diagnósticos habitacionais dos municípios na Amazônia revelam a realidade de produção de moradia em pequenas cidades brasileiras, com destaque para a precariedade na infraestrutura habitacional. Os dados dos diagnósticos demonstram como esses municípios estão à margem dos financiamentos públicos, especialmente do investimento habitacional feito pelo Estado nas três esferas do governo (SANTANA, 2012).
Segundo Harvey (2005), a sobrevivência do capitalismo está diretamente relacionada ao processo de circulação do capital, que para garantir esta reprodução criam infraestruturas físicas e sociais. No entanto, este aparato será maior ou menor, o que dependerá diretamente do que o lugar possa oferecer à lógica do capitalismo. O que nos permite afirmar que, a precariedade habitacional nas cidades estudadas está relacionada ao fato de exercerem pouca atratividade ao processo produtivo capitalista.
O que é importante registrar das argumentações de Harvey (2005) é que os avanços tecnológicos tendem a localizar-se em algumas regiões, ou seja, aquelas que são escolhidas para o investimento por parte do capital, o que irá formar uma nova divisão territorial, no entanto, nem todos os espaços são incorporados nesta lógica. Assim, aquelas cidades que oferecem algum atrativo são escolhidas de forma seletiva e desigual para receber investimentos de infraestrutura.
Portanto, o frágil investimento em políticas públicas pelo poder público nas pequenas cidades na Amazônia tem suas razões de ser. Tem a ver com a inserção da região na divisão socioterritorial do trabalho capitalista, na qual a produção do espaço está completamente relacionada com a produção do lucro e da mais valia. Portanto, para que uma cidade ou região possam ter acesso à infraestrutura física e social, deverão atrair e se inserir na lógica do capital (SANTANA, 2012).
Importa afirmar que a política habitacional para as cidades amazônicas deve ser pensada e criada articulada com outras políticas, principalmente com a de meio ambiente, a qual deve levar em consideração a disponibilidade do solo para habitação em áreas alagáveis, de modo a considerar a construção de moradias adequadas a essa realidade.
A dimensão deste problema mostra que a questão habitacional não pode ser equacionada apenas com a oferta de novas unidades, como foi feito no período militar, requerendo uma ação articulada com a política urbana, fundiária e de saneamento, que apenas podem ser implementadas pelo poder público.
As pequenas cidades estudadas registram que a precariedade das habitações, isto é, as condições de moradia, estão diretamente relacionadas com os indicadores de renda no estado (a população total recebe em média de dois a três salários mínimos), situação explicada pelo número significativa de pessoas habitando áreas de assentamentos precários, conforme demonstra a Tabela 02, totalizando 9.741 famílias. Referente à rede de esgoto, observou-se que em todas as áreas analisadas, mais de 95% não possui rede de esgoto.
Observa-se que a maior parte do déficit está concentrada na zona rural, com exceção de Curionópolis que tem seu déficit concentrado na área urbana.
Tabela 02 - Principais problemas habitacionais e renda nos oito municípios.
Fonte: Elaborada a partir dos dados obtidos nos Diagnósticos habitacionais dos 8 municípios do Pará a partir dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social.
Em nível de síntese, pode-se afirmar que a partir dos estudos realizados nos Planos Locais de Habitação de Interesse Social, considera-se precariedade habitacional em pequenas cidades paraenses a articulação dos seguintes elementos:
a) Déficit habitacional destacando-se o componente domicílios rústicos, cuja construção é feita com material improvisado, que necessitam ser substituídos, restaurados ou repostos;
b) Inadequação habitacional destacando-se a precariedade de infraestrutura, onde os domicílios não dispõem de ao menos um dos seguintes serviços: iluminação elétrica, rede geral de abastecimento de água com canalização interna, rede geral de esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de lixo;
c) A questão da baixa renda;
d) O uso da madeira nas moradias cuja precariedade não está relacionada propriamente à utilização desse material e sim ao local da moradia (beira do rio, encostas, morro, com risco de erosão).
Os dados apresentados demonstram que nas pequenas cidades, em grande parte, predominam atividades relacionadas ao setor agrícola, onde se encontram os menores índices de desenvolvimento econômico e social, indicando a existência de baixa qualidade de vida para uma parcela significativa de seus habitantes. Dessa maneira, as condições de vida e de habitabilidade nas pequenas cidades estudadas são muito precárias para a maioria da população, o que se expressa na existência de inúmeras áreas de assentamentos precários, que também concentram graves problemas de serviços de equipamentos urbanos ligados à educação, à saúde, ao saneamento ambiental, aos transportes, etc.
A má distribuição de renda, que caracteriza estas pequenas cidades, resulta em um obstáculo para a universalização da cidadania, expresso na irregularidade fundiária, na habitação inadequada, na precariedade do saneamento ambiental, na baixa qualidade do transporte e nos déficits no acesso aos serviços de saúde e educação.
