Editorial

Recepção: 10 Setembro 2015
Aprovação: 25 Setembro 2015
Em seu segundo número Laplage em Revista discute a relação entre educação, trabalho e sociedade. O Dossiê, organizado pelos professores Antonio Bosco de Lima, Carlos Alberto Lucena e Fabiane Santana Previtali é atualíssimo não somente pela reunião de textos que dialogam um com outro e transversalmente, mas porque em recorrendo ao trabalho como categoria central aproxima e faculta ao leitor a necessidade de se desenhar encaminhamentos para se pensar as relações que estão presentes no contraditório social e que, no escopo da política de governo ou de Estado precisam ser problematizados, levando-se em conta as necessidades das demandas sociais, de forma recortada na educação.
A análise da relação entre educação, trabalho e sociedade certamente terá muitos desdobramentos e pontos de vistas distintos dos que aqui são apresentados, entretanto, destaca-se que o diferencial do presente número é não apenas analisar reflexivamente os condicionantes pedagógicos ou pontuações acerca de determinando programa ou ênfase particular , mas trazendo à luz os objetivos sociais, políticos e culturais , entender e recorrer sobre o grau de participação, de diálogo e encaminhamento se dispensa para se pensar a educação como estratégia para o desenvolvimento e formação de uma ideia mais ampla de justiça social.
Sabe-se que a justiça social em seu sentido amplo tem como fundamento o combate à privação do direito constituído e a abertura para a edificação de espaços, tempos e reflexões que inibam a perversidade social, tarefa complexa e que solicita o comprometimento de distintos agentes e instituições que representam concretamente a perspectiva democrática e recorrências do coletivo nessa arena. Se não se consegue avançar na tipologia do trabalho que emancipa, na argumentação de que a escola, a universidade e a educação formal como um todo não conseguem democratizar o ensino (e de qualidade desejada) e de que a perspectiva coletiva ao longo do tempo histórico tem caminhado pouco nessa direção, certamente é porque as graves questões estruturais não foram de forma exaustiva e recorrente colocadas em xeque, por outro lado, nos interstícios históricos as dimensões epistemológicas, sociais, políticas e pedagógicas tem logrado relativos avances e percebeu-se, nesse conjuntura, que a ampliação desses encaminhamentos pode ser considerada, desde que manifesta por distintos segmentos e suas representações constituídas e legitimadas. Ainda assim susceptíveis a alterações e contenções ora como política de governo, ora como política de Estado.
Isso ocorre no seio do contexto capitalista por conta de o Estado estar: a serviço de quem?; de que ou qual modelo econômico?; na defesa de qual tipologia do sujeito a ser formado e para qual sociedade? Comprometido na elaboração e difusão da justiça social em seu sentido amplo ou na transferência de suas responsabilidades para outros setores?
Ao acompanhar essas nuances, cada educador, pesquisador e cidadãos devem refletir que a lógica colocada para se avaliar a qualidade de educação que se tem e que se deve desdobrar para se alcançar escores como os demandados pelos testes estandartizados mundialmente, pensando num nível qualitativo acordado, requer uma contra-lógica ou uma nova lógica, ou seja, a performance da escola, da universidade, do trabalho do professor, da dimensão da precarização do trabalho e sua correspondente mais-valia são resultantes do modelo hegemônico que, crise após crise, justifica a adequação de novos arranjos face as necessidades e novas exigências do mercado. Não é sem propósito que a discussão sobre a democratização da educação tornou-se um discurso comum nas políticas de Estados, nas ênfases e intencionalidades materializados em projetos, programas e símiles por organismos multilaterais, concorrentemente com os movimentos sociais, grupos de docentes organizados, universidades e centros de pesquisa. Se tal centralidade é identificada como ponto que necessita cuidados e políticas pertinentes é porque as questões que anteriormente enfocamos solicitam uma devolutiva, mas não é tão simples assim a problematização daí derivada e implicações que devem ser consideradas.
