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A escola como espaço da educação para a cidadania: uma análise da proposta de Norberto Bobbio
Telma Elizabete de Moraes; Silvio Cesar Moral Marques
Telma Elizabete de Moraes; Silvio Cesar Moral Marques
A escola como espaço da educação para a cidadania: uma análise da proposta de Norberto Bobbio
The school as a place of education for citizenship: an analysis of the proposal for Norberto Bobbio
La escuela como lugar de educación para la ciudadanía: un análisis de la propuesta de Norberto Bobbio
Laplage em Revista, vol. 1, núm. 1, pp. 98-114, 2015
Universidade Federal de São Carlos
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Resumo: Norberto Bobbio vê no estado democrático o único meio capaz de colocar as pessoas em igualdade de condições e de garantir a existência e continuidade das liberdades fundamentais, refletindo sobre o contraste que existe entre os ideais democráticos e a “democracia real”. Daí a necessidade de concentrar a discussão entre o que foi prometido e o efetivamente praticado, ou seja, tentar um prognóstico sobre as “promessas” não cumpridas. Para o autor, o termo democracia apresentar-se-ia sob dois aspectos: primeiro como “um conjunto de instituições ou técnicas de governo”, sendo essas o “sufrágio universal, regime parlamentar, reconhecimento dos direitos civis, princípios da maioria”; em segundo lugar, como “um certo ideal a ser perseguido”. Assim, a democracia define-se como técnica de governo e meio empregado para organizar a sociedade e, como ideal, propõe a busca por um fim desejado, i.e., a igualdade entre os homens, somente alcançada pela educação.

Palavras-chave: Escola Cidadania. Governo. Políticas educacionais. Escola Cidadania. Governo. Políticas educacionais. .

Abstract: Norberto Bobbio get the democratic state as that which is the only way to put people on an equal footing and as a guarantee of the continuity of the fundamental freedoms, reflecting on the contrast between the democratic ideal and the real democracy. Hence the need to focus on what was promised and realized, i.e. , an in-depth analysis of 'unfulfilled promises'. For him, the term democracy expresses itself in two ways: first as "a set of institutions or a technical government", these being the "universal suffrage, parliamentary regime, recognition of civil rights, principles of the majority"; secondly, as "an ideal to be pursued". Thus, government technique employed to social organization defined democracy; and as an ideal, proposes the search for desired results, i.e. , equality among people, only achieved through education.

Keywords: School Citizenship. Government. Educational policies. .

Resumen: Norberto Bobbio entiende el estado democrático como el único medio de poner las personas en igualdad de condiciones y garantizar la existencia y continuidad de las libertades fundamentales, al reflexionar sobre el contraste que existe entre el ideal democrático y la democracia real. De ahí la necesidad de centrar la discusión entre lo prometido y lo realizado, asi hacer una análisis acerca de las promesas no cumplidas. Para el autor, el término democracia haría presente de dos maneras: como "un conjunto de instituciones o técnicas de gobierno", que son el "sufragio universal, régimen parlamentario, el reconocimiento de los derechos civiles, los principios de la mayoría"; y como "el ideal que se persigue". Por lo tanto, la democracia se define como medios gubernamentales y técnicos empleados para organizar la sociedad y, como ideales, propone la búsqueda de un objetivo deseado, es decir, la igualdad entre los hombres, que sólo se logra a través de la educación.

Palabras clave: Escuela Ciudadanía. Gobierno. Políticas educativas. .

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A escola como espaço da educação para a cidadania: uma análise da proposta de Norberto Bobbio

The school as a place of education for citizenship: an analysis of the proposal for Norberto Bobbio

La escuela como lugar de educación para la ciudadanía: un análisis de la propuesta de Norberto Bobbio

Telma Elizabete de Moraes
Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba , Brasil
Silvio Cesar Moral Marques
Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba , Brasil
Laplage em Revista, vol. 1, núm. 1, pp. 98-114, 2015
Universidade Federal de São Carlos

Recepção: 10 Abril 2015

Aprovação: 30 Abril 2015

Introdução

[...] Hoje, se se deseja apontar um indicador do desenvolvimento democrático, este não pode mais ser o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de locais, diferentes dos locais políticos, nos quais se exerce o direito de voto (BOBBIO, 2000, p. 68).

A educação é um “bem público”. A expressão não deixa de ter certa nobreza: desde que o “bem” remeta ao “sentido de benefício” de toda a sociedade e conduza os que dele participam a dedicar-se ao bem comum, sem buscar em primeiro lugar seus interesses pessoais, ele encerra uma evidente grandeza. Nos dizeres de Meirieu (2005, p.22) desde que “[...] o “serviço público” tenha a preocupação de personificar o coletivo e de não se submeter aos grupos de pressão que gostariam de apropriá-lo, ele representa uma ferramenta essencial na construção de um Estado democrático”.

A escola é um serviço público, mas não um simples serviço, ainda que seja “público”, destinado a distribuir conhecimentos, e ainda que essa distribuição seja a mais equitativa possível. Ela “[...] não é e nem pode ser uma máquina de ensinar e aprender. Ela não é redutível a uma lógica de “serviço público”. Ela não depende da simples eficácia de suas funções sociais. Ela remete a valores ou, mais precisamente a princípios” (MEIRIEU, 2005, p. 24).

Em outras palavras, a qualidade de uma escola não pode ser medida apenas com a satisfação de alunos, pais e professores. Evidentemente, é preferível que todos estejam satisfeitos, mas essa satisfação não é suficiente em qualquer circunstância, e não se trata de obtê-la a qualquer custo. Na verdade, a qualidade da escola depende de que ela encare princípios fundamentais da “instituição escola”. Ou seja, que ela se institua e exista como escola, verdadeiramente.

Por mais paradoxal que possa parecer, em uma democracia, os princípios fundamentais da escola não resultam da escolha dos cidadãos e sim de condições a priori que tornam a democracia possível. De acordo com Meirieu (2005, p.27) “[...] escolher a democracia é não se dar o direito de escolher qualquer escola, mas escolher a Escola cujos princípios levam justamente ao advento e à renovação da democracia. Lembrando Kant, afirma ainda o autor, que “[...] existe um “imperativo categórico” da Escola na democracia: ‘Educar e ensinar as crianças para que elas possam ocupar seu lugar na vida democrática”.

De acordo com Meirieu (2005), a consequência desse imperativo, pode ser referida no plano pedagógico, como sendo a Escola da democracia aquela que consegue emancipar, pois essa é a condição do exercício democrático. Sem essa emancipação não há liberdade possível nem história, há a reprodução do passado e a proibição de entrar no futuro. No plano didático deve permitir a cada um compreender o mundo à sua volta e assumir seu lugar nas discussões que decidirão seu futuro.

É por isso que, em uma democracia, a Escola deve ser uma “Escola que una”, uma Escola que possa fundir um coletivo no interior do qual as diferenças possam ser expressadas, sem que isso abale suas estruturas. Segundo ensina Meirieu (2005, p.28), “[...] uma escola que faça da descoberta do que une um de seus principais fundamentos, o próprio fundamento da possibilidade de expressar, em seguida, de forma serena, o que diferencia e o que separa”.

