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Somos todos infratores
O Social em Questão, vol. 17, núm. 31, pp. 137-162, 2014
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

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Resumo: Este artigo dialoga com o debate sobre a condição de cidadania de adolescentes em confli- to com a lei. Nesta medida, dialoga com atores do Estado e da sociedade civil, problema- tizando suas atribuições como promotores e operadores do direito, bem como reprodu- tores de valores e práticas, nem sempre em concordância com os preceitos legais. Aborda as dificuldades decorrentes do falso conflito entre a responsabilização e a proteção dos direitos, apresentando três argumentos para o debate: o protagonismo invertido dos ado- lescentes pobres em virtude da sujeição criminal, o dilema da cidadania inacabada e sele- tiva e o argumento ambíguo da incompletude institucional. Finaliza apontando iniciativas que estão sendo implementadas com o objetivo de fortalecer a articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil na efetivação dos direitos hu- manos de adolescentes envolvidos na prática de ato infracional.

Palavras-chave: Adolescente em conflito com a lei, Ato infracional, Medidas socioeducativas, Cidadania.

Keywords: Adolescents in conflict with the law, Offense, Educational measures, Citizenship

Somos todos infratores

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liberdade em todo o mundo, convencidas de que os jovens, quando se encontram privados de liberdade, são extremamente vulneráveis aos maus-tratos, à vitimi- zação e à violação de seus direitos.

Neste sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU) é categórica ao afir- mar que a reclusão juvenil só será aplicada em último caso e pelo menor período possível. Essas regras têm como objetivo normatizar minimamente a proteção dos jovens privados de liberdade, de maneira compatível com os direitos huma- nos e liberdades fundamentais e deverão ser aplicadas sem discriminação4.

Pouco antes disso, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança5 já apontava as diretrizes sobre a matéria, sob a luz do melhor interesse da criança, já que em seu artigo 376, também estabelece regras para a privação de liberdade de crianças, preconizando valores como dignidade, humanidade, respeito, preserva- ção dos vínculos familiares e separação de presos adultos. Mesmo as Regras Míni- mas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing), adotadas na Assembleia Geral da ONU em sua resolução 40/337, de 1985, adotavam esses princípios norteadores8.

Três argumentos para o debate

No nosso país, sempre que se fala do Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial da questão da prática do ato infracional envolvendo adolescentes e jovens e das medidas socioeducativas, a abordagem do tema é local e as soluções passam em condenar a um ou outro personagem ou instituição. Poucos se dão conta de que se trata de uma questão que envolve o Estado, a família, toda socie- dade brasileira e a comunidade internacional.

O debate sobre a intervenção com adolescentes em conflito com a lei par- ticipa, de modo muito incipiente, na agenda9 formal do país. Não se trata de um tema prioritário, se comparado a outros, como serviços públicos, formas de representação, corrupção, entre outros. No entanto, sempre que ocorre um ato infracional grave, cometido por um adolescente de origem pobre, o tema tende a ocupar a agenda com argumentos regressivos em relação ao que a lei estabelece. Os argumentos acerca do que deve ser feito para conter a violência entre adolescentes variam a depender da origem social dos infratores. Nesta hora, con- firma-se a suspeita de que os pobres são perigosos e devem, por isso, ser conti- dos, disciplinados e exemplarmente punidos. Os episódios espetacularizados pela mídia servem de base para proposições variadas, entre elas, a que mais ganhou

