Resumo: O objetivo deste artigo é discutir as novas formas de atuação do Estado contemporâneo especialmente no tocante à configuração das políticas públicas de educação no Brasil a partir da década de 1990 inseridas no contexto da chamada globalização e das reformas neoliberais, bem como, de forma mais específica, analisar as políticas educacionais implementadas no estado de São Paulo durante o mesmo período. Para tanto, dividimos este trabalho em duas partes. Na primeira, apresentamos uma discussão conceitual sobre os elementos centrais que compõem texto, quais sejam, Estado, Globalização e Neoliberalismo e suas relações com as políticas públicas à luz do debate marxista atual. Numa segunda etapa, pretendemos apresentar um mapeamento das políticas educacionais realizadas pelo estado de São Paulo a partir dos anos 1990 e sua relação com estes elementos chaves na elaboração e implementação destas.
Palavras-chave:Estado Políticas Educacionais. Neoliberalismo. GlobalizaçãoEstado Políticas Educacionais. Neoliberalismo. Globalização.
Abstract: The purpose of this article is to discuss new ways of working of the contemporary state especially regarding the setting of public policy education in Brazil from the 1990s set in the context of so-called globalization and neoliberal reforms, as well as, more specifically analyze educational policies implemented in the state of São Paulo during the same period. For that, we divided this work into two parts. At first, we present a conceptual discussion of the core elements that make up the text, namely, State, Globalization and Neoliberalism and its relations with the public policies in the light of the current Marxist debate. In a second step, we intend to present a mapping of educational policies implemented by the state of São Paulo in the 1990s and its relationship with these key elements in designing and these implementing.
Keywords: State Education policy. Neoliberalism. Globalisation..
Resumen: El propósito de este artículo es discutir nuevas formas de actuación del Estado contemporáneo, especialmente en lo referente a la configuración de las políticas públicas de educación en Brasil a partir de la década de 1990 situadas en el contexto de la llamada globalización y de las reformas neoliberales, así como, más específicamente, analizar las políticas educativas implementadas en el estado de São Paulo durante el mismo período. Para ello, hemos dividido este trabajo en dos partes. Al principio, presentamos una discusión conceptual sobre los elementos centrales que componen el texto, es decir, Estado, Globalización y Neoliberalismo y sus relaciones con las políticas públicas a la luz del actual debate marxista. En una segunda etapa, pretendemos presentar un mapeo de las políticas educativas implementadas por el estado de São Paulo a partir de 1990 y su relación con estos elementos clave en el diseño e implementación de estos.
Palabras clave: Estado Política educativa. El neoliberalismo. Globalización. .
Demanda Contínua
Estado, globalização e políticas públicas de educação: um estudo das políticas educacionais de São Paulo a partir da década de 1990
State, globalization and public policies for education: a study of the educational policies of São Paulo from the 1990
Estado , las políticas de globalización y educación pública : un estudio de las políticas educativas de Sao Paulo a partir de la década de 1990

Recepção: 30 Janeiro 2016
Aprovação: 30 Janeiro 2016
Este artigo tem como objetivo discutir as novas formas de atuação do Estado contemporâneo especialmente no tocante à configuração das políticas públicas de educação no Brasil a partir da década de 1990 inseridas no contexto da chamada globalização e das reformas neoliberais, bem como, de forma mais específica, analisar as políticas educacionais implementadas no estado de São Paulo durante o mesmo período. Para tanto, dividimos este trabalho em duas partes. Na primeira, apresentamos uma discussão conceitual sobre os elementos centrais que compõem texto, quais sejam, Estado, Globalização e Neoliberalismo e suas relações com as políticas públicas à luz do debate marxista atual. Numa segunda etapa, pretendemos apresentar um mapeamento das políticas educacionais realizadas pelo estado de São Paulo a partir dos anos 1990 e sua relação com estes elementos chaves na elaboração e implementação destas.