De acordo com Hora (2012), é consenso que a consolidação da gestão democrática não é um processo espontâneo e fácil. A dinâmica das relações de poder pode entravar o avanço do caminho à democracia, sendo necessário que o permanente esforço humano seja coletivo e, encaminhado em função de decisões de grupos e não de indivíduos.

Oportuno destacar que a democracia e, em particular a gestão democrática na educação, são vistos sob diversos prismas. Tomados como mercadoria, como se tivessem prontas a serem consumidas, ou ainda, como algo que pode ser adquirido, assimilado e posto em uso imediatamente. De acordo com Luiz (2013, p.25), Riscal (2009) e Ribeiro (1995), a adoção da democracia assume inclusive um caráter cerimonial, com efeito, mobilizador e unificador do discurso democrático e quando voltado às massas, “[...] tende, frequentemente, a tornar-se catarse coletiva, passando a ter a forma de populismo”.

Por outro lado, a democracia, forma de governo que se encerra nos ideais de tolerância, da não violência, do livre debate de ideias e da irmandade, é produto da renovação gradual da sociedade e do legado de grandes lutas de ideias, que levaram ao reconhecimento necessário de que ela corresponde à melhor forma de governo possível, pois se legitima com a participação do povo, por meio da crítica livre e da laicidade de expressão dos pontos de vista (BOBBIO, 2000).

Partindo desse pressuposto, a democratização da educação pública, fundada no “Movimento das Diretas Já” e na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, estabelece a educação como um direito social, ao mesmo tempo em que, promulgada a Carta Magna, a gestão escolar é definida com base em princípios democráticos, permitindo a expansão dos espaços de participação nos processos decisórios, por meio da instituição de conselhos escolares.

Em face dessa perspectiva, o postulado da gestão democrática idealizado na década de 80, oferece a possibilidade de práticas transformadoras e participativas como a socialização das decisões, no entanto, ainda permanecem modelos sustentados com base no poder autoritário, no individualismo, na hierarquização, na participação tutelada e na auto-manutenção da escola.

Desse contexto contraditório para a efetivação dos processos de gestão democrática na escola, emerge a temática deste artigo, no sentido de que a discussão é ampla, pois o ideal da democratização da gestão escolar continua sendo perseguido, considerando-se que são cada vez mais complexos os problemas inerentes à governabilidade democrática da escola pública, especialmente porque os desafios do mundo contemporâneo, do cenário político, social e econômico, apresentam novas funções para os processos educativos.

Apresenta-se, assim, uma investigação sobre a teoria de Norberto Bobbio (2000, 1998, 2013) acerca das questões teóricas e práticas da democracia. Para o autor a democracia não se restringe a processos eleitorais, mas refere-se, especialmente a possibilidade de os indivíduos se desenvolverem livre e igualmente, de forma a estarem preparados a manifestar sua opinião nas coisas que lhes dizem respeito.

Democracia: entre os limites e as possibilidades

O estudo da democracia em Bobbio (2000; 2013) nos leva a compreender a questão da organização do poder, dos interesses, da conquista de espaços e da trama existente entre atores sociais, regras e movimentos, que ocorrem no interior da sociedade como um todo e, em particular, nas instituições que a compõe, como por exemplo, na escola.

Nesse sentido, poderemos observar que a democracia não se restringe aos processos eleitorais, por meio de eleições periódicas e sufrágio universal, mas permite efetivamente que os indivíduos possam usufruir dos principais direitos universais como a liberdade e a igualdade, de forma a poderem se expressar e manifestar suas opiniões não somente nos assuntos que lhes dizem respeito, de interesse pessoal, como principalmente, nos assuntos gerais da sociedade, que são fundamentais para o bem estar dos cidadãos.

As considerações de Bobbio (2000; 2013) apontam as incoerências e dificuldades da “democracia real” e apresentam valorosa contribuição para os elementos de discussão relacionados à gestão escolar democrática, especialmente no que diz respeito aos processos de participação das pessoas nas decisões e a questões como a visibilidade do poder, o consenso/dissenso e a responsabilidade dos representados e representantes.

Como ponto de partida é oportuno individuar o conceito de democracia para em seguida, recuperar o diálogo sobre a sua dimensão procedimental, os obstáculos e o significado da representação política, no sentido de melhor compreendermos o contraste ou a articulação entre os ideais democráticos1 e a “democracia real”2.De acordo com Bobbio (2000, p. 30), uma definição mínima seria como elemento contraposto as formas de governo autocrático, é a de “[...] considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos”.

Para essa definição de democracia, além do direito de participação de elevado número de cidadãos nas tomadas de decisão coletivas, da existência de regras de procedimento como a da maioria, ou pelo menos da unanimidade responsável por decidir, é imperiosa uma terceira condição: que aos chamados a decidir ou a eleger, sejam oferecidas alternativas reais de escolha e sejam postos em condições de poder escolher entre uma e outra. Desta forma, Bobbio (2000, p. 32) adverte que “[...] aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reuniões, de associação, etc.”. Touraine (1996) ratifica a concepção de Bobbio (2000), ao afirmar que:

[...] aceitemos, então, definir a democracia a partir de três princípios institucionais: em primeiro lugar, como ‘um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e quais procedimentos deverão ser adotados; [...] em seguida, ao afirmar que um regime é tanto mais democrático, quanto maior for o número de pessoas que participam, direta ou indiretamente, da tomada de decisões; enfim, ao sublinhar que as escolhas a serem feitas devem levar em consideração a realidade (TOURAINE, 1996, p. 19).

Após colocar esses princípios, Bobbio (2000) leva-nos a considerá-la como “matéria bruta”, ou seja, o contraste entre o que foi prometido e o que foi efetivamente realizado. Nesse sentido, elenca seis promessas não cumpridas para ela:

1) a hipótese de um indivíduo soberano, o povo como unidade ideal, como protagonista da vida política na sociedade democrática. Diz respeito ao nascimento da sociedade pluralista, em que grupos e não os indivíduos estão no centro do poder, ou seja, não existe a vontade de um povo ou da nação, de pessoas que adquiriram o direito de participar do governo direta ou indiretamente, mas existem muitos centros de poder, o povo dividido em grupos que se contrapõem nas tomadas de decisões, diferentemente do modelo idealizado de sociedade democrática, monística, constituída por indivíduos soberanos, um estado sem corpos intermediários, na qual entre o povo soberano e seus representantes não existem sociedades particulares;

2) distribuição do poder - a representação que atenda aos interesses da nação e não a interesses de grupos. Contempla o que Bobbio (2000) chamou de “revanche dos interesses”, o que significa que, na democracia representativa, ao invés de o representante perseguir os interesses gerais da nação, defende os interesses particulares do representado, de grandes grupos ou de organizações, vez que estão os representantes sujeitos a um mandato vinculado, por exemplo, ao partido que os elegeu;

3) a derrota do poder oligárquico. Considera a persistência do poder oligárquico na maioria dos estados, por meio de corporações privadas que influenciam os governos e manipulam a representação. Sobre isso, Bobbio (2000, p. 40) afirma que [...] se a democracia não consegue derrotar por completo o poder oligárquico, é ainda menos capaz de ocupar todos os espaços nos quais se exerce um poder que toma decisões vinculatórias para um inteiro grupo social [...];

4) a democracia ocupar todos os espaços em que se realizam as decisões. Diz respeito ao aumento dos espaços nos quais se pode exercer o direito de tomar decisões e a não ocupação de todos esses espaços em que se discutem os mais diversos temas sociais e políticos;

5) a eliminação do poder invisível. Ao lado do modelo de democracia fundada na transparência das ações, na existência de um estado visível, que permite ao governo desenvolver publicamente suas ações, há um estado “invisível”, em que as decisões políticas nas diversas instituições que o compõem são tomadas sem o conhecimento de grande parte dos cidadãos;

6) a educação para a cidadania que surgiria no próprio exercício da prática democrática. Esta não se realizou plenamente por vários fatores, dentre os quais a existência de uma apatia política que atinge a metade dos que têm direito ao voto. Nessa perspectiva, o desinteresse pela política vem aumentando, denunciando a substituição de interesses comuns pelos interesses particulares e principalmente à renúncia ao uso do próprio direito da prática democrática.