Ao se estabelecer uma agenda de políticas públicas e se considerar numericamente as oportunidades sociais, o número de profissionais da educação em áreas apropriadas, os rankings e escores alcançados por escolas e alunos, não se pode deixar de notar a aproximação entre o que pretende o mercado e o que pretende o Estado, a tal ponto de os objetivos parecerem unívocos. Sob a lógica da economia no contexto capitalistas tais arranjos representam o principal incremento da democratização de direitos e justiça social jamais alcançados anteriormente e empoderamento nas escolhas e decisão do cidadão. É exatamente nessa vertente que o caminho do ciclo de políticas é desenvolvido nos países signatários da economia transnacional.
Ocorre que, o que existe de fato é uma democratização discursiva e instrumental que alija sujeitos de sua condição de produtores e autoprodutores de seu destino e os capacita para a letargia do consumo irrefletido, como se estivessem sendo medicados inapropriadamente, ao mesmo tempo em que as instituições preservam a formação das elites intelectuais e à grande maioria da sociedade caberia o ajuste das demandas de mercado, justificando o quão democrático e universalizante é o sistema capitalista, ao ponto de possibilitar oportunidades para todos.
A educação como eixo que apresenta não somente a possibilidade da constituição cidadã do ser, não deveria ser concebida como mercadoria como frequentemente é tratada por políticas de Estado e mercado, ao invés da economia determinar a tipologia de educação a ser desenvolvida, o próprio conceito de economia deveria ter uma finalidade educativa, visto que é para o ser histórico e por ele que é constituída como área de conhecimentos e das relações de produção humanas.
A serviço de que, para que e para quem a educação é desenvolvida quando pensamos numa educação formal e que pretende contemplar a todos em seu processo formativo? Considerando a projeção de políticas desenvolvidas na década de 1990, perpassando os anos 2000 com a continuação, elaboração e reorientação de Diretrizes Curriculares Nacionais, o “empenho” do Plano de Metas Todos pela Educação e sua materialização no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) com os decretos de 2007, as “aberturas” aos formatos de acesso e democratização da educação básica, superior e de distintas modalidades, podemos dizer que a educação pretendida tem a ver com a preparação do sujeito como ser que vai se autorrealizar por meio do trabalho e, esse por sua vez ao emancipa-lo o tornará um cidadão pleno como sujeito histórico?
Certamente a resposta sua leitor será “não”, justamente porque a educação não é elaborada, pensada e vivida nas sociedades capitalistas como como bem público, mas como educação-mercadoria. A esse respeito Dias Sobrinho (2013), afirma que a educação como bem público tem como seu referencial os valores de equidade e da igualdade democrática e social, portanto, não é apenas um discurso, mas tem consigo o comprometimento ético, axiológico, epistemológico e social. A educação como mercadoria tem seu foco no retorno do empresariado, na venda de uma visão de governante pretendida e desenvolvimento de uma sociedade competitiva e formação de sujeitos possessivos e individualistas1.
Em Lima (2010, p.11) se destaca que corrente da ratificação da “solidariedade internacional” do metabolismo do capital são elaboradas inúmeras proposições que norteiem a preocupação de inclusão social em áreas educacionais compreendidas tradicionalmente como de âmbito das elites, assim as políticas educacionais elaboradas a partir desse quadro, encontraram no Brasil campo fértil, não no intuito de promover a igualdade humanizada, na forma do capitalismo humanizado, convencendo e impondo instrumentos para a sua consecução, porque se veicula que, dado o arranjo global da economia, não há outra alternativa. Será que não há mesmo?2
Algumas das indagações desenvolvidas brevemente nesse Editorial serão desenvolvidas ao longo desse volume 1, número 2, maio-agosto de 2015 de Laplage em Revista.
Referências
DIAS SOBRINHO, J. Educação superior: bem público, equidade e democratização. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 107-126, mar. 2013.
LIMA, P.G. Estado, políticas educacionais e gestão democrática da escola no Brasil. Anais do XV ENDIPE – Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010
Notas
Ligação alternative
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/15/365 (pdf)
Artigo relacionado
[Artigo corrigido , vol1. 1, 1-3] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/15/365