Resumo: Este estudo objetivou compartilhar a experiência de enfermeiros docentes no contexto da pandemia de coronavírus (COVID-19). Trata-se de um relato de experiência de enfermeiros docentes do interior do Rio Grande do Sul, no âmbito acadêmico e junto à população, em março de 2020. No âmbito acadêmico, realizaram-se pesquisas, videoaulas, simulação virtual e análises estatísticas. Com a população, realizaram-se ações de educação em saúde, por meio das redes sociais e atendimento via telefone para orientações sobre a COVID-19. Experienciou-se o aprimoramento profissional, teórico-científico e reflexivo acerca dos valores sociais e culturais, e a valorização do trabalho do enfermeiro na educação em saúde.
Palavras-chave:CoronavírusCoronavírus,COVID-19COVID-19,Saúde PúblicaSaúde Pública,PandemiasPandemias,Docentes de EnfermagemDocentes de Enfermagem.
Artigos
As condições de trabalho no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: os desafios da Agenda 2030
Experiência de enfermeiros docentes frente ao contexto da pandemia da COVID-19
Angelo Ramos Junior1
Oclaris Lopes Munhoz2
Marcio Rossato Badke3
Laís Mara Caetano da Silva4
Luiza Cremonese5
Silvana Bastos Cogo6
Resumo
Este estudo objetivou compartilhar a experiência de enfermeiros docentes no contexto da pandemia de coronavírus (COVID-19). Trata-se de um relato de experiência de enfermeiros docentes do interior do Rio Grande do Sul, no âmbito acadêmico e junto à população, em março de 2020. No âmbito acadêmico, realizaram-se pesquisas, videoaulas, simulação virtual e análises estatísticas. Com a população, realizaram-se ações de educação em saúde, por meio das redes sociais e atendimento via telefone para orientações sobre a COVID-19. Experienciou-se o aprimoramento profissional, teórico-científico e reflexivo acerca dos valores sociais e culturais, e a valorização do trabalho do enfermeiro na educação em saúde.
Palavras-chave
Coronavírus; COVID-19; Saúde Pública; Pandemias, Docentes de Enfermagem.
Experiences of the professors nurses in the context of the COVID-19 pandemic
Abstract
This study aimed to share the experience of the professors nurses in the context in the coronavirus pandemic (COVID-19). This is about the experience of professors nurses in the interior of Rio Grande do Sul state, with students and population(community), since march, 2020. With students, we realized surch, class videos, virtual simulation and study statistics. With population we realized health education actions by social networks and telephone servisse for guidance on COVID-19. We improve our profession, theoretical-scientific and reflective improvement on social and cultural values was experienced, as well as an appreciation of the nurse's work in health education.
Keywords
Coronavírus; COVID-19; Public Health; Pandemics; Faculty Nursing.
Artigo recebido em março de 2020
Artigo aprovado em maio de 2020
Introdução
O novo coronavírus (COVID-19) foi relatado pela primeira vez em 31 de dezembro de 2019, como um surto, em Wuhan (China), resultando em mais de 28.000 casos em cerca de dois meses. Dentre eles, ao menos 3.800 desenvolveram a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-COV-2) e mais de 550 óbitos foram relatados [CNHC]. Em 30 de janeiro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou a situação uma emergência de saúde pública e de interesse internacional [OMS]. No dia 11 de março de 2020, a OMS e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) declaram a Pandemia da COVID-19 (OMS, 2020).
Nesse contexto, a saúde humana, a saúde animal e o estado dos ecossistemas estão intimamente ligados, de 70% a 80% das doenças infecciosas emergentes têm origem zoológica, o que significa que podem ser transmitidas entre animais e humanos. Fatores como o aumento da população, a mudança do clima, a urbanização aumentada, as viagens internacionais e a imigração aumentam o risco de surgimento e disseminação de patógenos respiratórios (JONES et al., 2008).
Cabe ainda destacar que existem diferentes tipos de coronavírus. Esses são vírus de ácido ribonucleico (RNA), pertencentes à família Coronaviridae e à ordem Nidovirales, amplamente distribuídos em humanos e outros mamíferos. Embora a maioria das infecções por coronavírus humano seja leve, epidemias relacionadas aos dois betacoronavírus — coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) (KSIAZEK et al., 2003; KUIKEN et al., 2003; DROSTEN et al., 2003) e coronavírus da síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) (GROOT et al., 2013; ZAKI et al., 2012) —, foram responsáveis por mais de 10.000 casos nas últimas duas décadas, registrando taxas de mortalidade de 10% para SARS-CoV e 37% para MERS-CoV (GROOT et al., 2013; ZAKI et al., 2012). Os coronavírus já identificados podem ser a demonstração de um cenário ainda pouco conhecido, mas que pode resultar em eventos zoológicos potencialmente novos e graves.