Sobre essa realidade trazida por Bobbio (2000) do contraste entre o que foi prometido e o que foi realizado em termos de democracia, Touraine (1996) argumenta:

[...] a realidade política é bem diferente do modelo que acaba de ser proposto: as grandes organizações, partidos e sindicatos têm um peso crescente na política, o que muitas vezes retira toda a realidade ao povo ‘supostamente soberano’; os interesses particulares não desaparecem diante da vontade geral e as oligarquias se mantêm. Enfim, o funcionamento democrático não chega a penetrar na maior parte dos setores da vida social e o segredo, contrário à democracia, continua a desempenhar um papel importante; muitas vezes por trás das formas da democracia constrói-se um governo de técnicos e aparelhos (TOURAINE, 1996, p. 19-20).

E essas promessas poderiam ser cumpridas? Bobbio (2000, p. 46) adverte que não. Ressalta que [...] o projeto político democrático foi idealizado para uma sociedade muito menos complexa que a de hoje. As promessas não foram cumpridas por causa de obstáculos que não estavam previstos ou que surgiram em decorrência das “transformações” da sociedade civil [...]. O autor destaca três obstáculos que impediram a realização do projeto ideal de democracia.

O primeiro obstáculo é “o governo dos técnicos”, exigência requerida pelas transformações ocorridas na sociedade, como o deslocamento da economia familiar para uma economia de mercado e, desta última, para uma economia regulada, planificada, razões do avanço dos problemas políticos, suscitando especialistas com competências técnicas, excluindo-se do papel decisório o cidadão considerado “homem comum”. Nesse sentido, tecnocracia e democracia, de acordo com Bobbio (2000) são antitéticas, pois a democracia sustenta-se na hipótese de todos poderem decidir a respeito de tudo e a tecnocracia, ao contrário, convoca para decidir os poucos que detêm conhecimentos específicos.

O segundo obstáculo diz respeito ao contínuo crescimento da burocracia, [...] um aparato de poder que ordenado hierarquicamente do vértice à base e, portanto, diametralmente oposto ao sistema de poder democrático [...] (BOBBIO, 2000, p. 47). Esse processo de burocratização foi resultado do processo de democratização, pois a partir do momento em que o estado social passa a atender a demanda democrática, a consequência foi o crescimento do aparato burocrático.

Por fim, o terceiro obstáculo denominado pelo autor de “o baixo rendimento”, consiste na “ingovernabilidade da democracia”, devido ao aumento e a rapidez das demandas da sociedade civil e a dificuldade de respostas do governo, o que obriga o sistema político a fazer opções entre os pleitos dos cidadãos e, além disso, são lentos os procedimentos de um sistema político democrático. Como adverte Bobbio (2000, p. 49), [...] a democracia tem demanda fácil e a resposta difícil; a autocracia, ao contrário, está em condições de tornar a demanda mais difícil e dispõe de maior facilidade para dar respostas.

Em conclusão, sobre as promessas não cumpridas e os obstáculos à democracia, Bobbio (2000) afirma que, apesar das dificuldades, o conteúdo mínimo do estado democrático permanece como [...] a garantia dos principais direitos de liberdade, existência de vários partidos em concorrência entre si, eleições periódicas a sufrágio universal, decisões coletivas ou concordadas (BOBBIO, 2000, p. 50). Para o autor,

[...] existem democracias mais sólidas e menos sólidas, mais invulneráveis e mais vulneráveis; existem diversos graus de aproximação com o modelo ideal, mas mesmo a democracia mais distante do modelo não pode ser de modo algum confundida com um estado autocrático e menos ainda como um totalitário (BOBBIO, 2000, p. 50).

Nesse sentido, reconhece o autor que mesmo com as promessas não cumpridas e apesar da distância entre o modelo ideal e o modelo real da democracia, ela não está prestes a acabar, podendo expandir na forma pretendida.

Para Bobbio (2000), a democracia como um conjunto de regras é resultado de grandes lutas de ideias. Primeiramente, o ideal de tolerância, após séculos de guerras cruéis de religião. Segundo, o ideal da não violência, próprio de governo democrático, em que se permite resolver os conflitos sociais sem a utilização da violência. Terceiro, o ideal de renovação constante da sociedade, por meio do [...] livre debate de ideias e da mudança das mentalidades e do modo de viver: apenas a democracia permite a formação e a expansão das revoluções silenciosas (BOBBIO, 2000, p. 52). Por fim, o ideal de irmandade, que une os homens e, reconhecidamente, torna possível a permanência do regime democrático.

Outra constatação importante é sobre a expressão “democracia representativa” que, de acordo com Bobbio (2000), significa que as deliberações políticas que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas por representantes eleitos para essa finalidade e não com a participação de todos os cidadãos, sem intermediários, que no caso seria a chamada “democracia direta”.

Bobbio (2000) faz um debate asseverando o tão presente interesse pela democracia direta, especialmente nos últimos anos. Porém, ressalta que tal exigência não é recente e já existi há séculos, nas considerações de Jean Jaques Rousseau, que também julgou que uma verdadeira democracia jamais existiu e nem existirá, devido a não realização de condições consideradas difíceis. Dentre essas condições irrealizáveis estão, em primeiro lugar, a existência de um estado pequeno que possibilite ao povo reunir-se e conhecerem-se uns aos outros. Em segundo lugar, a simplicidade de costumes que impossibilite o aumento dos problemas e discussões difíceis. E por fim, as pessoas viverem com pouco ou nada de luxo. O que ocorre de acordo com Bobbio (2000) é que

[...] os estados tornam-se cada vez maiores e sempre mais populosos, e neles nenhum cidadão está em condições de conhecer todos os demais, os costumes não se tornaram mais simples, tanto que os problemas se multiplicaram e as discussões são a cada dia mais espinhosas, as desigualdades de fortunas ao invés de diminuírem tornam-se, nos estados que se proclamam democráticos (embora não no sentido rousseauniano da palavra), cada vez maiores e continuam a ser insultantes; além disso, o luxo que segundo Rousseau “corrompe ao mesmo tempo o rico e o pobre, o primeiro com a posse e o segundo com a cupidez, não desapareceu (tanto é verdade que entre as reivindicações intencionalmente provocantes, mas não extravagantes de alguns grupos contestadores existe também a do direito ao luxo (BOBBIO, 2000, p. 54).

