Editorial
A escola e a problematização da realidade numa perspectiva crítica

O tema que orienta a estrutura do presente número da Laplage em Revista, “Educação: condicionantes sócio-históricos e políticos do trabalho”, organizado pelos professores Silvio César Moral Marques da UFSCar-Campus Sorocaba e Francisco Evangelista (Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus de Americana/SP), teve como desafio problematizar a escola, por meio de algumas as reflexões que a transversalizam e desenvolver a recorrência de que o movimento na histórica e com a história são dimensões que não podem ser desconsideradas na (des) construção da tipologia de instituição que ser quer e para respectiva tipologia de cidadania.
Sob esse aspecto, situando um dos condicionantes no texto de Lana (2015)1 denuncia que “o desenvolvimento das relações econômicas capitalistas no Brasil, em paralelo com o espraiamento da globalização dos mercados e suas muitas crises que vem se sucedendo hodiernamente geraram repercussões nas configurações do Estado e da sociedade nacional, envolvendo dimensões políticas, administrativas e mesmo culturais. ” E com isso a formação de indivíduos apropriados para a lógica da cultura do capital deveria estar no cerne dessas relações. Entretanto, como costumamos enfatizar, somos partícipes da construção da história e, portanto, não fadados ao determinismo, ainda que forças da lógica capitalista queiram propor o contrário.
Sob esse aspecto, se as instituições, dentre elas a escola, querem tal formação de indivíduos; no interior dessas mesmas, os professores como intelectuais orgânicos podem minar os flancos de tal lógica, na aprendizagem, anunciação e mobilização das forças possíveis que expliquem, vivenciem e façam do direito e a justiça social vetores concretos; como dizem Prezotto, Ferreira e Aragão (2015], o “[...] professor aprende na medida em que vivencia situações que o levam a problematizar suas atitudes e rever suas práticas, na relação com os outros.” Esse despertamento o faz desvelador de si, de outros homens e do mundo. Por sua vez, Bichara (2015), acrescenta que é necessário que os sujeitos que vivenciam o processo ensino aprendizagem, possam também fazer valer suas sensibilidades e diminuir distâncias entre o que se aprende e o que se vive, de tal forma a “[...] repensar concepções de tempo e espaço, tentando evitar a reprodução de uma percepção de história provocadora de distanciamentos e imobilizações. ”
A formação de estudantes que ampliem o olhar sobre a sua própria realidade e de professores que os provoquem de forma recorrente, não pode prescindir de atividades e ambientes vivenciais, tal como aponta Santos (2015), embora referindo-se à prática do estudante do curso de direito. A escola como um todo e a universidade, como escola de formação de cidadãos devem se articular na busca, não somente da produção de um conhecimento de si e para si ou de si para uma sociedade que a reproduz, muito pelo contrário, como afirmam Silva e Evangelista (2015) não devem estar e ser herméticas quanto à realidade social, é preciso não somente fazer conhecer a ciência de um homem que se autoproduz e, que por isso mesmo, pode anunciar a sociedade que quer e a educação pertinente que o qualifica como ser humano.
Na perspectiva da pedagogia histórico-crítica esse ponto é central, como salientam Batista e Lima (2015), visto que “[...] o ponto de partida para a compreensão da educação é a prática social, que ao mesmo tempo torna-se ponto de chegada, tendo em vista a perspectiva da transformação social, o que requer uma nova prática social. ” Esse delineamento promove não somente a possibilidade de se pensar distintamente, mas de ao passar do pensamento ingênuo ao pensamento crítico, traz consigo possibilidades para se ampliar espaços ainda não suficientemente contemplados quanto às demandas e necessidades do povo, pois como denuncia Nascimento (2015) a “[...] ampliação da divisão e da precarização do trabalho, cada vez mais, torna inviável a perspectiva de se ter uma educação integral para o trabalhador. ”
Toubia e Lima (2015) destacam que o processo de democratização não pode esperar o despontamento de uma outra estrutura social para a ampliação das conquistas sociais, é a partir de onde se está e com as articulações necessárias que a sociedade poderá a vir colocar em sua agenda termos como “universalização” como objetos de alcance e depois, consolidação. Certo é que, isto não se dará por concessão ou simplesmente como manifestação de uma política compensatória, mas como direito e definição de outra concepção de cidadania em que se preferirá ao invés do termo “inclusão social”, um termo que melhor representará a nova dimensão “não-exclusão”. Conforme Costa e Venâncio (2015), embora a escola em seu interior esteja eivada de conhecimentos difusos, inclusive sobre a vida social, psicológica, dentre outros dos atores sociais, ela pode atuar como agência educativa, local em que se podem construir possibilidades de construção de saberes e fazeres, momentos e espaços.
Como afirma Lima (2008, p.465)2 esse certamente não é um momento metodológico isolado, mas uma das interfaces do posicionamento político que o educador assume. Político porque possibilita a emancipação de si como pessoa, como cidadão que forma outros cidadãos e como profissional que reúne o compromisso de aperfeiçoar-se e desencadear a socialização da consciência crítica com outros (alunos e professores e outros atores sociais). É um ato político porque transforma e se transforma em diálogo na busca de reivindicações legítimas de melhoramentos pessoais e coletivos dentro do universo cultural, social, econômico, político, etc.
Ao seu modo, ao trazer à discussão a escola e alguns condicionantes socioeconômicos e políticos do trabalho, Laplage em Revista enriquece não somente pistas para se reflexionar a necessidade de novos pensares e fazeres no interior das instituições educacionais, mas encaminhamentos como variáveis possíveis para realidades possíveis, ainda que imersas na lógica do capital. As contribuições para se fazer uma escola que seja possível de qualidade não pode prescindir que colocar em xeque as perversidades sociais cunhadas historicamente, ao passo que não reconhece a passividade como orientação para se aceitar “pacotes” ou receitas prontas de instâncias governamentais que não representam a vontade da população e aqui não estamos nos referindo somente à maioria, uma vez que quando se fala em Estado Nacional a manifestação do que seja “unidade” deve estar em tela, bem como os segmentos que a representam, portanto, todos e todas. Se dissemos antes que é necessário avançar de uma consciência ingênua para uma consciência crítico-reflexiva3, também é oportuno lembrar que na escola essa diretriz é possível e desejável, quando se compreende o compromisso que deve ser assumido por formadores e formadoras dos cidadãos do Brasil.
Esse é o grande desafio vivido todos os dias nas escolas, nas universidades e instituições comprometidas com a educação, portanto, discussão mais do que válida para problematização no presente número, orientado pelo Dossiê que o comporta. Desejamos a todos que a leitura seja provocativa e objeto de abertura para outras contribuições.
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[Artigo corrigido , vol. 1, 1-3] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/95/380