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O crescimento da pobreza e os Programas de Renda Mínima voltados às famílias: o caso italiano
O Social em Questão, vol. 21, núm. 43, pp. 165-192, 2019
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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Resumo: O presente artigo analisa o processo de transmutação das políticas de proteção social no contexto de crise do capital em sua fase financeirizada. Trata-se de um estudo bibliográfico e documental sobre o desenvolvimento do Welfare italiano. Atualmente, nos países europeus, observa-se a generalização de programas de renda mínima, reafirmando tendências de reforço do familismo e de “monetarização dos direitos sociais”. Diante do crescimento dos índices de desigualdade e pobreza, a política de assistência social é efetivada de forma fragmentada e seletiva, características que são reforçadas por elementos de sua formação social que se constituem obstáculos para uma política homogênea e universal.

Palavras-chave: Monetarização dos direitos sociais, Pobreza, Programas de Renda Mínima, Famílias italianas, Formação social italiana.

O crescimento da pobreza e os Programas de Renda Mínima voltados às famílias: o caso italiano

Salyanna de Souza Silva1

Gisele Caroline Ribeiro Anselmo2

Resumo

O presente artigo analisa o processo de transmutação das políticas de proteção social no contexto de crise do capital em sua fase financeirizada. Trata-se de um estudo bibliográfico e documental sobre o desenvolvimento do Welfare italiano. Atualmente, nos países europeus, observa-se a generalização de programas de renda mínima, reafirmando tendências de reforço do familismo e de “monetarização dos direitos sociais”. Diante do crescimento dos índices de desigualdade e pobreza, a política de assistência social é efetivada de forma fragmentada e seletiva, características que são reforçadas por elementos de sua formação social que se constituem obstáculos para uma política homogênea e universal.

Palavras-chave

Monetarização dos direitos sociais; Pobreza; Programas de Renda Mínima; Famílias italianas; Formação social italiana.

The growth of poverty and the Italian minimum income program of the family: the Italian case

Abstract

This article analyzes the process of transformation of social protection policies in the context of the crisis of capital in its financialized phase. This is a bibliographical and documentary study on the development of Italian Welfare. Currently, in European countries there is a generalization of minimum income programs, reaffirming the tendencies whether to reinforce familism and the “monetarization of social rights”. Accordingly, the growth of the indices of inequality and poverty, the welfare policy is implemented in a fragmented and selective manner, characteristics that are reinforced by elements of its social formation, thus constitute obstacles to a homogenous social and welfare policy and universal.

Keywords

Monetarization of social rights; Poverty; Minimum Income Programs; Italian families; Italian social formation.

Artigo recebido: agosto de 2018

Artigo aprovado: outubro de 2018

Introdução

O presente texto busca analisar o processo de crise do capital e suas reverberações para o Estado e transmutação das formas e modalidades como este intervém nas diferentes expressões da questão social3 no contexto italiano. Procuramos analisar a realidade italiana com ênfase para as políticas sociais (no caso, as políticas e os programas socioassistenciais), o crescimento da pobreza, do pauperismo e do desemprego neste País. Mais especificadamente, a implementação dos atuais programas de renda mínima, reafirmando tendências seja de reforço do familismo seja de “monetarização dos direitos sociais”, em detrimento da efetivação de políticas sociais universais e efetivas.

No contexto de crise estrutural do capital, iniciado na década de 1970, sob a égide do capital financeiro no comando da acumulação, diversos processos são postos em movimento objetivando a retomada das taxas de lucros e novas alternativas de mercado, principalmente para o capital financeiro.

Procura-se analisar o desenvolvimento dos programas ou medidas de renda mínima nos países europeus, com destaque para a experiência italiana. Dessa forma, realiza-se um estudo de caso, relacionando as atuais tendências da política de assistência social italiana, a formação social e histórica nacional, bem como os pressupostos para acumulação do capital financeiro rentista que vem impondo novas modalidades de proteção social, a saber tendência mundial de “monetarização dos direitos sociais” (GRANEMANN, 2007).

O estudo sobre o desenvolvimento das políticas sociais em um determinado País sucinta a análise de elementos particulares de sua formação social e sua relação com o movimento geral do capital internacional. Assim, o percurso do welfare na Europa não se apresenta de forma monolítica e única, mas diversificada e plural a depender de cada País.

O primeiro ponto do trabalho visa inicialmente apresentar a relação entre as políticas sociais e o capitalismo, os diferentes tipos e “modelos” de seguridade social e o welfare desenvolvido nos países europeus, particularmente na Europa meridional e na Itália.

No segundo momento busca-se fazer o levantamento da trajetória das ações e políticas socioassistenciais italianas, relacionando, assim, alguns elementos da formação social nacional, como a tradicional e forte influência da Igreja Católica e do fascismo no âmbito dos serviços e intervenções sociais, como também o forte regionalismo, que tende a dificultar a efetivação de um sistema homogêneo e único de assistência social. Enquanto na terceira parte apresentamos a dramática realidade do crescimento dos dados da desigualdade e miséria no País e a tendência de implementação de medidas de caráter familista, pífias e frágeis para combater a pobreza entre as famílias italianas.

