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A educação de jovens e adultos e os desafios contemporâneos Entrevistado: Carlos Rodrigues Brandão
Laplage em Revista, vol. 1, núm. 2, pp. 149-153, 2015
Universidade Federal de São Carlos

Entrevistas

Copyright © 2015 Laplage em Revista. Todos os direitos reservados.

Recepção: 10 Julho 2015

Aprovação: 30 Agosto 2015

DOI: https://doi.org/10.24115/S2446-622020151228p.149-153

A educação de jovens e adultos no Brasil, a EJA, constitui-se em um dos desafíos que o país terá que encaminhar e desdobrar com vistas não somente a promover a oportunização de escolaridade para àqueles que não a tiveram em idade apropriada, mas no sentido de minimizar os gargalos produzidos por uma sociedade excludente e auto produtora das desigualdades sociais e económicas.

A presente entrevista concedida pelo educador e antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, reconhecido pesquisador sobre a temática educacional nos ajuda a pensar a realidade brasileira, ao mesmo tempo em que pincela pistas que certamente poderão se tornar subsídio para o encaminhamento da temática em questão. A entrevista foi realizada na calmaría do sítio Rosa-dos-Ventos em Minas Gerais e, por sua riqueza e contribuições a explicitamos a seguir.

1) Como você vê a educação de jovens e adultos na atualidade brasileira?

(CRB): A visão que eu tenho, que posso chamar de quase amadora porque não sou especialista no assunto e quem olha mais do outro lado, é que, houve uma regressão dos anos 60 pra cá. Porque eu acho que nos anos 60, não só com Paulo Freire, mas com os movimentos de cultura popular, houve uma reinvenção do que a gente hoje em dia chama de educação de jovens e adultos; naquele tempo nem chamavam ainda. A alfabetização, que era toda uma visão não só de Paulo, por exemplo, eu trabalhei no MEB (Movimento de Educação de Base) que realizou trabalhos muito importantes, o MEB existe até hoje, inclusive seria muito importante você conhecer a experiência do MEB, eu costumava dizer que Paulo Freire falava, mas o MEB é que fazia.

O MEB alfabetizou muito mais gente e havia uma visão paulofreireana de uma educação conscientizadora que você deve conhecer melhor do que eu, chamada de educação a partir do povo, a crítica que ele fazia da educação bancária, a alfabetização que ele cria, inclusive com método dialógico, tudo isso que você deve conhecer muito bem.

Fizemos experiências que foram logo abortadas, pra você ter uma ideia, eu agora vou à Natal dia 23 de março. Vai ter um grande encontro de Paulo Freire lá internacional, e depois nós vamos a Angicos que em (RN-1963) onde teve a primeira experiência do Paulo.

Só que logo depois, você sabe da história, Paulo pensa o projeto de alfabetização conscientizadora que inclusive vai se transformar numa campanha nacional de alfabetização com Paulo de Tarso como ministro da educação. Isso em 1963 (no ano retrasado nós comemoramos a primeira experiência com Angicos) 50 anos da primeira experiência.

Logo depois veio o golpe militar, uma experiência totalmente abortada, ela nem começa. Ai Paulo vai pro Chile, depois pra Bolívia, passa pelos Estados Unidos, acaba em Genebra e aí vai fazer trabalho e alfabetização na África, África portuguesa, tem até aquelas cartas de Guiné Bissau. Pois é, que ele até considerava, (conversando comigo) que o trabalho que ele fez no Chile, que não foi muito tempo e tem até um1 livro sobre a Experiência do Freire no Chile e na África do Balduino Andreola (Balduino Antonio Andreola) ele é professor no Rio Grande do Sul, tem oitenta e poucos anos. Paulo considera que conseguiu realizar o que ele queria fazer no Brasil, isso em Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé de Príncipe.

Quando ele volta ao Brasil em 1979, que na verdade ele vem e volta, em 1980 é que ele vem pra família. Inclusive a primeira viagem que ele faz é comigo, nós fomos à Goiânia num encontro lá. Um pouco mais à frente ele é convidado pela ex-prefeita de São Paulo, Erundina para ser secretário da educação e ele cria o MOVA (1989).