Nesse sentido, seria a democracia direta insensata? Bobbio (2000) sustenta que não, mas quando faz essa afirmação, não está se referindo à democracia direta entendida literalmente como a participação de todos os cidadãos em todas as decisões, numa sociedade sempre mais complexa, dado que isso seria algo materialmente impossível. Para o autor, a fórmula da “democracia representativa à democracia direta” seria buscar uma direção adequada entre soluções meramente verbais e propostas reais, o que necessariamente redunda em uma discussão que começaria sobre o significado da “democracia representativa”.

Um dos primeiros pontos a esclarecer diz respeito ao equívoco de reputar “democracia representativa” e “estado parlamentar” com o mesmo significado. No primeiro caso, como já dissemos, trata-se de as decisões serem tomadas por pessoas eleitas para essa finalidade e no segundo, é aquele estado no qual é representativo o órgão central, denominado parlamento, de onde partem as decisões coletivas fundamentais.

O que se concebe hoje, como estado representativo relaciona-se ao fato de o princípio da representação estar estendido também a diversas outras sedes onde se tomam decisões coletivas. Em outras palavras, de acordo com Bobbio (2000, p. 57), um estado representativo [...] é um estado no qual as principais deliberações políticas são tomadas por representantes eleitos, importando pouco se os órgãos de decisão são o parlamento, o presidente da república, o parlamento mais os conselhos regionais, etc. Da mesma forma, Bobbio (2000, p. 57) chama a atenção para que

[...] se por democracia entendemos um regime no qual todos os cidadãos adultos têm direitos políticos – onde existe, em poucas palavras, o sufrágio universal -, devemos considerar que historicamente os parlamentos vieram antes da extensão do sufrágio e que, portanto, por muito tempo existiram estados parlamentares que eram representativos, mas não democráticos.

O que se afirma, portanto, é quem nem todo estado representativo é democrático simplesmente por ser representativo e também é verdade que nem todo o estado representativo é em princípio e foi historicamente uma democracia. Disso decorre que [...] a crítica ao estado parlamentar não implica a crítica a democracia representativa (BOBBIO, 2000, p. 57). Ademais, nem toda crítica à democracia representativa leva à democracia direta.

Outra questão muito importante que Bobbio (2000) chama a atenção é para o significado da representação política no que se refere aos poderes dos representantes e ao conteúdo da representação. Quanto aos poderes esses podem ser limitados e revogáveis ad nutum3ou serem constituídos de certa liberdade em nome dos representados, de modo que, usufruindo da confiança deles, possam interpretar com discernimento próprio os seus interesses.

Como conteúdo, o representante pode ser chamado a representar os interesses gerais do cidadão ou os seus interesses particulares4. No primeiro exemplo, não se faz necessário que o representante seja da mesma categoria profissional do representado, no entanto, hoje é muito recorrente nos sistemas representativos, a formação de uma categoria profissional específica de representantes, que é a categoria dos políticos de profissão5. Já no segundo exemplo, o representante é chamado a representar os interesses específicos de uma categoria e, normalmente, faz parte dessa mesma categoria.

Bobbio (2000, p. 59) destaca “a relação que existe, de um lado, entre a figura do representante como delegado e a da representação dos interesses particulares, e de outro lado entre a figura do representante como fiduciário e a representação dos interesses gerais”. Ressalta o autor que as duas coisas caminham juntas e como exemplo cita a contestação estudantil que, por meio dos movimentos dos estudantes dispensou seus organismos representativos que eram fiduciários e não delegados e, impôs através de suas assembleias o princípio do mandato imperativo, ficando óbvia a preferência por uma representação orgânica, que defende interesses particulares.

O inverso se dá com a representação política, numa democracia representativa, em que o representante deva ser um fiduciário e não um delegado. Com respeito a “que coisa”, ele deve representar interesses gerais e não interesses particulares dos eleitores, mesmo porque vigora o princípio da proibição do mandato imperativo.

Com isso, Bobbio (2000, p. 59-60) ensina que nas democracias representativas que conhecemos, por representante, considera-se a pessoa que tenha duas características bem definidas:

[...] a) na medida em que goza da confiança do corpo eleitoral, uma vez eleito não é mais responsável perante os próprios eleitores e seu mandato, portanto, não é revogável; b) não é responsável diretamente perante os seus eleitores exatamente porque convocado a tutelar os interesses gerais da sociedade civil e não os interesses particulares desta ou daquela categoria.

O autor alerta para o fato de que, num sistema representativo, os eleitores preferem votar levando em consideração os interesses particulares, citando como exemplo, um operário comunista que não vota num operário não-comunista, mas vota num comunista mesmo não sendo esse um operário, o que significa que a solidariedade do partido é mais forte que a solidariedade de categoria e, nesse sentido, prevalece à consideração dos interesses particulares.

Compreendidas as características da representação, entendem-se melhor as críticas à democracia representativa, na defesa de uma democracia mais larga e completa, em resumo, mais democrática. Nesse sentido, predominam dois pontos importantes:

[...] a crítica à proibição do mandado imperativo e, portanto, à representação concebida como relação fiduciária, feita em nome de um vínculo mais estreito entre representante e representado, análogo ao que liga o mandante e o mandatário nas relações do direito privado, e a crítica à representação dos interesses gerais, feita em nome da representação orgânica ou funcional dos interesses particulares desta ou daquela categoria (BOBBIO, 2000, p. 60).

Ambas as críticas, a proibição do mandato imperativo e da representação de interesses ou orgânica6, não são recentes, a primeira é própria do pensamento político marxista7 e a segunda foi característica do pensamento socialista inglês8. No entanto, segundo Bobbio (2000, p. 61), [...] nenhuma das propostas com relação ao sistema representativo clássico transforma a democracia representativa em democracia direta.

Bobbio (2000) não vê objeção sobre a representação orgânica, no entanto, quando se tratam de interesses dos cidadãos e não os da categoria, afirma que os representantes devem ser os cidadãos, que se distinguirão não em razão das categorias que representam, mas em razão das visões distintas sobre os problemas.

De todo o modo, Bobbio (2000) nos leva a refletir que se a representação por mandato não é propriamente uma democracia direta, é um caminho intermediário entre a democracia representativa e a democracia direta. Além disso, os seus significados históricos da democracia representativa e da democracia direta são tantos e de tal ordem que não se pode criticar uma ou outra das formas e nem considerá-las como excludentes.

Assim, democracia representativa e democracia direta não são consideradas como dois sistemas alternativos, mas são sistemas que se podem integrar reciprocamente, sendo ambos necessários e não suficientes em si mesmos.

A democracia direta no sentido próprio da palavra não é suficiente se consideramos que ela possui dois institutos: a assembleia dos cidadãos deliberantes9 (sem intermediários) e o referendum10. No estado moderno, esses institutos não podem funcionar apenas com um ou com outro e nem mesmo com ambos conjuntamente, devido à existência de uma sociedade em expansão e em condições diferentes das de séculos passados.

Hoje, na inexistência de cidades-estados, as cidades são divididas em bairros ou zonas e surgem comitês de bairros, podendo-se falar de democracia direta (mas quantitativamente muito limitada), mas que, passando do momento da formação inicial e espontânea e, tornando-se institucionalizado, passa a ter a forma representativa através não da assembleia de cidadãos, mas de seus representantes.