O artigo em tela é fruto do dialogo e reflexões entre intelectuais e estudiosas brasileiras e italianas. Para realização do artigo fez-se uso da pesquisa bibliográfica, a partir do recurso a textos e estudos de autores(as) italianos(as) e brasileiros(as). Em relação à pesquisa documental, ressaltamos a utilização de documentos oficiais do Istituto Nazionale di Statistica (Instituto Nacional de Estatísticas – ISTAT) e de matérias e informes do Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali (Ministério do Trabalho e das Políticas Sociais). Utilizamos como recorte temporal do nosso estudo o período de 1997 a 2018, considerando na nossa análise a introdução da Lei 449/1997, através da política de Renda Mínima de Inserção (RMI), como uma medida de combate a pobreza e da exclusão social até o atual programa de transferência de renda, Renda de Inclusão Social (REI). Parte do presente artigo se encontra na tese de doutorado4 da autora Salyanna de Souza, e outra faz parte do processo de pesquisa de pós-doutorado da autora Gisele Anselmo5. Parte da bibliografia utilizada está em língua italiana, para melhor compreensão do público em geral foi-se realizada a tradução livre.

A Seguridade Social e tendências à monetarização dos direitos sociais no continente europeu no contexto da crise capitalista

A partir do entendimento das políticas sociais6 enquanto mecanismos historicamente datados e geopoliticamente situados inseridas no contexto do desenvolvimento capitalista, as políticas podem atender tanto às necessidades do capital quanto do trabalho, a depender das correlações de forças na luta política entre os interesses das classes sociais (BEHRING, 2011).

Contudo, historicamente podemos observar que mesmo em contextos de efetivação e implementação de medidas estruturadas de políticas sociais como, por exemplo, nos países que vivenciam o chamado Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) não foi possível suprimir a desigualdade social, o que ratifica a hipótese trazida por Behring (2011) de incompatibilidade estrutural entre acumulação e equidade.

Assim, voltando nossa análise para o desenvolvimento dos diferentes sistemas de “Welfare” nos países Europeus, nota-se, na realidade, um percurso desigual e diferenciado. Ao corroborar com Behring e Boschetti (2011) temos que o aparecimento das políticas sociais foi gradual e diversificado entre os vários países. Essa diferença dependia – e ainda depende – da força e organização do movimento e da pressão que a classe trabalhadora exercia – e exerce –, além dela estar sujeita ao grau de desenvolvimento das forças produtivas.

Tem-se chamado “Estado de Bem-Estar Social” ou Welfare State, como é mais conhecido na Europa, o marco para a generalização das políticas sociais em todo o mundo que teve início na década 40, no século XX7. Tal modelo desonerava o capital de boa parte dos ônus da preservação da força de trabalho com a prestação de serviços públicos (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).

O desenvolvimento do sistema de seguridade social em todo o mundo está intrinsecamente relacionado às formas de organização do trabalho (BOSCHETTI, 2009). Desse modo, o surgimento deste sistema de proteção está ligado à experiência de produção fordista-keynesiana e às necessidades da grande indústria. Particularmente, na Europa Ocidental, tal sistema não se desenvolveu de forma única e indiferenciada.

Geraldo Di Giovanni (1998, p. 10) afirma que não existe sociedade humana que não tenha desenvolvido algum sistema de proteção social. Para o autor, as sociedades encontram e desenvolvem, com graus diferenciados de institucionalização entre os grupos e de acordo com os diferentes contextos históricos e culturais, a própria dimensão do poder para proteger parte ou conjunto dos seus membros. Ainda segundo o autor, “esta proteção tem sido exercida por instituições não especializadas e plurifuncionais (como a família, por exemplo), ou então, nas sociedades mais complexas, através de sistemas específicos” que se inscrevem da divisão social do trabalho. Ainda segundo o autor:

[...] os sistemas de proteção social que ganharam maior importância foram aqueles desenvolvidos nas sociedades capitalistas europeias, especialmente a partir das últimas três décadas do século passado e que deram base aos sistemas de seguridade social verificados em todas as sociedades complexas da atualidade. O traço mais marcante e fundamental destas configurações é o fato de serem implantados e geridos pelo Estado. [...] A alocação de recursos sociais que se dá através do Estado resulta de complexas relações macropolíticas travadas no plano do poder público envolvendo, além das principais instituições do Estado (como governo e parlamento), outras instituições e grupos (tais como classes sociais, partidos políticos, sindicatos). (DI GIOVANNI, 1998, p. 10-11).

Ivanete Boschetti (2009) faz um resgate histórico das políticas de seguridade social no mundo. A autora afirma que as primeiras iniciativas de benefícios previdenciários surgiram no século XX na Alemanha, durante o Governo do Chanceler Otto Von Bismarck, instituindo o modelo bismarckiano, o acesso aos direitos é condicionado à contribuição por meio do trabalho, esse modelo era movido pela Lógica do Seguro. Enquanto na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, é formulado o Plano Beveridge, o sistema beveridgiano traz como forte característica a lógica do acesso universal ao direito, por essa característica Boschetti (2009) afirma-se que tal sistema é por uma lógica social.

Para Ferrera (2012) o sistema beveridgiano ou modelo universal se diferencia pela cobertura a todos os seus cidadãos, independentemente da posição que ocupa no posto de trabalho, o que pode contribuir para a estruturação de uma rede de solidariedade e redistribuição universal. Tal sistema prevaleceu nos países nórdicos ou escandinavos (com destaque para a Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia e Dinamarca).

