Entrevistas

Recepção: 20 Outubro 2015
Aprovação: 30 Novembro 2015
A Conceituação “Jovem e Adulto” na educação brasileira é um termo que surgiu após grandes momentos de efervescência demandado pelo período de repressão, a partir dos anos 1960, 1970 e até metade de 1980. Antes desse período a conceituação do termo era voltada a “Educação do Adulto” - EA. Com a demanda de jovens fora do sistema escolar, segundo as pesquisas o jovem e o adulto reivindicaram seus direitos por meio de movimentos populares consequentemente provocando o estreitamento no dever do Estado em voltar a atenção a educação para todos previsto na Lei de Diretrizes e Bases Nacional de Educação. Nessa entrevista vamos nos deparar com questionamento, além das políticas públicas voltadas a EJA, sobre o termo jovem na educação de adultos.
Esta entrevista foi concedida pela professora Dra. Sonia Giubilei, que coordena contribuindo com seus conhecimentos no Grupo de Estudos sobre Jovem e Adulto – GEPEJA, na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1996), tem especialização em Educação para Ciência pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) - Área de concentração: Educação Brasileira: Gestão e Práticas Pedagógicas e Doutorado em Educação da Universidade Estadual de Campinas (2009-2013) - Área de concentração: Políticas, Administração e Sistemas Educacionais - com foco de estudo na Educação de Jovens e Adultos. Possui experiência na docência do ensino superior. Ocupou o cargo de professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.
N: Qual sua percepção sobre a EJA no Brasil na atualidade? Percebe-se que a cada dez anos (com o plano decenal) mudam-se as questões e parece que persiste ainda o problema da evasão, da não consolidação, da efetivação para acabar o analfabetismo no Brasil.
SG: Mas você quer falar da educação de adultos no analfabetismo ou de educação de adultos geral?
N: No geral, sobre essas iniciativas de políticas públicas para acabar com analfabetismo. Que visão você tem sobre a EJA no Brasil, agora, na atualidade?
SG: Eu tenho que primeiro clarificar para você o significado de EJA. Na verdade, o que se deveria fazer no Brasil, não seria a discussão da educação do jovem, mas a educação do adulto, este que deixou a escola há mais tempo e agora quer retornar. Porque o jovem está na escola, ele abandonou há questão de um ano, dois e ele até não quer retornar; o jovem quer passar o tempo e o adulto é aquele que tem uma certa responsabilidade e o desejo de concluir seus estudos, certo.
E eu sempre digo que por uma calamidade legal incluíram o jovem na educação do adulto, por isso que se fala EJA. Eu sou ferrenhamente contrária a isso. Para todo lugar que eu vou eu digo: Não é correto falar isso, jovem EJA e sim a educação do adulto. Nesses anos todos o que Paulo Freire fala? Ele não fala em EJA, ele fala em educação do adulto e não a educação do jovem na educação de adultos. A própria visão da política educacional forçou a entrada do jovem na educação de adultos, como querendo fazer uma tábua de salvação, ele não vai bem aqui então joga lá pra junto, com adultos e o adulto não aceita, ele não quer saber do jovem junto com ele.
O jovem também não, porque a perspectiva de mundo dele é outra, ele quer passar o tempo; o adulto não, o adulto quer aprender, quer estudar, ele quer ter uma razão de ser e nisso há um conflito muito grande entre o jovem e o adulto. Então dentro da política educacional há um engano, um engodo, no meu ponto de vista nessa junção, aglutinação do encontro do jovem com a educação de adultos.
N: Em sua análise, sobre a erradicação (eu sei que esse termo hoje em dia é um pouco pesado) embora se use muito ainda hoje.
SG: É errado, parece que é erva daninha, doença, algo que se tira da terra porque não serve. O educador não pode usar essa palavra, de forma nenhuma. É suplantar, é, melhorar o analfabetismo, mudar a sequência, mas não se fala erradicar, é errado, errado.
N: Que caminho você vê para reparar essa questão?
SG: Políticas de atendimento ao adulto, dentro da perspectiva de sala de aula, de professor, de material didático adequado ao adulto. Não adianta você querer fazer uma transposição daquilo que é do jovem ou do adolescente aplicando à educação do adulto, isso é errôneo, porque a perspectiva de mundo do adulto é outra, a forma dele de aprender de estudar, é diferente, ele é mais lento, mais calmo, o jovem já é afoito, quer estar lá na frente.
N: A EJA e as políticas públicas têm trabalhado, até que ponto para a superação dessa exclusão? Você tem alguma visão disso?
SG: Planos do quê? Não entendi bem a sua pergunta
N: As políticas públicas com relação a EJA tem sido bem trabalhadas?
SG: Se fosse bem trabalhado, ano a ano não aumentaria e a gente vê só a cada ano, mais gente, mais gente. Se fosse uma política efetiva que desse certo, que fosse adequada, não estaria com esse problema, aumentando, vamos dizer assim. A educação de adultos teria que ser momentânea temporária para superar aquilo que deixou. A partir do momento que você qualifica as pessoas lá atrás que estão hoje estudando, não tem mais razão de ser, e se a escola hoje é boa para o jovem e para a criança não vai ter o adulto daqui pra frente buscando a escola. Mas tem que ser uma política efetiva que atenda ao jovem dentro de sua especificidade.
N: Quais medidas deveriam ser tomadas que poderiam ser suficientes na formação da EJA no Brasil?
SG: No Brasil tudo é jovem e adulto. Na Europa de uma certa forma é educação de adultos, não tem nada de jovem. É a visão latino-americana, dependente, subdesenvolvida que ai coloca o problema do jovem, joga pra classe do adulto. Se o jovem não dá certo aqui, se o ensino não está sendo feito como ele gostaria, então a direção, o professor, fazem o quê? Vai lá pra EJA, como tábua de salvação.
