Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de Janeiro
Alexandre Fabiano Mendes
Alexandre Fabiano Mendes
Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de Janeiro
O Social em Questão, vol. 17, núm. 31, pp. 237-252, 2014
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Neste artigo, propõe-se uma análise das estratégias de “integração da favela à cidade”, operadas no Rio de Janeiro a partir de dispositivos de afirmação do Estado e do mercado. Em um novo arranjo do binômio público-privado, as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) e do “choque de ordem” administrativo se articulam com novos mecanismos fi- nanceiros para garantir a governança dos territórios. Por outro lado, os grandes protestos iniciados no Brasil, em junho de 2013, formam um terreno de contestação dessa gover- nança e afirmação de alternativas baseadas na constituição do comum.

Palavras-chave:FinanceirizaçãoFinanceirização,PacificaçãoPacificação,BiopolíticaBiopolítica,ComumComum.

Abstract: This paper proposes an analysis of strategies of “integration of favelas in the city” operated in Rio de Janeiro based on the enforcement of state and an expansion of financial mecha- nisms. In a new arrangement of public-private dichotomy, Pacifying Police Units (UPPs) and a “shock of administrative order” are articulated with new financial mechanisms to ensure the governance of favela’s territories. On the other hand, large protests started in Brazil, in June 2013, compose a terrain of contestation and alternatives based on constitu- tion of the common.

Keywords: Pacification, Integration, Biopolitics, Common.

Carátula del artículo

Seção Livre

Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de Janeiro

Alexandre Fabiano Mendes
UERJ, Brasil
O Social em Questão, vol. 17, núm. 31, pp. 237-252, 2014
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de ...

247

Eis que a Classe C, a nova classe média, aquela na qual Friedman e Neri en- xergavam um modelo de segurança e estabilidade, demonstra que pode caminhar por curvas, a contrapelo, e não apenas por linhas retas. E o Rio de Janeiro, que era o laboratório reluzente dos novos arranjos entre público e privado, a nova cidade-empresa, se constitui como cidade insurgente, onde todos os ativos parecem escapar, desafiando ao mesmo tempo o poder público que impõe a ordem e o poder privado que governa com base na propriedade.

O que caracteriza os novos movimentos na era de uma “esfera pública do capital”? Ora, se a nova “sociedade civil” é composta por multiplicidades hete- rogêneas governadas imediatamente pelos fluxos das finanças e do mercado, o mesmo se dá com a composição das formas de resistência. Aquelas velhas cate- gorias homogêneas que lutavam no horizonte do fordismo, ou se derramam em novos modos de subjetivação, ou precisam se articular com eles para constituir um movimento real de lutas. No movimento dos professores, por exemplo, o momento de maior potência foi, sem dúvida, sua articulação com os jovens precários que já estavam nas ruas realizando uma greve urbana de novo tipo. E o momento mais enfraquecedor ocorreu quando o sindicato voltou a operar com base na representação de política e na disciplina.

No mesmo sentido, os movimentos de moradia e das favelas devem procurar o mesmo atravessamento e abertura à multiplicidade. A campanha pela verdade no caso Amarildo foi uma experiência talvez única desse tipo de experimentação. Um movimento que se espalhou por toda a cidade articulando diferentes sujeitos, perspectivas, mundos e pontos de partida. Nesse horizonte, a luta por Amarildo questionou o funcionamento das UPPs, não com base em argumentos de Estado ou de mercado, não por representações políticas ou por ONGs formalizadas, mas a partir da constituição de um terreno comum, que é a própria possibilidade de entrelaçar paz e democracia em um sentido material (real).

Com o lançamento do programa de Fundos de Investimentos e Participações em UPPs, para 2014, a disputa para estilhaçar a “esfera pública do capital” em uma partitura comum dos movimentos e mobilizações deverá se acentuar. Está claro que esse o único campo possível para que a integração da cidade e de suas sin- gularidades ocorra de baixo para cima, como constituição do comum17, e não como choque de ordem (público) e captura financeira (privada). Essas duas linhas sobre a “pacificação” já estão colocadas. A primeira aponta para uma democracia real, produzida na multiplicidade e na permanente abertura, a segunda, ninguém tem mais dúvida disso, reatualiza a ditadura por outros meios.

