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Resumo: O presente trabalho busca discutir a questão da judicialização da vida (judicialização das relações sociais) pela ótica do cenário das mulheres. O enquadramento do debate é o constitucionalismo democrático brasileiro, que permite erigir, ainda que sucinta- mente, questões como judicialização e ativismo, caráter representativo do Judiciário, direitos fundamentais e sua aplicação também pelos demais Poderes e pela sociedade, o que fomentou questões sobre supremacia judicial e supremacia constitucional. Enfim, se demonstrou como a judicialização ajudou as mulheres, mas afirma-se que o Judici- ário não é a única via
Abstract:
This paper discusses the issue of legalization of Life (judicialization of social relations) from the perspective of the scenario of women. The framing of the debate is the Brazilian democratic constitutionalism, allowing erect, albeit succinctly, issues such as legaliza- tion and activism, representative character of the judiciary, fundamental rights and their implementation by other branches and also by society, which fostered questions about judicial supremacy and constitutional supremacy. Anyway, it was demonstrated how the legalization helped women, but it is claimed that the judiciary is not the only route
Judicialization; Rights of women; Politics of recognition, Empowerment, Representation
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Keywords: Judicialization, Rights of women, Politics of recognition, Empowerment, Representation.
Judicialização da vida: o cenário das mulheres e breves anotações sobre supremacia 87
sacralizado, patrimonial era a fusão de um homem e uma mulher em um só. Tendo no homem o elemento de identificação do casal (DIAS, 2004, p.33). Tão indissolúvel era a união que, mesmo o “desquite” sendo possível, para forçar a manutenção da união, a legislação passou a prever a investigação de “culpa” pela separação. É despiciendo afirmar que os tribunais, com seus preconceitos culturais, julgavam com parcialidade as condutas dos cônjuges. Ao homem, quase tudo era permitido; à mulher, a censura comportamental de forma ostensiva.
Registre-se que em 1932 a mulher brasileira “recebe” o direito ao voto. É reconhecida parte integrante de sua cidadania. Em 1962, a mulher casada ganha sua plena capacidade civil com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada (antes, era relativamente capaz. Sendo assistida pelo marido). A marcha conti- nuou com a revolução industrial que trouxe a necessidade da mulher adentrar ao mercado de trabalho. Começando a ter sua própria renda e tendo contato mais amplo e franco com “o mundo”, a mulher começa a questionar os precon- ceitos culturais, questiona os limites que sempre lhe foram impostos, começa a enfrentar os atos discriminatórios que lhe eram dirigidos. Com a própria renda, a mulher passa a ter condições reais e simbólicas de “cobrar” uma maior participação doméstica do homem, para que ele ajude com o trato para com os filhos e em atividades de cuidado com a casa.
A caminhada prossegue. Em 1977, advém a chamada Lei do Divórcio. A mulher galga mais alguns passos em sua dignidade e autonomia, principal- mente sexual. A mulher pode, agora, separar-se e casar-se novamente. Surge o instituto da comunhão parcial de bens, em que os bens apenas se comu- nicam a partir do casamento. Passa a ser faculdade de a mulher acrescentar o sobrenome do marido. Essa evolução legislativa e dos costumes levou a jurisprudência a trazer à baila a figura da ‘companheira’ e do ‘companheiro’, sendo aqueles que não estão abarcados pela relação matrimonial. Enfim, a marcha segue até a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando di- reitos subjetivos extremamente fortes e relevantes são trazidos para o mundo normativo brasileiro.
Isto tudo para dizer que Executivo e Legislativo também são poderes dig- nos e capazes para promover direitos fundamentais; como também as expe- riências extraestatais, como o caso das “promotoras legais populares” que auxiliam na afirmação e difusão da cidadania e da cultura de direitos11.
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Conclusão
O presente trabalhou discutiu a questão da judicialização da vida com foco na conquista dos espaços públicos e privados pelas Mulheres.
Foi posto que a judicialização contou com a positivação de uma generosa gama de direitos em nossa Constituição, que possui aplicação ampla e imediata como comumente se entende na dogmática constitucional.
Longe de pretender um enfoque eminentemente jurídico, buscou-se demonstrar a interface entre o aumento de território político e sócio-eco- nômico das mulheres, aliado ao ganho com a epistemologia constitucional pós-1988, culminando em um cenário de possibilidades amplas de emanci- pação do grupo social que mais galgou posições e melhoria de vida boa nos últimos cem anos.
De fato, há ainda muito que conquistar, entretanto o cenário das mulheres é capaz de demonstrar como a judicialização pode ser algo bom, principalmente tendo o Judiciário hoje buscado promover direitos fundamentais, se revestindo de um papel importante, isto é, se revestindo do papel representativo.
Discutiu-se, ainda que brevemente, a questão da supremacia judicial e supremacia constitucional, quando a tese advogada foi que todos os poderes e demais centros de interesses devem buscar aplicar os direitos fundamentais em sua melhor luz.
Enfim, acredito que o estudo da judicialização tem caráter multifacetado, sendo o objetivo deste trabalho apenas apresentar e levantar questões e não esgo- tar o estudo. Espero que esse objetivo tenha sido atingido.
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Notas