Apresentação
Escola: condicionantes sócio-históricos e políticos do trabalho

O presente dossiê propõe discutir um elemento central na tradição dialética contemporânea, qual seja, as intrincadas relações que se observam na discussão sobre a escola e suas estruturas e as dinâmicas ali observadas. A escola é ambiente cultural criado pelos seres humanos para diferentes finalidades: transmissão da cultura e das formas de sociedade que os grupos hegemônicos patrocinam, treinamento funcional das pessoas, local de contenção das tensões sociais advindas do capital, espaço de criação e liberdade etc. Estas múltiplas maneiras de se compreender os espaços educacionais indicam imediatamente as diferentes ideologias presentes na maneira pela qual a educação é entendida.
O próprio tema do dossiê já indica a matriz pela qual serão tratados os temas aqui abordados: a escola é o ambiente que de modo mais direto revela (aletheia) as intrincadas relações sociais e suas interferências ambivalentes. Ao se falar em “condicionamentos” indicamos que toda educação, independentemente de seu destinatário ou nível instrucional, está limitado, restrito a elementos que se apresentam de modo “social” e “histórico”, como bem apontou Karl Marx no século XIX.
Ora se a escola é uma construção social e seu construtor são os seres humanos, os estratos sociais em que as pessoas estão inseridas direcionam e por vezes determinam o ambiente de ensino-aprendizagem que se promoverá, além, é claro, dos aspectos físicos e culturais que se coadunam com a classe social atendida. Neste sentido, os textos aqui apresentados contemplam um arco abrangente que trata destas questões em diferentes situações, tendo como pano de fundo estas relações condicionantes no que se refere à escola e ao trabalho.
No primeiro artigo, “Reflexões históricas sobre administração pública no Brasil e a escola”, de Rita de Cássia Lana, enfocam-se aspectos políticos dos condicionamentos, apresentando elementos sobre a administração pública brasileira e seu desenvolvimento histórico, o qual, analisado pela perspectiva weberiana, indica que o insulamento burocrático, modelo adotado no país para as decisões da administração pública pós-1945, acumula poderes e recursos econômicos, os quais, quando direcionados para a educação atendem exclusivamente aos ditames ideológicos-políticos vigentes.
O segundo artigo, de Marissol Prezotto, Luciana Haddad Ferreira e Ana Maria Falcão de Aragão, cujo título é “Sobre águas e meninos: formação de professores numa perspectiva histórico-cultural”, destaca os condicionantes históricos e versa sobre a formação continuada dos docentes e suas vivências na escola. Observa-se, neste caso que estas experiências sinalizam para a apropriação e elaboração da própria prática quando esta se associa e se reflete através das atividades formativas continuadas. Estabelece-se, assim, que as relações histórico-culturais se apresentam como elementos centrais no desenvolvimento do trabalho docente e de seu universo de atuação.
Com “Ensino de história e experiência: reflexões sobre uma pequena escola no interior do Estado de São Paulo” - terceiro artigo de autoria de Marcia Regina Poli Bichara - destacam-se os condicionantes sociais refletindo sobre a realidade escolar no interior do Estado de São Paulo com o viés do ensino de história, a partir do enfrentamento das rupturas sociais estabelecidas pela introdução no ambiente escolar de crianças oriundas de outros contextos espaço-sociais e que se veem inseridas em um ambiente da modernidade capitalista que provoca alterações nas relações sociais e de seus mundos.
O quarto artigo, de Gabriel Ludwig Ventorin dos Santos, cujo título é “A contribuição do ensino prático para a formação humanística do aluno de Direito e a contribuição do ambiente salesiano” e que por sua vez também apresenta uma ênfase maior nas conjunturas sociais para discutir os elementos humanísticos que muitas vezes se tornam olvidados na preparação profissional dos futuros bacharéis em Direito, em prol de uma tecnicidade na qual se esquece do objetivo final da justiça: os seres humanos. Tendo por base a pedagogia salesiana e as diretrizes que ela apresenta àqueles que dela se aproximam, analisa de que maneira as concepções educacionais da casa de Dom Bosco se apresentam na dinâmica docente/discente e na própria estrutura do curso de direito.
O quinto artigo, “Antonio Gramsci e a educação (escola unitária) ” de Elcio Arestides de Mattos da Silva e Francisco Evangelista, representa uma reflexão teórica sobre os elementos estruturantes sócio-históricos e políticos da educação. Partindo da argumentação gramsciana de que a educação não se restringe à sala de aula e que todos os homens são intelectuais, o artigo explora uma reflexão teórica sobre a escola unitária, a qual não exclua qualquer pessoa do processo educativo.
No sexto artigo, de Eraldo Leme Batista e Marcos Roberto Lima, cujo título é “A pedagogia histórico-crítica como teoria pedagógica revolucionária” discorre-se também sobre os elementos teóricos condicionantes da educação. Para tanto, parte da proposta de pedagogia histórico-crítica de Demerval Saviani para realizar uma reflexão sobre o processo de emancipação humana, a partir de sua crítica à sociedade capitalista e ao reformismo pedagógico reinante na sociedade.