Enquanto a lógica bismarckiana de seguros sociais foi predominante nos sistemas de proteção social dos países do Centro/Sul da Europa Ocidental, a saber: França, Áustria, Alemanha, Portugal, Itália, Grécia, Países Baixos e Espanha. Segundo Ferrera (2012) tal modelo pode ser também intitulado de modelo ocupacional, pois os serviços de proteção social, como também as regras para o respectivo acesso, possuem como critério principal as categoriais profissionais ou ocupacionais.

Mais recentemente, ao considerar a existência e acesso por parte da população às políticas e medidas voltadas para o combate à pobreza nos países europeus, Bronzini e Gobetti (2012) elencam quatro diferentes grupos, a saber: aqueles que implementam medidas universalistas destinadas a todos aqueles que demonstrem não possuir meios suficientes para sobreviver, como, por exemplo, a Finlândia e a Holanda. Já países como a França e a Espanha implementaram Medidas de base com diversas ações integrantes sendo aquelas baseadas em uma rede de intervenção destinada a grupos específicos, capazes de beneficiar a maior parte da população que necessita urgentemente do benefício. Alguns países como a Polônia e a Letônia implementaram Medidas mínimas e discricionárias com esquemas limitados seja no acesso ou na cobertura dos benefícios. E, por ultimo, países como a Itália e a Grécia que implementaram Medidas limitadas ou parciais destinadas a algumas categorias sociais e não cobrem aqueles em graves situações econômicas.

Assim, afirmam Anselmo e Silva (2014), diferentemente dos demais países da Europa Ocidental, o Welfare desenvolvido no Sul da Europa ou Europa meridional, teve um caráter polarizado e dualístico, pois algumas poucas categorias eram beneficiadas e protegidas, enquanto outras ficaram sem acesso aos benefícios e direitos sociais. O que contribuiu para o surgimento de “um welfare desigual e tendencialmente frágil” (ANSELMO; SILVA, 2014).

São diversos elementos que, associados, contribuíram para um atraso em termos de welfare nos países da Europa Meridional. Ilaria Madama (2012) sinaliza, principalmente, a existência de um mercado de trabalho periférico e de instituições sociais fracas e um atraso temporal na revisão das políticas socioassistenciais.

Ferrera (2012) afirma que o welfare meridional teve como base uma estrutura de mercado de trabalho atravessado por profundas divisões setoriais e mesmo territoriais, em uma economia submersa, com um modelo de família caracterizado por relações de solidariedade muito forte entre seus membros. Tais elementos são encontrados, sobretudo na Itália, que, até o final dos anos 1980, não possuía uma rede de segurança de base contra as situações de pobreza. Assim, em um contexto histórico de difícil acesso às políticas de proteção e falta de um mercado de trabalho, a figura da família transforma-se no principal amortizador social.

Esping-Andersen (1995, p. 347-348) realizou uma interessante análise sobre o surgimento do familismo nas políticas sociais da Europa continental. O autor evidenciou que o Welfare State tem nas suas raízes estruturais o princípio de subsidiariedade de matriz cristã-democrática que institucionalizou o familismo, no sentido em que reforçou o modelo em que o homem tem o papel de sustentar economicamente a família, enquanto à mulher é destinado o papel do cuidado. Este modelo foi utilizado, principalmente nos países do Sul da Europa, com transferências monetárias generosas e uma oferta quase inexistente de serviços sociais.

Ao refletir sobre a construção e a reforma do sistema de proteção social italiano, Simionatto (2003, p. 146) afirma que este assumiu características de um modelo residual de Estado Social, com ênfase na família, o denominando Welfare Family. Nele, buscou tornar a família, no plano prático, o suporte fundante das novas estratégias de bem-estar, gestora privada da diminuição dos recursos do Estado, à disposição da coletividade (SIMIONATTO, 2003, p. 156).

Desta maneira:

A família passa a ser considerada como o ‘novo sujeito comunitário’, com papel central na reorganização do Welfare State. ‘Sujeito ativo de assistência’, é chamada a participar da ‘promoção da cidadania’ e da definição de um ‘novo sentido de comunidade’, tornando-se muitas vezes o espaço de resolução das contradições sociais e dos dramas da existência humana. Desde 1991, em toda a legislação que trata do Estado social, observa-se a centralidade conferida às famílias e às comunidades locais, pilares do welfare italiano. (SIMIONATTO, 2003, p. 154-155).

Destarte, no contexto do desenvolvimento das medidas de proteção social de combate à pobreza no âmbito da seguridade social, observa-se a nível mundial uma tendência de proliferação de programas e/ou medidas de transferência de renda diretamente para setores mais pauperizados da população, com destaque para os programas de renda mínima na Europa e os programas de transferência de renda na América Latina.

Vale ressaltar que, em linhas gerais, tais programas e medidas, com algumas poucas exceções, reforçam uma tendência familista ao atender às demandas das famílias no âmbito das políticas de proteção social. Para Mioto (2010) o familismo não pode ser confundido com pró-família, mas uma perspectiva de maior responsabilização da família pelo bem-estar de seus membros, incentivado pelas políticas públicas, seja pelo seu subdesenvolvimento em serviços de apoio à família, por benefícios pouco generosos ou pelo princípio da subsidiaridade do Estado, recaindo sobre a família a responsabilidade pelos serviços de proteção social.