Por isso que eu digo que foi uma regressão porque o MOVA tal como ele começa a ser implementado, ele é uma reatualização do que o Paulo queria fazer nos anos 60 quando veio o golpe militar, só que ele fica algum tempo trabalhando com o povo, depois ele não aguenta por problemas de saúde inclusive, depois ele deixa a secretaria de educação e Moacir Gadotti, uma pessoa importante que você deveria entrevistar porque trabalhou junto com o Paulo muito mais do que eu.

E então se espalham vários MOVAs pelo Brasil, tenho inclusive um livro ai sobre o MOVA, então você não pode fazer sua tese sem falar no MOVA porque depois da experiência de Paulo Freire o trabalho do MOVA foi o mais importante pra mim, que houve no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, que Olívio Dutra implanta no estado inteiro, depois em várias secretarias de educação do PT e depois em vários lugares do Brasil. Em alguns lugares apoiado pelo governo municipal ou estadual, principalmente quando é do PT, isso nos anos 80, 90 e ai é o momento, eu me lembro muito do Rio Grande do Sul e eu ia lá seguidas vezes ajudar, em que se desenvolve uma política de alfabetização e de EJA, é quando começamos a falar em EJA, aparece essa palavra; com o espírito de Paulo Freire, inclusive a gente chamava de experiência de educação popular.

E ai há um momento, inclusive você vai lembrar, nessa estória toda que durante a ditadura o governo cria o MOBRAL, que inclusive muitos alfabetizadores críticos não concordam com ele, fazem crítica ao próprio Sérgio Haddad.

E durante esse tempo o que acontecia? O governo implementava o MOBRAL, mas em alguns lugares, ou como iniciativa de um movimento social ou como eu falei, uma prefeitura ou outra de oposição, criava um programa de alfabetização com as perspectivas de Paulo Freire. E aí, acontece, é onde eu faço uma crítica, eu te digo sem acompanhar, porque nesse momento eu não estou acompanhando como Gadotti, como o Sérgio Haddad assim de perto, há uma grande decepção no governo Lula, muita gente investiu tanto no governo Lula e o que acontece? O Lula assume o governo e eu não em lembro quem é o ministro da educação, mas não era uma pessoa que os movimentos populares queriam e em vez dele criar o MOVA que era toda a nossa esperança porque o MOVA estava implantado em vários lugares do Brasil, ele cria o Brasil alfabetizado, inclusive não tão ruim quanto o MOBRAL, mas a gente sentiu que foi uma rasteira do Lula, inclusive muita gente ficou extremamente decepcionado, eu me lembro de companheiros lá de Rio Grande do Sul, ficaram muito decepcionado porque a gente tinha quase certeza de que o governo iria implantar o MOVA como política pública de alfabetização e EJA dentro de uma perspectiva conscientizadora como a política de EJA no Brasil e isso não acontece. O que acontece? É, implantam essas experiências, ao meu modo de ver, representando uma regressão, frente ao que Paulo Freire e depois os MOVAs avançaram e os MOVAs continuam existindo, como eu falei pra você, até hoje, inclusive aqui na Rosa dos ventos teve um encontro de MOVAs, uma vez.

Onde tem uma prefeitura mais esclarecida, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, inclusive tem ainda o Movimento Nacional de MOVA que é que eu estou dizendo pra você: o que acontece hoje em dia? Você tem um programa nacional do Ministério da Educação de educação popular, EJA de alfabetização e você tem alguns programas que correm paralelos, que preservam a memória de Paulo Freire; tanto que quando no ano passado, se não me engano, o governo lançou uma proposta de educação popular com política pública eu dei até uma entrevista dizendo que eu era contra, porque educação popular não pode ser uma política de governo, tem que ser de movimento popular, por isso ela se chama educação popular. Então essa é a crítica que eu tenho. Pra começar eu sou antropólogo, eu não sou nem educador.