N: Sabe-se que beira 15 milhões de analfabetos no Brasil e quais ações é preciso ser desenvolvidas para se ter o “alfabetismo” pleno? Você teria alguma visão para que tivesse ações para o alfabetismo pleno?
SG: Uma boa escola pra criança, uma boa escola para o jovem, ele será alfabetizado. O analfabeto é aquele que deixou a escola, não sabe nem ler nem escrever, não sabe nada, ele é perdido no mundo. É aquele que deveria ter tido uma escola boa ontem. Se o jovem de hoje aprende a ler e a escrever ele não vai ser o adulto amanhã analfabeto. Se ele não teve ontem ele volta a estaca zero. Uma boa escola hoje reflete amanhã.
N: Como você avalia as metas do PNE, sabendo-se que hoje é colocado em questão a EJA?
SG: São planos e planos, só imaginam, mas não executam. Esse é o problema nosso do Brasil. O pé no chão, da sala de aula; professor não tem infraestrutura, ele não tem nada. Quem faz a educação de adultos é quem está em gabinete e quem está em gabinete nunca viu uma sala de aula de adulto. Então como é que você pode pensar em alguma coisa pra outro sem ter vivido? É um erro, taí, você fica dentro de um escritório, planejando, planejando, planejando para o outro executar.
N: Se quem determina não é a pessoa, como você acha que deveria ser?
SG: Tem que dar liberdade ao professor pra ele poder fazer o trabalho em sala de aula, dar bom material didático. Dê confiança a esse professor, parece que as políticas desconfiam do professor, acha que ele é incapaz quando na verdade ele tem condições.
N: Em relação à universidade, qual o seu papel no encaminhamento da formação do professor para EJA?
SG: A universidade tem muita responsabilidade na formação do professor, muito mais também na formação do professor de adultos porque não existe formação específica. Forma-se o professor pra trabalhar com criança e adolescente mas não forma o professor pra trabalhar com o adulto. Então há uma mescla, tudo aquilo que você aprende para trabalhar com criança e adolescente, você vai lá aplica para o adulto. Esse é um engodo, um erro enorme.
A metodologia pra se trabalhar com adulto, é uma, a psicologia para o adulto não é a mesma do adolescente, a sociologia do adulto não é mesma do adolescente. Propriamente falta a universidade fazer esse trabalho de formação do educador de acordo com os parâmetros da educação de adultos. A Unicamp não tem a disciplina de jovens e adultos; ela tem como complemento se o aluno quiser e não é obrigatório.
SG: Se não me engano quem tem essa formação é Pernambuco, Rio Grande do Sul, mas são poucos, você vai contar nos dedos quais instituição tem essa preocupação de formação de educador de adultos.
N: Isso a gente vê lá no passado que tinha menos ainda.
SG: Não tinha nem para o adolescente de forma adequada, imagine para o adulto?
N: Que avaliação de políticas públicas para EJA você faz desses últimos trinta anos? Porque na verdade o meu trabalho vem falando a partir de 1960 quando Paulo Freire iniciou um trabalho que foi todo um levante sobre a educação de jovens e adultos no Brasil.
SG: Em Pernambuco. Você tem que colocar no seu trabalho que sobre a educação de adultos segundo Paulo Freire, porque ele não falou de jovens, porque na verdade a palavra EJA só surgiu com a 9394, recente e aí temos a palavra EJA, antes era só adulto; o supletivo, era só adulto, o Madureza, era adulto, o MOBRAL era adulto,
N: E qual é a sua avaliação durante esses trinta anos?
SG: Se você for avaliar se houve melhora, não houve, se houve alguma política que desse condições de um trabalho efetivo da escola, da sala de aula, tudo bem. O que a gente acredita é que o aluno precisa é da sala de aula e do professor, do professor explicando, dele ouvindo um colega explicando (adulto) e não é uma educação a distância ou alguma coisa que deixe que ele estude sozinho, não, esse foi um engodo também da própria legislação.
N: O que seria necessário modificar ou pensar para uma educação de qualidade no Brasil não produtora de resultados vazios? Hoje a gente vê que a educação ela está empurrando o aluno e a gente vê isso com o adulto também.
SG: O ideal seria que nós tivéssemos dentro da política educacional, mais verbas para educação, pagar bem ao professor, as escolas serem bem estruturadas, terem material didático pro professor, confiar na ação do professor, isso que nós precisávamos e nós não temos no Brasil. Você vai ver aí norte-nordeste uma escola caindo aos pedaços com um aluno sentado num caixão e escrevendo no colo.
Como você pode pensar em educação nesse país? Esse pode ser o futuro adulto, aquela que vai volta a estudar na forma de adulto. Então que política é esta que não tem a verba destinada? Se você pensar bem a Petrobrás aí, esses milhões que estão aí perdidos, e se aplicasse em educação?
Se você der ao professor uma boa escola, boas condições, você pode exigir dele um trabalho efetivo, mas se você paga mal, como é que você faz? Professor está ganhando bem menos do que um auxiliar aí, bem menos. Dentro da política nacional você vai encontrar escolas boas, médias e ruins e inexistência de escolas. Como o professor vai cumprir metas se ele não tem nem condições de trabalho? Metas são objetivos quantificados no tempo e no espaço e o professor não tem condições de cumprir metas.
Noêmia de Carvalho Garrido: Muito obrigada por nos conceder essa entrevista e por nos acolher com prontidão em seu gabinete.
Ligação alternative
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/105/393 (pdf)
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[Artigo corrigido , vol1. 1, 143-146] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/105/393