Cabe chamar a atenção para a relação conservadora entre o Estado e a família que perpassa a história da Assistência Social no Brasil e também no contexto italiano. Mioto e Campos (2003, p. 184) afirmam que a relação entre a família e o Estado “foi marcada pela instauração do Estado como fonte de controle e elaboração de normas para a família e pela construção de uma contraditória parceria no decorrer do tempo para garantir a reprodução social”. Um dos pilares de construção dos processos de assistência às famílias foi a categorização entre aquelas que são capazes ou incapazes de desempenhar, via mercado, trabalho e organização interna às funções que lhes são atribuídas pela sociedade.

Desta forma, realizam-se ações de concepção estereotipada de família e de seu papel, com prevalência de propostas residuais. Dentro deste contexto, os programas sociais se voltam para a população mais vulnerável, situando a família como o principal foco de intervenção.

A crise econômica, as mudanças no “mundo do trabalho” e a opção por um Estado minimalista para enfrentar as expressões da questão social desencadeou uma reconfiguração no âmbito social e familiar. Segundo Mioto (2006, p. 182-183) ocorreu uma diminuição da “capacidade protetora” da família vinculada ao empobrecimento acelerado da população, aliado às configurações renovadas da família tornando-a mais vulnerável ao contexto social. Assim, a família se encontra numa posição de sujeito ameaçado, sobrecarregada, fragilizada e que se enfraquece ainda mais quando lhe é atribuída tarefas maiores que sua capacidade de realizá-las.

A acumulação capitalista e sua crescente necessidade de lucros passam a exigir um conjunto de “contrarreformas” do Estado e nas políticas sociais, a fim de transformar as políticas e direitos sociais em mais um espaço de supervalorização do capital, em sua fase financeirizada. Granemann (2007) evidencia um movimento de reconfiguração das políticas sociais e alteração de sua forma de intervenção, assim as próprias políticas sociais passam a ser atravessadas pela lógica das finanças. Se por um lado, as políticas sociais no modelo do Welfare State não mais se constituem para o capital como mediações para a elevação da extração de mais valia, por outro a classe trabalhadora, até o presente momento, parece demostrar dificuldade de reorganização de suas lutas no sentido de combater as inflexões impostas pelo capital em sua fase financeirizada.

Tem-se, outrossim, a tendência a nível mundial de extensão da “lógica da finança para a totalidade da vida social”, são direitos e benefícios assistenciais e previdenciários “monetarizados”. Esse novo formato das políticas sociais implica em crescente financeirização no cotidiano dos/das trabalhadores/as (GRANEMANN, 2007).

Além de beneficiar o capital bancário – pois são os bancos e não os clássicos equipamentos sociais que intermedeiam o acesso às “bolsas” – tal processo implica em uma redução progressiva da proteção social, pois a “bolsa” é tendencialmente de caráter minimalista e individualizada, direcionada para os mais pobres, o que, por outro lado, reforça o papel protetivo das famílias para com seus membros na garantia de uma proteção social.

A trajetória da política socioassistencial na Itália: aspectos históricos e políticos da formação social

Para entender as diferentes manifestações da “questão social” em uma determinada realidade, torna-se necessária a compreensão tanto da dinâmica contraditória do capitalismo mundializado quanto do desenvolvimento e a formação socio-histórica particular da realidade em questão.

Particularmente na Itália observa-se que, historicamente, o País possui uma forte tradição de implementação de intervenções dedicadas a categorias sociais específicas. Para Ferrera (2012), em relação à cobertura (ou não) dos/das assegurados(as) pelo welfare italiano, são evidenciados três grupos principais:

Dessa forma, tem-se ao mesmo tempo a existência de um pequeno grupo de trabalhadores cobertos por uma previdência social considerada como “um dos sistemas mais amplos da Europa” (SILVA, 2016) e, por outro lado uma grande maioria da população descoberta. A partir de tal evidência pode-se afirmar que, em geral, o sistema de seguridade social italiano se assemelha àquele brasileiro, pois pode ser também caracterizado como um “sistema híbrido”, mesclando tanto traços da lógica do seguro como da lógica social, como afirma Boschetti (2009) para o caso da seguridade social brasileiro.

Somado aos fatores gerais do desenvolvimento do welfare nos países da Europa meridional, sinalizados no ponto anterior, a Itália apresenta também alguns elementos particulares de sua formação social que contribuíram diretamente e indiretamente para um quadro de welfare considerado atrasado e frágil.

Foram assim diversos elementos de fundamentação social, cultural e política que, no movimento contraditório da história italiana, relacionaram-se. Madama (2012) sinaliza um importante elemento histórico presente especificamente na formação e que, até o presente momento, influencia com grande peso na efetivação e implementação das políticas sociais: sua tradição de intervenções dedicadas a específicas categoriais sociais promovidas por iniciativas do período fascista, por exemplo, os institutos voltados para maternidade e infância, como também por setores religiosos, com ênfase nas organizações históricas da Igreja Católica. Tais elementos contribuíram para um retrocesso em termos de organização de uma seguridade social universal e ampla.

A primeira intervenção normativa no âmbito da assistência social foi datada de 1862, por meio das Congregazioni di Carità, embora se possa afirmar que esses entes eram abertamente de caráter assistencialista e caritativo, tais organismos representavam os primeiros organismos de assistência pública e geral para a população que necessitava.