A pesquisadora justifica que seu interesse era mesmo por esse transcurso da história. O respondente prossegue:

Você pode pegar ai, lembrar lá em Porto Alegre, por exemplo, tem uma mulher com quem eu trabalhei por anos chamada Liana Borges, uma gaúcha. Ela coordenou durante muito tempo o MOVA e não sei se EJA, no Rio Grande do Sul porque lá foi o grande laboratório, porque foram 16 anos de governo de PT, Olívio Dutra, Tarso Genro, então deu pra implantar uma experiência muito rica e muito interessante e inclusive publicamos uma vez, eu e Liana livrinho de capa amarela, chamava-se história de MOVA e EJA lá no Rio Grande do Sul e há pouco tempo (ele vai buscar o livro) – o livro traz autores como Gadotti e informações como Angicos, 30, 50 anos depois, etc. Ele cita também outro livro sobre o Encontro Nacional de MOVA reconstruindo toda essa história, além de outro que segundo o professor trata-se apenas do MOVA. Ele orienta Noêmia a ir ao Instituto Paulo Freire para adquirir outras edições similares possivelmente gratuitas.

Quando foi o 50 anos de Angicos, o pessoal do Instituto Paulo Freire queriam relançar uma coisa que eu achei que era a melhor saída para a questão do analfabetismo no Brasil, que era fazer uma ideia assim: Fim do analfabetismo já! Era acabar com o analfabetismo em um ano.

Então era a partir da experiência de Angicos, pegar um ano que seria ano passado e fazer uma mobilização nacional, ou seja, toda a estudantada do Brasil, milhões de estudantes universitários parar de estudar junho e julho e vão todos alfabetizar, igual em Cuba e Nicarágua. É verdade que Brasil é um país gigantesco e nem se compara com Cuba, e Nicarágua também um pouco maior.

E eu achei que seria interessante porque eu acho que essas lentas experiências de Brasil alfabetizado não vão resolver o problema porque você viu que o índice proporcional aumentou novamente.

Você tem que ir ao instituto Paulo Freire, e conversar com Sérgio Haddad, Paulo Padilha que são os mais importantes. Porque inclusive, em 2014 conversando com Padilha e Gadotti em Angicos, a ideia era levar a Dilma lá e lançar a campanha Fim do analfabetismo já! Chegar em dezembro: acabou analfabeto no Brasil. Era uma coisa muito louca, uma experiência assim de mobilização nacional mesmo. Pegar essa estudantada e mandar lá pra Amazônia e dizer: só volte quando alfabetizar uma turma. Evidentemente não saiu, nem sei se a Dilma foi lá, não sei nem quem seria o político que o governo está aplicando ai e nem faço muita questão de saber.

Eu acho que realmente, tanto a questão de EJA como a questão de alfabetização, a gente chama uma decisão política, ou seja, se o governo quisesse de fato promover uma mobilização, não em um ano porque é fantasia, porque todo mundo sabe que se você saltar de uma alfabetização primária para uma alfabetização funcional, como a UNESCO prega não são 40 horas de Angicos, são oito meses no mínimo pra você ter uma turma alfabetizada funcionalmente. Então o que eu acho que deveria haver, eu nem chamaria de campanha porque campanha dá uma ideia de coisa que passa e acaba, mas seria uma mobilização nacional de, por exemplo, dois anos em que haveria um incentivo que envolveria empresas, exércitos, movimentos populares, universidades no trabalho, primeiro do tipo MOVA e aí teria que ser um projeto muito mais com a filosofia MOVA do que o MOBRAL, Brasil alfabetizado, mas uma alfabetização conscientizadora e já ir imbicado pra um programa nacional de EJA. Muito mais consistente, inclusive, muito mais associado aos movimentos culturais.

2) Quanto à formação dos professores da EJA no Brasil como você avalia as medidas tomadas no contexto atual? Se elas são suficientes.

(CRB): Eu faria uma avaliação que curiosamente aproximaria medicina e educação. Acho que um dos grandes problemas tanto da medicina quanto da educação no Brasil, é que num país em que você tem uma quantidade enorme de pessoas doentes, com doenças endêmicas, como malária e por outro lado pessoas analfabetas e semialfabetizadas, deveria haver um investimento muito maior em formar tanto médicos sanitaristas, agentes de saúde com uma vocação de trabalho com o povo quanto educadores.

Tem muito mais curso de pedagogia no Brasil dedicado a questões mais associadas à elite à universidade do que, por exemplo, associados à educação popular e quando tem, são pessoas até meio malvisto às vezes, parece que são pessoas esquisitas.