Outro elemento de discussão diz respeito à passagem da democracia política para a social. Para entender esse movimento, Bobbio (2000) aponta para a questão do fluxo do poder, que pode ter duas direções, descendente ou ascendente. A primeira refere-se ao poder burocrático, desce do alto para baixo. O segundo que vai de baixo para cima é o poder político, aquele exercido em todos os níveis em nome e por conta do cidadão. Ocorre que o processo de democratização entendido como o processo de expansão do poder ascendente,

[...] está se estendendo da esfera das relações políticas, das relações nas quais o indivíduo é considerado em seu papel de cidadão, para a esfera das relações sociais, onde o indivíduo é considerado na variedade de seus status e de seus papéis específicos, por exemplo, de pai e de filho, de cônjuge, de empresário e de trabalhador, de professor e de estudante e até mesmo de pai de estudante, de médico e de doente, de oficial e de soldado, de administrador e de administrado, de produtor e de consumidor, de gestor de serviços públicos e de usuário, etc (BOBBIO, 2000, p. 67).

Desta forma, pode-se dizer que, atualmente, o processo de democratização consiste não tanto na passagem da democracia representativa para a direta, mas na passagem da política em sentido estrito para a social, que vem a representar a extensão do poder ascendente para o campo da sociedade civil, nas várias articulações, compreendendo os espaços da escola à fábrica.

Trata-se da ocupação de novos espaços, espaços esses dominados até o momento por organizações burocráticas, representando uma significativa mudança no desenvolvimento das instituições democráticas que se resume, de acordo com Bobbio (2000), à fórmula seguinte: da democratização do estado à democratização da sociedade. Representa, especialmente, que a esfera política, onde são tomadas as decisões mais importantes para o coletivo, está incluída numa esfera mais ampla que é a esfera da sociedade. De acordo com Melo (2007, p. 43),

[...] esta conquista, ou democratização da sociedade, significa que devemos considerar a existência de outros centros de poder além do Estado, ou seja, uma sociedade pluralista. Esta é, no entanto, uma decorrência deste processo. O pluralismo é outro elemento importante que está presente no jogo social.

Nesse sentido, devemos levar em conta que as instituições permitem que ali dentro, também as pessoas tenham voz e vez nas discussões, de modo a que possam defender um contraponto no que diz respeito aos interesses da sociedade civil e à intervenção nos assuntos públicos

Para Bobbio (2000), o índice do desenvolvimento democrático, hoje, é medido não mais com o critério de maior número de pessoas que exercem o direito de voto, mas pelo número de instâncias onde se vota (no sentido de participar), ou seja, o avanço da democracia é medido pela conquista de espaços nos quais o cidadão exerce seu poder de eleitor. Nessa mesma direção, Touraine (1996, p. 42) afirma que a democracia é definida [...] como a penetração do maior número de atores sociais, individuais e coletivos, no campo das decisões, de tal modo que ‘o espaço do poder se torna um espaço vazio’.

Podemos considerar como reforma democrática, no sentido da expansão dos espaços de participação, a instituição de conselhos escolares com a participação de representantes de pais. Mas, adverte Bobbio (2000), que esse é um processo cujas etapas ou duração são imprecisos, não sendo possível conceber se prosseguirá ou se será interrompido, uma vez que conta com sintomas encorajadores, como o desejo de participar, e outros nem tanto animadores, como a apatia política, ou seja, a frequente indiferença de muitos.

Santos (2014, p. 93), afirma que a questão da representatividade é fundamental nas democracias, mas as distorções causadas na política como [...] o empobrecimento político partidário, a consagração da irresponsabilidade dos eleitos, o desnorteamento crescente dos eleitores desmotivam a vontade popular.

Além disso, nesse processo, apesar da conquista de espaços, existem aqueles que ainda não foram, de alguma forma, atingidos pela democratização, como a grande empresa e a administração pública e porque não dizer, a escola, que resistem à pressão das forças ascendentes, e por isso, a meta desejável da democracia não pode ser dada por completa.

A sociedade democrática, constituída por vários centros de poder, coloca em discussão o sentido do pluralismo. Bobbio (2000) adverte que os conceitos de sociedade democrática e pluralismo não são a mesma coisa. Em suas palavras,

[...] pode-se muito bem encontrar uma sociedade pluralista que não seja democrática e uma sociedade democrática que não seja pluralista. Para representar a primeira, a mente chega imediatamente à sociedade feudal, que é o exemplo historicamente mais convincente de uma sociedade constituída por vários centros de poder, com frequência concorrentes entre si, e por um poder central muito débil, que hesitaríamos em chamar de estado no sentido moderno da palavra, isto é, no sentido de que o termo “estado” está referido aos estados territoriais que nascem exatamente da dissolução da sociedade medieval. A sociedade feudal é uma sociedade pluralista mas não é uma sociedade democrática: é um conjunto de várias oligarquias. Para representar a segunda, nos ajuda o exemplo da democracia dos antigos, na qual toda a atividade pública desenvolvida na polis e na qual, por ser a democracia direta, inexistia qualquer corpo intermediário entre o indivíduo e a cidade (BOBBIO, 2000, p.71).

A compreensão sobre esses conceitos se faz necessária quando se quer entender o desenvolvimento ou não do processo de democratização. É certo que nas nossas sociedades, diferentemente da antiga polis, há vários centros de poder, por conta disso, devemos fazer as contas com o pluralismo, diferentemente do que aconteceria na democracia dos antigos.

O pluralismo é uma realidade que devemos procurar interpretar. Para Bobbio (2000), antes de ser uma teoria, o pluralismo é uma situação objetiva na qual estamos envolvidos em nossa experiência cotidiana, haja vista pensarmos, por exemplo, na existência do pluralismo nos níveis econômico, com várias empresas em concorrência; no político, com a existência de vários partidos; no ideológico, com diversas orientações de pensamento. Nesse sentido, nada mais correto do que admitirmos que a democracia de um estado moderno não pode ser outra coisa senão uma democracia pluralista. Bobbio (2000, p. 72) explica que:

[...] a teoria democrática e a teoria pluralista têm em comum o fato de serem duas propostas diversas, mas não incompatíveis (ao contrário, são convergentes e complementares) contra o abuso do poder; representam dois remédios diversos, mas não necessariamente alternativos contra o poder exorbitante.

A convergência está em que a teoria democrática ataca o poder autoritário e a teoria pluralista ataca o poder monocrático. Ambos os remédios buscam lutar contra o abuso do poder em duas frentes, [...] contra o poder que parte do alto em nome do poder que vem de baixo, e contra o poder concentrado em nome do poder distribuído (BOBBIO, 2000, p. 73). Nesse caso, o autor concebe que,

[...] onde a democracia direta é possível, o estado pode muito bem ser governado por um único centro de poder, por exemplo, a assembleia de cidadãos. Onde a democracia direta, em decorrência da vastidão do território, do número de habitantes e da multiplicidade de problemas que devem ser resolvidos, não é possível e deve-se então recorrer à democracia representativa, a garantia contra o abuso do poder não pode nascer apenas do controle a partir de baixo, que é indireto, mas deve também poder contar com o controle recíproco entre os grupos que representam interesses diversos, os quais se exprimem por sua vez através de diversos movimentos políticos que lutam entre si pela conquista temporária e pacífica do poder (BOBBIO, 2000, p. 73).