Material suplementar
Referências
BANCO MUNDIAL. O retorno do Estado nas favelas: uma análise da transformação do dia a dia das comunidades após o processo de pacificação das UPPs. Documen- to do Banco Mundial, 2012.
BURGOS, Marcelo Baumann. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR, Alba. Um século de favela.
CAVA, Bruno. A multidão foi ao deserto: as manifestações no Brasil em 2013 (jun. a out.). Rio de Janeiro: Annablume, 2013.
COCCO, G. M. Democracia e Socialismo na era da subsunção real: a construção do comum. In: Tarso Genro; Giuseppe Cocco; Carlos MAria Cárcova, Juarez gui- marães. (Org.). O Mundo Real: Socialismo na era Pós-neoliberal. Porto Alegre: L&PM, 2008, p. 55-91.
LA ROCQUE, E. Rumo ao fim da cidade partida. In: REIS VELLOSO, J.P. [Org]. Desenvolvimento Humano, “Indústrias Criativas”, favelas e “Os Esta- tutos do Homem” (Ode ao amor, à vida e à liberdade). Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
MARAZZI, C. Il comunismo del capitale Finanziarizzazione, biopolitiche del lavoro e crisi globale, Ombrecorte: 2008.
MENDES, F. A. Para além da tragédia do comum: conflito e produção de subjetivi- dade no capitalismo contemporâneo.Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação da Faculdade de direito da UERJ, 2012.
NEGRI, T; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge e Massachusets: The Belknap Press of Havard University Press, 2009.
NERI, Marcelo [Coord]. O lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010.
. UPP2 e a Economia da Rocinha e do Alemão: do Choque de Ordem ao de Progresso. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011.
. A nova classe média. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia, Centro de Políticas Sociais, 2008.
PAES DE BARROS, Ricardo e GROSNER, Diana. Vozes da Classe Média. Brasí- lia: SAE, 2012.
POCHMANN, Márcio. Nova classe média? São Paulo: Boitempo, 2012.
PUC-Rio (Núcleo de Estudos Constitucionais - NEC). Mutirão de atendimento e orientação jurídica aos moradores do Chapéu-Mangueira (Leme) em questões de di- reito à moradia e do consumidor de serviços de energia elétrica. Relatório técnico de pesquisa, 2013.
ROGGERO, G. Cinque tesi sul comune: comune, comunità, comunismo. Teorie e pratiche dentro e oltre la crisi.Verona: Ombre Corte, 2010.
SOUZA, Jessé et alii, Os batalhadores Brasileiros: Nova classe média ou nova classe trabalhadora. Belo horizonte: Editora da UFMG. 2010
Notas
Notas
1 Prof. de Direito – UERJ/PUC-Rio, Doutor em Direito – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), participa da Rede Universidade Nômade. Email: alexandre.fmendes@ terra.com.br
2 Esse discurso pode ser identificado em vários artigos e pesquisas recentes. Para um exemplo, cf. BANCO MUNDIAL. O retorno do Estado nas favelas: uma análise da transformação do dia a dia das comunidades após o processo de pacificação das UPPs. Documento do Banco Mundial, 2012.
3 Cf. http://www.upprj.com/ Acesso em 09 de dezembro de 2013.
4 Cf. http://www.isp.rj.gov.br/Conteudo.asp?ident=247. Acesso em 09 de dezembro de 2013.
5 Sobre as manifestações brasileiras denominadas aqui de “jornadas de junho”, conferir: CAVA, Bruno. A multidão foi ao deserto: as manifestações no Brasil em 2013 (jun. a out.). Rio de Janeiro: Annablume, 2013. pg 237 - 252 O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014 250 Alexandre Fabiano Mendes
6 Disponível em: http://www.ademi.org.br/article.php3?id_article=55899 Acesso em 09 de dezembro de 2013.
7 A “Classe C”, ou a nova classe média, é uma categoria que vem sendo cada vez mais utilizada, tanto em trabalhos acadêmicos como na mídia, para designar a faixa da população brasileira composta por famílias que têm uma renda mensal domiciliar total (somando todas as fontes) entre R$ 1.064,00 e R$ 4.561,00. Segundo dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governos Federal, entre 2004 e 2010, 32 milhões de pessoas ascenderam à categoria de classes médias. Para um debate sobre o tema, Cf. NERI, Marcelo Côrtes. A nova classe média. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Instituto Brasileiro de Economia, Centro de Políticas Sociais, 2008. PAES DE BARROS, Ricardo e GROSNER, Diana.Vozes da Classe Média. Brasília: SAE, 2012. POCHMANN, Márcio. Nova classe média? São Paulo: Boitempo, 2012. SOUZA, Jessé et alii, Os batalhadores Brasileiros: Nova classe média ou nova classe trabalhadora. Belo horizonte, Editora da UFMG., 2010