Mesmo com aprovação da primeira lei direcionada à assistência social pública italiana, a chamada Lei Crispi (Lei n. 6.972, de 17 de julho de 1890), as históricas instituições religiosas (Opere Pie) foram incorporadas por meio do reconhecimento dos Institutos Públicos de Beneficência (IPAB), estes, somente em 1988, foram extintos8.

Dessa forma, historicamente a Igreja Católica na Itália traz uma grande tradição no âmbito da oferta de serviços e ações. Madama (2012) afirma que a inserção e grande influência das doutrinas caritativas da Igreja Católica junto ao Estado italiano, caracterizada principalmente pelo partido Democracia Cristiana (DC)9, contribuiu para um atraso na reforma da legislação no âmbito da assistência social. Para as autoras deste artigo, este fator também foi determinante para a implementação do caráter familista de proteção social.

Em termos de políticas sociais na Itália, o período de consolidação do regime fascista, que compreende os anos de 1922 a 1945, foi caracterizado por importantes intervenções, sobretudo no campo previdenciário. No campo da assistência social também houve significativas mudanças. Segundo Madama (2012) foram instituídos numerosos entes assistenciais de caráter nacionais dedicados a categoriais específicas, como por exemplo, para cegos e órfãos.

Com a queda do regime fascista, o fim da Segunda Guerra Mundial e o advento da Republica Italiana, em 1948 foi promulgada a Constituição nacional, que se torna um novo ponto de referência para as políticas sociais. No artigo 38 afirma-se a responsabilidade do Estado para o bem-estar dos cidadãos. A Carta Constitucional estabelece também que a assistência social será destinada a todos os cidadãos desprovidos de meios para sua própria sobrevivência.

A Constituição italiana inicialmente estabeleceu que as 20 regiões tivessem um papel central no sistema socioassistencial nacional, porém tal papel se restringia à direção e orientação, não incluindo a gestão direta das intervenções que foi atribuída aos entes locais.

Tal fato expressa outro importante elemento da particularidade da formação social italiana e que influencia na implementação das políticas sociais: a sua tradição regionalista. Até 1870 a Itália era um território dividido em vários reinos, inclusive com interferências de outros países. Somente com o processo de reunificação (Risorgimento), que durou de 1815 a 1870, a Itália tornou-se um País único. Contudo, tanto elementos culturais e sociais como econômicos e políticos regionalistas perduram até hoje, o que dificulta a construção de um efetivo sistema homogêneo e único nacional no âmbito das políticas sociais, como se observa no caso brasileiro.

Assim, Madama (2012) evidencia que o período considerado de expansão do welfare italiano (anos 80 a 90 do século XX) foi marcado pela ausência de parâmetros institucionais únicos, restando para cada região e município estruturar sua rede de serviços.

No caso italiano, diversos(as) estudiosos(as) (BERTANI, 2015; MADAMA, 2012; FERRERA, 1996, 2012; LIEBFRIED, 1991; BONOLI, 1997; entre outros) de políticas sociais falam do fortalecimento do modelo de Welfare familista e solidário onde a família e as redes parentais funcionam como o principal amortizador social, enquanto o Estado tem interferência em modo residual, privilegiando os programas de transferência de renda em detrimento da oferta de serviços sociais universais. Este fenômeno pode se transformar em uma armadilha que:

[...] prende os jovens no próprio seio e desse modo transforma-se em um obstáculo à mobilidade, atrasa e endurece os processos de reprodução social, freando por outro lado a formação de uma demanda política a favor de mudanças. (MADAMA, 2012, p. 250, tradução nossa).

Michele Bertani (2015, p. 96) afirma que o welfare italiano é ainda baseado em uma lógica de intervenção de subsidiariedade passiva, que se sustenta na implícita e pouco reconhecida disponibilidade das famílias, especialmente, às mulheres, da responsabilidade das necessidades de cuidado dos seus componentes, principalmente crianças e pessoas idosas. Aliado a isto, existe uma pluralidade de modelos de políticas de proteção social que se diferenciam a nível regional, colocando em evidência as diferenças entre o Norte e o Sul do País, em relação aos recursos e de serviços oferecidos. O autor salienta ainda que a responsabilidade com o cuidado familiar das mulheres é o principal fator que a limita a entrar no mercado de trabalho, e isto fica ainda mais evidente com a falta de políticas sociais que poderiam conciliar e apoiar esta mulher à genitorialidade. Estas características específicas do modelo de welfare e da realidade da sociedade italiana são sintetizadas pelo autor como um suposto modelo de familismo all’italiana. O autor então faz uma importante pergunta:

Este familismo all’italiana é uma consequência de uma escolha obrigada porque não existem válidas alternativas ao “fazer tudo em casa” (vale dizer que o familismo é uma consequência de como é estruturado o welfare system, que garante somente formas residuais de apoio) ou é em qualquer modo desejado e aceito pelas famílias (porque considerado culturalmente o modelo melhor para a gestão das carências e necessidades familiares)? (BERTANI, 2015, p. 97).