Considerando as pequenas cidades analisadas, destaca-se que todas são marcadas pelo padrão socioeconômico próprio da periferia capitalista, que se traduz nos processos de desenvolvimento dos territórios. Esta característica expressa à inserção subordinada da região amazônica na divisão nacional e internacional do trabalho, momento em que se inaugura, de fato, para a Amazônia, a passagem da condição de mero empório de produtos de consumo, para a de empório de matérias-primas. Isto é, “ela deixa de ser mero espaço de suprimento para a subsistência suntuária da metrópole, e passa a se integrar, diretamente, ao circuito internacional da acumulação” (LEAL, 2010, p. 104).
O modelo de desenvolvimento imposto na região amazônica só aumentou a concentração de renda e o processo de urbanização das cidades devido à migração de certos segmentos populacionais do interior, como é o caso do estado do Pará. A população residente nesta região encontra-se impossibilitada de ingressar no mercado de trabalho por razões históricas e estruturais, e acabam construindo estratégias de inserção ao trabalho, como exemplo, o trabalho associativista em cooperativas, associações e grupos de produção, trabalho informal, trabalho doméstico, trabalho extrativista, dentre outros (GOMES, 2012).
Quando a análise se volta para a política urbana e habitacional no estado do Pará, a situação é preocupante e os desafios são inúmeros. Os indicadores sinalizam que os municípios do estado do Pará têm baixa capacidade administrativa, o que significa um entrave à implementação da política habitacional e que não há um programa ou estratégia de descentralização que se mostrem capazes de superar os problemas que a nova política habitacional apresenta.
Dessa maneira, pode-se afirmar que os investimentos realizados pelo Governo Federal são seletivos, ocasionando o aumento das desigualdades regionais e a precariedade habitacional torna-se latente, ficando algumas cidades da Amazônia carentes de infraestrutura, caso não ofereçam tais atratividades ao processo produtivo inserido no modo de produção capitalista.
Considerações finais
Na Amazônia, grande parte da população vive em áreas urbanas, sendo que a maior parte está nas pequenas e médias cidades e não em regiões metropolitanas. Sabe-se que a definição de assentamentos precários utilizada pelo Governo Federal é muito abrangente e não contempla a realidade de todos os municípios brasileiros. Portanto, analisar a precariedade habitacional, enfocando as peculiaridades que estes têm nas pequenas cidades na Amazônia, é indispensável para apontar a necessidade de incorporar as diversidades regionais, municipais e urbanas como dados para a formulação de políticas públicas voltadas para a habitação na Amazônia.
Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social nas oito cidades estudadas atestam que a questão habitacional tem se agravado em decorrência do alto índice de pobreza, relacionada com a distribuição de renda, a qual é inversamente proporcional ao montante do capital que circula no estado em função dos grandes empreendimentos econômicos instalados na região. Esse processo tem conduzido os trabalhadores a habitarem os assentamentos precários, particularmente em bairros periféricos, gerando segregação socioespacial.
O tratamento dado pela legislação nacional, que regula a temática urbana aos municípios brasileiros, desconsidera as particularidades regionais do país, bem como as condições diferenciadas de execução de políticas públicas entre os pequenos, médios e grandes municípios. Com relação aos pequenos municípios paraenses são visíveis que suas realidades condicionantes históricas, econômicas, culturais, sociais, fundiárias, ambientais e urbanísticas são questões relevantes que não são levadas em consideração no debate nacional e que acrescentam dificuldades no processo de concretização de direitos referentes à temática da política urbana.
Há necessidade de incorporar as diversidades regionais, municipais e urbanas como dados para formulação de políticas públicas. Estas ações devem reconhecer a diversidade de situações que ocorrem no território, assinalando o conjunto apropriado de ações, onde as cidades de regiões estagnadas e de baixa acumulação de riqueza não devem ser pensadas e dirigidas da mesma maneira que as cidades médias, por exemplo.
Desta maneira, torna-se urgente que a Política Nacional reconheça a diversidade da região Norte – através da criação e/ou modificação de dispositivos que trabalhem o reconhecimento diferenciado em áreas urbanas e rurais, visando sua complementaridade –, bem como criem instrumentos que contemplem a realidade amazônica para que a população possa usufruir dos avanços operados na Constituição de 1988. Outro aspecto a ser destacado é “a abordagem da questão urbana de modo não dissociado da dimensão territorial, levando em conta a diversidade dos municípios do país” (SOUZA, 2009, p.148).
O conhecimento sobre a precariedade habitacional das cidades paraenses torna-se importante no sentido de dar visibilidade às desigualdades sociais, econômicas e regionais, particularmente em relação à moradia, bem como deve se constituir como um instrumento de luta pela democratização da política urbana e habitacional no Brasil.