Quanto à dimensão da COVID-19, os dados são atualizados diariamente pela OMS e, no dia 17 de maio de 2020, 4.525.497 casos foram confirmados (100.012 novos em relação ao dia anterior), e 307.395 óbitos (5.336 novos óbitos em relação ao dia anterior) no âmbito mundial. Na Região Europeia, 1.870.545 casos foram confirmados (22.100 novos em relação ao dia anterior), 165.951 óbitos (1.228 novos em relação ao dia anterior). Na Região do Pacífico Ocidental, 167.546 casos foram confirmados (825 novos em relação ao dia anterior), 6.730 óbitos (33 novos em relação ao dia anterior). Na Região das Américas, 1.966.932 casos foram confirmados (57.449 novos em relação ao dia anterior), 118.799 óbitos (3.742 novos em relação ao dia anterior). Na Região do Mediterrâneo Oriental, 326.568 casos foram confirmados (10.900 novos em relação ao dia anterior), com 9.841 óbitos (140 novos em relação ao dia anterior). Na Região do Sudeste Asiático, por sua vez, 134.531 casos foram confirmados (6.536 novos em relação ao dia anterior), 4.351 óbitos (150 novos em relação ao dia anterior). Na Região Africana, 58.663 casos haviam sido confirmados (2.202 novos em relação ao dia anterior), com 1.710 óbitos (43 novos em relação ao dia anterior) (OMS, 2020), o que reforça a progressão geométrica da doença.
No contexto brasileiro, em 17 de maio de 2020, o país confirmou 218.223 casos e 14. 817 óbitos. Ainda, em 20 de março de 2020, o Ministério da Saúde (MS) declarou que havia transmissão comunitária da COVID-19 em todo o território nacional, ou seja, pessoas que não viajaram para áreas endêmicas estavam sendo infectadas pelo vírus. Cabe destacar que, por iniciativa dos governadores estaduais, o país adotou medidas não drásticas de quarentena, em que foi incentivado o isolamento social, a suspensão de atividades presenciais na educação, tanto em nível escolar quanto em instituições de ensino superior, e a redução com posterior fechamento de serviços considerados não essenciais à saúde da população. Apesar disso, a disseminação do vírus continuou de forma exponencial, ainda que o quantitativo não represente fielmente a realidade, visto que apenas os casos graves foram testados, sugerindo, assim, a probabilidade de maior número de infectados (OMS, 2020).
Diante desse cenário, evidencia-se que nem todas as regiões apresentam o mesmo nível de transmissão. Porém, não significa que a população de determinada região deixa de participar do esforço coletivo adotado por todo o país. A medida consiste em um comando do MS para que todos os gestores nacionais adotem medidas que promovam o distanciamento social e evitem aglomerações, conhecidas como medidas não farmacológicas, ou seja, que não envolvem o uso de medicamentos e/ou vacinas (BRASIL, 2020).
Quanto às condutas clínicas adotadas frente à COVID-19, a uma pessoa que apresenta sintomas respiratórios (febre, tosse, dor de garganta ou dificuldade respiratória), o profissional de medicina prescreve a quarentena e emite um atestado para o doente e todas as pessoas que residem no mesmo domicílio (mesmo que não apresentem sintomas) por 14 dias, conforme a Portaria Nº 356 de 11 de março de 2020 (OMS, 2020). Nesse sentido, os profissionais da saúde se tornam indispensáveis, pois auxiliam no cuidado por meio de instruções e educação no plano de prevenção e atuação diante da Covid-19.
Deve-se ressaltar, portanto, a importância dos profissionais que compõem as equipes de saúde no controle da COVID-19, em diferentes frentes (assistência, gestão/gerência e ensino). Assim, torna-se importante discorrer acerca das ações realizadas por esses profissionais, com destaque, neste caso, nos enfermeiros docentes, que continuam promovendo saúde, prevenindo a ocorrência da COVID-19 e dando prosseguimento às atividades acadêmicas. Frente ao exposto, tem-se por objetivo relatar a experiência de enfermeiros docentes no contexto da pandemia de coronavírus (COVID-19).
