Resumo: Neste artigo, propõe-se uma análise das estratégias de “integração da favela à cidade”, operadas no Rio de Janeiro a partir de dispositivos de afirmação do Estado e do mercado. Em um novo arranjo do binômio público-privado, as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e do “choque de ordem” administrativo se articulam com novos mecanismos fi- nanceiros para garantir a governança dos territórios. Por outro lado, os grandes protestos iniciados no Brasil, em junho de 2013, formam um terreno de contestação dessa gover- nança e afirmação de alternativas baseadas na constituição do comum.
Palavras-chave:FinanceirizaçãoFinanceirização,PacificaçãoPacificação,BiopolíticaBiopolítica,ComumComum.
Abstract: This paper proposes an analysis of strategies of “integration of favelas in the city” operated in Rio de Janeiro based on the enforcement of state and an expansion of financial mecha- nisms. In a new arrangement of public-private dichotomy, Pacifying Police Units (UPPs) and a “shock of administrative order” are articulated with new financial mechanisms to ensure the governance of favela’s territories. On the other hand, large protests started in Brazil, in June 2013, compose a terrain of contestation and alternatives based on constitu- tion of the common.
Keywords: Pacification, Integration, Biopolitics, Common.
Seção Livre
Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de Janeiro
Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de ...
247
Eis que a Classe C, a nova classe média, aquela na qual Friedman e Neri en- xergavam um modelo de segurança e estabilidade, demonstra que pode caminhar por curvas, a contrapelo, e não apenas por linhas retas. E o Rio de Janeiro, que era o laboratório reluzente dos novos arranjos entre público e privado, a nova cidade-empresa, se constitui como cidade insurgente, onde todos os ativos parecem escapar, desafiando ao mesmo tempo o poder público que impõe a ordem e o poder privado que governa com base na propriedade.
O que caracteriza os novos movimentos na era de uma “esfera pública do capital”? Ora, se a nova “sociedade civil” é composta por multiplicidades hete- rogêneas governadas imediatamente pelos fluxos das finanças e do mercado, o mesmo se dá com a composição das formas de resistência. Aquelas velhas cate- gorias homogêneas que lutavam no horizonte do fordismo, ou se derramam em novos modos de subjetivação, ou precisam se articular com eles para constituir um movimento real de lutas. No movimento dos professores, por exemplo, o momento de maior potência foi, sem dúvida, sua articulação com os jovens precários que já estavam nas ruas realizando uma greve urbana de novo tipo. E o momento mais enfraquecedor ocorreu quando o sindicato voltou a operar com base na representação de política e na disciplina.
No mesmo sentido, os movimentos de moradia e das favelas devem procurar o mesmo atravessamento e abertura à multiplicidade. A campanha pela verdade no caso Amarildo foi uma experiência talvez única desse tipo de experimentação. Um movimento que se espalhou por toda a cidade articulando diferentes sujeitos, perspectivas, mundos e pontos de partida. Nesse horizonte, a luta por Amarildo questionou o funcionamento das UPPs, não com base em argumentos de Estado ou de mercado, não por representações políticas ou por ONGs formalizadas, mas a partir da constituição de um terreno comum, que é a própria possibilidade de entrelaçar paz e democracia em um sentido material (real).
Com o lançamento do programa de Fundos de Investimentos e Participações em UPPs, para 2014, a disputa para estilhaçar a “esfera pública do capital” em uma partitura comum dos movimentos e mobilizações deverá se acentuar. Está claro que esse o único campo possível para que a integração da cidade e de suas sin- gularidades ocorra de baixo para cima, como constituição do comum17, e não como choque de ordem (público) e captura financeira (privada). Essas duas linhas sobre a “pacificação” já estão colocadas. A primeira aponta para uma democracia real, produzida na multiplicidade e na permanente abertura, a segunda, ninguém tem mais dúvida disso, reatualiza a ditadura por outros meios.