Cabe salientar que a opção em fazer uma discussão sobre estes elementos, quais sejam, o Estado, a Globalização e o Neoliberalismo e sua influência na concepção de políticas educacionais no Brasil, é devida à nossa compreensão de que eles estão interligados profundamente, não havendo, na perspectiva à qual nos propusemos realizar esta discussão, a possibilidade de dissociá-los.
Ao tratarmos do papel do Estado contemporâneo na elaboração das políticas públicas, aqui nos interessando para análise as de educação, partimos da concepção de Poulantzas e de seu estruturalismo dialético, fruto de sua segunda fase, quando rompe com o estruturalismo de Althusser na medida em que abandona a natureza determinista deste Estado e o concebe ao mesmo tempo como parte e resultado da luta de classes (CARNOY, 1988). Poulantzas, justifica esta mudança metodológica na abordagem do Estado ao afirmar, num primeiro momento que, ao se desenvolver, o capitalismo fez com que o Estado capitalista também se desenvolvesse. Desta forma, o autor assume a existência de um processo histórico de transformação tanto da luta de classes quanto para o Estado dentro do sistema capitalista de produção. Num segundo momento, Poulantzas afirma que com esta evolução do capitalismo, a luta de classes passou da produção (econômico) para o Estado (político) e, a partir daí este passa a ser um espaço onde a luta acontece.
Deste modo, para Poulantzas diferente do que defendia na sua primeira fase (estruturalista), agora vê as classes subordinadas como participantes do jogo político, na medida em que também moldam este Estado (de classes) que ao mesmo tempo é usado pela fração dominante para estabelecer e ampliar a hegemonia capitalista dominante. (CARNOY, 1988). Segundo Jessop (1997), no tocante ao poder político e às classes sociais,
Poulantzas encarou corretamente o Estado como uma relação social, como uma condensação com forma determinada de uma correlação mutável das forças de classe. Isso significa que o Estado não tem o seu próprio poder independente que possa tanto se fundir com o poder do capital.
Portanto, a partir da perspectiva de Poulantzas, concebemos o Estado como uma arena da luta de classes, que não se constitui uma entidade real, mas "uma relação, mais exatamente, uma condensação material da relação de conflito entre classes e frações de classes, tal como se expressam... no núcleo do Estado" (CARNOY, 1988). Se concebemos o Estado como uma arena da luta de classes, não poderíamos pensar a construção das políticas públicas senão como resultado desse embate de interesses entre a classe dominante e a classe subordinada que se dá nesta arena. Utilizaremos aqui o conceito de política pública de Hofling como o “Estado em ação” (HOFLING, 2001) e de Palumbo (1994), como “o princípio orientado por trás de regulamentos, leis e programas, sua manifestação visível e a estratégia adotada pelo governo (Estado) para solucionar os problemas públicos” e de o “Estado em ação”. As políticas públicas são, portanto, as ações elaboradas e implementadas pelo poder público, com a finalidade de efetivar os princípios estabelecidos na legislação vigente que, por sua vez, são frutos das discussões realizadas pelos agentes de pressão que ocupam os espaços públicos e, por conseguinte, disputam as ações do Estado.
Temos que considerar ainda, que hoje vivemos numa sociedade que está inserida numa economia global, onde as políticas públicas nacionais além de buscar responder ás demandas locais, sofrem influência de demandas internacionais, advindas do modelo vigente de política econômica mundial. Neste cenário, o Estado ao regular as relações sociais que estão em processo, não age de forma isenta a este modelo em voga, fazendo com que as políticas públicas por ele concebidas e legitimadas, sofram também parte desta influência externa, caracterizando-se num “hibridismo” em relação à elaboração das políticas. Para discorrermos sobre o conceito de globalização, antes é preciso dizer que esta pode ser discutida tanto numa perspectiva mais ampla quanto a partir de um enfoque mais específico. Ao optarmos pela perspectiva mais restrita, partimos da concepção de Santos (2001), ressaltando que pretendemos fazer referência aos aspectos econômicos, políticos e socioculturais buscando com este recorte, poder estabelecer um diálogo pertinente do tema com os aspectos do papel do Estado e da implementação das políticas educacionais.