Descrição da experiência
A experiência a ser relatada refere-se ao trabalho de enfermeiros docentes provenientes de dois municípios da região central do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, em suas respectivas Instituições de Ensino Superior (IES), no mês de março de 2020, período em que foram detectados os primeiros casos da infecção no país. Esse ocorreu em âmbito acadêmico, com cursos de graduação e de nível técnico, com posterior inserção na comunidade, com o intuito de promover saúde e prevenir a ocorrência da COVID-19 junto à população de diferentes faixas etárias.
Visando o isolamento social, conforme decretado pelos órgãos responsáveis, as metodologias utilizadas foram totalmente virtuais. Utilizaram-se recursos disponibilizados pelas IES, pela escola de nível técnico e, ainda, outras plataformas virtuais que possibilitaram a continuidade das atividades acadêmicas de forma não presencial e de modo que alcançasse a comunidade.
No âmbito acadêmico, foram envolvidos os estudantes que cursavam as disciplinas ministradas pelos docentes, incluindo os cursos de Enfermagem, Educação Física, Ciências Contábeis, Administração e Sistemas de Informação. As aulas ocorreram por meio de plataforma virtual, no mesmo dia e horário previstos nos planos de ensino.
Na disciplina Enfermagem Baseada em Evidências, os acadêmicos foram estimulados a buscar produções nas bases de dados da área da saúde (PubMed, Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde e Scopus), bem como em documentos ministeriais, tendo como tema central a COVID-19. Após as buscas, cada acadêmico elaborou uma síntese das principais informações apresentadas pelos artigos, com o intuito de contribuir na sala de interação com os colegas. A questão disparadora da discussão postada pela professora na sala de interação foi: “O que você tem a contribuir com o conhecimento do colega acerca das evidências da pandemia da COVID-19?”. A atividade, além de exercitar a busca em base de dados, permitiu acessar fontes de informações confiáveis acerca da pandemia e interagir com os colegas, incentivando também a corresponsabilização pelo aprendizado.
Na disciplina Primeiros Socorros, ofertada ao curso de Educação Física, abordou-se o tema “Promoção da saúde no contexto atual”. Após o aporte teórico, os acadêmicos produziram, individualmente, um vídeo informativo acerca do tema COVID-19. Os vídeos contaram com a participação de familiares para a demonstração de como deve ocorrer o distanciamento dentro de casa, bem como a higiene de mãos de forma correta e o impedimento de sair de casa, dentre outras ações recomendadas durante o período. Para o desenvolvimento do vídeo, os acadêmicos consultaram fontes reconhecidas cientificamente, sendo elas recomendações da OMS e ANVISA. Considera-se que essa atividade incentivou o estudo e o compartilhamento do conhecimento com os familiares, difundindo a promoção da saúde.
Nas disciplinas Fundamentos do Cuidado Humano I e II, equivalentes à semiologia e semiotécnica, os acadêmicos do curso de Enfermagem foram estimulados a colocar tinta guache nas mãos para demonstrar a correta higienização. Também, foram convidados a reconhecer, em casos clínicos fictícios, sinais e sintomas característicos de pessoas infectadas pela COVID-19. Essa atividade buscou preparar os acadêmicos para evitar a contaminação pela falta ou incorreta higiene de mãos, estimulando ainda o raciocínio clínico do enfermeiro para queixas, sinais e sintomas sugestivos de coronavírus.
Na disciplina de Estatística Aplicada, os acadêmicos dos cursos de Ciências Contábeis, Administração e Sistemas de Informação foram desafiados a exercitar análises gráficas dos casos da COVID-19 registrados no país e no mundo, bem como realizar cálculos de mortalidade conforme a letalidade relacionada à COVID-19. Ainda, foram elaboradas projeções futuras, conforme comparações com o comportamento da pandemia em outros países. Os acadêmicos ainda fizeram perguntas acerca da veracidade dos gráficos, mostrando-se espantados e preocupados com as possíveis elevações nas taxas de mortalidade e repercussões econômicas no mundo. Considera-se que, além de exercitar as análises gráficas, os estudantes conseguiram obter a dimensão da gravidade da pandemia frente às projeções que elaboraram.
Ao tratar do ensino técnico, os estudantes de enfermagem receberam aulas a distância, em que buscavam contextualizar a importância da não exposição durante o isolamento social. Nessa oportunidade, foi disponibilizado o curta-metragem “SUS em Defesa da Vida”, que retrata, a partir dos personagens e situações, a abrangência e a importância do Sistema único de Saúde (SUS) na vida dos brasileiros, com ênfase no momento atual da pandemia.