Somente nos anos 2000, durante um governo de base centro-esquerda, houve a aprovação da Lei quadro para a realização do Sistema Integrado de Intervenções e Serviços Sociais, Lei de n. 328/2000. Através de tal instrumento busca-se construir a nível nacional um quadro orgânico e homogêneo no âmbito dos serviços, ações e intervenções socioassistenciais e sanitárias, superando a forte tendência de ações voltadas somente a algumas categorias sociais. A referida lei afirma que visa reconhecer e dar suporte ao papel peculiar desenvolvido pelas famílias na formação e na cura das pessoas, na promoção do bem-estar e na perseguição da coesão social, além de suportar e valorizar as múltiplas tarefas que as famílias desempenham no desenvolvimento da vida cotidiana. Esta lei traz importantes avanços nas conquistas de direitos das famílias italianas. Contudo a Reforma Constitucional de 2001, um ano após a aprovação da Lei quadro, veio no sentido de desmontar importantes conquistas, reforçando o histórico regionalismo local, e realizando uma retomada da responsabilização da família nos programas sociais e seu uso instrumental no âmbito do cuidado e proteção familiar, caracterizando-se como uma “contrarreforma” que contribuiu para limitar o poder da Lei 328/2000. Ficou, assim, a cargo das regiões e municípios ofertar, financiar e implementar os serviços socioassistenciais e a família, principalmente a mulher, permaneceu como o objeto principal de apoio e cuidado familiar.

Características atuais das medidas de combate à pobreza entre as famílias italianas

Os anos 2000 sinalizam para o período de grandes mudanças a nível político governamental e internacional. No governo italiano, entre os anos de 2001 a 2006 o Primeiro-Ministro foi o centro-direitista Silvio Berlusconi. Madama (2012) afirma que tal governo, além de cortar gastos para as políticas sociais, ainda procurou reforçar uma visão da família como principal amortizador social.

Posteriormente, entre aos anos de 2006 a 2008 o País passou por governos caracterizados de centro-esquerda e centro-direita, caindo em uma crise e recessão econômica, que se observava por toda a Europa. Em tal contexto, adotou-se, de 2011 a 2013, um governo caracterizado como “técnico”, ou seja, não possuía uma ligação com nenhum partido político, que teve como Primeiro-Ministro Mario Monti10. Posteriormente, nos anos de 2013 a 2018, a Itália teve um governo de centro-esquerda, porém com uma grande pluralidade parlamentar.

A partir de 2018, a configuração política italiana é muito preocupante. Nas últimas eleições, uma parte significativa dos eleitores não votaram (27% dos que possuem direito) 11. Após uma grave crise política, o partido populista de centro, o Movimento Cinque Stelle, teve a maior parte dos votos dos eleitores (32,6%), mas não o bastante para assumir sozinho o parlamento e se aliou ao partido de extrema-direita Lega Nord, que obteve 17,3% dos votos. O novo governo, de um lado, assumiu a responsabilidade de implementar um programa de garantia de renda mínima condicionado para uma importante parcela da população pauperizada pela atual crise financeira que abateu o País desde 2008; do outro lado, assumiu uma política nacionalista com o fechamento das fronteiras para os imigrantes e para os refugiados, alimentando um discurso xenófobo e infringindo leis internacionais de Direitos Humanos. Tentando aliar demandas eleitorais extremamente opostas, a manutenção do atual governo está em perene instabilidade. Tenta-se, neste contexto, realizar reformas nas políticas sociais, trabalhistas e da previdência social.

Tal contexto de crise política, econômica e adoção de medidas de austeridade, somando a ausência de tradição na implementação de uma política de assistência social inclusiva, homogênea e forte (conforme sinalizamos acima) reverbera no crescimento dos incides nacionais da pobreza e do “risco de pobreza” entre as famílias italianas nos últimos anos.

Relatórios e dados do Istituto Nazionale di Statistica (ISTAT) revelam que mesmo estando entre a população de maior riqueza real entre os/as europeus/europeias, as/os italianas(os) começaram a sentir nos últimos anos as consequências da crise, por meio da redução da riqueza familiar, o aumento da desigualdade econômica, do número de pessoas abaixo da linha da pobreza, e a privação material. Enquanto na média europeia a relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres era de 5, na Itália esse valor chegava a 5,5 (2014). Entre os anos de 2008 a 2012 o índice Gini subiu de 60,7% à 64%. (Dados: BES 2014 - Il benessereequo e sostenibile in Italia – ISTAT).

O relatório BES de 2017 (ISTAT) demonstra que o Gini chegou a um valor de 33,1 (sendo sob a renda em 2014 32,4) e a relação entre a renda dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres subiu de 5,8 para 6,3 (2017).

Sobre a desigualdade de renda e o risco de pobreza, dados de 2017 do ISTAT, evidenciam que o País ocupa respectivamente o 21º e o 19º posto entre os demais países europeus. A quota da população sob o risco de pobreza passou de 19,9% (renda de 2014) para 20,6% (renda de 2015), valor que corresponde a 3,3 pontos percentuais superior a media europeia12.

De 2007 a 2012 o número de italianos(as) em situação de pobreza absoluta passou de 2,4 a 4,8 milhões, ou seja, a manifestação da pobreza se duplicou em apenas 5 anos (ISTAT, 2014). Quase metade da população pobre italiana (2,347 milhões) vive nas regiões do Sul do País, o que evidencia também o fenômeno histórico da desigualdade territorial entre as regiões italianas (ISTAT, 2015).