Antes, porém de iniciarmos a discussão sobre a globalização na perspectiva de Santos, cabe ressaltar que Poulantzas na década de 1970 já publicava a respeito, atribuindo um outro nome para este processo. Para ele era a chamada internacionalização causada pelo imperialismo o grande vilão na redução do papel do Estado (JESSOP, 1997). Para Santos (2001), a globalização tem três faces que precisamos considerar para poder compreendê-la. A primeira é a globalização como fábula, que representa o modo como ela é contada, veiculada pelos meios que a fazem pública. Este aspecto se constitui num dos principais para sua expansão e consolidação, ao cumprir um papel de convencimento ao mundo ou às comunidades locais de sua imprescindibilidade como ideologia hegemônica. Um segundo aspecto da globalização ainda segundo Santos (2001), é a perversidade. Esta é a face mais cruel e verdadeira da globalização. É a forma como ela se mostra e repercute no mundo real, causando todas as desigualdades econômicas e sociais que se perpetuam no mundo contemporâneo. Corroborando com Santos, Azevedo (2004) afirma que
[...] são visíveis a crescente pobreza, o desemprego estrutural, a violência, enfim, os níveis de perversidade decorrentes da exclusão social espraiada por todo o planeta, colocando por terra todas as promessas que se seguiram ao advento da modernidade.
A terceira forma de pensarmos a globalização é a da possibilidade de mudança, uma globalização mais humana onde o Estado se faça mais presente através das políticas sociais. Trata-se de uma concepção que podemos e devemos ter de podermos transformar o processo de globalização vigente, que reduz o papel do Estado a mero executor de políticas supranacionais, por outro possível, na qual este faça prevalecer as demandas nacionais em detrimento das internacionais. Para Milton Santos, a morte da política e da capacidade do estado em gerir as demandas nacionais e um aspecto fundamental para se compreender a subserviência dos governos (nacional) à ideologia hegemônica do mundo global (supranacional). Segundo o autor, durante o Imperialismo do século XIX, o mercado era subordinado à política, pois havia a existência e a atividade de um estado regulador cuja função era a de legislar e mediar as relações econômicas e políticas. Agora, na era da globalização atual, houve uma inversão nas funções e a política passou a ser subordinada ao mercado. Essa inversão, segundo Santos (2001) deve-se ao fato das técnicas hegemônicas estarem presentes obrigatoriamente em todos os países (o que não ocorria ainda no século XIX), fortalecendo a ideia neoliberal do estado mínimo.
Porém, mesmo diante de todos estes aspectos negativos da globalização, Milton Santos propõe uma outra possibilidade neste processo vigente. Segundo ele, pode não ser possível (e este na atual conjuntura nem seria o melhor caminho) dizer não à globalização ou tentarmos frear este processo que anda a passos largos. Mas isso não significa que não possamos transformá-la em algo que seja viável e que traga benefícios a todos. Para ele é possível realizar uma transição includente, onde o homem deve passar a ser o centro, em detrimento do mercado e do dinheiro em estado bruto. Assim, devemos buscar garantir o mínimo para satisfazer nossas necessidades individuais e coletivas para uma vida digna, abolindo a competitividade e dando lugar à prática da solidariedade. E para que isso aconteça, o Estado tem um papel fundamental e deve desempenhá-lo de forma a garantir não só a soberania, mas também a inclusão na agenda hegemônica das demandas locais e nacionais. Ao Estado, cabe segundo Santos, fazer triunfar os interesses da nação sobre o projeto hegemônico das grandes empresas e de alguns países, bem como assumir o papel de um Estado regulador onde prevaleça a autonomia para a que haja a inserção no mundo da globalização não de forma passiva.
No Brasil, a partir dos anos 1990, num contexto em que o mundo passava por transformações no setor produtivo e, por conseguinte, nas relações de trabalho devido à reestruturação do sistema capitalista, a educação passa a ser considerada questão estratégica para a consolidação dos propósitos neoliberais no país. Utilizamos a expressão propósitos neoliberais para fazer referência àquela fase do capitalismo, chamada de Neoliberalismo, que tinha como objetivo resgatar o ideário liberal que havia perdido força para os regimes socialistas das economias planificadas resultados da crise pela qual passou o capitalismo na década de 1920. Antes de continuarmos, pensamos ser importante fazer uma breve contextualização da gênese do Neoliberalismo e sua ascensão como sistema político e econômico hegemônico mundial a partir da década de 1980.