No atual cenário de pandemia, tornou-se fundamental expandir a atuação profissional para além do ambiente acadêmico. Assim, organizou-se um canal para atendimento à população via telefone, com intuito de orientar e conduzir possíveis casos da COVID-19. Tal atividade deu-se a partir da demanda de uma das IES em parceria com um dos hospitais de referência para o atendimento dos casos na região. Primeiramente, realizou-se uma reunião para deliberar e organizar as atividades que seriam desenvolvidas com os profissionais atuantes na assistência, gestores, docentes e estudantes da área da saúde. Posteriormente, os voluntários tiveram um dia separado para capacitação, em que se definiu como os atendimentos deveriam ser conduzidos, os protocolos de atendimento e como determinadas condutas seriam tomadas. Assim, com o auxílio de meios de divulgação (redes sociais, jornais locais, televisão e rádio), foi compartilhado o número do telefone para que a população pudesse entrar em contato e esclarecer suas dúvidas.
Com o objetivo de padronizar a conduta adotada nos atendimentos, organizou-se um formulário com informações sociodemográficas e de saúde para ser utilizado na condução dos casos, cabendo ressaltar que todas estavam de acordo com as orientações dos órgãos de saúde. Foram contempladas no formulário as seguintes informações: nome, data de nascimento, cadastro de pessoa física, nome da mãe, contato telefônico, viagem para cidade com caso confirmado do novo coronavírus nos últimos 14 dias, contato com caso suspeito ou confirmado do novo coronavírus e sintomas apresentados nas últimas 48 horas.
De acordo com as respostas fornecidas pelo usuário, discutia-se o caso em equipe, para posterior encaminhamento. Seguindo as orientações dos órgãos competentes, os casos eram classificados como “não suspeitos”, “suspeitos leves” (pessoas com febrícula a menos de 48 horas, associada à queixa respiratória leve e com boa aceitação alimentar) e “suspeitos graves” (pessoas com febre alta e persistente por mais de 48 horas, associada à queixa respiratória grave, ou se portadores de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão arterial sistêmica e distúrbio broncopulmonar obstrutivo crônico).
Quando classificados em casos não suspeitos ou leves, os usuários recebiam orientações referentes à necessidade de isolamento social, cuidados com a higiene e a importância de retornar a ligação em caso de agravamento do quadro ou surgimento de febre persistente e dificuldade respiratória. Casos graves foram orientados a procurar os serviços de urgência e emergência, e todos os casos suspeitos foram notificados junto à vigilância sanitária do município, para que, posteriormente, pudesse ser realizada a testagem para a COVID-19 em domicílio, evitando, assim, uma possível disseminação do vírus.
Outra ação foi a utilização de uma rede social (Facebook) como ferramenta para a disseminação de informações baseadas em evidências científicas. Tal ação se deu meio de uma live (entrevista ao vivo) intitulada “Coronavírus e a Saúde em Santa Maria”, com mais de 10 mil visualizações e 160 compartilhamentos via Facebook, a fim de promover a saúde da população e prevenir a COVID-19, por meio de orientações à população do município e região, utilizando de linguagem acessível para o público.
A educação em saúde por meio da live emergiu a partir da proposta da advogada de um dos municípios que trabalha com populações vulneráveis. A divulgação prévia da ação, em redes sociais, ocorreu nas 24 horas do dia que aconteceu a live. Durante a transmissão, moradores do Rio Grande do Norte enviaram perguntas para serem respondidas, e o número de visualizações excedeu as expectativas por ser uma temática emergente e, portanto, com relativa escassez de informações fidedignas. Participou da entrevista um enfermeiro infectologista, com conhecimento na área de doenças infectocontagiosas, que respondeu às perguntas enviadas dos espectadores, bem como a perguntas elaboradas previamente pela advogada entrevistadora. A live teve duração de 60 minutos e está disponível nas redes sociais Facebook (link nas referências) e Youtube (link nas referências). Cabe destacar que, após a finalização da transmissão ao vivo, as perguntas foram respondidas via chat e foram realizadas orientações alinhadas às normas relacionadas à COVID-19 até o momento.
Discussão
O trabalho do enfermeiro docente é dinâmico e, no contexto de uma pandemia, é essencial adaptar-se às diferentes condições de promoção da saúde, prevenção de doenças, educação em saúde, cura e reabilitação. Assim, faz uso de diferentes meios que o possibilitam interagir com o ambiente acadêmico e com a comunidade, inclusive, promovendo a integração entre IES e comunidade.
