Resumo: O presente artigo busca retratar o contexto da implantação da política de ação afirmativa na educação superior pública e seus desdobramentos para as universidades federais, em especial para a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Procuramos apontar os aspectos dessa política que tem seus reflexos na estrutura organizacional da UFRJ e vem propor- cionando muitos desafios para a assistência estudantil e apontando a necessidade de novos pactos institucionais.
Palavras-chave:Ação afirmativaAção afirmativa,Educação superiorEducação superior,PermanênciaPermanência,Assistência estudantilAssistência estudantil.
Abstract:
The aim of this study is to report the context of the affirmative action policy implemen- tation in public higher education and its impact on the federal universities, particularly on the Federal University of Rio de Janeiro.We point out the consequences of this policy which has its effects on the organizational structure of UFRJ and has been providing many challenges for student assistance, highlighting the need for new institutional pacts. Affirmative action; Higher education; Permanence; Student assistance
Keywords: Affirmative action, Higher education, Permanence, Student assistance.
Artigos
Ação afirmativa na UFRJ: a implantação de uma política e os dilemas da permanência
Ação afirmativa na UFRJ: dilemas da permanência
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ as ações afirmativas fo- ram implantadas no ano de 2011, tendo como característica a reserva de vagas para alunos oriundos de escolas públicas que ingressassem pelas vagas disponi- bilizadas através do ENEM7.
A implantação de política de ação afirmativa na UFRJ foi tardia, se comparada a outras universidades públicas que implantaram suas políticas no início dos anos 2000. O processo que antecedeu à implantação não foi permeado por debates e discussões entre os segmentos da comunidade acadêmica, ficando as decisões circunscritas aos órgãos colegiados.
Embora não discutida, essa medida não teve repercussões de grande monta junto à comunidade acadêmica, apesar da universidade ostentar um elitismo his- tórico. A sequencial implantação da Lei de Cotas também não produziu mudanças nesse panorama. Entretanto,embora não tenhamos dados de pesquisa,observamos que os alunos cotistas, de forma geral, estão invisibilizados. Santos (2006) identi- fica muito bem o que causa esse estado:
Cada membro da comunidade acadêmica (docente, discente, ou servidor técnico-
-administrativo) que é contrário à política, quando convencido de que ela é irre- versível diante das pressões sociais que se estabelecem, desloca o centro da sua resistência da negação das cotas para a não alteração da estrutura e do cotidiano da universidade. O primeiro passo para isso é a despolitização da nova presença. Isso é feito [...] por meio de uma tendência que é a invisibilização dos alunos cotistas. [...] à primeira vista [...] aparece como uma saudável medida contra a estigmati- zação dos alunos em seu cotidiano [...] (SANTOS, 2006, p. 126)
Ainda que na Lei exista a definição de percentual de vagas destinadas a estu- dantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas, na UFRJ não há estudo detalha- do em relação a esses segmentos de estudantes. Logo, não se tem conhecimento de como tem se dado a sua inserção no contexto universitário.
Em relação às condições para a permanência na universidade, Santos (idem) aponta que “o corte de renda para as políticas de permanência provoca a divisão entre carentes e não carentes, com a desracialização de sua presença (central para os ingressantes pelas cotas raciais)”. Arriscamos dizer que a Lei de cotas para o acesso às universidades públicas federais vem provocando o mesmo processo. De toda forma, as atuais políticas voltadas à democratização do acesso criam um novo paradigma para a permanência.
As ações que objetivam apoiar a permanência de alunos na educação superior têm sido desenvolvidas há décadas, em várias universidades federais. Até a im- plantação do Programa Nacional de Assistência Estudantil-PNAES, em 2008, tais ações estavam vinculadas ao entendimento e à sensibilidade que cada gestor tinha sobre a questão e às disponibilidades orçamentárias de cada instituição.
Com a implantação do PNAES há a definição de princípios norteadores em âmbito nacional para o desenvolvimento das ações que são elencadas em eixos te- máticos que perpassam várias áreas8 e tem destinação prioritária para estudantes oriundos de escolas públicas ou cuja situação socioeconômica familiar interfira na sua permanência na universidade.
O referido programa criou, ainda, condições para uma dotação orçamentária anual para desenvolvimento das ações nas universidades federais. Embora com verba específica e tendo transcorrido seis anos de sua criação, a implementação das ações propostas pelo PNAES ainda é parcial na maioria das IFES e, em muitas destas, não há uma política de assistência estudantil consolidada.