O Neoliberalismo surgiu como teoria acadêmica em 1944, fruto de uma crítica aos regimes socialistas totalitários alemão e russo realizada pelo austríaco Friedrich Hayek no livro intitulado O caminho da servidão. Segundo Hayek, quanto mais o Estado se fortalece e se dispõe controlar o sistema político e econômico, maiores as chances de ocorrerem desequilíbrios e entraves para o desenvolvimento da economia e da sociedade (HAYEK, 2010). Deste modo, uma volta ao liberalismo econômico clássico de Adam Smith seria a solução para a crise pela qual passava o capital e ao mesmo tempo, uma forma de exorcizar os demônios do socialismo. Outro idealizador do neoliberalismo foi o americano Milton Friedman que, em 1962 escreveu o livro Capitalismo e liberdade, no qual defende uma volta ao liberalismo clássico. Neste livro, Friedman escreve um capítulo sobre o papel do Estado na educação, criticando o que ele chama de monopólio quase unilateral do Estado na oferta e gerenciamento da educação.
No entanto, para Anderson (2000) em Balanço do Neoliberalismo, este é um fenômeno distinto do liberalismo clássico, pois nasceu logo depois da Segunda Guerra Mundial, na Europa e na América do Norte, veementemente contra o estado intervencionista e do bem estar social. Diferente do que pregava o liberalismo clássico, que tinha por princípio a defesa da liberdade do indivíduo, o neoliberalismo reduziu o indivíduo a um mero consumidor e o que passa a ser priorizado não é mais a liberdade da pessoa, mas a liberdade econômica das grandes organizações que detêm o poderio financeiro mundial. O que nos interessa aqui, no entanto, para situarmos nossa discussão no campo da educação e mais especificamente na formação de professores, é o conceito de neoliberalismo e quais suas características como sistema socioeconômico e político. Para Anderson (2000), o neoliberalismo defende um Estado que pratique disciplina orçamentária e contenção dos gastos com bem estar social. Ou seja, um Estado que invista minimamente nas demandas sociais, inclusive na educação.
Nesta perspectiva, as reformas na política educacional ocorridas no Brasil na década de 1990, estão no âmago de uma reforma maior, a de Estado, realizada para alinhar o país ao modelo neoliberal de gestão estatal, tendo sido implementadas seguindo parâmetros de órgãos internacionais de financiamento como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido por Banco Mundial, como cumprimento de protocolos que credenciavam o Brasil a entrar para o clube dos países em desenvolvimento para dar condições para a consolidação da globalização. Segundo Andrioli (2002), para o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação: a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras); b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade). Santos e Andrioli (2005) afirmam que:
As transformações gerais da sociedade atual apontam a inevitabilidade de compreender o país no contexto da globalização, da revolução tecnológica e da ideologia do livre mercado (neoliberalismo). A globalização é uma tendência internacional do capitalismo que, juntamente com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global sem restrições, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social.
Santos e Andrioli (2005), em função de tal conjuntura política, apresentam alguns grandes eixos que denunciam mais claramente o que apontam como consequências do neoliberalismo na educação:
-> Menos recursos, por dois motivos principais:
a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos,sonegação...);
b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;
->Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos Estados e Municípios (a Educação Infantil é delegada aos municípios);
-> O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência;
-> Formação menos abrangente e mais profissionalizante;
-> Menos recursos, por dois motivos principais:A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do ensino médio e profissionalizante;
-> Privatização do ensino;
-> Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado repassando adiante sua responsabilidade (os custos são repassados às prefeituras e às próprias escolas)
-> Aceleração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante da menor qualidade;
-> Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas apenas mais inscrições, pois não há estrutura efetiva para novas vagas);
-> A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado. Se as pessoas não tiverem acesso à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”, isentando, assim, o governo de sua responsabilidade com a educação;
-> O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionalizante, com a tendência de priorizar este último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência crítica”;
-> A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios de “controle” e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados. Mas, no que se refere à parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte), passa a ser descentralizada;
-> Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o menor custo): não interessa o conhecimento crítico;
-> Nova linguagem, com a utilização de termos com conotação política neoliberal na educação;
-> Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na escola pública, a partir de 1980;
-> Mudança do termo “igualdade social” para “eqüidade social”, ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade como direito de todos, mas somente com a “amenização” da desigualdade;
-> Privatização das Universidades;
-> Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinando as competências da Federação, transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios;
-> Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais).