Segue-se a essa discussão o texto que completa o dossiê: “Trabalho e educação no contexto de transformações da agroindústria canavieira no final do século XX” de autoria do Prof. Dr. Manoel Nelito Matheus do Nascimento. Esse texto analisa a relação trabalho-educação no contexto das transformações econômicas, políticas e sociais das últimas décadas do século XX, com recorte na agroindústria canavieira. Essas transformações produziram mudanças rápidas e radicais na produção, nos processos de trabalho, hábitos de consumo, poderes e prática do Estado, com desdobramentos para todas as instâncias da sociedade em todo o planeta.
A reestruturação da produção ampliou significativamente a divisão do trabalho, com as novas tecnologias e novas formas de gestão, com consequências de grandes reduções no número de postos de trabalho, elevando o número de trabalhadores desempregados, assim como vem ocorrendo um processo de precarização do trabalho. Desta forma, o capital tem ampliado a exploração do trabalhador, exigindo que seja polivalente, flexível, possuidor de múltiplas competências, apto para cumprir múltiplas funções. Neste contexto, as ações educativas escolares e não-escolares se transformaram em resposta aos novos requisitos impostos para o trabalho.
O presente número da Laplage em Revista também é composto por três artigos de demanda continua que enriquecem o debate trazido à tona. O primeiro de autoria de Jeferson Mainardes, discorrendo sobre “Álvaro Vieira Pinto: uma análise de suas ideias pedagógicas”. O autor apresenta uma análise das ideias pedagógicas do filósofo e educador brasileiro Álvaro Borges Vieira Pinto (1909-1987), a partir de suas obras. Argumenta que as ideias de Vieira Pinto sobre o conceito de educação, concepção ingênua e crítica de educação, alfabetização de adultos, relação pedagógica, teoria pedagógica e reforma universitária são ainda atuais e relevantes. O artigo apresenta também uma breve biografia de Álvaro Vieira Pinto e um histórico do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, onde ele desenvolveu uma parte significativa do seu pensamento e algumas de suas principais obras.
O segundo artigo de demanda continua, escrito pela professora Ariane Andréia Teixeira Toubia e Paulo Gomes Lima, tem como título: “Ações afirmativas na educação: os avanços na realidade brasileira na perspectiva da universidade para todos. Discutem os autores que o Brasil é um país historicamente marcado pela segregação racial e pelas diferenças sociais apesar de recente as discussões sobre o tema. As ações afirmativas, longe se ser uma formula mágica, buscam reparar algumas injustiças sociais e estabelecer condições de igualdade entre as pessoas. O presente trabalho tem o objetivo de discutir as ações afirmativas no Brasil voltadas para a área da educação e os resultados obtidos até o momento. É um estudo exploratório de cunho reflexivo. Após a redemocratização do país e da Constituição de 1988 uma série de eventos e debates em torno das ações afirmativas culminaram em leis que têm promovido o acesso às universidades para negros, índios e as classes sociais desfavorecidas em uma escala jamais vista, fato que demonstra os avanços das políticas públicas rumo à universidade para todos.
E o terceiro texto que vem intitulado: “Investigando a sexualidade infantil a partir do relato de educadores” de autoria de Elis Regina da Costa e Claudiane Venâncio da Universidade Federal de Goiás que teve como objetivo analisar os relatos de educadoras da educação infantil, que trabalham com crianças entre 3 e 5 anos de idade, quanto a sua concepção de sexualidade, como reagem e educam as crianças, ao presenciarem situações envolvendo manifestações sexuais, dentre estas a masturbação, como a educação sexual familiar repercute em suas práticas, se a formação inicial e continuada, as preparou e prepara para lidar com a temática. Os dados foram coletados a partir de uma entrevista semiestruturada concedida por educadores de duas cidades do interior do estado de Goiás, Jataí e Catalão. Os resultados demonstraram dificuldades, ainda existentes, por parte dos educadoras em lidar com as diversas manifestações sexuais infantis. Os dados também mostraram que na formação continuada existe uma busca por entendimentos e estudos sobre o tema.
O número apresenta ao seu final uma resenha da obra: Gestão democrática: desafios contemporâneos, organizado por Dalila Oliveira Andrade e elaborada por Isabel Cristina Caetano Dessotti e Elise Dessotti.
Em suma, este dossiê e o terceiro número da Laplage em Revista como um todo, propõem uma leitura que leve à reflexão sobre quais traços condicionam as situações que se apresentam no trabalho e na escola, objetivando principalmente a compreensão deste cotidiano enquanto explorador e limitador das potencialidades humanas e sociais e propondo, a partir de visões críticas e opostas, a busca de superação para uma nova realidade social e histórica, que sinaliza somente poder ser alcançada pela educação.
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[Artigo corrigido , vol. 1, 4-6] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/96/381