Ainda, o enfermeiro docente, no exercício de suas competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), realiza trabalhos em diferentes frentes, incluindo a assistência, a gestão/gerenciamento e a educação (TAVARES et al., 2016). No caso do presente relato, a princípio, foram contempladas ações que incluíam o exercício da educação em diferentes contextos. Nesse sentido, cabe destacar que no horizonte do profissional está posto o desafio de defender a saúde como um direito fundamental das pessoas, buscando salvaguardar os direitos construídos historicamente, estabelecendo coletivamente estratégias assistenciais, gestionárias e políticas apropriadas para a construção de condições reais para a defesa da vida (ARAÚJO; JOAZEIRO, 2019).
Ressalta-se a importância da sensibilidade do enfermeiro docente em perceber maneiras de aplicar/exercitar o conteúdo previsto no plano da disciplina junto ao tema que está em evidência, a COVID-19. Além do aprendizado, foi possível aos acadêmicos tomarem ciência acerca da gravidade da pandemia e suas repercussões na saúde das pessoas, para que, assim, compartilhassem as informações com suas famílias.
Cabe trazer, nesse contexto, conceitos que podem embasar o trabalho do profissional enfermeiro. Dentre eles, encontra-se o da prevenção, que consiste em uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural da doença e que tem como finalidade intervir em seu progresso, sendo compreendida em três fases: a prevenção primária, que corresponde a ações realizadas no período de pré-patogênese, composta pela promoção da saúde (definida como medidas gerais para desenvolver uma boa saúde) e proteção específica (caracterizada por ações dirigidas contra agentes patológicos, ou pelo estabelecimento de barreiras contra os agentes do meio ambiente); a prevenção secundária, composta pelo diagnóstico e tratamento precoce, bem como pela limitação da invalidez; e a prevenção terciária, que diz respeito às ações de reabilitação (CZERESNIA; MACIEL; OVIEDO, 2013). Dessa forma, as ações realizadas pelos docentes estão relacionadas à prevenção primária, visando intervir no progresso da COVID-19 e promover saúde à população.
A educação em saúde apresenta-se, no presente relato, como educação popular em saúde, concepção diferenciada acerca da prática da educação no âmbito da saúde. Esse tipo de educação se organiza por meio da aproximação com outros sujeitos no espaço comunitário, sendo reflexo de um entendimento da saúde como prática social e global, que tem como balizador ético e político os interesses das classes populares. Desse modo, é pautada no diálogo com os saberes prévios da população, seus saberes e na análise crítica da realidade (FALKENBERG et al., 2014). Ressalta-se que, para promover a educação em saúde, é necessária a sensibilização dos futuros profissionais que se encontram em processo de formação e esforço, o qual vem sendo empreendido nas ações aqui relatadas.
Ainda, as atividades que envolveram acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento exigiram corresponsabilização pelo processo de aprendizado, o que caracteriza em um novo desafio, visto que os acadêmicos precisaram se adaptar ao modelo de aula, manusear a tecnologia e, por vezes, fazê-lo na companhia de familiares. É importante considerar que essa adaptação ocorreu em um contexto em que foi preciso conciliar trabalho e estudo, visto que muitos acadêmicos, por estarem inseridos em serviços essenciais, a exemplo da área da saúde, sendo ainda responsáveis pelas finanças da família, em meio a uma provável instabilidade emocional decorrente da pandemia, continuaram trabalhando. Essa realidade demonstra a necessidade de sensibilização por parte do docente para compreender o acadêmico enquanto sujeito permeado por aspectos psíquicos, biológicos e sociais, os quais influenciam seu processo de aprendizagem (TABILE; JACOMETO, 2017).
Ainda se vivencia, em muitos casos, o ensino focado na figura do docente que se coloca na posição de detentor do conhecimento e trabalha, muitas vezes, com aulas expositivas, situação que cria um fluxo unilateral de comunicação, dificultando o desenvolvimento do pensamento crítico por parte do acadêmico. Apesar de tentativas inovadoras no processo de formação, ainda se sentem alguns reflexos desse modelo (CAVEIÃO et al., 2015).