Diante destas ações, podemos constatar o quanto os elementos do ideário neoliberal que prega a diminuição do Estado frente à elaboração das políticas educacionais estão presentes. É importante ressaltar que a diminuição do Estado sob a ótica do “gerencialismo” somente se dá em relação aos investimentos e à responsabilização deste pelas políticas sociais e, portanto, as educacionais. Segundo Azevedo (2004), “Estado mínimo não é sinônimo de Estado fraco”. Eis que surge agora o Estado avaliador, para o qual os resultados educacionais passam a ser mais importantes do que os processos pedagógicos. Ou seja, a gestão é descentralizada (Estado mínimo), mas o controle é centralizado (Estado em expansão).
Considerando o Estado como arena onde os embates entre os grupos sociais (classes) acontecem na busca de verem suas reivindicações atendidas e as políticas públicas (educacionais) como resultado desse embate pelas quais os interesses de parte da sociedade local estão em jogo, bem como a inserção do país numa lógica de um sistema político e econômico global que o faz ser signatário de diversos mecanismos internacionais de gestão do Estado, apresentamos um retrospecto das políticas educacionais implementadas no estado de São Paulo ao longo da década de 1990, sem perder de vista nossa temática que é a formação de professores, em especial os programas de formação continuada. Para tanto, considerando que os programas de formação continuada oferecidos pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo estão inseridos neste contexto, julgamos ser necessário uma análise das políticas educacionais implementadas.
A partir de janeiro de 1995, o estado de São Paulo passa a ser governado pelo PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira que, seguindo os mesmos rumos da política nacional, visto que o Governo Federal acabara de ser ocupado pelo mesmo partido, inicia uma série de reformas na educação pautada no ideário neoliberal.No mesmo ano, a SEE publicou um documento que trazia as principais diretrizes educacionais para aquele governo, que valeriam até 1998. Este documento fazia uma análise da política educacional do estado nos anos anteriores e definia como diretriz central da nova administração da pasta chamada revolução na produtividade dos recursos públicos, além de trazer duas diretrizes complementares: a primeira era relacionada à reforma e racionalização da estrutura administrativa e a segunda referia-se às mudanças nos padrões de gestão.
Deste modo, o documento definia as prioridades da pasta o para os próximos quatro anos. Neste período, foram várias as ações do governo estadual relacionadas à educação, destacando-se, entre elas as seguintes: reorganização do ensino fundamental com a criação do Ciclo Básico - CB, reforma curricular do ensino médio, criação do Programa de Formação Integral da Criança - PROFIC, criação da Escola Padrão (1992-1995), Instituição do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP (1996), implementação do programa de Progressão Continuada para o Ensino Fundamental (1997), Municipalização do ensino fundamental com a instituição do Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município (1996), bem como o oferecimento do programa de formação continuada de professores, a saber, o Programa de Educação Continuada - PEC (1996-1998).