Em 2016, 7,9% da população italiana encontrava-se em situação de pobreza absoluta. Quase um quarto das famílias com três ou mais filhos menores encontravam-se na linha de pobreza absoluta (Relatório BES 2017 – ISTAT). Para o mesmo ano, estima-se que seja 1 milhão e 619 mil famílias em condições de pobreza absoluta, perfazendo um total de 4 milhões e 742 mil indivíduos, correspondente a 7,9% da população (ISTAT, 2017). Assim, a Itália é o País que, em valores absolutos, conta o maior número de pessoas em situação de pobreza13.

Os atuais Programas de Renda Mínima para o combate à pobreza das famílias italianas

A nível nacional, as atuais intervenções continuam a privilegiar principalmente algumas categoriais como os/as aposentados(as) e núcleos familiares. Destacam-se o incremento das pensões e aposentadorias mínimas, bônus, benefícios fiscais e a social card14.

No final dos anos 1990, iniciam a ser formuladas políticas de transferência de renda de combate a pobreza. A Renda Mínima de Inserção (RMI) foi introduzida com a Lei 449/1997 como uma medida de combate a pobreza e da exclusão social através de um suporte econômico e social às pessoas expostas ao risco de marginalidade social e com incapacidade de manter a si próprio e aos filhos por razão de causas psíquicas, físicas ou sociais. Tal procedimento foi confirmado pela citada Lei 328/2000, mas não foi instituído um modelo único de implementação de tal política. Deste modo, cada ente local (Região, Província ou Comuna) realizou ao seu modo os critérios de acesso e de permanência a tal política. Podendo ser mais ou menos restritiva, com condicionantes para a permanência e com valores de benefícios decididamente muito variáveis.

A Comissão de Investigação sobre a Exclusão Social (CIES)15 publicou em 2010 uma pesquisa comparativa sobre as experiências de RMI realizada em sete diferentes localidades italianas. Desta pesquisa emergiu que, com a ausência de uma norma operacional a nível nacional, ocorreu uma ampla heterogeneidade de experiências. A maioria dos programas tinham tido uma duração entre 1 a 6 anos, sendo interrompidas, principalmente, por falta de fundos públicos. Cada projeto analisado teve a projetação, gestão e financiamentos próprios e que levou a um budget muito diferente em cada experiência. O que se percebeu foi uma profunda diferenciação de propostas. Nas áreas em que a situação de pobreza atinge um maior número de pessoas os critérios para o acesso aos programas, o valor dos benefícios e os critérios condicionantes de permanência eram muito mais restritos. O contrário aconteceu nas localidades em que o número de famílias pobres era menor.

Na Província de Bolzano e no Vale de Aosta 100% das pessoas que se encontravam dentro dos critérios de acesso ao programa receberam o beneficio. E foram as únicas localidades que, em 2010, os programas permaneciam ativos. O acesso ao programa era muito mais abrangente nestas duas experiências e era aberto também a pessoas estrangeiras.

Nas regiões mais pobres, ao contrário, existiu um número expressivo de pessoas que estavam dentro dos critérios de acesso, mas que não puderam usufruir dos programas. O caso mais impressionante é o da Comuna de Nápoles em que somente 12% das famílias que estavam dentro dos critérios de acesso recebiam tal benefício. Aqui, são consideradas pobres as famílias com uma renda inferior a 375 euros. Um valor, que Magda Bolzoni e Granaglia (2010) revelam ser uma verdadeira lacuna entre as duas regiões.

O valor do benefício também era muito heterogêneo. Enquanto nas localidades ao Sul do País o benefício standard era de valor fixo de 350 euros independente do número de pessoas no núcleo familiar e independente da situação de pobreza, nas localidades ao Norte do País, o subsídio era calculado pela equipe de Serviço Social caso a caso e variava dependendo da situação de pobreza e do número de componentes na família. Outro fator importante é que nas regiões mais pobres, os beneficiários não poderiam receber mais nenhum tipo de beneficio governamental. Ao contrário do que acontecia nas regiões no Norte, onde era possível o acúmulo de mais benefícios sociais.

O Serviço Social local também tinha a tarefa de definir os critérios de inserção e em quase todas as experiências era este a realizar a avaliação preliminar e o acompanhamento com um plano individualizado para cada núcleo familiar em que todas as pessoas adultas do núcleo familiar se comprometem – muitas vezes assinando até mesmo um contrato – em procurar emprego e de se inserir no mundo do trabalho. Importante colocar em evidência, que no geral as famílias que não se comprometiam a tal Plano Individualizado eram automaticamente excluídas dos benefícios.

Apenas no final de 2017 foi aprovada pelo governo de centro-esquerda, Partido Democrático, uma proposta nacional de Renda de Inclusão Social (REI). Tal medida foi implementada em janeiro de 2018 e beneficiou, de janeiro a setembro do mesmo ano, o número de 379 mil núcleos familiares, perfazendo um total de cerca de mais de 1 milhão de pessoas16. Tal renda pode chegar a um valor de 187,50 euros por pessoa, não ultrapassando o total de 539,82 euros por núcleo familiar de 6 ou mais pessoas. Sendo dividido em 12 parcelas no ano, com duração de 18 meses, podendo ser renovado por mais um ano. Podem solicitar acesso ao REI famílias com o Indicador da Situação Econômica Equivalente (ISEE)17 não superiores a 6 mil euros anuais; Indicador da Situação de Renda Equivalente (ISRE)18 não superiores a 3 mil euros; valor patrimonial imobiliário não superior a 20 mil euros; patrimônio mobiliar (conta corrente, poupança, títulos, etc.) não superior a 10 mil euros (reduzidos a 8 mil euros para casais e a 6 mil euros para indivíduos solteiros).