No que se refere à democracia representativa, seu defeito, se comparado à democracia direta, diz respeito à tendência à formação de pequenas oligarquias, que são os comitês dirigentes dos partidos. Bobbio (2000) explica que esse defeito poderia ser resolvido pela existência de uma pluralidade de oligarquias em concorrência entre si, advertindo que melhor seria se, através de uma democratização da sociedade civil, e com o aumento e a melhoria da participação dos indivíduos, essas pequenas oligarquias passassem a ser cada vez menos oligárquicas, permitindo que o poder não fosse apenas distribuído, mas inclusive controlado. Desta forma, o pluralismo apresenta

[...] uma característica fundamental da democracia dos modernos em comparação com a democracia dos antigos: a liberdade – melhor: a liceidade – do dissenso. Esta característica fundamental da democracia dos modernos baseia-se no princípio segundo o qual o dissenso, desde que mantido dentro de certos limites (estabelecidos pelas denominadas regras do jogo), não é destruidor da sociedade, mas solicitador, e uma sociedade em que o dissenso não seja admitido é uma sociedade morta ou destinada a morrer (BOBBIO, 2000, p. 73-74).

Por isso, democracia pressupõe o dissenso, dado que o direito de oposição deve ser livre e, apenas onde ele estiver presente, há o consenso real. Basta pensarmos que o consenso unânime é impossível e que um [...] consenso organizado, manipulado, manobrado e, portanto, fictício (BOBBIO, 2000, p. 74), ou um consenso por pura aceitação de comando, não significam um regime democrático. Sobre essas considerações Bobbio (2000, p.75) acrescenta que existe [...] uma relação necessária entre democracia e dissenso e que a única forma de verificarmos se o consenso é real e não fictício é verificando o seu contrário.

Ressalta o autor que não existem tipos ideais de dissenso, nem existe um sistema que não haja limites ao dissenso, apesar da proclamação da liberdade de opinião, de imprensa, etc., assim como também, inexiste um sistema no qual não transpareça o dissenso, apesar das limitações impostas pela autoridade. Da relação entre o problema do pluralismo ao problema do dissenso, Bobbio (2000, p. 76) acrescenta que:

[...] a liberdade de dissentir tem necessidade de uma sociedade pluralista, uma sociedade pluralista consente uma maior distribuição do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a democratização da sociedade civil e, enfim, a democratização da sociedade civil alarga e integra a democracia política.

Bobbio (2000) afirma que uma sociedade pluralista e o dissenso são capazes de alargar os caminhos para a democracia, sem que se chegue, necessariamente à democracia direta, mas seria esse um caminho, certamente não tão fácil, mas que poria um meio termo entre [...] não se iludir sobre o melhor e a de não se resignar com o pior (BOBBIO, 2000, p. 76).

Nesse caminho de busca pela democracia, tem grande importância a discussão sobre as regras do jogo, que amadurecidas ao longo dos séculos, são mais elaboradas que as regras de outros sistemas e que, por certo, continuam a ser reformadas, uma vez que há aquelas que são conservadas, outras que são suprimidas e até mesmo aquelas que são substituídas, quando não mais aceitas. Como aponta Bobbio (2000), um bom governo, não é assim considerado apenas por respeitar as regras do jogo, mas, na luta política o respeito a estas regras constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema.

E como saber, com segurança, em um sistema democrático, quais regras devem ser mantidas e quais devem ser descartadas? [...]. Conservaremos o sufrágio universal, mas não a liberdade de opinião? A liberdade de opinião, mas não a pluralidade de partidos? A pluralidade de partidos, mas não a proteção jurídica dos direitos civis? (BOBBIO, 2000, p. 79).

Em resposta, o autor afirma que as regras do jogo podem ser modificadas haja vista o fato de que todas as constituições democráticas preveem procedimentos para a revisão das próprias normas constitucionais. Entretanto, isso não dirime a questão de se saber se todas as regras podem ser modificadas ou não, pois, nesse processo decisório há uma complexa trama de relações entre as regras, os atores e movimentos que fazem um todo único.

Na teoria das regras estão as denominadas constitutivas - que constituem elas próprias os comportamentos previstos e, as reguladoras - que se limitam a regular comportamentos. Nesse sentido, as regras do jogo político são tipicamente regras constitutivas, por exemplo, [...] o comportamento eleitoral não existe fora das leis que instituem e regulam as eleições [...] (BOBBIO, 2000, p. 81), ou seja, as pessoas votam porque existe uma lei eleitoral. Por isso Bobbio (2000) afirma que regras do jogo, atores11 e movimentos se relacionam, mesmo porque atores e movimentos devem sua existência as regras. Um exemplo dessa relação está presente nos movimentos que ocasionaram grandes rupturas, como o ocorrido em 1968:

[...] um novo modo de fazer política com novos atores, assembleia, manifestações e agitações de rua, ocupações de locais públicos, interrupções de aulas e de reuniões universitárias; mas também refutou algumas das regras fundamentais do sistema democrático, a começar das eleições (com a destruição dos organismos representativos denominados pejorativamente de parlamentozinhos) e do instituto de representação sem mandato imperativo, substituindo-os pelo princípio da democracia direta e da revogação do mandato (BOBBIO, 2000, p. 82).

Essa série de convulsões com novos atores, almejando quebrar regras, não produziu a transformação desejada, certamente porque faltaram alternativas exatamente no que se refere às regras do jogo. Entretanto, o sistema democrático resistiu apesar de os principais atores (os partidos tradicionais) terem sobrevivido e ainda continuarem a recolher consensos, apesar dos protestos; dos ritos eleitorais continuarem a ser celebrados, porém com o aumento da abstenção do voto.

Bobbio (2000) destaca também o assunto “poder invisível”, cuja presença corrompe a democracia. No estado constitucional, a regra é o caráter público das decisões e dos atos dos governantes, sendo esse um dos eixos do regime democrático, mesmo quando o ideal de democracia direta passa a ser substituído pelo ideal de democracia representativa, que no caso só é possível se ocorrer na esfera do público.

Nesse sentido, para o autor surge outro tema estreitamente ligado ao do poder visível que é o da descentralização, que vem a sugerir que [...] a visibilidade não depende apenas da apresentação em público de quem está investido no poder, mas também da proximidade espacial entre o governante e o governado (BOBBIO, 2000, p.102). O autor faz considerações sobre o caráter público do governo nacional e do governo municipal, sendo que o nacional se efetua, sobretudo,

[...] através da imprensa, da publicação das atas parlamentares ou das leis e de outras providências no Diário Oficial. O caráter público do governo de um município é mais direto, e é mais direto exatamente porque é maior a visibilidade dos administradores e das suas decisões (BOBBIO, 2000, p. 102).

Desta forma, pode-se interpretar que um governo é tanto mais visível quanto mais perto estiver o cidadão do administrador, por isso, a relevância e a revalorização da periferia com relação ao centro. Bobbio (2000) contribui para esclarecer a questão da visibilidade do poder público entendida como acessibilidade e controlabilidade dos atos de quem detém o poder, trazendo um exemplo clássico de que

[...] a publicidade assim entendida é uma categoria tipicamente iluminista na medida em que representa bem um dos aspectos da batalha de quem se considera chamado a derrotar o reino das trevas: onde quer que tenha ampliado o próprio domínio, a metáfora da luz e do clareamento (BOBBIO, 2000, p. 103).