Sobre as mudanças na gestão educacional formulada pela SEE durante a década de 1990, podemos destacar duas dimensões que evidenciam seu vínculo às ideias neoliberais: a primeira refere-se à concepção de que a educação é um serviço social e científico que pode ser desenvolvido por entidades públicas não estatais e a segunda refere-se ao exercício do poder tecnocrático potencializado pela utilização da informática e pelos sistemas de controle (avaliação de resultados). Dois os projetos foram implementados para o encaminhamento dessas mudanças: o primeiro reorganizou a estrutura burocrática da Secretaria, por intermédio de "várias ações desencadeadas com o objetivo de enxugar a gigantesca estrutura da Secretaria da Educação e eliminar as duplicidades encontradas numa estrutura morosa, ineficiente e cheia de disfunções" (SEE, 1998) e, o segundo, descentralizou e desconcentrou as atividades de administração da educação escolar mediante a "busca de novas parcerias (empresários, professores, pais, sindicatos, universidades, etc.) entre os quais os municípios se constituirão em parceiros privilegiados" para prestação dos serviços educacionais (SEE, 1995).
Desta forma, segundo Azevedo (2004), “... tudo isso vem sendo feito em nome da redução dos gastos governamentais e da busca de um novo envolvimento direto da comunidade nos processos das decisões escolares e nas pressões por escolhas, conforme os critérios de mercado”. Segundo a secretária de educação na ocasião, a reorganização das funções administrativas e de gestão da escola pública tinha por objetivo enfrentar a "má qualidade da oferta dos serviços prestados pelo órgão responsável pela educação no Estado de São Paulo através de suas escolas".
A partir do ano 2000, a política da SEE, sob a gestão do professor Gabriel Chalita, caracterizou-se pela manutenção das ações que vinham sendo processadas na gestão anterior, como por exemplo, o Programa de Municipalização do Ensino Fundamental, agora mais forte por conta da lei federal nº 9.424/96 do Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF (BRASIL, 1996), e a manutenção do regime de progressão continuada no ensino fundamental, ao mesmo tempo em que explicita alguns princípios inovadores, como são o caso da adoção do conceito de escola acolhedora e a forte insistência na questão da inclusão social. Logo no início de sua gestão, em 2005, publica um documento intitulado Política Educacional da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, trazendo as novas diretrizes para a educação em São Paulo. Em meio às novas medidas anunciadas pelo governo, no ano de 2005 a SEE lançou um programa de formação continuada denominado “Teia do Saber”, com a finalidade de articular e consolidar as ações que já vinham sendo realizadas pela pasta desde 2003, como é o caso do Programa de Educação Continuada (PEC) criado no primeiro mandato do Governador Mário Covas. Segundo o document
[...] as ações de formação continuada deverão propiciar a fundamentação teórica nos diferentes campos de atuação dos profissionais envolvidos, a necessária articulação entre essa teoria e a prática, a contextualização dos conhecimentos trabalhados, bem como a interdisciplinaridade possível, resguardando momentos para a socialização de experiências vivenciadas no cotidiano escolar e nas relações de trabalho (SEE, 2005).
Em 2007, agora na gestão do governador José Serra, a SEE anuncia um conjunto de 10 metas para melhorar a qualidade da educação que é oferecida nas escolas estaduais, que são as seguintes:
1.Que todos os alunos sejam alfabetizados até o final do segundo ano de escolaridade;
