Seção Livre
Resumo: Este artigo analisa as condições laborais e de pobreza de trabalhadores que vivem em comunidades tradicionais e que dependem dos recursos marinhos constantemente ameaçados pelo desenvolvimento capitalista na zona costeira. Situados no meio-norte do litoral brasileiro, no povoado de Carnaubeiras, em Araioses (MA), os catadores de caranguejo-uçá vivem de sua atividade extrativa. Com base em pesquisa bibliográfica e documental, o presente estudo aborda as relações de pobreza e de exclusão social desses trabalhadores, suas limitações, as dificuldades de organização e de acesso aos programas sociais do governo.
Palavras-chave: Catador de caranguejo, Pobreza, Exclusão social.
Abstract:
This article examines the labor and poverty of workers who live in traditional commu- nities that depend on marine resources constantly threatened by capitalist development in the coastal zone conditions. Located at the mid-north of the Brazilian coast, in the town of Carnaubeiras in Araioses (MA), the land crab pickers live their mining activity. Based on literature and documents, this study analyzes the relationship of poverty and social exclusion of these workers, their limitations, difficulties of organization and ac- cess to government social programs.
Crab pickers; Poverty; Social exclusion.
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Keywords: Crab pickers, Poverty, Social exclusion.
A pobreza e as condições de trabalho dos catadores de caranguejo no povoado de ...
Considerações finais
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Dada a importância da contribuição social em abordar os problemas enfrenta- dos pelos catadores de caranguejo no povoado de Carnaubeiras, observou-se que suas condições de trabalho seguem uma lógica de desarranjo socioeconômico, no que diz respeito às garantias de proteção social, no âmbito das políticas públicas oferecidas pelo Estado aos trabalhadores.
Nota-se que os catadores de caranguejo da referida comunidade traba- lham de forma dispersa, com jornada diária de seis da manhã às quatro da tar- de para os mangues do Delta do Parnaíba. Predomina ali uma característica de forte informalidade entre os catadores, o que lhes favorece a exploração por parte dos intermediários na comercialização do crustáceo. Assim, entre os catadores, não há cooperação que produza alguma mudança direcionada à melhoria de seu trabalho.
Ocorre que os catadores de caranguejo trabalham em núcleos independentes entre si, com pequenos grupos de 3 a 4 pessoas — geralmente membros de sua família—, com cada um coletando o seu produto. O isolamento desses grupos dificulta a articulação entre seus pares para se organizarem coletivamente, com vistas ao crescimento da categoria.
Outra questão detectada é a natureza persistente da pobreza frente ao fator renda do catador de caranguejo. O que é coletado nos manguezais da região nem sempre é suficiente para transformar em renda e manter as necessidades básicas da sua família, daí dependem do auxílio de benefícios — como o Bolsa Família, por exemplo — dos programas sociais do governo, para complementar a renda. Dessa forma, a maioria dos catadores de caranguejo em Carnaubeiras tem dificuldades no acesso a esses benefícios sociais, porquanto não dispõe de do- cumentos mínimos para o cadastro nesses programas. São, ainda, impedidos de obter crédito bancário como, por exemplo, para o beneficiamento do produto caranguejo-uçá, por não possuírem documentos como o registro geral de identi-
ficação (RG) e o cadastro de pessoa física (CPF).
A confusão jurídica entre trabalhadores artesanais da pesca, como o pescador propriamente dito, e o catador de caranguejo, leva este último a não obter acesso ao seguro desemprego, o que configura outro problema detectado na comuni- dade, onde a maioria recebe o seguro desemprego, mas não como catador de caranguejo e sim como pescador. Nesse sentido, há necessidade de se delimitar a atuação e competência dos profissionais da pesca na legislação que trata sobre a categoria, objetivando atender às demandas trabalhistas.
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Por fim, convém promover uma articulação entre os governos federal, es- tadual e municipal, a fim de sanar os problemas detectados na comunidade de Carnaubeiras. Os catadores de caranguejo desse povoado também devem fazer a sua parte, organizando-se coletivamente para formar um grupo coeso de pressão junto ao poder público, objetivando a busca por melhores condições de trabalho e acesso a políticas públicas para a categoria.
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Notas