Esse trecho é importante, pois representa a ideia de descoberta como instrumento de combate aos abusos (por exemplo, a corrupção e outros ilícitos), e ao exercício do poder autocrático, que não somente esconde como dissimula as reais intenções no momento em que são tomadas as decisões. A característica da democracia que tem como compromisso a visibilidade do poder, no dizer de Bobbio (2000, p. 205), [...] é a publicidade dos atos do governo, pois somente quando o ato é público os cidadãos estão em condição de julgá-lo e, portanto, de exercer diante dele uma das prerrogativas fundamentais do cidadão democrático, o controle dos governantes.

Outro exemplo é garantido com o pensamento de Kant que se traduz na [...] tese da publicidade dos atos do governo como remédio contra a imoralidade da política (BOBBIO, 2000, p. 113). É uma advertência para ressaltar que a visibilidade do poder é uma necessidade não apenas política, mas moral, sendo esse um critério para distinguir um bom governo de um mau governo. Desta forma, de acordo com Bobbio (2000, p. 205), o princípio da visibilidade é imprescindível já que se opõe [...] a tendência natural do poder – de qualquer forma de poder – de se esconder, ou não declarando em público as próprias intenções ou declarando-as de forma mentirosa, subtraindo-se dos olhares indiscretos das pessoas ou mascarando-se.

Em geral, sempre se encontra todo tipo de pretexto para não se deixar ver ou para se justificar a transgressão da obrigação de ser transparente. Os pretextos mais comuns são: [...] 1) os assuntos de Estado são complicados demais para serem postos à disposição do público, que além do mais não os compreenderia; 2) não se deve revelar as próprias intenções ao inimigo” – esse referindo-se sobretudo à política externa. (BOBBIO, 2000, p. 206). Por outro lado, Bobbio (2000, p. 114), cuidadosamente, não deixa de asseverar que o estado democrático deve tutelar uma esfera privada dos cidadãos, por exemplo,

[...] mediante a configuração do delito de violação de correspondência [...] ou mediante a defesa da privacidade ou intimidade da vida individual e familiar contra os olhares indiscretos dos poderes públicos ou dos formadores de opinião pública; ou exige que algumas esferas de sua própria atuação não sejam abertas ou manifestas ao público.

Com essas colocações o autor pretende enfatizar que [...] existe sempre uma diferença entre autocracia e democracia, já que naquela o segredo de estado é uma regra e nesta uma exceção regulada por leis que não lhe permitem uma extensão indébita (BOBBIO, 2000, p. 114-115). Isso significa que a publicidade dos atos do poder representa um importante mecanismo de regime democrático no que diz respeito à tutela dos interesses do cidadão. No desenrolar de toda essa discussão, Bobbio (2013, p. 35) assevera que

[...] a democracia é certamente a mais perfeita das formas de governo, ou pelo menos a mais perfeita entre as que os homens foram capazes de imaginar e, pelo menos em parte, de realizar, mas justamente porque é a mais perfeita é também a mais difícil. Seu mecanismo é o mais complicado; mas, justamente por ser o mais complicado, é também o mais frágil. Esta é a razão pela qual a democracia é o regime mais desejável, mas também o mais difícil de fazer funcionar e o mais fácil de se arruinar: ela se propõe a tarefa de conciliar duas coisas contrastantes, que são a liberdade e o poder.

Por isso, a dificuldade da democracia, segundo Bobbio (2013), está em conceder a liberdade aos cidadãos individuais de modo que não seja tão ampla a ponto de tornar impossível a unidade do poder e ao mesmo tempo, que a unidade do poder não seja tão compacta a ponto de tornar impossível a expansão da liberdade. Com base nisso, o regime democrático tem como finalidade a igualdade entre os homens. Mas Bobbio (2013) adverte que essa igualdade deve vista não como ponto de partida, mas de chegada. Nesse sentido, sendo o Brasil um país de grandes desigualdades podemos garantir que estamos distantes de ser uma sociedade democrática.

Enfim, para Bobbio (2013) qual democracia? O autor traz à luz como a democracia ideal, aquela considerada sob três aspectos: 1. Baseada no consenso do povo, porém permitindo e respeitando o dissenso (a presença e a força do dissenso é que medem a qualidade do consenso); 2. Verificando-se periodicamente o consenso, pois a confiança concedida em democracias é sempre temporária; 3. Com a mobilidade e a circulação da classe política, dada a presença de estratos políticos concorrentes. Em resumo, nas palavras do autor, os [...] elementos imprescindíveis de uma democracia são o princípio do consenso, o princípio da responsabilidade política e a mobilidade da classe dirigente (BOBBIO, 2013, p. 53).

Na verificação desses três indicadores, Bobbio (2013) faz alusão à Itália dos anos 50 (mas que serve para outros lugares). Sobre o princípio do consenso, os partidos indicam os candidatos a serem escolhidos pelos eleitores e esses confirmam a partir de baixo quem foi designado de cima. Isso indica que a relação entre corpo eleitoral e classe política não é direta. Sobre a responsabilidade que deveria existir entre ele eleitos e eleitores, afirma que se à relação de responsabilidade que deveria ocorrer entre eleitos e eleitores se interpõe cada vez mais difundida da burocracia. Quanto à mobilidade da classe política, ocorre o “centrismo político”, não se verificando alternância entre direita e esquerda.

Em meio a tantos obstáculos, a democracia terá possibilidades de se desenvolver plenamente quando a representatividade social dos governantes estiver garantida com a condição de que essa representatividade esteja associada à consciência da cidadania. Touraine (1996, p. 97) afirma que [...] a ideia de cidadania proclama a responsabilidade política de cada um e, portanto, defende a organização voluntária da vida social contra as lógicas não políticas, que alguns acham ser ‘naturais’, do mercado, ou do interesse nacional.

Com as observações precedentes sobre as vias da política num sistema democrático, Bobbio (2000, p. 51) afirma: [...] se a democracia é predominantemente um conjunto de regras de procedimento, como pode pretender contar com cidadãos ativos? Para ter os cidadãos ativos será que não são necessários alguns ideais? Diante disso, para clarear o caminho, Bobbio (2000) relembra as conquistas como o ideal da tolerância, o da não-violência e o ideal da renovação gradual da sociedade através do livre debate das ideias e da mudança das mentalidades e do modo de viver, considerando que, somente a democracia pode permitir a formação desses e de outros ideais. Nesse sentido, ganha destaque a educação para a cidadania12, único modo de fazer com que o cidadão se torne ativo e participe das decisões políticas. Desta forma, Bobbio (2000, p. 44) exemplifica:

[...] a participação eleitoral tem um grande valor educativo; é através da discussão política que o operário, cujo trabalho é repetitivo e concentrado no horizonte limitado da fábrica, consegue compreender a conexão existente entre eventos distantes e o seu interesse pessoal e estabelecer relações com cidadãos diversos daqueles com os quais mantém relações cotidianas, tornando-se assim membro consciente de uma comunidade.