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Notas

1 Assistente Social. Professora da Escola de Serviço Social da UFRJ. E-mail: joanag@hotmail.com
2 Advogado. Doutorando em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ. E-mail: pe- drorspereira@hotmail.com
3 Adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 45/113, de 14 de dezem- bro de 1990. O Governo Brasileiro apresentou em 2003 seu primeiro relatório sobre a Conven- ção sobre os Direitos da Criança (ONU/1990), com 12 anos de atraso. Os próximos relatórios brasileiros deverão ser encaminhados ao Comitê da ONU até o dia 23 de outubro de 2007.
4 Item 12. A privação de liberdade deverá ser efetuada em condições e circunstâncias que ga- rantam o respeito aos direitos humanos dos jovens. Deverá ser garantido, aos jovens reclusos em centros, o direito de desfrutar de atividades e programas úteis que sirvam pra fomentar e garantir seu são desenvolvimento e sua dignidade e conhecimentos que ajudem a desenvolver suas possibilidades como membros da sociedade.
5 Adotada pela Resolução n. L 44 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo n 28, de 24 de setembro de 1990. Ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990. Entrou em vigor no Brasil em 23 de outubro de1990. Pro- mulgada pelo Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. A Convenção considera como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade (art. 1º). O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014 pg 137 - 162 Somos todos infratores161
6 37c) toda criança privada de liberdade seja tratada com humanidade e respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando-se em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade. Em especial, toda criança privada de sua liberdade ficará separada dos adultos, a não ser que tal fato seja considerado contrário aos melhores interesses da criança, e terá direito a manter contato com sua família por meio de correspondência ou de visitas, salvo em circunstâncias excepcionais.
7 Recomendadas no 7º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção de Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em Milão no período de 26 de agosto a 06 de setembro de 1985 e adotada pela Assembleia Geral em 29 de novembro de 1985.
8 17b) as restrições à liberdade pessoal do jovem serão impostas somente após estudo cuidadoso e se reduzirão ao mínimo possível. 17c) não será imposta a privação de liberdade pessoal a não ser que o jovem tenha praticado ato grave, envolvendo violência contra outra pessoa ou por reincidência no cometimento de outras infrações sérias, e a menos que não haja outra medida apropriada. 19.1) A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de último recurso e pelo mais breve período possível.
9 Por agenda, adotamos a caraterização de Kingdom (1995): “uma lista de temas ou problemas que são alvo em dado momento de séria atenção, tanto por parte das autoridades governamen- tais como de pessoas fora do governo, mas estreitamente associadas às autoridades.”
10 Por sujeição criminal, adotamos a caracterização de Misse: “antes que haja um evento, inicia-se preventivamente o processo de incriminação (...) quando os próprios indivíduos frequente- mente suspeitos ou acusados incorporam em sua própria identidade essa suspeita e essa acu- sação, fazem-no como um papel social esperado e como uma carreira a que se pode apegar” (MISSE, 2007, p. 192)
11 RCH 8642, 5ª Turma – 03.08.99 12 Voto do Ministro Gilson Dipp (Relator), RCH 8642, 5ª Turma – 03.08.99 – S.T.J. 13 Exemplos disso são: Estatuto da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional dos Direitos da Crianças e do Adolescente, Secretaria Nacional de Juventude, Conselho Nacional da Juventu- de, ProJovem, Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude,SINASE entre outros. 14 A Convenção foi posteriormente regulamentada pela Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). 15 São oriundos de documentos gerais (Sistema Global ou Regional) que dispõe de maneira ampla sobre os direitos humanos, tendo como exemplo a Declaração dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. E os especiais (Sistema Global ou Re- gional) que objetiva a proteção de determinados direitos, como por exemplo: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção da Criança. 16 http://www.unicef.org/paraguay/spanish/codigo_ultima_version.pdf pg 137 - 162 O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014 162 Joana Garcia e Pedro Pereira
17 Resolução nº 113/06, alterada pela Resolução nº 117 do CONANDA.
18 O termo, em uso pela sociedade civil e pela academia, forma-se como um contraponto ao reducionista minoria. SEGUÍN, Elida Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 12.
19 Sobre a situação a morosidade do Poder Judiciário Brasileiro ver: Informe apresentado no ano de 2005 por Leandro Despouy, Relator Especial da ONU sobre “la independencia de los magis- trados y abogados “Los Derechos CivilesY Políticos, En Particular Las Cuestiones Relaciona- das Con: La Independencia Del Poder Judicial, La Administración De Justicia, La Impunidad”. Disponível em http://www.ohchr.org/spanish/countries/br/index.htm.
20 Os dados estão disponíveis somente para magistrados no site do Conselho Nacional de Justiça http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude
21 Os relatórios examinados acerca da situação dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil foram as versões de 2009 e 2011 do Levantamento nacional do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei e o Panorama Nacional A Execução das Medidas Socioeduca- tivas de Internação Programa Justiça ao Jovem de 2012.
22 O Governo Brasileiro apresentou em 2003 seu primeiro relatório sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU/1990), com 12 anos de atraso.
23 Documento de Recomendações do Comitê dos Direitos da Criança (ACDH/ONU) - D7. “Justiça Juvenil” in “Medidas Especiais de Proteção” - parágrafos 60 e 70, referentes aos arts. 22, 32 -36, 37 b-d, 38, 39, 40 da Convenção sobre os Direitos da Criança.
24 Relatório oficial do Brasil (em espanhol) http://tbinternet.ohchr.org/_layouts/treatybodyex- ternal/Download.aspx?symbolno=HRI%2fCORE%2f1%2fAdd.53%2fRev.1&Lang=en
25 O referido bloco de constatações e recomendações (D7) diz respeito ao atendimento aos ado- lescentes em conflito com a lei (tanto à aplicação, quanto à execução de medidas judiciais), em face da nomenclatura da Convenção sobre os Direitos da Criança, que regula a matéria inteira sob a epígrafe de “Justiça Juvenil” (Cf. Nota 2). Artigo enviado em fevereiro de 2014 e aceito para publicação em março de 2014.O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014 pg 137 - 162


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