Na UFRJ, mesmo antes de 2011, ocasião de implantação da reserva de vagas para acesso a seus cursos de graduação, já se verificava o ingresso de estudantes com perfil socioeconômico diferenciado. Entretanto, a presença desse segmento de estudantes se concentrava em cursos de baixo prestígio social, demonstrando uma seletividade na escolha do curso por parte dos estudantes com esse perfil.
A reserva de vagas para alunos oriundos de escolas públicas em todos os seus cursos de graduação ampliou essa diversidade e, certamente, trouxe significativo impacto em cursos de maior competitividade embora, até o momento, não exis- tam estudos que comprovem tal hipótese.
Ao implementar no ano de 2011 a reserva de vagas por meio de Resolução do Conselho Universitário,também foi aprovada a criação de uma bolsa assistencial destinada a todos os alunos ingressantes por essa modalidade de acesso, objetivan- do apoiar a permanência dos mesmos até o final do primeiro ano de seu ingresso e, assim, reduzir a evasão nos primeiros períodos na universidade.
Ao final desse prazo o aluno deverá participar de processo de seleção para as demais bolsas de assistência estudantil. Entretanto, devido ao insuficiente número de bolsas para atender a todos os estudantes dentro do perfil definido pelo PNAES, o aluno poderá não ter sua demanda atendida.Essa situação tem gerado distorções e questionamentos, além de ser um dos motivos de evasão e/ ou retenção em períodos posteriores.
No estudo apresentado por Rocha (2013) foi avaliado a permanência dos cotistas ingressantes em 2011, sendo apontado que há uma evasão desse segmen- to de alunos após o término da bolsa. Esse dado corrobora com o que apontam autores como Zago (2007),) e Souza et al (2014) sobre a relação existente entre a trajetória acadêmica e a origem social dos estudantes ingressantes em universi- dades públicas. Para que esses estudantes possam concluir a graduação deve haver investimentos na permanência.
No momento atual, a Lei de Cotas e o Sistema Integrado de Seleção Unificada – SISU9, colocam um renovado desafio para a Assistência Estudantil nas universidades públicas, que é a capacidade de apoiar efetivamente a permanência de um crescente contingente de estudantes sem recursos financeiros e vindos de outros Estados10.
Para esses alunos, cujas famílias não possuem recursos para auxiliá-los, há uma expectativa de que suas necessidades de moradia, alimentação, transporte e demais despesas decorrentes da realização de um curso superior,devam ser total- mente supridas pela universidade.
Estas questões suscitam a necessidade de um debate com toda a comunidade universitária sobre qual é, efetivamente, o papel da universidade enquanto espaço de produção e difusão do conhecimento e quais os seus limites em relação ao atendimento de uma gama de questões que perpassam a vida dos estudantes e que extrapolam seu âmbito de responsabilidade e atendimento.
Nesta perspectiva, a assistência estudantil entendida como um conjunto de ações que visam apoiar a permanência do estudante na universidade para que possa realizar e concluir seu curso de graduação, deve estar articulada com o processo de ensino e ser parte do projeto educacional.
Heringer (2013, p. 89) faz interessante diferenciação entre políticas de per- manência, pensadas para todo e qualquer estudante e as políticas de assistência estudantil, voltadas àquele segmento que está “vivenciando situações que possam comprometer a sua permanência, incluindo as dificuldades de ordem financeira”. Assim, na perspectiva apontada pela autora, as políticas de permanência incluem as de assistência estudantil.
A permanência passa a ter um significado mais abrangente que vai além da não evasão, incluindo uma estada mais qualificada - que também ultrapassa as formas de assistência estudantil tradicionais.
Nessa perspectiva é permitido ao estudante ter uma vivência acadêmica e su- cesso no processo de afiliação, da forma como entende Alain Colon (2008): o tempo em que esse estudante adquire o “manejo relativo das regras identificado especialmente pela capacidade de interpretá-las ou transgredi-las”(COLON, p. 7). A UFRJ vem, em especial nos últimos três anos, aumentando o número de bolsas destinadas aos seus discentes e tem utilizado quase todo o recurso finan- ceiro do PNAES destinado às ações de assistência estudantil para o pagamento dessas bolsas, na tentativa de minimizar a evasão desses estudantes. Desse modo, não sobram recursos para o implemento de outras ações igualmente necessárias
à permanência dos alunos.
A questão da moradia permanece como um grande problema a ser enfrentado já que, até o momento, a oferta de vagas está restrita ao quantitativo disponível na única residência estudantil existente, inaugurada há cerca de 40 anos.