2. Redução em 50% da taxa de reprovação na 8ª série;
3. Redução em 50% da taxa de reprovação no ensino médio
4. Implantação de programas de recuperação de aprendizagem nas séries finais de todos os ciclos;
5. Aumento de 10% nos índices de desempenho do ensino fundamental e médio nas avaliações nacionais e estaduais;
6. Atendimento da demanda de jovens e adultos de ensino médio com currículo profissionalizante diversificado;
7. Implantação do ensino fundamental de nove anos com prioridade à municipalização das séries iniciais – 1ª a 4ª;
8. Programa de Formação Continuada e capacitação das equipes de ensino;
9. Descentralização da merenda escolar nos 30 municípios que ainda não aderiram ao programa;
10. Obras e melhorias de infraestrutura nas escolas.
No ano de 2009, foi lançado pelo então secretário de educação Paulo Renato Souza, o programa “+ Qualidade na Escola”, que mais uma vez anunciava equacionar a complexa questão da qualidade do ensino paulista. Este programa, comprometido com a agenda da melhoria da qualidade na escola pública contemplava cinco grandes ações:
1. Criação da Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo, a princípio com a finalidade de oferecer um curso aos professores ingressantes na rede, constituindo-se numa das fases do concurso público, utilizando-se da modalidade de educação à distância, combinada com atividades práticas e presenciais nas diretorias de ensino e incorporação em vários programas de apoio às escolas públicas por ONGs e fundações privadas;
2. Mudança no modelo de ingresso dos profissionais do magistério: curso de formação após o processo seletivo;
3. Criação de duas novas jornadas para os professores: 40 horas e 12 horas semanais;
5. Exame para os professores temporários como parte dos requisitos na escolha de aulas (SEE, 2009).
Ao atentarmos para todas essas ações, entendemos que foram efetivadas, como afirmamos anteriormente, seguindo o mesmo caminho das reformas educacionais realizadas pelo governo federal. Desta forma, podemos concluir que o Governo do Estado, ao adotar as diretrizes das políticas nacionais e estas por sua vez de acordo com as finalidades dos organismos internacionais de financiamento do desenvolvimento (BIRD, BID, UNESCO, UNICEF etc.), alegava que a educação era um fator que permitiria ao país participar competitivamente do mercado globalizado. Para tanto, a justificativa dada pelo Estado, era a de que o sistema educacional paulista enfrentava uma crise de eficiência, de eficácia e de produtividade e que, por conta dessa crise, necessitava de reformas. Segundo Frigotto (2000, p. 79) as reformas neoliberais:
Sob as categorias de qualidade total, formação abstrata e polivalente, flexibilidade, participação, autonomia e descentralização estão impondo uma automização e fragmentação do sistema educacional e do processo de produção do conhecimento escolar.
Desta forma na ótica neoliberal, o êxito do sistema educacional e a qualidade total da educação só serão alcançadas se o Estado não mais intervir ou intervir o mínimo possível. Portanto, a eficiência e a qualidade total na educação, segundo os neoliberais, serão atingidos somente quando não houver mais a intervenção do Estado nas políticas públicas educacionais, criando um espaço para uma mercantilização educacional. Para Gentili (2000, p. 25):
O neoliberalismo formula um conceito específico de qualidade, decorrente das práticas empresariais e transferido, sem mediações, para o campo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é, devem ser julgados seus resultados), como se fossem empresas produtivas. Produz-se nelas um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e, consequentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios de avaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível. Se os sistemas de Total Quality Control (TQC) têm demonstrado um êxito comprovado no mundo dos negócios, deverão produzir os mesmos efeitos produtivos no campo educacional.
Concluímos este texto afirmando a necessidade de pensarmos uma nova forma de olharmos para a educação brasileira na contemporaneidade, com vistas a superarmos os desafios trazidos pela herança do processo de globalização e da ideologia neoliberal que se faz presentes no nosso dia a dia na escola e em todos os âmbitos relacionados. Não basta conhecermos a realidade cruel vivida diariamente na escola se não conhecemos os bastidores da política econômica que faz com que a educação nacional não aconteça de forma ideal, de modo que a educação não alcance de fato aquele que deveria ser objetivo maior, qual seja possibilitar um ensino público de qualidade a todas as pessoas. Não podemos relegar nossa responsabilidade na luta por uma educação de qualidade e apenas apontarmos os problemas intrínsecos a ela sem nos colocarmos como corresponsáveis pelas transformações necessárias. Todavia, pensamos ser de suma importância que o Estado cumpra seu papel de regulador e fazer prevalecer nas políticas públicas o interesse da Nação em detrimento aos interesses hegemônicos internacionais.
Porém, como educadores que somos, temos um compromisso nessa busca por melhorias na educação de nosso país, seja na esfera pública ou privada, e não podemos jamais nos omitir dessa luta que acontece diariamente na escola, mas também noutros espaços de representação os quais temos o dever de ocupar para fazer com que a realidade perversa da educação nacional causada pelo processo de globalização neoliberal vigente chegue de fato aos órgãos oficiais e se materialize nas políticas educacionais.
suppl1.pdf (pdf)
[Artigo corrigido , vol. 2, 127-137] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/124