A declaração da COVID-19 como pandemia resultou em um ambiente que exigiu a reorganização da formação em seus diferentes níveis, com necessária ampliação de competências, como a habilidade de avaliar, interagir, integrar e reformular os métodos de ensino e aprendizado, considerando a diversidade dos indivíduos e das coletividades. Assim, considera-se que a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem pode auxiliar no desenvolvimento de competências dos estudantes, seja da capacidade de argumentação ou de relacionamento entre os integrantes da turma, contribuindo cada vez mais para a sua futura inserção no mercado de trabalho (ALVES et al., 2015).
As medidas de isolamento social adotadas pelos governos estaduais, por recomendação dos especialistas da área da saúde, tiveram como principal objetivo que menos pessoas adoecessem no mesmo período, promovendo, assim, o achatamento da curva, ou seja, que o SUS conseguisse atender com qualidade o quantitativo de pessoas que fossem infectadas. Para isso, tornou-se necessária a adaptação dos profissionais de saúde, para que as orientações chegassem até as pessoas via internet.
É possível perceber mudanças no perfil da população, uma vez que as pessoas estão buscando mais informações sobre a saúde em diferentes fontes virtuais, o que representa uma realidade a ser explorada pelos profissionais de saúde. Salienta-se a importância dos profissionais adotarem como prática rotineira a prevenção primária em ambiente virtual, por meio de redes sociais, por exemplo. Para isso, os enfermeiros podem utilizar a tecnologia de forma criteriosa e consciente, tornando-se profissionais ativos e participantes, que utilizam os novos recursos tecnológicos para disponibilizar novas formas de cuidado em saúde (LANDEIRO et al, 2015).
A partir do momento que o enfermeiro se permite usar tecnologias que o aproxime da população, é viabilizado um cuidado integral e de qualidade, promotor do cuidado, da corresponsabilização pela saúde, do vínculo e da intersetorialidade, na medida em que se busca um cuidado longitudinal (que ocorre ao decorrer de toda a vida da pessoa que o recebe) e alinhado aos princípios do SUS (SILVA et al., 2014).
Reitera-se que o advento da COVID-19, em contexto nacional, concebe um cenário desafiador. Entretanto, representa a possibilidade de ser um impulsionador de mudanças, tendo em vista que mobiliza a população, os profissionais de saúde e os docentes para a busca de ações voltadas ao enfrentamento do cenário que se faz presente. Para o enfrentamento de situações adversas, são necessários exercícios individuais e coletivos, que permitam compreender o espaço do outro, suas necessidades (individuais e coletivas), potencialidades e fragilidades, planejando ações que considerem o contexto em que os sujeitos que compõem a sociedade estão inseridos.
Dessa forma, neste momento histórico, mais do que nunca, é necessário a presença de profissionais docentes que promovam formação e disponibilizem informações que possibilitem o protagonismo consciente do sujeito: um sujeito informado e imbuído de conhecimentos que o permitam se ver enquanto imprescindível no processo de prevenção da COVID-19 na sociedade brasileira.
Considerações finais
Experienciar profissionalmente a pandemia representou um desafio, dada a necessidade de adaptação dos enfermeiros docentes em prosseguir com o processo de ensino em ambiente acadêmico e de realizar ações de prevenção junto à população, efetivando a extensão. Nesse ínterim, estimular e manter a motivação do acadêmico em um período de isolamento social se apresentou como um constante necessário para seu desenvolvimento, a partir do momento que propiciou a reorganização de suas atividades, urgindo a necessidade de utilizar novas tecnologias para viabilizar as atividades.
Os benefícios advindos dessa experiência incluem a oportunidade de aprimoramento profissional, teórico-científico, possibilidade de interdisciplinaridade, bem como a reflexão acerca dos valores sociais e culturais. Ainda, reforça a importância do trabalho do docente enfermeiro no processo de educação em saúde no cotidiano da população, no processo de aprendizagem dos acadêmicos e nas práticas de cuidado dos enfermeiros docentes, a fim de auxiliar na desaceleração do processo de transmissão comunitária da COVID-19.
Almeja-se que este trabalho contribua com ideias para serem aplicadas em outros contextos geográficos e para além dos cursos de saúde, visto que foram compartilhadas experiências de aplicação de conteúdo previsto no plano de ensino tendo como tema a Covid-19. Por fim, considera-se importante a realização de outras aproximações e reflexões frente aos cenários que foram alvo deste relato, com o intuito de compreender os impactos da COVID-19 no cotidiano da população, no processo de aprendizagem dos acadêmicos e nas práticas de cuidado em saúde dos enfermeiros docentes.