Na universidade, a implementação das ações de assistência estudantil são de responsabilidade da Superintendência Geral de Políticas Estudantis que, após três anos de sua criação, ainda tem muitas dificuldades em pautar uma discussão am- pla sobre essa questão nos órgãos colegiados e nas unidades acadêmicas e de obter autonomia e maior apoio institucional para gestão de suas ações.
As múltiplas demandas postas pelo novo perfil de alunos indicam a neces- sidade de redefinir competências e estabelecer limites, tanto para os órgãos que implementam ações de assistência estudantil quanto para outros setores da universidade, de forma que as ações sejam conjuntas e não sobrepostas e contraditórias. Ou seja, a assistência estudantil precisa se constituir em política institucional que, aliada àquelas que visam a democratização do acesso, busque a inclusão mais efetiva de estudantes.
A mudança progressiva do perfil do estudante que ingressa nas IFES, seja por reserva de vaga ou pela ampla concorrência, vem demonstrando a necessidade de maior aporte de recursos financeiros e humanos para atender a essa demanda. O fato de o PNAES ser, ainda, um programa de governo criado antes da ado- ção das atuais medidas para democratização do acesso, gera incertezas quanto à sua continuidade e torna indispensável sua transformação, o mais breve possível, em uma Política de Estado com orçamento consonante com as políticas de ex- pansão e democratização da educação superior. Na inexistência dessas condições
estaremos no limiar do maior processo de exclusão social pela via da educação, já que uma política sem recursos financeiros não se sustenta.
Na tentativa de redefinir os rumos de uma política que possa vir ao encon- tro da realidade, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitá- rios e Estudantis - FONAPRACE, enquanto assessor da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, está trabalhando numa proposta de Política de Assistência Estudantil que venha substituir o atual Programa.
Entretanto, ainda que seja implantada, somente o instrumento legal não garanti- rá seu sucesso.As instituições responsáveis por implementá-la têm papel fundamen- tal para o seu não esvaziamento, mobilizando esforços para que todos os aspectos que contribuem para a permanência dos alunos sejam garantidos.
Sobre o sucesso efetivo das políticas de inclusão, Heringer parte da hipótese que:
[...] ocorrerá plenamente à medida que sejam garantidas as condições de igualdade de oportunidades para os estudantes de diferentes origens sociais e características socioeconômicas na sua vivência, integração, percepção e afiliação ao ambiente universitário. [...] São geradas por um conjunto de me- didas de ordem institucional e também por disposições dos atores envolvidos [...] (HERINGER, 2013, p. 82)
Desse modo, os desafios que se colocam para o alcance dessa perspectiva de inclusão e de efetiva democratização da educação superior precisam ser enfrenta- dos por todos que desejam uma mudança social pela via da educação.
Considerações finais
As atuais políticas direcionadas à educação superior tem produzido uma nova con- figuração das instituições de ensino superior a partir da ampliação do acesso para os segmentos historicamente excluídos, principalmente na educação superior pública.
Ações que objetivam apoiar a permanência de estudantes vem sendo desen- volvidas há décadas em muitas das universidades federais, muito antes das políti- cas para democratização do acesso. Entretanto, ainda que venham buscando am- pliar seus limites, continuam sendo vistas por muitos segmentos da universidade como práticas assistencialistas, marginais ao conjunto de prioridades acadêmicas e, por essa razão, restritas às instâncias institucionais que implementam as ações específicas de assistência estudantil.
O visível descompasso que se estabeleceu entre políticas de acesso e de per- manência tem se mostrado um grande problema que tem urgência em ser enfren- tado. As inúmeras tensões que perpassam essas temáticas apontam que poderá não haver resultados positivos para a política de acesso às universidades públicas, se aquelas que visam a permanência dos estudantes não forem capazes de promo- ver uma real inclusão.
Para que isso seja possível há a necessidade de um novo pacto institucional que desconstrua as rígidas hierarquias e as antigas relações de poder nas insti- tuições de educação superior, estabelecendo responsabilidades compartilhadas e novas competências.
O impacto e eficácia dessas políticas têm relação direta com a capacidade ins- titucional de geri-la. Capacidade de gestão significa não só aplicar bem os recur- sos financeiros, mas criar condições necessárias para que, na universidade, todos os estudantes sejam reconhecidos nas suas particularidades.
Somente dessa forma, teremos um novo paradigma de universidade, onde as políticas de acesso e permanência sejam complementares e parte fundamental do projeto acadêmico.