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Resumo: O presente artigo visa problematizar o atendimento das mulheres vítimas de violência doméstica nos estabelecimentos de saúde do município de São Gonçalo. Apresenta a im- prescindibilidade de expansão da rede de proteção social para viabilizar os direitos das mulheres e expõe a necessidade da efetiva implantação da notificação compulsória da violência cometida na esfera privada.
Palavras-chave: Gênero, Violência Doméstica, Saúde.
Abstract:
This article aims to discuss the care of women victims of domestic violence in health facilities in São Gonçalo. Shows the absolute need for expansion of the social safety net to enable the rights of women and exposes the need for effective implementation of manda- tory reporting of violence committed in the private sphere.
Gender; Domestic Violence; Health.
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O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014
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Keywords: Gender, Domestic Violence, Health.
Violência doméstica e saúde das mulheres: uma análise da experiência do município ...
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a partir de metodologia aplicada a um grupo ou comunidade. Em segunda instân- cia, em escala micro/focal a não notificação atinge diretamente a vida da mulher, pois não desperta a rede de proteção para a segurança a sua vida e seus filhos, bem como traduz sentimento de descrédito no serviço público oferecido.
A lacuna existente neste processo contribui para o adoecimento das mulheres vítimas de violência que além de sofrerem pela violação dos direitos humanos, ainda sofrem por não alcançarem a cidadania plena ao acionarem o serviço públi- co de saúde e demais órgãos.
Os impactos sociais que refletem na socialização dos sujeitos com a sociedade podem ser facilmente percebidos nas relações sociais estabelecidas em diferentes espaços sociais, a mulher no processo histórico ocupou durante décadas o espaço privado da sobrevivência, o lar. Quando a paz do espaço doméstico vem sendo ameaçado por violência a mulher manifestará dificuldades no estabelecimento de novos vínculos sociais com a comunidade.
Diante deste cenário, é possível realizar uma análise dialética do espaço priva- do com a totalidade societária que afirma que as relações conjugais provenientes de ações violentas no âmbito doméstico acarretam o adoecimento das mulheres, pois atingem sua autoestima e a relação familiar tornando mais difícil o relaciona- mento com os demais familiares e com a comunidade.
Considera-se a própria violência sofrida pelas mulheres um dos principais motivos para seu adoecimento e apatia social, colocando-as em situação de desigual, aumentando o sentimento de angústia e impotência diante da rea- lidade vivenciada.
A “revitimatização” das mulheres no longo processo percorrido para a noti- ficação é notória nos casos analisados, mesmo quando acionados os órgãos inte- grantes da rede de proteção competentes para os atendimentos especializados nos casos de violência, pois sofrem novamente no processo de garantia de sua vida.
A garantida dos direitos humanos das mulheres na busca da plena cidadania fica à mercê das ações pontuais e compensatórias oferecidas pelo Estado. Na análise de gênero a desigualdade pode ser constatada quando o percurso da mulher inclui o acesso à porta de entrada do SUS, DEAM, Instituto Médico Legal, Centros Espe- cializados de Atendimento, o acolhimento institucional (quando necessário)19 em contrapartida o homem, na maioria dos casos, resta apenas o aguardo da delibera- ção da justiça, não vivenciando o processo doloroso do acesso a rede de proteção.
Assim como maioria dos Estados e Municípios do Brasil, a cidade de São Gonçalo não disponibiliza de atendimento específico para os autores de violência
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doméstica para que os mesmos possam participar de reflexões de gênero e aten- dimentos psicossociais na busca pela reeducação de gênero.
A experiência no país vem funcionando endogenamente sem ampla divul- gação e conhecimento da população, desempenhando o papel de monitorar o cumprimento da medida estabelecida pela justiça. O objetivo da proposta corro- bora para ação punitiva sem perspectiva educativa que possa contribuir para uma cultura de paz efetivando eficácia no enfrentamento da violência.
A morosidade no processo judicial e na expedição de medidas protetivas também contribui para o adoecimento das mulheres, pois os desdobramentos pós-notificação, a falta de agilidade nos processos já judicializados implicam em demora nas respostas que deveriam ser urgentes. Segundo a Lei Maria da Penha, a medida de proteção deve ser despachada em 48 horas.
A ausência de serviços e ações do Estado que garantam a segurança das mulheres pós-denúncia tem sido fator agravante que traz implicações sérias à saúde emocional das mulheres, ocasionando ansiedade, depressão em diver- sos casos, retardando o processo de elevação de autoestima e superação da situação de violência.
Devido à falta de dados sistematizados sobre a violência doméstica contra mulheres em São Gonçalo, não foi possível realizar a caracterização e análise do perfil destas mulheres, não sendo possível identificar os principais agravos à saúde das mulheres vítimas de violência no município. Nesse sentido, torna-se relevante a continuidade de novas pesquisas acerca do cenário do atendimento à mulher em São Gonçalo.
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Notas