É a partir dessa visão que a educação para a cidadania oportuniza a diminuição das dificuldades formais da democracia, como por exemplo, o cidadão poder livrar-se de seus governantes sem o derramamento de sangue, a realização das revoluções silenciosas e o agir das pessoas de modo consequente do ponto de vista ético. Para Touraine (1996, p. 199) “[...] definir democracia como meio institucional favorável à formação e ação do sujeito não teria sentido concreto se o espírito democrático não penetrasse todos os aspectos da vida social organizada, tanto a escola como o hospital, tanto a empresa como o município”.

Cabe, portanto, à educação, de acordo com Touraine (1996), perseguir dois objetivos: 1) a formação da razão e da capacidade de ação racional; 2) o desenvolvimento da criatividade pessoal e do reconhecimento do outro como sujeito. O primeiro objetivo defende que o conhecimento deve permanecer no âmago da educação e não o programa educacional ser reduzido ao favorecimento da socialização pelo grupo de pares ou colegas, ou oferecer respostas às necessidades da economia. O segundo objetivo é a aprendizagem da liberdade, que passa ao mesmo tempo pelo espírito crítico e inovação, pela consciência de sua individualidade, assim como o reconhecimento do outro.

Nas exatas palavras do autor: [...] a educação, no plano dos programas, deve comportar três grandes objetivos: o exercício do pensamento científico, a expressão pessoal e o reconhecimento do outro (TOURAINE, 1996, p. 200). É por isso que a escola deve ser heterogênea, local onde sejam compartilhados o espírito nacional, a tolerância e a liberdade.

Considerações Finais

Quando se fala de democracia na atualidade, tem-se em mente o cidadão responsável e preocupado com o bem público. Mas é comum a indiferença política ganhar cada vez mais espaço na sociedade, uma vez que há o crescente retraimento das pessoas em uma vida privada. Touraine (1996) aponta que a democracia se mantém vivificada a partir das negociações que ocorrem entre o Estado e a pluralidade de atores sociais.

Do pressuposto de que a democracia se apoia na responsabilidade dos cidadãos e, portanto, a cidadania proclama a responsabilidade política de cada membro da sociedade civil, devemos concluir que a consagração da cidadania e da democracia depende de uma luta que não se esgota facilmente, não havendo outro recurso, senão, o de apostar na educação, não obstante às dificuldades para assim, renovar a democracia como a forma de governo que se baseia no respeito à pessoa humana contra toda forma de tirania. Bobbio (2000, p. 21) ressalta que a democracia é o método que está aberto a todos os possíveis conteúdos, ao nascimento de movimentos, desde que exercidos com base no diálogo, na participação e no respeito às regras primárias ou fundamentais.

Material suplementar
Artigo relacionado

[Artigo corrigido , vol. 1, 98-114] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/10/361

Referências
BOBBIO, N. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
BOBBIO, N.; BUSSI, M. (org.). Qual democracia? Tradução Marcelo Perine. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013. (Coleção leituras filosóficas)..
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Trad. Carmen C, Varriali et al .; coord trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. Brasília: Universidade de Brasília, 11ª ed., 1998.
HORA, D. L. da H. Gestão democrática na escola. 18ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.
LUIZ, M. C.; NASCENTE, R. M. M. (orgs). Conselho escolar e diversidade: por uma escola mais democrática. São Carlos: EdUFSCar, 2013.
MEIRIEU, P. O cotidiano da escola e da sala de aula: o fazer e o compreender. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005.
RIBEIRO, M. L. S. História da educação brasileira: a organização escolar. 14 ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1995.
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SANTOS, B. de S.; AVRITZER, L. Introdução: para ampliar o cânone democrático. 2003. Disponível em: http://disciplinas.stoa.usp.br/ pluginfile. php/221339/ mod_resource /content/2/IntroDemo PTBoaventura %20e%20 Avritzer. pdf Acesso em out.2014.
TOURAINE, A. O que é democracia? Trad. De Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis- RJ: Vozes, 1996.
Notas
Notas
1 Aquela prometida como nobre e elevada, sob a forma de promessas não cumpridas (tratadas por Bobbio (2000).
2 Consideramos democracia real aquela que se dá no plano da realidade atualmente.
3 Ad nutum: Pela vontade de. Que depende da vontade de outrem. Diz-se do ato que pode ser revogado pela vontade de uma das partes.
4 Os interesses particulares, de acordo com Bobbio (2000), podem ser, por exemplo, do operário, do comerciante, do profissional liberal, etc.
5 Na definição de Max Weber, políticos de profissão são aqueles que não vivem apenas para a política, mas vivem da política (BOBBIO, 2000, p. 60).
6 Ocorre quando, por exemplo, um conselho de faculdade é composto por professores de faculdade e não por representantes de partidos políticos, um conselho de estudantes ser representado por estudantes, na fábrica, os operários por operários (BOBBIO, 2000, p. 63).
7 Karl Marx sobre a exigência de revogação de mandato por parte dos eleitores feita à base da crítica à proibição do mandato imperativo deu particular relevo ao fato de que a Comuna de Paris foi composta por conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nas diversas circunscrições da cidade, responsáveis e substituíveis a qualquer momento (BOBBIO, 2000, p. 61). Esse princípio foi retomado várias vezes por Lênin e transmitido nas várias constituições soviéticas.
8 Em particular da corrente que se guiava por Hobson e Cole, cuja principal proposta de reforma institucional consistia em solicitar a desarticulação corporativa do estado (além da territorial) e a instauração de uma representação funcional, isto é, dos interesses constituídos e reconhecidos, ao lado da representação territorial própria do estado parlamentarista clássico, que encontra na Inglaterra a própria pátria e o próprio centro de irradiação (BOBBIO, 2000, p. 61).
9 “A assembleia dos cidadãos – a democracia que Rousseau tinha em mente [...] é um instituto que pode ter vida apenas numa pequena comunidade, como era a do modelo clássico por excelência, a Atenas do V e do IV séculos, quando os cidadãos não passavam de poucos milhares e a sua assembleia, considerando-se os ausentes por motivo de força maior ou por livre e espontânea vontade, reunia-se com todos juntos no lugar estabelecido (no qual, escreve Glotz, raramente podiam ser vistos mais que dois ou três mil cidadãos, mesmo que na colina onde habitualmente se realizavam as assembleias ordinárias pudessem estar, sempre segundo Glotz, vinte e cinco mil pessoas em pé e dezoito mil sentadas” (BOBBIO, 2000, p. 65).
10 Único instituto da democracia direta de concreta aplicabilidade e de efetiva aplicação na maior parte dos estados de democracia avançada (Itália, por exemplo), trata-se de um expediente extraordinário para circunstâncias extraordinárias (BOBBIO, 2000, p. 66).
11 Aqui sendo considerados os cidadãos ou as diversas formas de agregação, como pessoas pertencentes a associações, sindicatos, partidos, etc.
12 De acordo com Santos (2014, p. 21), [...] a cidadania evoluiu por meio de um processo de lutas desenvolvidas paralelamente em diversos países, que leva da condição de ‘membro da sociedade nacional’ no século XVII, ao ‘direito de associação’ no século XIX, até serem alcançados os ‘direitos sociais’ em pleno século XX.
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