8 Para uma análise dos projetos fordistas nas favelas cariocas, cf. BURGOS, Marcelo Baumann. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR, Alba. Um século de favela. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 25-60.
9 Cf. MARAZZI, C. Il comunismo del capitale Finanziarizzazione, biopolitiche del lavoro e crisi globale, Ombrecorte: 2008.
10 Cf. LA ROCQUE, E. Rumo ao fim da cidade partida. In: REIS VELLOSO, J.P. [Org]. Desen- volvimento Humano, “Indústrias Criativas”, favelas e “Os Estatutos do Homem” (Ode ao amor, à vida e à liberdade). Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
11 Devo esta hipótese a uma comunicação oral realizada pelo Prof. Giuseppe Cocco (UFRJ) em reunião com as pesquisadoras da PUC-Rio Andrea Mello e Noelle Resende, na qual estive presente, ocorrida no início de agosto de 2013.
12 LA ROCQUE, E; BOAVISTA, S.M.J. Inclusão social e o papel do mercado financeiro. Re- vista RI, outubro, 2012. Disponível em: http://ipprio.rio.rj.gov.br/wp-content/uplo- ads/2012/10/RI-167-SUSTENTABILIDADE-por-Eduarda-La-Rocque-e-Jos%C3%A9- -Marcelo-Boavista-1.pdf. Acesso em 27 de junho de 2013.
13 O texto pode ser encontrado em: http://www.sae.gov.br/site/?p=11914 Acesso em 27 de junho de 2013.
14 Em pesquisa realizada pela PUC-Rio, através do grupo Direitos em movimento: territórios e comunidades (PUC-Rio), do qual faço parte, foi possível identificar uma padronização apli- cada até o mês de maio de 2013 pela concessionária LIGHT S/A nas faturas de energia dos moradores da favela Chapéu Mangueira. Após o referido mês, uma relevante parte das faturas aumentou exponencialmente, demonstrando que pode ter ocorrido a chamada “integração es- calonada”, sem haver, contudo, informações prestadas aos moradores. Cf. PUC-Rio – Núcleo de Estudos Constitucionais. Mutirão de atendimento e orientação jurídica aos moradores do Chapéu-Mangueira (Leme) em questões de direito à moradia e do consumidor de serviços de energia elétrica. Relatório técnico de pesquisa, 2013. O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014 pg 237 - 252 Entre choques e finanças: a “pacificação” e a “integração” da favela à cidade no Rio de ...251
15 Cf. NERI, Marcelo [Coord]. O lado brilhante dos pobres. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2010.; NERI, M. UPP2 e a Economia da Rocinha e do Alemão: do Choque de Ordem ao de Progresso. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011.
16 A relação entre a emergência de uma nova composição de classe e sua exploração por novas formas de capitalismo cognitivo no contexto da integração das favelas é comentada por Giuse- ppe Cocco em entrevista à Revista Online do IHU, edição de 10 de março de 2011. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/40363-o-complexo-do-alemao-e-as-mudancas- -na-relacao-entre-capitalismo-mafioso-e-capitalismo-cognitivo-entrevista-especial-com-giuse- ppe-cocco. Acesso em 29 agosto de 2013.
17 A literatura atual sobre a produção do comum e dos bens comuns é vasta. Para uma breve apro- ximação, cf. NEGRI,T; HARDT, M. Commonwealth. Cambridge e Massachusets:The Belknap Press of Havard University Press, 2009. ROGGERO, G. Cinque tesi sul comune: comune, comunità, comunismo. Teorie e pratiche dentro e oltre la crisi. Verona: Ombre Corte, 2010. COCCO, G. M. . Democracia e Socialismo na era da subsunção real: a construção do comum. In: Tarso Genro; Giuseppe Cocco; Carlos Maria Cárcova, Juarez Guimarães. (Org.). o Mundo Real: Socialismo na era Pós-neoliberal. Porto Alegre: L&PM, 2008, v. , p. 55-91; MENDES, F. A. Para além da tragédia do comum: conflito e e produção de subjetividade no capitalismo contemporâneo. Tese de doutorado apresentada ao programa de pós-graduação da Faculdade de direito da UERJ, 2012. Artigo recebido em março de 2014, aceito para publicação em abril de 2014. pg 237 - 252 O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 - 2014
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por Redalyc