Como os médicos sanitaristas, o Brasil é um dos campeões mundiais em cirurgia plástica e é um país cheio de doença, posso dizer que Campinas que é uma das cidades mais adiantadas do Brasil é campeã de dengue.

Então o que acontece? Existem projetos que estão tendo um ganho aí, inclusive você deve entrar em Internet. Várias universidades estão implantando programa de graduação, de especialização, não sei se ainda de mestrado, em educação do campo que não é a mesma coisa de educação rural, inclusive é inimiga da proposta do MEC. Quando eu vou a um programa de educação do campo, o pessoal é do MST não tem nada a ver com MEC, inclusive tem críticas ferozes. Mas tem universidades pelo Brasil no Rio Grande do Sul, no Espírito Santo, em Minas Gerais inclusive federais implantando cursos e programas de formação de pedagogo da terra, educadores populares, mas são algumas pontinhas, digamos entre algumas das universidades, uma que brota.

Então a crítica que eu faria, tanto no campo da saúde, quanto no campo da educação, quanto no campo da alimentação (nutrição), o Brasil nunca levou a sério o que eu chamaria de uma política de atendimento ao povo. São programas que eu chamo de programas paliativos, o próprio programa de alfabetização é um paliativo.

Todos os educadores mais sérios concordam em que o Brasil há anos tivesse querido acabar com analfabetismo e promover uma educação que realmente elevasse uma qualidade, um nível pedagógico com o povo brasileiro, do campo, da cidade, ele já teria feito. Outros países fizeram, temos “N” exemplos por aí, inclusive aqui na América Latina. Então uma das grandes decepções que temos inclusive com a política do PT, eu por exemplo sou petista até hoje, é que nós nunca tivemos uma política de uma educação não só popular, mas uma política dirigida ao povo com qualidade. O Lula criou três universidades no Sul, deveria ter criado na Amazônia não no Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, dedicadas aos movimentos sociais, mas são coisas frágeis, é como uma gota d’água num balde.

3) Para um número que beira 15 milhões de analfabetos, quais ações ou políticas precisam ainda ser consideradas para o desenvolvimento da alfabetização plena? (Noêmia enfatiza que esse número atinge a casa de 38 mil quando aglutinado com os analfabetos-funcionais)

(CRB): Eu vejo por aqui onde eu estou, que se dizem alfabetizados e mal conseguem ler um bilhete, escrever o nome (segundo Noêmia, na universidade encontramos analfabetos). Eu trabalho mais com pós-graduação e tenho umas mestrandas que de vez em quando eu digo: você deveria se alfabetizar, porque dá um trabalhão danado pra rever o trabalho dela.

Quanto mais programa com corretor na Internet pior eles ficam (Noêmia observa as redações de nota 0 no ENEM). Inclusive a Unicamp foi pioneira em implantar redação na universidade porque descobriu que estudantes de doutorado não estavam sabendo escrever bilhete para a namorada.

4) Como você avalia as metas delineadas no PNE para EJA?

(CRB): Eu já falei. Quer dizer o cerne da minha opinião é que houve regressão. Pode até ter havido um avanço quantitativo. Por exemplo, é possível que o governo apresente dados que a taxa de analfabetismo no Brasil é o dobro, diminuiu pela metade ou menos da metade, em 30 anos; que a quantidade de homens e jovens matriculados em programa de EJA quadriplicou. Tudo bem, são cifras lá do MEC, mas eu digo que qualitativamente não é só política em termos de Paulo Freire, em termos de uma educação de qualidade houve uma regressão.

Quer dizer o Brasil foi um país que gerou em tempos de Paulo Freire aqui e depois, as mais ousadas idéias e experiências em respeito de educação popular de EJA e de alfabetização, mas isso nunca foi posto em prática de uma maneira coerente. Isso é o que estou chamando de uma regressão, ou seja, temos uma teoria 50 anos para a frente e trabalhamos com uma pedagogia 50 anos para trás [...]

(Noêmia de Carvalho Garrido): Muito obrigado por sua atenção em nossa acolhida e devolutivas da entrevista.

Notas

1 O livro ao que o professor se refere é o: Freire e Fiori no exílio: um projeto pedagógico-político no Chile.

Ligação alternative

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[Artigo corrigido , vol1. 1, 149-153] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/28/378



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