Além disso, nenhum componente familiar deve: receber benefícios de seguro social para o emprego (NASpI) ou outros amortizadores sociais de apoio ao rendimento em caso de desemprego involuntário; não possui veículos registrados pela primeira vez nos 24 meses anteriores ao pedido (exclusos veículos para pessoas com deficiência); não possuir navios e barcos para lazer.

Além do critério da renda, o seu acesso é condicionado ao acompanhamento da família pelo Serviço Social das Comunas, mediante a elaboração de um Projeto Personalizado de Ativação Social e Trabalhadora, em que a família beneficiária se compromete a realizar uma busca ativa por emprego e inscrever-se nas agências de emprego governamentais e privadas. Em realidade, o REI substitui duas anteriores medidas de enfrentamento à pobreza, o Sustenho para a Inclusão Ativa e o Bolsa Desocupação (ASDI)19.

Após as eleições de 2018, o atual governo de coalizão do Movimento Cinque Stelle / Lega Nord, em junho através da Legge di Bilancio (Lei de Balanço), modificou os critérios de acesso e os valores do REI. Foram suprimidas as seguintes condicionalidades de acesso ao programa pelos núcleos familiares: presença de crianças/adolescentes, de pessoa com deficiência, de mulher grávida, de pessoa desempregada com mais de 55 anos.

Tal recente medida pode ser caracterizada como uma política de monetarização dos direitos sociais, sendo extremamente minimalista, pois, além de beneficiar praticamente apenas um quarto da população estatisticamente considerada sob pobreza absoluta, seu benefício de valor nacional não reconhece as demandas e características regionais e pode ser considerado de valor irrisório, inferior à própria linha da pobreza no País20. Um fator importante foi uso eleitoral de tal política que foi implementada no final do governo PD, em vista às eleições que aconteceram em março de 2018.

Nas promessas eleitorais os programas de Renda Mínima foram fortemente utilizados pelos principais partidos na última campanha eleitoral. Tanto os partidos considerados de centro (Movimento Cinque Stelle) como de centro-direita, Força Itália, liderado pelo então ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, propuseram programas de transferência de renda aos eleitores. No sentido de se contrapor à proposta do REI, sob a qual mencionamos acima, implementada pelo partido de centro-esquerda, defenderam uma proposta de Renda de Cidadania. Todas essas propostas (REI e Renda de Cidadania) são, em sua essência, muito parecidas, mudando somente o critério de acesso e assumindo uma pequena variação no valor do benefício. O governo de coalizão que assumiu o poder em junho de 2018, declarou a responsabilidade de implementar, a partir de janeiro de 2019, o programa Reddito di Cittadinanza (Renda de Cidadania), prevendo beneficiar mais de 7 milhões as pessoas, com um valor per capita de 780 euros por mês.

Podemos visualizar, desta forma, o uso eleitoreiro e assistencialista dos programas de renda mínima para as famílias italianas. São programas que parecem ser universais, mas são, na realidade, focalizados e seletivos nas famílias extremamente pobres. São atrelados a diversos condicionantes para que a família possa se manter beneficiária, utilizando o critério principal da renda. Responsabiliza a família pelo desemprego e as intimam a realizar uma busca ativa por emprego, submetendo-se a qualquer tipo de trabalho que for oferecido, independente da sua formação profissional. Além disso, exoneram impostos das empresas com importantes incentivos fiscais, beneficiando-as em troca de um trabalho para os beneficiários, não deixando claro o tipo de contrato que os beneficiários terão com estas empresas, podendo abrir mais um leque de tipos de trabalhos precários.

Observações conclusivas

A partir do estudo da realidade europeia e, particularmente, aquela italiana, observa-se cada vez mais a constante tendência de “monetarização dos direitos sociais” em detrimento da efetivação de políticas sociais universais e efetivas. Particularmente, na Europa, é possível evidenciar que as medidas de transferência de renda são tomadas como principais mecanismos para responder às situações de extrema pobreza. Tais intervenções se desenvolveram diferentemente em cada País, em acordo aos modelos de welfare nacional e o movimento geral do capital financeirizado.

Ao elemento da crise do capital, transmutação do Estado Social por meio da adoção de medidas neoliberais, soma-se, também, a elementos da formação social local. Dessa forma, tanto a forte influência da Igreja Católica no Estado e na sociedade como um todo, quanto experiências do passado com o período fascista, incidiram na constituição de uma política de assistência social e sistema de seguridade social fragmentário e dual, que reforça uma tendência familista, somando-se a tais elementos uma cultura política e social regionalista.

A partir do estudo do caso italiano podemos observar a nível mundial o movimento de agudização das expressões da “questão social” e tendência à transmutação do padrão de proteção para a generalização de medidas de transferência irrisória de renda para os setores mais pobres da população, em detrimento da efetivação de um padrão universalista e inclusivo. São, assim, medidas que tendem a beneficiar mais o capital bancário, por meio da “bolsização” dos direitos sociais, do que combater as situações de pobreza.

Destarte, na Itália, a crise do capital, sob a hegemonia de sua fase financeira, fez reforçar as históricas debilidades na realização de uma política socioassistencial homogênea, universal e única para todo o território.

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